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|Entrevista

Isabel Camarinha: «Estamos do lado certo da história»

Em vésperas do XV Congresso da CGTP (23 e 24 de Fevereiro), o AbrilAbril conversou com Isabel Camarinha, secretária-geral cessante, sobre os desafios, presentes e futuros, colocados ao sindicalismo e ao seu «projecto de transformação da sociedade».

CréditosEstela Silva / Agência Lusa

O mandato de Isabel Camarinha, a primeira mulher a assumir o cargo de secretária-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional (CGTP-IN), termina no XV Congresso (23 e 24 de Fevereiro, no Seixal) por limite de idade. Tiago Oliveira, de 43 anos, mecânico e coordenador da União de Sindicatos do Porto, é o nome proposto pela Comissão Executiva da CGTP para a substituir.

Ao AbrilAbril, a sindicalista, que vai agora regressar aos quadros do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN), fez o balanço de um mandato que começou com uma pandemia e acabou com um dos maiores aumentos do custo de vida (para os trabalhadores) das últimas gerações. No entanto, uma coisa é certa: a CGTP continua a trilhar caminho «rumo a uma sociedade em que se acabe de vez com a exploração».

Foste eleita Secretária-Geral da CGTP em Fevereiro de 2020. Um mês depois, o país entrava em estado de emergência e confinamento por causa da pandemia Covid-19. De um momento para o outro, a realidade laboral do nosso país sofreu alterações significas, afectando centenas de milhares de pessoas. Os sindicatos estavam preparados?

Foi, de facto, um desafio muito grande. Não só porque se tentou instalar um medo colectivo (e havia um efectivo medo por parte dos trabalhadores, das populações, em relação a uma situação que nunca tínhamos vivido, uma pandemia com as características que teve a Covid-19), mas pela tentativa, por parte do patronato, do capital, de aproveitamento da situação sanitária para aumentar ainda mais a exploração dos trabalhadores.

Colocou-se-nos um desafio enorme, começando logo pela exigência de garantia de segurança e saúde aos trabalhadores que, na sua esmagadora maioria, tiveram que continuar a trabalhar (não obstante ter havido muitos que, pelos lay-offs, pelo confinamento, pelo teletrabalho, acabaram por não estar nos seus locais de trabalho). Era preciso garantir a sua saúde, toda a protecção relativamente à epidemia, e garantir os seus direitos. E isso foi, de facto, o desafio maior, porque o patronato tentou que os direitos dos trabalhadores fossem, muitos deles, eliminados. Até mesmo o direito à liberdade sindical, direito de reunião, direito de protesto, direito de manifestação. Ora, os sindicatos da CGTP e a CGTP assumiram logo esta necessidade de apoiar e defender os direitos dos trabalhadores e a sua protecção.

Essa foi a nossa principal intervenção no início da pandemia, assim como toda a exigência, junto do governo e do patronato, da garantia dos postos de trabalho e dos salários que foram postos em causa.

O custo para os trabalhadores foi desproporcionado, na pandemia, em relação ao que foi exigido às empresas e aos patrões?

Nós atravessámos ali um período em que estavam muitos milhares de trabalhadores em lay-off, com o lay-off simplificado. Em 2020, esses trabalhadores tiveram um corte de 30% nos seus salários, coisa que a CGTP, desde a primeira hora, exigiu que não acontecesse.

Assistimos ao despedimento de todo um conjunto de trabalhadores que tinham vínculos precários: foram os primeiros a ser despedidos, apenas porque o Governo não aceitou a nossa exigência de garantir que não havia despedimentos de nenhum trabalhador, fosse qual fosse o seu vínculo, durante a pandemia. Ora, o que aconteceu foi que o Governo PS acabou por colocar na legislação e nas medidas que foi tomando o impedimento de despedimento dos trabalhadores dos quadros das empresas, mas os trabalhadores com vínculo precário ficaram de fora dessa medida.

Basta ir ver os números do desemprego naquele período para perceber que esses foram os primeiros a ser despedidos: os trabalhadores com vínculo precário.

Valeu a pena, em 2020, celebrar o 1.º de Maio em Lisboa? A CGTP foi alvo de muitos ataques e críticas...

O nosso 1.º de Maio constituiu não só uma garantia para os trabalhadores de que a CGTP e os seus sindicatos não arredavam pé da defesa dos seus direitos, como demonstrou que, mesmo em estado de emergência, mesmo com pandemia, desde que fosse assegurada a protecção sanitária, nós tínhamos o direito de exercer a liberdade sindical, o direito de manifestação. O 1.º de Maio de 2020 constituiu, de facto, uma mola que impulsionou a luta dos trabalhadores em muitíssimos locais de trabalho, aliás, poucos dias depois houve uma marcha de trabalhadores em Évora e trabalhadores de um conjunto vastíssimo de empresas fizeram reuniões à porta dos seus locais de trabalho.

O que estava a acontecer era o aumento da exploração, o incumprimento dos direitos, o tentar atropelar os direitos dos trabalhadores aproveitando a pandemia. Não podia ser.

As empresas conseguiram, da parte do Governo, a adopção de um conjunto de medidas, de apoios, de subsídios a seu favor, mas não ficaram garantidos todos os direitos dos trabalhadores.

O PS fez, recentemente, grande alarde com a adopção da chamada Agenda do Trabalho Digno (ATD). A CGTP não acompanha esse projecto?

A CGTP participou em toda a discussão, quer ao nível da concertação social, quer com os trabalhadores, em torno da chamada Agenda do Trabalho Digno, colocando logo desde o início a necessidade de resolução dos problemas estruturais introduzidos pela aprovação do Código do Trabalho em 2013 e as suas sucessivas alterações. E o que é que aconteceu? 

Sempre combatemos todas as alterações à legislação laboral que retirassem direitos aos trabalhadores, promovessem a individualização das relações de trabalho ou que negassem a efectivação do direito de negociação colectiva. Essas foram umas das principais matérias que nos levaram a não concordar com a chamada Agenda do Trabalho Digno.

A ATD não resolveu os problemas estruturais da legislação laboral: a contratação colectiva e a caducidade das convenções colectivas, a não reposição do princípio de tratamento mais favorável ao trabalhador, a manutenção de uma permissividade de vínculos precários num conjunto muito vasto de actividades, não restringindo, por exemplo, a possibilidade das empresas contratarem, por exemplo, a termo certo, e permitindo a externalização a empresas de trabalho temporário.

Também em termos de horários de trabalho não houve a ousadia de continuar um processo que tem de continuar, de redução do horário de trabalho. Para garantir a conciliação da vida pessoal com a vida familiar e da vida pessoal com a vida profissional, para garantir a saúde dos trabalhadores com a regulação dos horários de trabalho e a sua redução. Foram opções, por parte do governo, do Partido Socialista, que não garantiram, de facto, a melhoria no progresso da legislação laboral e o que provocam. Não garantindo a revogação dessas normas gravosas e a reposição de direitos dos trabalhadores, o que provocam é o piorar das condições de trabalho.

Tem sido uma das bandeiras do Partido Socialista. Quando se diz: não se alterou para pior, pela primeira vez não se alterou a legislação laboral para pior, o que é que isto significa? Quando não se altera, retirando aquilo que faz com que a situação dos trabalhadores piore, está-se a permitir que a situação dos trabalhadores continue a piorar! Isso não é nada de positivo, pelo contrário, e por isso a CGTP não acompanhou. A ATD tem até algumas melhorias, mas são muito insuficientes.

Não temos visto os sindicatos particularmente investidos na ideia da semana de 4 dias. Porque é que a opção passa sempre pela luta pelas 35 horas semanais?

A CGTP defende a redução do horário de trabalho para as 35 horas no máximo, sem perda de retribuição. Isso é o que garante, de facto, a possibilidade dos trabalhadores terem um horário que lhes permita organizar a sua vida, compatibilizar a sua vida profissional com a sua vida pessoal.

«Sobre uma semana de 4 dias, que efetivamente garanta que os trabalhadores não trabalham mais de 8 horas por dia, nós não temos nada contra... Pelo contrário! É benéfico para os trabalhadores, naturalmente, passarem a ter 3 dias de descanso e poderem ter uma vida diferente. Agora, a verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, o que se faz é aumentar o horário diário de trabalho. Ora, isso não propicia a conciliação da vida profissional com a vida pessoal»

Nós não temos nada contra a semana dos 4 dias. O que verificamos é que muitas vezes o que isso propicia é não uma redução do horário de trabalho, mas uma alteração da sua organização, aumentando as horas trabalhadas.

Sobre uma semana de 4 dias, que efetivamente garanta que os trabalhadores não trabalham mais de 8 horas por dia, nós não temos nada contra... Pelo contrário! É benéfico para os trabalhadores, naturalmente, passarem a ter 3 dias de descanso e poderem ter uma vida diferente. Agora, a verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, o que se faz é aumentar o horário diário de trabalho. Ora, isso não propicia a conciliação da vida profissional com a vida pessoal, não garante tempo para a família, para o lazer, para o desporto, para a cultura, para se fazer o que se quiser.

A redução do horário de trabalho para as 35 horas, para além de tudo, será um avanço civilizacional, porque é nesse sentido que temos que caminhar. Os avanços da ciência e da técnica foram enormíssimos, permitem formas de produção com menos trabalhadores e em menos tempo. Ora, quem tem beneficiado destes avanços da ciência e da técnica tem sido apenas o capital, porque unicamente serve para aumentar os lucros.

E a CGTP está pronta para a transformação que a evolução da ciência e da técnica vão ter, nos próximos anos, no mercado de trabalho?

Temos aqui duas abordagens a essa questão.

A evolução da forma que as relações de trabalho têm, não alterou a natureza da exploração dos trabalhadores. Portanto, desse ponto de vista, seja em teletrabalho, seja com máquinas altamente sofisticadas, seja com o trabalho tradicional, os trabalhadores estão a vender a sua força de trabalho. Há quem tenha de vender a sua força de trabalho e há quem queira apropriar-se do que os trabalhadores produzem, apropriar-se o mais possível.

Portanto, há aqui a continuação de uma luta para garantir uma distribuição diferente da riqueza, garantir a valorização do trabalho dos trabalhadores, garantir que os trabalhadores são justamente compensados pelo trabalho que realizam.

Por outro lado, a redução do horário de trabalho permitirá também a criação de mais postos de trabalho. Naturalmente que, depois, teremos de enfrentar os interesses do capital (que quer é produzir o maior lucro possível com o mínimo de gastos), mas aí a luta dos trabalhadores é fundamental. Nós assistimos já, na nossa história, a estes momentos, em que houve esse salto civilizacional, como quando atingimos as 40 horas de trabalho como limite máximo da duração do trabalho semanal.

O fundamental é garantir que esse emprego, naturalmente, seja um emprego com direitos, assegurando que os trabalhadores beneficiam dos avanços que tem havido nos métodos de produção, como dizia, com a ciência e com a técnica, e que lhes é garantido o direito a terem vida familiar, vida pessoal, sem a pressão da empresa, o patrão ou do Estado.

A desregulação de horários afecta muita gente?

Temos, em Portugal, mais de um milhão e oitocentos mil trabalhadores que têm formas diversificadas de desregulação dos horários, com trabalho por turnos, com trabalho noturno, com laboração contínua, com horários diversificados. Muitas vezes, os trabalhadores têm um horário num dia, no seguinte já têm outro, e a seguir, e a seguir... isto inferniza completamente a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras, impede uma vida familiar, incide inclusive nos direitos das próprias crianças! É impossível conciliar esta realidade no caso dos trabalhadores com crianças. É impossível.

Precisamos de fazer este caminho de garantir, de facto, a redução do horário de trabalho, salários dignos e que o trabalhador seja, efetivamente, compensado pela prestação do seu trabalho.

A caducidade...

É a contratação colectiva que contém os direitos dos trabalhadores. É através da negociação da contratação colectiva que se faz a actualização anual dos salários de todos os trabalhadores em todos os sectores, e não apenas do Salário Mínimo Nacional, que é muitíssimo importante para garantir o mínimo necessário, o que, no nosso caso, não é o que acontece (820 não é o mínimo necessário para viver com dignidade, daí a nossa proposta de atingirmos os 1000 euros de salário mínimo ainda em 2024, com 910 com retroactivos a Janeiro).

Precisamos do aumento geral e significativo dos salários, os 15% com um mínimo de 150 euros em 2024 para todos os trabalhadores. É a negociação da contratação colectiva que assegura esta necessidade de valorização dos salários e das condições de trabalho. Houve uma opção política de manter todo o bloqueio que existe na contratação colectiva, a tal caducidade, que permite que a contratação colectiva expire, contra a vontade dos trabalhadores.

Neste momento, temos cerca de 750 mil trabalhadores abrangidos pela renovação da contratação coletiva. Desses, apenas 690 mil vão ter alterações salariais. Estamos a falar de um universo de cerca de 5 milhões de trabalhadores. Isto é muito pouco, é mesmo muito pouco, é uma taxa de abrangência da renovação da contratação colectiva muito diminuta e que não garante o aumento dos salários. Para garantir o progresso nas relações de trabalho, nas condições laborais, tem de se efectivar a contratação colectiva.

Isso não pode explicar um pouco a redução das taxas de sindicalização em Portugal? Os trabalhadores deixam de ter capacidade de melhorar as suas condições através da sua acção colectiva e, eventualmente, deixam de acreditar ser possível conquistar seja o que for? Lembro-me da situação do MyAuchan da Amadora, a empresa obrigou centenas de trabalhadores a fazerem a limpeza das lojas e casas de banho públicas (despedindo os trabalhadores das limpezas, e apenas 8 trabalhadores reagiram, a maioria aceitou um abuso flagrante. 

Há uma pressão muito grande das empresas sobre os trabalhadores. O Código do Trabalho e as alterações que nele foram introduzida promovem a individualização das relações de trabalho e isso propicia, digamos assim, uma maior pressão das empresas sobre os trabalhadores para aceitarem, inclusive, que não sejam cumpridos os seus direitos.

Quando se diz que a sindicalização está a diminuir, a CGTP não tem essa visão. Temos o nosso Congresso a 23 e 24 de Fevereiro, e a verdade é que estamos ainda a terminar o balanço deste mandato em termos de sindicalização e o resultado que temos é muitíssimo significativo no que toca ao número de trabalhadores sindicalizados.

Agora, naturalmente que com o nível de precariedade que temos no nosso país, com esta possibilidade de ter trabalhadores que não são vinculados à empresa para quem efectivamente trabalham, como é o caso das empresas de trabalho temporário, de um conjunto de plataformas digitais (uma das tais novas formas de relação de trabalho), alterações à legislação laboral que não vieram a resolver os problemas na totalidade... mas tem havido também o desenvolvimento de intensíssima luta, este mandato fica marcado exactamente por isso.

Os estafetas das plataformas digitais são, talvez, a face mais visível do que significa ter um mercado laboral desregulado...

Os trabalhadores que exercem por conta dessas plataformas digitais têm de ser considerados trabalhadores por conta de outrem. Aliás, no que toca a este nível d4 precariedade, um dos problemas da nossa legislação é que é muito permissiva, seja em relação às plataformas digitais, seja em relação aos trabalhadores, por exemplo, a recibos verdes. Sabemos bem que há milhares e milhares de trabalhadores, os chamados trabalhadores independentes, que têm um vínculo efectivo, que fazem uma efectiva prestação de trabalho subordinado a empresas para as quais, na realidade, trabalham.

Houve ali umas pequenas alterações que melhoraram ligeiramente, mas acaba-se por criar uma terceira condição de trabalhador, que nem é trabalhador independente, nem é trabalhador por conta de outrem, com acesso a alguns direitos, mas sem os ter a todos. Precisamos, todos, de garantir que um a posto de trabalho permanente corresponde efectivamente a um vínculo efetivo. Não foi isso que se fez, mais uma razão para a CGTP não ter estado de acordo com a Agenda do Trabalho Digno: não resolve os principais problemas com que os trabalhadores se confrontam no seu dia-a-dia.

Referiste a individualização do trabalho. Como é que os sindicatos podem organizar trabalhadores em teletrabalho, onde cada um vive em bairros, cidades ou até países diferentes, separados por grandes distâncias? Centenas de milhares de trabalhadores, em Portugal, estão já neste regime, a tempo parcial ou inteiro

Nós mantemos, de uma maneira geral, a nossa acção e intervenção muito ligada ao local de trabalho, porque é onde os trabalhadores estão concentrados em maior número e onde há maiores possibilidade de organizar e mobilizar os trabalhadores. Agora há esta realidade, que a pandemia acabou por ampliar, de um número muito significativo de trabalhadores cuja actividade laboral na empresa é feita remotamente, a partir de casa ou de outros locais. Temos, sindicatos, de fazer um investimento muito grande em todas as formas de contacto, utilizando os meios digitais, inserindo estas questões nos cadernos reivindicativos e nas propostas de negociação da contratação coletiva, etc... 

Há muitos outros direitos que não podem ser esquecidos relativamente aos trabalhadores que estão em teletrabalho, nomeadamente, por exemplo, os placares digitais de informação sindical, o assegurar, por parte da empresa, dos direitos dos trabalhadores ao nível da informação, da participação na vida dos sindicatos, na sua eleição como delegados sindicais, como dirigentes, etc...

É natural que o isolamento provoque ainda maior individualização da relação de trabalho, mas, para a CGTP, a questão que se coloca é garantir os direitos desses trabalhadores e nesses direitos também se incluir o direito de participação e de liberdade sindical. Tivemos alguns resultados muito positivos, temos sectores em que se fazem plenários com centenas e centenas de trabalhadores por videoconferência, por exemplo, em que os trabalhadores participam e a partir das suas casas, a partir do local de onde prestam a sua actividade profissional e dão o seu contributo. 

Agora, apesar desta realidade ter aumentado muito, a esmagadora maioria dos trabalhadores continua a estar nos seus locais de trabalho. Portanto, o contacto directo, o plenário, a reunião, a informação que se leva aos trabalhadores , envolvendo-os na forma de resolver os seus problemas e de aprovar as suas reivindicações.

Os resultados dessas lutas têm sido positivos?

Há um conjunto enormíssimo de lutas que têm sido desenvolvidas em empresas, em sectores, em locais de trabalho, em serviços. Seja no sector privado, seja no sector público. E com resultados!

Temos tido aumentos salariais, muitos deles acima até das propostas-base que nós temos reivindicado ao longo dos anos. Já em 2024 tivemos trabalhadores a alcançarem aumentos de 150 euros (e mais ainda) mensais, garantindo a melhoria das suas condições de vida. Também ao nível dos direitos (nomeadamente da organização dos horários de trabalho), da passagem de trabalhadores com vínculos precários a contratos efectivos. Onde os trabalhadores lutam, há resultados.

E temos agora um conjunto vasto de sectores que estão a vir à luta, alguns que até nem é muito tradicional e habitual lutarem e que estão a vir à luta, porque o descontentamento é mesmo muito profundo e generalizado. Em todas as áreas, em todos os sectores, os trabalhadores sentem esta injustiça, este aumento das desigualdades, o empobrecimento. Sentem que o aumento dos salários é fundamental para garantir condições de vida e que o que tem acontecido é que a isso não tem sido dada uma resposta efectiva.

Há alguma empresa ou sector, dos que acabaste de mencionar, que não era comum ter uma grande prática reivindicativa e que te tenha impressionado nestes últimos anos?

São muitos exemplos. Em todos os sectores, houve lutas em empresas que, há muitos anos, não lutavam. Foi anunciada uma greve geral dos jornalistas, algo que não acontecia há muitos anos. Isto tem a ver com a percepção dos trabalhadores (neste caso os jornalistas), de que a exploração aumentou muito, não lhes são garantidas as suas condições de trabalho e salariais dignas.

Neste caso concreto, há ainda a questão da própria liberdade de imprensa e da forma como os órgãos de comunicação social estão dominados pelo capital. Ao aproveitarem todas as formas de exploração, baixos salários, precariedade, acabam por não permitir que o direito à informação seja garantido como devia ser.

Abril ainda é projecto da CGTP?

Precisamos é de o concretizar! Para desenvolver o nosso país e estas matérias dos direitos dos trabalhadores, que são direitos fundamentais, do pleno emprego, do direito ao trabalho com direitos, de um salário que permita viver com dignidade, o direito de negociação e contratação colectiva, o direito à liberdade sindical, à liberdade de imprensa, o direito à saúde, à educação, à protecção social e aos serviços públicos. Que nos permita viver com dignidade sem haver essa injustiça e essa diferenciação e discriminação de que os ricos é que podem. Isto tudo se liga com o 25 de Abril, com os 50 anos da revolução e com o nosso projecto de transformação da sociedade da própria CGTP.

Garantindo a emancipação da sociedade. Garantindo aos trabalhadores os seus direitos e liberdades, caminhando rumo a uma sociedade em que se acabe de vez com a exploração. Onde não haja explorados nem exploradores, como temos neste sistema capitalista em que vivemos. 

A Comarca de Lisboa reconheceu recentement o vínculo laboral entre os estafetas e as plataformas digitais. Dias depois, saiu uma reportagem em que alguns destes trabalhadores, imigrantes muitos, assumiam algum receio com as consequências que advinham desta regularização dos contratos, por ficarem presos a contratos sem direitos e de salário mínimo. Como é que se conciliam estas duas necessidades: trabalhadores precários (maioritariamente imigrantes a viver em situações indignas) a procurar fazer o máximo de dinheiro possível e a necessidade premente de se assegurarem direitos laborais como a estabilidade, direito ao descanso, horários?

Por isso é que é tão importante este aumento geral e significativo de todos os salários, que garantam, de facto, que os trabalhadores são compensados justamente pela prestação do seu trabalho. Há um aumento enorme da imigração no nosso país, os patrões a dizer que precisam dos imigrantes porque não estão a conseguir contratar trabalhadores portugueses para os postos de trabalho que precisam de ser ocupados. Ora, isto é resultado deste modelo de baixos salários de precariedade que o patronato se recusa a alterar.

O patronato aproveita-se da vinda de milhares de trabalhadores de outros países, que procuram uma vida melhor, naturalmente (como acontece em Portugal, aliás, são muitos os que daqui emigram, saem do nosso país para procurar melhores condições de vida porque as que temos cá não permitem uma vida de facto digna) e o patronato, o capital, aproveita-se desses trabalhadores tentando baixar, no fundo, o nível, quer salarial, quer de direitos praticados no nosso país.

E é isto que não pode ser permitido e isso exige medidas por parte dos governos, exige uma legislação laboral que garanta os direitos de todos os trabalhadores, imigrantes ou não, e exige fiscalização permanente por parte, nomeadamente, da Autoridade para as Condições de Trabalho, que impeça que haja este aproveitamento dos imigrantes, muitos deles a viver inclusive em condições indignas, até de habitação. Tem havido fortes movimentações, também por parte dos sindicatos da CGTP, das nossas estruturas, para exigir que sejam garantidas essas condições de vida.

O secretário de Estado do Turismo do Governo PS (Nuno Fazenda) afirmou que 2023 foi o melhor ano de sempre no turismo, em termos de receitas e lucros. No entanto, não passa uma semana sem recebermos informação sobre despedimentos e abusos contra trabalhadores, na sua maioria precários, neste sector recordista da Hotelaria...

Aliás, é curioso que alguns dos sectores que alcançam melhores resultados, quer para o nosso PIB, quer para a economia em geral, que garantem maiores resultados para as empresas, em lucros, são muitos deles os que mais baixos salários pagam. Temos isso no caso do turismo, da restauração, do comércio, das empresas de distribuição, que são das que mais lucros têm e que pagam salários baixíssimos, recusam-se a negociar a contratação coletiva.

Portanto, há que organizar e mobilizar os trabalhadores para exigirem, de facto, alteração das suas condições, é isso que está colocado aos nossos sindicatos, à CGTP, é esta intensificação e envolvimento dos trabalhadores e, naturalmente, a organização desses trabalhadores e, para isso, a sindicalização é fundamental também, para os trabalhadores ganharem consciência de que, unidos, são uma força imensa.

Um país não se desenvolve com este modelo que temos de desindustrialização, de não investimento na produção nacional, de continuar as privatizações de empresas e sectores que são estratégicos para o nosso desenvolvimento e para a nossa própria soberania. Este modelo de baixos salários, de uma produção de baixo valor.

Referiste à pouco as privatizações. Com a tua experiência acumulada na CGTP, acompanhando várias privatizações, o que dirias que estes trabalhadores, embrulhados nestes processos, podem esperar? Quais são as consequências principais de uma privatização, em termos laborais?

Para além das consequências para a economia, para o desenvolvimento do país, que são sempre negativas, especialmente quando são sectores estratégicos, o que nós verificamos é que as empresas públicas que foram privatizadas passaram a ter um nível de precariedade enorme: EDP, Altice, etc... Assim que são privatizadas, começam a recorrer a todos os meios que a lei continua a permitir, de externalização de serviços, de contratação com vínculo precário, de redução do número de trabalhadores para garantir maior lucro...

Quando se privatiza uma empresa, o serviço que se presta deixa de estar no topo das prioridades de quem a gere: o foco passa a estar na acumulação de mais lucro.

Neste momento, a EDP tem quase mais trabalhadores sem vínculo à empresa do que trabalhadores nos quadros, efectivos. Ora, isto é uma desregulação da relação de trabalho, é o não garantir que, de facto, um trabalhador deve ter um vínculo à empresa para quem presta o seu serviço. Isto resulta em que, muitas vezes, estes trabalhadores tenham condições inferiores aos outros, efectivos, quer em termos salariais ou de direitos de trabalho.

Para além, claro, de muitas vezes a privatização conduzir a reestruturações, como eles chamam, que significam despedimentos, redução do número de trabalhadores. O que vemos hoje em dia nas grandes empresas e grupos económicos é um número de trabalhadores muito insuficiente para as necessidades que têm que ser executadas, o que depois promove o trabalho extraordinário, muitas vezes não pago, os bancos de horas, as adaptabilidades: um conjunto de desregulação de horários de trabalho e de aumento da exploração.

No ano passado, a Célia Lopes, dirigente do CESP/CGTP, comentava o facto de as empresas da grande distribuição estarem a abrir cada vez mais supermercados, às centenas, mantendo, no entanto, o mesmo número de trabalhadores que tinham com operações muito mais reduzidas

Exactamente. Isso acontece nas empresas de distribuição, nestes grandes grupos, Jerónimo Martins, Sonae, Auchan, etc... mas acontece também noutros sectores. Ou seja, tenta-se cada vez fazer mais, com muito menos trabalhadores. Isto é um grau de exploração que é inaceitável. Precisamos que a sociedade evolua garantindo dignidade de vida, condições de vida, garantindo os direitos a ter vida própria, para além da vida laboral, garantindo direito à família, aos amigos, à ocupação dos tempos livres, com cultura, com lazer.

Ao longo dos últimos anos travaste conhecimento com a realidade de milhares de trabalhadores, de centenas de diferentes empresas de diferentes sectores. Há alguma experiência que te tenha marcado nessas acções de contacto? O casal que trabalhava em turnos diferentes, na Matutano, foi referido recentemente...

Infelizmente, temos muitas situações dessas, em que os trabalhadores, devido à desregulação dos horários de trabalho, muitas vezes trocam o filho no parque de estacionamento da empresa ou do local de trabalho. Acho que não tenho assim uma empresa, um local, porque foram tantas as situações, as ações de luta, os plenários, as acções onde participei, que o que me ficou deste mandato, ou seja, desta função que me permitiu também ter uma experiência muito diversificada em relação aos vários sectores foi a importância dos trabalhadores tomarem consciência da força que têm quando se organizam e se mobilizam. 

«Realizámos um conjunto tão vasto de acções durante este mandato que a mobilização dos trabalhadores, das trabalhadoras, em defesa dos seus direitos é, de facto, a marca que fica deste e de todos os mandatos»

E isto para mim foi o mais importante que eu vivi neste mandato, foi o poder contribuir para que esta consciência seja alcançada pelos trabalhadores, garantindo que com essa organização e mobilização depois tenham obtido resultados. E isso é muito, muito positivo.

Naturalmente que, se calhar, aquele 1.º de Maio de 2020 pode ser um momento que me deixou uma marca muito profunda pelas condições em que estávamos a realizar. Mas nós realizámos um conjunto tão vasto de acções durante este mandato que a mobilização dos trabalhadores, das trabalhadoras, em defesa dos seus direitos é, de facto, a marca que fica deste e de todos os mandatos.

São 53 anos de vida desta CGTP Intersindical Nacional, sempre com esta matriz, esta história que queremos honrar e prosseguir de defesa intransigente dos direitos e interesses dos trabalhadores. 

O que faz um bom sindicalista? Que características são imprescindíveis?

Para já, a consciência de classe, ou seja, consciência de que há explorados e exploradores, e que os explorados devem unir-se para combater essa exploração e lutar por melhores condições. Mas também, naturalmente, é uma opção de vida, exige disponibilidade, exige empenho, exige, no fundo, que nos coloquemos esta opção, de vida, em tudo o que fazemos, mesmo no nosso percurso não laboral.

Não estamos a trabalhar para alguém, estamos a trabalhar para o conjunto dos trabalhadores e eu acho que isso é muito gratificante. Sabemos que estamos do lado certo da história, sabemos que estamos a lutar por um Portugal, por um mundo, melhor, para acabar com as injustiças, as desigualdades.

Quais são as expectativas para este XV Congresso da CGTP?

O Congresso, para já, será um grande congresso, com todos os sectores e regiões do país representados. Através dos delegados, vão ser discutidas e aprovadas as linhas de acção para o próximo mandato, e também, naturalmente, as medidas imediatas que precisamos de ver garantidas para alterar esta situação.

O congresso da CGTP insere-se e articula-se com a intenção de luta que os trabalhadores estão a desenvolver, será um congresso muito ligado à realidade, à vida dos trabalhadores nos seus locais de trabalho, mas também de outras camadas da população, afectadas pela política que tem vindo a ser seguida, e com a proposta e o projeto que garante, de facto, a mudança que precisamos de rumo no nosso país, para efectivar um país de progresso, de justiça social. Isto sempre sempre esteve presente na acção da CGTP

O congresso é um momento alto, momento de reforçar e de renovar e rejuvenescer a direcção da própria CGTP e garantir a continuidade deste projeto transformador que é o desta Central Sindical de Classe.

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