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|direitos dos trabalhadores

Mudar na forma e não no conteúdo

Numa época em que se agrava o fosso entre ricos e pobres, em que a retribuição do trabalho voltou a perder espaço para a retribuição do capital, o PS negou-se a reduzir e regular o período normal de trabalho.

A luta contra a precariedade tem sido uma marca da acção reivindicativa dos trabalhadores nos últimos anos
A luta contra a precariedade tem sido uma marca da acção reivindicativa dos trabalhadores nos últimos anosCréditos / Abril de Novo Magazine

Não foi por falta de oportunidade ou de propostas que o PS não fez desta «Agenda» uma efectiva «Agenda da dignidade no trabalho». Ao longo de todo o processo de discussão pública, foram enviados largas centenas de contributos provenientes de organizações de trabalhadores. A dissonância entre o conteúdo das propostas e contributos recolhidos e a versão final do texto é tão evidente quanto o foi o falhanço do PS em aproveitar esta oportunidade para introduzir alterações verdadeiramente transformadoras.

A tónica geral dos contributos recebidos incidia: na revogação do regime de sobrevigência e caducidade das convenções colectivas de trabalho; no combate ao abuso da subcontratação (Outsorcing) e ao trabalho temporário – as principais e mais representativas formas de precariedade laboral –, fazendo reflectir o principio de que, para uma actividade permanente deve corresponder um contrato de trabalho sem termo; na revogação do período experimental, de 180 dias, para os jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração, o que agrava a posição – já de si frágil – de sujeição a situações inaceitáveis e exploração laboral; ou a redução do período normal de trabalho, consagrando as 35 horas semanais para todos os trabalhadores. Mas a verdade é que, ao invés da reversão das medidas introduzidas entre 2003 e 2015, o PS mantém o essencial desses regimes, optando por uma operação cosmética de burocratização dos processos, talvez na tentativa de dissuadir algumas entidades patronais, especialmente, do recurso ao trabalho temporário e à denúncia das convenções colectivas de trabalho.

Se, por um lado, o PS introduz uma norma relativa aos algoritmos, inteligência artificial e uma presunção de contrato de trabalho para quem preste actividade através das plataformas digitais, por outro, não faz repercutir, na qualidade do emprego, aquele que poderia constituir o impacto maior no aproveitamento positivo do desenvolvimento científico e tecnológico. Refiro-me à oportunidade perdida de redução do tempo de trabalho, redistribuindo aos trabalhadores uma parte dos avanços conseguidos com o seu próprio trabalho.

Para um governo que tem feito das questões da natalidade e da conciliação algumas das bandeiras da sua acção política, é importante aqui dizer que, pelos vistos, nem a dimensão, nem tão-pouco a arrumação do tempo de trabalho, na vida dos trabalhadores, são vistas como variáveis fundamentais na capacidade de conciliação que um trabalhador tem. O governo, em vez de atacar a questão fundamental, ficou-se pelo acessório. O caso da limitação de licenças para a laboração contínua constitui um exemplo pragmático do modus operandi governamental: requerer mais informação e justificação, para no final ficar tudo na mesma e continuarmos a assistir ao aumento exponencial do número de empresas e sectores que obrigam os trabalhadores a acomodar as suas vidas pessoais e familiares aos turnos fixos ou rotativos e ao trabalho nocturno.

Numa época em que se agrava o fosso entre ricos e pobres, em que a retribuição do trabalho voltou a perder espaço para a retribuição do capital, em matéria de distribuição dos resultados da riqueza produzida pelo próprio trabalho, o PS negou-se a reduzir e regular o período normal de trabalho, o que significaria maior justiça na repartição da riqueza produzida, como todos sabemos, pelos trabalhadores.

Não faltaram, também, propostas, quer de organizações sociais, quer de outros partidos, a exigir a revogação dos bancos de horas, dos regimes de adaptabilidade e de outras formas de desregulação dos horários de trabalho. Também, a este respeito, o PS optou por manter, no essencial, o regime que vem de trás e que tão grande dano tem causado aos trabalhadores e às suas famílias. Trabalhadores com horários que alteram quase diariamente, com turnos rotativos que mudam todas as semanas, nunca podendo programar a sua vida com estabilidade, são casos que se multiplicam todos os dias.

No trabalho suplementar, por exemplo, aprovando uma proposta que repõe em níveis anteriores aos da troica, o valor pago à hora, mas apenas após 100 horas prestadas de tempo extra, o governo PS opta assim por fazer o seu normal jogo de cintura, parecendo estar a dar alguma coisa, sem a dar realmente.

«Assim, não basta, portanto, criar condições para que haja mais contratação colectiva; é preciso criar condições para que se negoceie a contratação colectiva certa, aquela que valoriza os direitos dos trabalhadores, que faz progredir as suas condições de trabalho»

Já em matéria de contratação colectiva, a sua actuação pode ser caracterizada através da seguinte metáfora: a caducidade é um poço perigoso não assinalado; em vez de o tapar, o PS decide rodeá-lo de arame farpado; mas entrega ao patronato um alicate de corte para atirar ao poço os direitos dos trabalhadores. O PS cria um mecanismo arbitral para apreciar a denúncia que se adiciona ao mecanismo arbitral para a suspensão da sobrevigência e mediação; cria uma arbitragem necessária para preencher o vazio, caso as partes não se entendam na mediação ou o vazio persista no prazo de 12 meses após a caducidade; nenhum destes mecanismos impede a caducidade da convenção colectiva. No fundo, burocratiza-se ainda mais o processo, mas dá-se sempre a chave do cofre ao que pretende arrombá-lo: o patronato.

Tal é o caso das sucessivas suspensões de publicação dos avisos de caducidade pela DGERT [Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho], a instituição de um sistema de mediação em caso de denúncia «infundada» ou do recurso à arbitragem necessária, que apreciará da validade da denúncia.

Ora, para além das questões de constitucionalidade que se continuam a verificar e que resultam numa total desconsideração do direito de contratação colectiva, atribuído às associações sindicais, o PS continua a dar cobertura a situações em que o patronato acordou um texto na mesa das negociações, mas em que, mais tarde, por oportunismo e ataque aos direitos, decide dar o dito pelo não dito, denunciar e fazer caducar a convenção que antes havia negociado e acordado.

Diversos foram os projectos-lei de diversos partidos (3/XV/1 e 168/XV/1) que propuseram a revogação deste regime, cuja discussão foi também realizada de forma conjunta com a Proposta de Lei, e que o PS não aprovou. Não faltou, portanto, oportunidade para fazer avançar o direito de contratação colectiva e, pelo menos, repor o que já foi um legítimo direito dos trabalhadores portugueses.

Outro falhanço importante reside na manutenção da possibilidade de escolha individual da convenção aplicável, limitando, é certo, o seu âmbito de aplicação, mas mantendo, no essencial, um regime anti-sindical, o qual, injustamente, confere a quem não é sindicalizado direitos que, apenas, são conferidos aos associados dos sindicatos que negoceiam as convenções escolhidas.

Sem compreender ou pretender actuar relativamente a esta situação, o PS vem propor a criação de incentivos no domínio da contratação pública, dos incentivos fiscais ou do acesso a fundos comunitários ou nacionais. Ou seja, a «agenda do trabalho digno» prepara-se para premiar o patronato, simplesmente, por ser outorgante de convenções colectivas, independentemente dos conteúdos que outorga.

Sabendo-se que a lei não consagra um princípio universal de tratamento mais favorável ao trabalhador, que as convenções, hoje, e por anuência do PS, podem contemplar regimes mais desfavoráveis do que os constantes no próprio código do trabalho, o PS prepara-se para valorizar, através do acesso a benefícios diversos, entidades patronais que, sendo outorgantes de convenções colectivas, outorgam convenções que representam a degradação dos direitos, ao invés dos promoverem.

Assim, não basta, portanto, criar condições para que haja mais contratação colectiva; é preciso criar condições para que se negoceie a contratação colectiva certa, aquela que valoriza os direitos dos trabalhadores, que faz progredir as suas condições de trabalho, que representa uma forma de promoção do progresso e da justiça social.

Este tipo de actuação é também constatável em matéria de trabalho temporário e terciarização de serviços, agravando sanções e prevendo novas exigências para as empresas do sector, ou determinando novas incompatibilidades individuais, as quais afastam certos indivíduos da gestão das mesmas. Mas o que o PS não faz é impedir a contratação precária para actividades permanentes, ou impedir o acesso das empresas à actividade de intermediação, quando estão em causa práticas abusivas e socialmente lesivas de contratação.

O mesmo tipo de raciocínio pode ser aplicado ao trabalho temporário. É certo que, aqui e ali, responsabilizam mais as empresas utilizadoras pelas situações de recurso ilícito ao trabalho temporário, ou agravando o regime contra-ordenacional. Não obstante, o PS não apenas mantém um regime mais favorável do que o contrato a termo certo, para o trabalho temporário, permitindo até quatro renovações, como mantém em aberto todas as justificações legalmente admissíveis para o trabalho temporário, que acabam por continuar a dar cobertura à manutenção e milhares de trabalhadores em situações de precariedade absolutamente inaceitáveis.       

«ao estabelecer que esta presunção de existência de contrato de trabalho se aplica "sem prejuízo" do regime de trabalho independente, está automaticamente a assegurar às empresas da chamada "uberização" que não se preocupem, que não está em causa um ataque frontal ao seu modelo negócio predador»

Mesmo que a alteração proposta, pelo PS, estenda a responsabilidade, quanto à sucessão dos contratos relativamente a diversos utilizadores, também às entidades patronais com relação de domínio e de grupo, esta questão apenas reforça a ideia de que se pretende, apenas, actuar nos efeitos e não na origem. A origem do problema está na facilidade com que se recorre ao trabalho temporário, à abertura que se dá para a existência e exploração de situações de fragilidade dos trabalhadores e à profusão de empresas – «agências» – de colocação, que mais não são do que intermediários, cuja existência não se justifica, a não ser num plano de agravamento da exploração dos trabalhadores.

Vejamos o aspecto contraditório. Nomeadamente, o que resulta da alteração que obriga a aplicar a contratação colectiva, em vigor, aos trabalhadores temporários ou em regime de Outsorcing. Parecendo melhorar a situação destes trabalhadores, o que esta norma faz, na prática, é legalizar uma situação de recurso ilícito à precariedade. Se as funções são as constantes das convenções colectivas assinadas, tratam-se, em princípio de funções permanentes, regulares, da actividade. Logo, se aplicar o conteúdo da convenção ao trabalhador temporário ou em regime de Outsorcing pode ser positivo, menos positiva é a normalização que esta alteração faz destas situações.

Olhemos também, por exemplo, para a situação do período experimental de 180 dias para os jovens à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração. Reconhecendo o fracasso da medida e o abuso constante de muitas empresas, o PS vem exigir um aviso prévio de 30 dias para os períodos experimentais superiores a 120 dias, notificações obrigatórias à ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho] no caso de jovens à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração, ou à CITE [Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego], no caso das mulheres grávidas, puérperas ou lactantes, trabalhador em gozo de licença parental ou trabalhador cuidador. Ao mesmo tempo, faz incorporar anterior contrato a termo, com duração superior a 90 dias, na contagem do período experimental – incorporando anterior contrato a termo ou estágio na contagem do período experimental. Ora, mas se o trabalhador já prestou actividade anterior, para que serve então este período experimental senão para criar uma situação de poder total da entidade patronal sobre o trabalhador?

Já uma das situações mais ambíguas e perigosas desta «agenda do trabalho digno» consiste na criação de um regime legal intermédio entre o trabalhador por conta de outrem, com contrato de trabalho, e o trabalhador independente. Esta ambiguidade não deixará de abrir a porta a um sem-número de abusos, muitos deles já bem conhecidos, nomeadamente, numa época em quê se multiplicam os exemplos de exploração desumana perpetrados pelas empresas que exploram plataformas informáticas, mas não só.

Se o PS é responsável por deixar entrar e operar estas empresas, sem que inicialmente cumprissem a legislação fiscal, comercial, segurança social e laboral aplicável… Numa segunda fase, o PS passou a fazer leis à medida das pretensões desta «nova economia digital». Não apenas criou uma lei – a lei dos TVDE – que manteve intocável o modelo de negócio baseado na precariedade e na ausência quase total e direitos laborais, como agora vem criar um regime de prestação de serviços que não deixará de ser usado para descaracterizar ainda mais o trabalho com dignidade e com direitos.

Diz o PS que um trabalhador independente «com dependência económica» tem, inclusive, direito à representação sindical ou à negociação colectiva. Ora, se o PS reconhece que estes trabalhadores têm interesses socioprofissionais, porque não dá o passo, então, com vista ao reconhecimento da plenitude dos seus direitos? Porque lhes nega esse direito? Porque opta por mantê-los neste limbo de precariedade e insegurança?

A própria proposta de «presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital» demonstra esta intenção, por parte do PS, de manter em aberto este regime intermédio, pois, ao estabelecer que esta presunção de existência de contrato de trabalho se aplica «sem prejuízo» do regime de trabalho independente, está automaticamente a assegurar às empresas da chamada «uberização» que não se preocupem, que não está em causa um ataque frontal ao seu modelo negócio predador, baseado no dumping social, no trabalho precário e com salários de miséria.

«Em nenhum dos casos, o PS logrou enfrentar a agenda retrógrada e neoliberal do patronato, repondo os progressos civilizacionais antes conseguidos e sistematicamente subtraídos aos trabalhadores desde o início deste século.»

Durante os trabalhos da proposta de lei 15/XV/1, designada de «agenda do trabalho digno», procedeu-se à discussão conjunta de projectos-lei que visavam a reposição dos valores relativos ao trabalho suplementar, reportando-os ao período antes da Troica; a reposição do principio do tratamento mais favorável e revogação da sobrevigência e caducidade das convenções colectivas; revogação da adaptabilidade e banco de horas; revogação da presunção de aceitação do despedimento por causa objectivas, por aceitação, pelo trabalhador, da compensação por antiguidade; reforço da protecção do trabalho por turnos e nocturno; 35 horas para todos os trabalhadores; reposição dos valores compensatórios e indemnizatórios por despedimento, reportando ao período antes da Troica; direito a faltas por dores menstruais, entre outros.

Reconhecendo algumas melhorias pontuais, em matéria de parentalidade, trabalhador cuidador, trabalho temporário ou criminalização do trabalho não declarado, o facto é que esta revisão laboral não apenas não resolve problemas de fundo, como introduz algumas questões muito complicadas, como a criação de uma nova categoria de trabalhador, o reforço do procedimento de escolha individual da convenção aplicável, através da consagração da possibilidade de emissão de portaria de extensão que vise contornar o prazo de dois anos de duração da escolha; ou a consagração definitiva da extinção e associação de empregadores como motivo de caducidade de convenção colectiva.

Em matéria de liberdade sindical, não obstante a regulamentação introduzida, o PS não cumpriu o que havia prometido aos sindicatos, no sentido de reforçar, definitivamente, o princípio de que os sindicatos podem entrar em todas as empresas, tenham ou não sindicalizados, sem limitações que não sejam as que a lei já dispõe. Ao invés, fugindo da afirmação deste princípio, o PS entrou por um entrelaçado de curvas e contracurvas, permitindo, desta feita de forma explícita, diversas possibilidades de obstaculização do direito por parte das entidades patronais.

Assim, é esta a concepção do PS em matéria agenda do trabalho digno. Uma agenda de manutenção da senda de retrocesso civilizacional, com algumas melhorias pontuais, incapazes de inverter a tendência de empobrecimento e degradação do direito do trabalho e dos direitos dos trabalhadores. Em nenhum dos casos, o PS logrou enfrentar a agenda retrógrada e neoliberal do patronato, repondo os progressos civilizacionais antes conseguidos e sistematicamente subtraídos aos trabalhadores desde o início deste século.

Substancialmente, tudo permanece como antes. Mudou a forma, mas não a substância!

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