A manifestação de amanhã faz convergir as lutas travadas pela CGTP-IN desde a aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2022. Desde então, e como fomos percebendo pela sua agenda, esteve presente em várias iniciativas, de Norte a Sul. Que balanço faz desta acção e que sentimento recolheu junto dos trabalhadores?
Há, de facto, um descontentamento muito profundo que já vinha de trás – não vale a pena estarmos aqui a fazer a história de todos os problemas que temos e que os trabalhadores sentem na degradação das suas condições de vida e de trabalho –, mas o momento que estamos a viver e a falta de soluções está a provocar grande descontentamento nos trabalhadores e a exigência de resposta às suas reivindicações, nomeadamente a questão dos salários. Com este aumento brutal do custo de vida, o aumento dos salários é a questão fundamental, embora haja um conjunto de condições de trabalho e de direitos que estão também a ser atacados, contribuindo assim para o desenvolvimento da luta e para a unidade dos trabalhadores. Iniciámos, de facto, esta acção de luta nacional no dia 27 de Maio, com aquela grande concentração na Assembleia da República, por ocasião da votação do OE, em que colocávamos já toda esta problemática mais geral e a necessidade de resposta, quer do patronato, quer do Governo, à situação de agravamento e acentuar das desigualdades e da pobreza de quem trabalha e trabalhou, porque os reformados e pensionistas também estão a viver momentos de enormíssimas dificuldades. E o que verificámos foi que, com esta nossa acção de luta nacional, houve um desenvolvimento de processos reivindicativos nas empresas, nos locais de trabalho, nos serviços de grande dimensão, com muitas greves, muitas paralisações, centenas de plenários por todo o País. Há acções concretas também à porta de empresas, serviços e associações patronais, a exigir precisamente que haja o desbloqueio da negociação colectiva, que se responda a esta necessidade de repor e melhorar o poder de compra dos trabalhadores e das suas famílias, com uma consciência muito grande de que esse é o caminho para desenvolver o País, porque se continuarmos com este modelo, o que vamos ter é mais dificuldades e assistir a um retrocesso. O que sinto desta minha intervenção, em muitos locais de trabalho em todo o País e em todos os sectores, é exactamente isto: a determinação e unidade dos trabalhadores.
Houve boa adesão?
As greves que realizámos foram greves com muito grandes adesões dos trabalhadores, incluindo os trabalhadores jovens e, naturalmente, nos sectores com muita mão-de-obra feminina, muitas mulheres. Os jovens, e para muitos esta foi a primeira participação numa acção de luta, estão agora a entender que para conseguir respostas é preciso unir, é preciso intervir, organizar e lutar. Este mês de Junho foi muito cheio desta luta dos trabalhadores nas empresas e locais de trabalho, com esta ideia de agora fazer convergir todo este descontentamento e reivindicação na manifestação nacional de 7 de Julho, com concentração no Marquês de Pombal (Lisboa) e desfile para a Assembleia da República.
O dia coincide com a discussão na generalidade da Agenda para o Trabalho Digno, que a CGTP-IN não acompanha.
É uma proposta que não vai ao encontro das reivindicações dos trabalhadores, e que a CGTP-IN tem colocado, da necessidade de resolver um conjunto de problemas que a actual lei, de uma maneira geral, coloca aos trabalhadores, desequilibrando ainda mais as relações de trabalho a favor do patronato. Estou a falar da caducidade das convenções colectivas, que se mantém intacta [no documento da Agenda], ali com uma alteraçãozinha que abre portas ao reforço dos poderes de um tribunal arbitral, de uma arbitragem que possa decidir, em última análise, o destino da convenção colectiva. Ora, isto não desbloqueia a contratação colectiva, não resolve o problema da desvalorização enorme das carreiras e das profissões, que tem a ver com este bloqueio da contratação colectiva. Porque a verdade é que, não havendo revisão dos contratos colectivos de trabalho, não havendo actualização das tabelas salariais, o que acontece é a compressão dessas tabelas, fazendo com que trabalhadores com funções qualificadas, com categorias profissionais mais diferenciadas, com muitos anos de trabalho e experiência adquirida estejam a receber neste momento pouco mais do que o salário mínimo nacional ou o próprio salário mínimo. Isto é completamente inadmissível e contraria a propaganda do Governo, de que quer atrair, quer melhorar o salário médio. Diz querer atrair e fixar os trabalhadores, mas nem em relação à Administração Pública o faz: com os 0,9% que manteve no Orçamento do Estado, nem nas empresas públicas, onde o Governo está a aplicar exactamente os mesmos 0,9%, que não são aumento, são uma actualização pequenina de salários, dando também assim sinal para o sector privado. E a verdade é que nem se desbloqueia a contratação colectiva, nem se dá sinal naquilo que ao Governo compete, que são as condições de trabalho e salariais na Administração Pública e nas empresas públicas, onde também não há verdadeira melhoria das condições dos trabalhadores.
«(...) não havendo revisão dos contratos colectivos de trabalho, não havendo actualização das tabelas salariais, o que acontece é a compressão dessas tabelas, fazendo com que trabalhadores com funções qualificadas, com categorias profissionais mais diferenciadas, com muitos anos de trabalho e experiência adquirida estejam a receber neste momento pouco mais do que o salário mínimo nacional ou o próprio salário mínimo.»
Portanto, o que temos aqui é uma proposta de lei que, deste ponto de vista, também não repõe o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, mantendo uma chantagem patronal e um aproveitamento da condição que o trabalhador tem como parte mais frágil na relação de trabalho, em que lhe podem ser impostas condições abaixo da própria lei ou do contrato colectivo, o que é absolutamente inaceitável. Mas também não resolve os problemas da precariedade e da desregulação dos horários de trabalho, mantendo tudo exactamente na mesma. Não atende à necessidade da redução do horário de trabalho para fazer com que, tudo o que são avanços da ciência, da técnica, da automação e dos processos produtivos tenham consequências positivas na vida das pessoas, dos trabalhadores e das famílias, permitindo maior conciliação da vida profissional com a vida pessoal, mais tempo para a família, o desporto, a cultura, o lazer, para que os trabalhadores tenham vida para além do trabalho.
Os horários mantêm-se longos e desregulados.
Sim, não só não reduz, como mantém toda uma desregulação que inferniza a vida dos trabalhadores com trabalho por turnos, horário nocturno, laboração contínua, bancos de horas e adaptabilidades, que são impostas aos trabalhadores em empresas que não têm qualquer necessidade. E era uma das questões que colocávamos, por exemplo em relação à laboração contínua, horário nocturno e por turnos, a lei poder definir exactamente quem é que pode requerer este tipo de horário de funcionamento, restringindo àquelas empresas e serviços que de facto precisam de utilizar esse tipo de horários. Não foi isso que aconteceu, e manteve-se também a redução de valores no pagamento do trabalho extraordinário, a não reposição dos descansos compensatórios, ou seja, o embaratecimento e a facilitação dos despedimentos introduzida, quer esta, quer a do trabalho extraordinário, pelo governo do PSD e do CDS-PP. Bem pode vir agora o PSD dizer que está muito preocupado com os baixos salários dos trabalhadores, mas nós não esquecemos o que foi a política nos vários governos em que o PSD esteve, nomeadamente o último, com a troika e toda aquela política que causou o empobrecimento generalizado e a destruição de sectores da nossa economia, da nossa indústria, privatizações, etc., tal como os governos do PS também têm feito.
A verdade é que esta proposta de lei, que está em discussão pública, não resolve os problemas de fundo. Tem ali uns paliativozitos na precariedade, muito em torno da externalização de serviços, das plataformas digitais, colocando ali alguns direitos aos trabalhadores, mas não resolve o problema de fundo da precariedade porque não define com clareza que a um posto de trabalho permanente tem que corresponder um vínculo de trabalho efectivo. E mantém a possibilidade de contratação a termo certo com vários fundamentos que não são credíveis, mantendo esta situação que temos, perfeitamente inadmissível, de sermos, na União Europeia, um dos países que têm maior nível de precariedade, com todas as consequências que isso tem ao nível dos salários dos trabalhadores, na ausência de cumprimento de direitos e na instabilidade que isso traz para a vida, nomeadamente dos jovens, a tal geração mais qualificada de sempre, que vai com as suas qualificações de mala aviada para o estrangeiro, porque aqui não consegue encontrar forma de viver e de trabalhar. Até porque os custos da habitação são o que são, e agora com esta subida das taxas de juro vai ser ainda mais difícil para qualquer jovem, que queira tornar-se independente, arranjar casa... nem comprada, nem alugada.
«E mantém a possibilidade de contratação a termo certo com vários fundamentos que não são credíveis, mantendo esta situação que temos, perfeitamente inadmissível, de sermos, na União Europeia, um dos países que têm maior nível de precariedade (...)»
Os trabalhadores têm todos os motivos para lutar, trazendo para a rua as suas reivindicações concretas. Ao contrário do que tentam fazer crer, a CGTP-IN e os seus sindicatos nunca deixaram de mobilizar e organizar os seus trabalhadores para lutarem pela resposta às suas reivindicações, em nenhuma situação. E agora, com a situação muito difícil que os trabalhadores estão a viver, observamos resultados positivos ao longo deste ano, como aumentos salariais em muitas empresas, negociação de contratos colectivos de trabalho com algumas associações patronais, redução do horário de trabalho, passagem a efectivos de trabalhadores com vínculos precários, melhoria das condições de trabalho e de matérias pecuniárias, como o subsídio de alimentação, e outros a que os trabalhadores têm direito. E a verdade é que temos tido esses resultados, fruto da luta dos trabalhadores, e tem sido muita a luta realizada.
Como analisa a actuação do Governo, que não quis ir além de 0,9% de actualização dos salários da Administração Pública e faz campanha com os salarios médios, apontando 20% de aumento em cinco anos, com base em mais benefícios fiscais para as empresas?
No fundo, o PS está a mostrar a sua verdadeira cara. Porque, durante alguns anos, não tendo maioria e vindo de um período que deixou marcas muito grandes nos trabalhadores e no povo, que foi o período do governo do PSD e do CDS-PP e da intervenção da troika, foi obrigado a negociar algumas coisas com os partidos à esquerda, mas a verdade é que as suas opções foram sempre as mesmas. É um Governo e um partido submissos às imposições da União Europeia, que agora nos fez um ralhete no relatório do Semestre [Europeu], a dizer que Portugal tem que ter cuidado com as políticas públicas e com os aumentos dos salários na função pública e com o aumento das pensões, mais uma vez, querendo manter Portugal como um país periférico, em que as grandes potências é que controlam e dominam a produção de mais valor, é que determinam as regras que, fruto de termos governos submissos, vamos seguindo.
«E agora, com a situação muito difícil que os trabalhadores estão a viver, observamos resultados positivos ao longo deste ano, como aumentos salariais em muitas empresas, negociação de contratos colectivos de trabalho com algumas associações patronais, redução do horário de trabalho, passagem a efectivos de trabalhadores com vínculos precários, melhoria das condições de trabalho e de matérias pecuniárias, como o subsídio de alimentação, e outros a que os trabalhadores têm direito.»
Há estas opções do PS, mas há também as opções do PS, mesmo enquanto governo minoritário, de se encostar à direita em matérias estruturantes para os trabalhadores, para as relações de trabalho e para a melhoria das condições de trabalho, como aconteceu em várias propostas que foram à Assembleia da República, de alteração da legislação laboral, que revogavam a norma da caducidade, que repunham valores do trabalho extraordinário e descanso compensatórios, que repunham valores das indemnizações por despedimento, que acabavam com a precariedade, como a temos no nosso país, colocando ali regras que não permitissem que a um posto de trabalho permanente não correspondesse um vínculo efectivo.
Nessas matérias, o PS não só nunca apresentou propostas, como votou contra as que outros partidos levaram à Assembleia da República.
Exacto. E não é propriamente uma surpresa que a agenda que o Governo tanto propagandeou tenha resultado nesta proposta que está em discussão pública, e que não resolve os problemas de fundo que os trabalhadores sentem nos seus direitos e no exercício da contratação colectiva, nos contratos de trabalho, nos salários, etc. Aliás, ainda veio agravá-los. Há bocado não referi uma matéria que para nós é fundamental, que é o exercício da liberdade sindical na empresa e que o Governo se tinha comprometido a clarificar, tendo em conta haver um ataque generalizado do patronato a este direito dos sindicatos, tentando impedir a sua entrada nas empresas quando não haja organização sindical. Em vez de clarificar esta situação, o Governo veio piorá-la, porque coloca na lei limitações e constrangimentos que esta não tinha, veio portanto agravar a tentativa de impedir o exercício da actividade sindical na empresa, que nós não vamos aceitar, naturalmente. Vamos continuar a realizá-la, se preciso à porta, mas a realidade é que o Governo não cumpriu um compromisso que tinha assumido até com a própria CGTP-IN, em várias reuniões, em que nos disse que ia clarificar na lei esta situação e garantir o exercício da actividade sindical.
Portanto, há este comportamento do Governo, que no fundo são as opções que o PS colocou no seu programa, que nós rejeitámos, e que vamos continuar a esclarecer, informar e mobilizar os trabalhadores no sentido de se unirem e lutarem pela resposta às reivindicações concretas, mas também a estas questões nacionais, de precisarmos de alterar o nosso modelo produtivo, de aumentar a produção nacional, mas produção de valor, e não com as sobras que nos deixam as grandes potências da UE, de haver investimento público que garanta o desenvolvimento da nossa economia, no sentido de aproveitarmos os nossos recursos, e também de aproveitarmos os nossos recursos do ponto de vista do mercado de trabalho.
Os nossos trabalhadores têm qualificações, têm experiência adquirida, é preciso que haja emprego digno e compensação por essa qualificação e experiência. Os salários são miseráveis. Temos 11,2% dos trabalhadores que são pobres e mais de 70% dos trabalhadores no nosso país com salários abaixo dos 1000 euros. Eu falo com representantes de organizações de outros países, que ficam de boca aberta quando falamos destes números, não acreditam que trabalhadores com competências, qualificações, estejam a ganhar acima do salário mínimo nacional, mas abaixo dos 1000 euros. É uma realidade inadmissível e não é com assistencialismo, que é a política deste governo, que se resolvem os problemas.
«Os nossos trabalhadores têm qualificações, têm experiência adquirida, é preciso que haja emprego digno e compensação por essa qualificação e experiência.»
É isso, de resto, que os partidos da direita pretendem. Aliás, o discurso do novo líder do PSD foi muito nesse sentido; mais assistencialismo, menos Serviço Nacional de Saúde (SNS) e mais «sistema» nacional de saúde, dirigindo uma eventual resposta no sentido contrário àquele que devia ser, que era de garantir que o Estado tem os meios e investe nos serviços públicos e nas funções sociais de forma a garantir a necessária resposta às populações. Mas não é isso acontece. Veja-se o SNS, mas podíamos falar da Escola Pública, da protecção social, que deixa de fora mais de metade dos desempregados que não têm direito a subsídio de desemprego. Devia haver um aumento da protecção social a quem dela verdadeiramete necessita, mas o que vemos é opções ao contrário. Reduzir impostos, mas não é impostos do trabalho, é impostos às empresas, e quem é que beneficia disso e sempre beneficiou?
Tal como das medidas, quer agora, com a guerra na Ucrânia e as sanções, quer relativamente à pandemia, o que vimos foi que a esmagadora maioria das pequenas e médias empresas ficou de fora dos apoios, e quem beneficiou foram, mais uma vez, os grandes grupos económicos, que continuam a aumentar os seus lucros, como vemos agora com o aumento dos preços da energia e dos combustíveis, como a EDP, a GALP, entre outras, que aumentam substancialmente os seus lucros, sendo que isso depois não tem consequência para os salários dos trabalhadores e o Governo mantém esta situação em que a pobreza, nomeadamente de quem trabalha e trabalhou, continua a aumentar no nosso país.
Como se acaba com este flagelo?
A verdadeira medida que podia alterar isto é o aumento dos salários. Nós temos colocado as nossas reivindicações gerais de 90 euros para todos os trabalhadores, aumento extraordinário para os que tiveram actualizações já absorvidas pela inflação, aumento do salário mínimo nacional para 850 euros no curto prazo, mas ser de 800 euros a 1 de Julho, para dar resposta a este momento em concreto, e aumento das reformas e pensões, em pelo menos 20 euros, mas de forma a garantir a reposição do poder de compra. Ora, nada disto são opções, nem do Governo, nem do PS, nem do patronato, que o que quer é aumentar a exploração à custa dos sacrifícios dos portugueses. Isto é completamente inaceitável, e nós continuaremos a nossa luta e a mobilizar os trabalhadores para que exijam as efectivas respostas e soluções que eles e o País precisam.
11,2%
Há 11,2% dos trabalhadores na pobreza e mais de 70% com salários abaixo dos 1000 euros.
Até porque o nosso tecido empresarial é constituído maioritariamente por micro, pequenas e médias empresas que vivem do mercado interno. É uma coisa básica, se a maioria da população não tem poder de compra, como é que as empresas se desenvolvem e se mantêm? Não conseguem, porque é o aumento dos salários e das pensões que vai aumentar o poder de compra no nosso país. É incrementando o mercado interno que se promove o desenvolvimento da produção nacional, porque é preciso produzir mais, escoam-se mais produtos, vende-se mais e naturalmente que a economia também se desenvolve.
Entretanto, o patronato escuda-se no argumento da produtividade para não responder à emergência dos salários.
O que nós afirmamos, suportados em dados concretos, em estatísticas e informação, inclusive de organismos oficiais, é que a riqueza que produzimos no nosso país é suficiente para que haja salários dignos para todos os trabalhadores. Da esquerda à direita, toda a gente concorda que os salários são baixos no nosso país, mas depois o patronato e o PS, e os partidos de direita e extrema-direita, vêm com o argumento de que, «é verdade, os salários são baixos, mas a produtividade também é baixa, portanto precisamos primeiro de aumentar a produtividade», e o PS acena com uma tal «espiral inflacionista» se os salários aumentarem, remetendo para depois o eventual aumento que propagandeiam do salário médio. Em primeiro lugar, o que é preciso é que haja dignidade e condições de vida e de trabalho no nosso país. Há que garantir que os trabalhadores, reformados e pensionistas têm essas condições. Por outro lado, e, segundo números do próprio Governo, o crescimento da produtividade no nosso país não foi acompanhado pelo aumento dos salários, as linhas da produtividade e do aumento real dos salários têm 5% de diferença, portanto há aqui um desfasamento logo à cabeça. Mas a verdade é que, o que faz com que a produtividade aumente é o aumento dos salários e condições de trabalho dignas, e isso também está provado.
Projectos para acabar com a imposição do trabalho não remunerado, seja através dos bancos de horas ou das intermitências dos horários, foram chumbados hoje pelo PS e pelos partidos à sua direita. Em pleno século XXI, e não obstante as conquistas civilizacionais alcançadas com a Revolução de Abril, os trabalhadores voltam a enfrentar longas jornadas de trabalho no nosso país, sem tempo para viver e com consequências a vários níveis, nomeadamente familiares e de saúde. A ideia foi vincada esta quinta-feira no Parlamento, no debate de iniciativas do PCP, do BE e do PAN. Em 2009, o banco de horas estava enquadrado pela contratação colectiva. Com o governo do PSD e do CDS-PP impôs-se a desvalorização do trabalho e o banco de horas passou a ser possível por contrato de trabalho individual, tendo sido também introduzido o banco de horas grupal. Medidas que, na prática, permitiram aos empregadores a imposição de trabalho extraordinário sem a devida compensação, ou seja, trabalho mais barato. Entretanto, em 2019, o banco de horas individual foi revogado. Não obstante, a IL, advogando que o pagamento de horas extraordinárias pode «aumentar de forma relevante a carga salarial da empresa», e «alterar as condições de viabilidade da mesma», propôs o seu restabelecimento. O projecto foi acompanhado pelo CDS-PP, que votou a favor, e mereceu, curiosamente, a abstenção do PAN, que também tinha a votação um projecto de lei (não passou) com vista a garantir «a conciliação do trabalho com a vida familiar e uma maior estabilidade profissional», tendo sido rejeitado pelos restantes partidos na Assembleia da República. Ontem, na abertura da discussão, a deputada comunista Diana Ferreira deu conta da impunidade trazida pelos mecanismos de adaptabilidade e de bancos de horas, e do impacto que os mesmos acarretam na vida dos trabalhadores, nomeadamente o frágil acompanhamento dos seus filhos. «Na Fnac, o banco de horas pode afastar os trabalhadores 12 horas da família», exemplificou a deputada, concluindo que a empresa «não precisa de contratar mais trabalhadores, não paga horas extraordinárias e ainda fica com 150 horas da vida dos trabalhadores para utilizar a seu bel-prazer». Se, por um lado, o banco de horas «não paga contas ao fim do mês», «nem põe comida na mesa», como realçou Diana Ferreira, a sua revogação, bem como a dos mecanismos de adaptabilidade, «é fundamental para um cumprimento efectivo dos horários de trabalho e para garantir uma articulação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar», reforçou, salientando que horários de 12, 14 ou 16 horas diárias privam as crianças do direito de serem acompanhadas pelos pais. Por outro lado, sublinhou que, «se há horas extraordinárias que são continuadas e muitas vezes diárias na vida dos trabalhadores, elas não são extraordinárias, são necessidades permanentes», tendo que haver «contratação de mais trabalhadores para aquela empresa». Pelo BE, o deputado José Soeiro vincou que 75% dos trabalhadores por conta de outrem trabalham com uma modalidade flexível de horário laboral, sublinhando que o banco de horas foi, neste contexto, «um mecanismo de desregulação dos horários e de embaratecimento do valor do traballho». Trazendo uma «dificuldade acrescida» de conciliar trabalho, família e lazer, e, ao mesmo tempo, uma redução da autonomia dos trabalhadores. Tanto os projectos de lei do PCP, pela revogação dos mecanismos de adaptabilidade e de banco de horas, e dos mecanismos de adaptabilidade individual, como o do BE, com vista à eliminação do banco de horas grupal e da adaptabilidade individual e grupal, foram chumbados pelo PS e pelos partidos à direita (CH absteve-se na revogação dos mecanismos de adaptabilidade), com a abstenção do PAN. O sentido de voto do PSD percebeu-se pela intervenção da deputada Lina Lopes, que ontem afirmou que «não podemos estar constantemente a revogar ou a modificar leis laborais, sem dar espaço à estabilidade e à contenção do processo legislativo», e que o País «precisa de gerar confiança». Embora reconhecendo que «foram detectadas fragilidades», tanto no teletrabalho como na conciliação entre a vida pessoal e profissional, Lina Lopes apelou à «paz social» e remeteu as alterações ao Código do Trabalho para a concertação social, que classificou de «pedra angular». A resolução destas matérias através de novo acordo com os patrões na concertação social foi igualmente defendida pela bancada do CDS-PP, que, pela voz do deputado João Almeida, assume que «não faz sentido eliminar o banco de horas», nos termos em que está previsto na lei, e que o PS se orgulha de ter criado. «Sentido», para o CDS-PP, fazia «repor o banco de horas individual». Para Lina Lopes, «este é o tempo de debater o Orçamento do Estado», onde, de acordo com a proposta do Governo, faltam medidas de valorização do trabalho e dos trabalhadores. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Trabalho|
Patrões vão continuar a ter trabalho de borla
Crianças privadas de direitos
Alterações «devem passar pela concertação»
Contribui para uma boa ideia
Trabalhadores com redução de horário, que tenham uma vida familiar, pessoal estabilizada, que tenham tempo também para se ocuparem com as outras coisas que a vida nos proporciona, trabalhadores que tenham a garantia de que podem acompanhar os filhos, que tenham tempo para estar com os filhos e ritmos de trabalho que não levem à exaustão, que é o que temos no nosso país: trabalhadores com ritmos de trabalho brutais. Para além do horário longo, desregulado, e muitas vezes acima do definido, com as adaptabilidades, os bancos de horas, as horas extraordinárias mal pagas, etc., com consequências enormes para a saúde dos trabalhadores.
Ora, um trabalhador doente não é naturalmente um trabalhador que possa produzir em pleno. Portanto, há aqui também, por parte do patronato, a negação de uma realidade objectiva: condições de trabalho dignas e salários dignos proporcionam mais produtividade. Temos necessidade de alterar o modelo que temos no nosso país e que, não só prejudica os trabalhadores e as suas famílias, degradando as suas condições de vida e de trabalho, como compromete o desenvolvimento da nossa economia e das empresas. No fundo, são opções que levam a andarmos para trás, em vez de avançarmos, que é o que deveríamos fazer, tendo em conta a evolução da nossa sociedade.
O que se perspectiva, do ponto de vista da acção da CGTP-IN, depois da manifestação nacional desta quinta-feira?
Este mês de Junho, que teve centenas de plenários de trabalhadores e um conjunto de processos significativos de luta, vai ter continuidade em Julho e Agosto. Porque, de facto, enquanto não houver resposta às reivindicações dos trabalhadores e a esta degradação das condições de vida e de trabalho, a luta vai ter que continuar e é isso que vamos continuar a fazer. Serão meses muito intensos porque o aumento do custo de vida, pelos vistos, não vai de férias, as dificuldades dos trabalhadores também não vão de férias, portanto, os trabalhadores vão ter necessidade de continuar a lutar e de exigir respostas às suas reivindicações.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui