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Isabel Camarinha. A situação a que chegámos «é insustentável»

A denúncia proferida esta tarde, junto à Assembleia da República, explica as centenas de acções que a Intersindical promoveu esta quarta-feira, um pouco por todo o País, no âmbito do Dia Nacional de Luta. 

CréditosAntónio Pedro Santos / Lusa

Perante milhares de manifestantes, após um desfile entre o Cais do Sodré e a Assembleia da República, em Lisboa, a secretária-geral da CGTP-IN reconheceu que os trabalhadores estão em luta porque se tornou «insustentável ir ao supermercado, abastecer o carro num posto de combustíveis, pagar a prestação ou a renda, aviar a receita na farmácia». É insustentável, adiantou, «porque tudo sobe, menos o salário», mas o empobrecimento que atinge hoje a generalidade da população «não é uma inevitabilidade», nem uma «fatalidade», vincou Isabel Camarinha. 

O empobrecimento dos trabalhadores e dos reformados «resulta de opções políticas», acrescentou, salientando que o patronato «aproveita as opções do Governo do PS e conta com a acção ao serviço do capital de PSD, CDS, Chega e IL para tirar proveito da situação geral, atacando direitos e aumentando a exploração». 

Por outro lado, o empobrecimento da população «acontece numa altura em que somos bombardeados com os números de uma economia que não pára de crescer», constatou a dirigente. «Empobrecemos na justa medida em que engorda o grande capital», adiantou, lembrando que, só no primeiro trimestre do ano, os cinco maiores bancos acumularam mais de 900 milhões de euros de lucros líquidos.

Um cenário extensível às empresas da grande distribuição, energia, combustíveis e bens e serviços essenciais. «Grandes empresas que têm no Governo do PS o fiel companheiro da acumulação, que se recusa a fixar preços máximos nos produtos que nos fazem falta todos os dias para viver, que aplica medidas para a habitação que passam ao lado das nossas dificuldades e mantêm intocado o negócio da especulação e dos que pagam pouco pelos depósitos e cobram muito pelos empréstimos», criticou Isabel Camarinha.

Acusando o executivo de António Costa de fazer «o frete ao patronato», uma vez manter, por exemplo, a caducidade da contratação colectiva, a responsável da CGTP-IN condena o «acenar» do acordo de rendimentos, que «no essencial serve para travar o crescimento dos salários e atribuir mais apoios às grandes empresas», apesar de vivermos numa altura de crescimento económico e «lucros fabulosos», admitindo que trabalhadores e pensionistas não aceitam o aumento das desigualdades e das injustiças sociais. 

Acrescentou que, apesar da propaganda do Governo, «os trabalhadores, as famílias, os reformados e pensionistas, os jovens sabem bem as dificuldades que estão a passar», materializadas também na dificuldade de acesso aos serviços públicos, cada vez mais fragilizados ou alvo de privatizações. «Cinquenta anos depois da Revolução de Abril, cinquenta anos de resistência aos que querem fazer a roda da história andar para trás, aí estão eles, patronato, governo, direita e extrema-direita ao serviço do patronato, a tentar fazer o ajuste de contas» com «o projecto de progresso e desenvolvimento que brotou da Revolução», constatou.

A CGTP-IN reclama medidas que devolvam a soberania nacional, desde logo colocando o País a produzir, e exige mais e melhor investimento nos serviços e funções sociais do Estado, contestando a «opção pela compressão do investimento público para atingir as metas que da União Europeia nos impõem». Reivindica a fixação das 35 horas como máximo para todos os trabalhadores e em todos os sectores, e uma política que combata a desregulação dos horários e a precariedade. Segundo Isabel Camarinha, a luta não vai de férias nos meses de Verão e está já marcada uma luta em defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a 16 de Setembro.

Trabalhadores não desistem de lutar por uma vida melhor

Durante a manifestação, o AbrilAbril falou com alguns dos presentes. Falámos com uma educadora de infância, com uma lojista, com um operário, com uma médica e com uma bolseira de investigação científica. Foram razões diversas que os levaram a sair à rua, são razões convergentes que os levaram caminhar lado a lado e gritar a uma só voz. A manifestação da CGTP comprou a unidade dos trabalhadores que sabem que se querem alterar algo na sua vida, têm que ir à luta. Reivindicavam mais salários, mais direitos, melhores condições de vida.

«Os professores têm luta pelos seus problemas especificos, mas esses problemas estão aliados aos gerais.»
 

Catarina Teixeira, 38 anos, Educadora de Infância 

«Estou aqui hoje porque este é o Dia Nacional de Luta da CGTP, estamos aqui a exigir o aumento dos salários e melhores condições de vida. O custo de vida a cada dia aumenta, aumentam as questões da habitação, dos bens essenciais, portanto não estamos aqui somente pelas questões dos professores que nos unem, mas também por estas questões que são parte de uma luta geral.

As acções de luta este ano, quer da CGTP, quer da Fenprof, têm sido uma constante. O Governo não dá de todo resposta e o terá que dar resposta obrigatóriamente. Urge uma resposta! Urge não só para os professores, mas também para os trabalhadores em geral. O Governo não poderá esconder para sempre o sol com a peneira».

«É inadmissível vivermos num país onde o salário não chega sequer para comer.»

Susana Canato, 47 anos, trabalha no El Corte Inglês

 «Eu estou aqui hoje porque sinto-me na obrigação, como trabalhadora, de reividicar mais direitos para os trabalhadores, principalmente o aumento dos salários. Não compreendo como é que as empresas da grande distribuição têm milhões de lucros e os trabalhadores têm salários que não lhes chegam para viver.

A prestação da minha casa aumentou bastante e, portanto, quando vou ao supermercado tenho que reduzir nas coisas que posso levar. Tenho que olhar muito bem para os preços e tenho que fazer uma selecção daquilo que posso levar e não levar. É inadmissível vivermos num país onde o salário não chega sequer para comer.

Os trabalhadores deviam repensar e superar a questão do medo porque o medo petrifíca muitos trabalhadores a reagirem. Deviam repensar que eles é que estão a dar os lucros a esta grandes empresas porque é através do nosso trabalho que as empresas têm os lucros, portanto temos todo o direito a exigir um salário que dê para sobreviver. Nós só queremos um salário que dê para viver no nosso país para que a gente possa pagar uma casa, a água, a luz, o gás, ter dinheiro para comer. Não estamos a pedir nada de extraordinário».

«Tenho 56 anos, não estou aqui por mim. Estou aqui pela malta jovem. Quero que os mais jovens olhem para mim e sintam que também podem luta.»

Mário Luís, 56 anos, operário da Exide

«Estou aqui para reivindicar tudo, em concreto aumento do custo de vida. Estou aqui também por causa da luta da empresa em que trabalho, a Exide, na Castanheira do Ribetejo. Lá na empresa a nossa luta é pela reforma antecipada. Eu neste momento tenho 56 anos, não estou aqui por mim. Estou aqui pela malta jovem. Quero que os mais jovens olhem para mim e sintam que também podem luta.

A minha profissão poderia ser considerada de desgaste rápido. Por tudo. Pelo trabalho pesado que há, pela pluição, pela toxicidade, pelas matérias perigososas. Por tudo mesmo. A empresa já é antiga, o meu pai trabalhou 40 anos lá, a minha mãe também lá trabalhou 40 anos. O meu pai morreu aos 70 com muitos problemas de saúde. Hoje preocupa-me o facto de muitas pessoas se reformarem aos 60 e tal anos e quase não gozarem a reforma. 

Vim aqui para me manifestar o mais possível, mas como já disse estou aqui pela malta mais nova lá da empresa. Temos que nos manifestar e lutar por alguma coisa, pelo que acreditamos ser justo.»

«Esta luta é também pelos utentes. Sobretudo pelos utentes!»

Filipa Catarro, 26 anos, médica no Hospital Garcia da Horta

«Sou médica há um ano e meio. Estive um ano em Portalegre e estou há seis meses no Garcia da Horta e, apesar de serem realidades bastantes diferentes, é óbvio que os problemas são um bocado transversais. Ou seja, faltam recursos humanos, falta capacidade de resposta aos utentes e às várias necessidades de saúde, seja desde os cuidados de saúde primários até aos cuidados mais especializados, em particular na área em que é neste momento a área da saúde mental.

Não se discute o suficiente as condições de trabalho dos profissionais de saúde. É transversal, seja no interior ou no litoral, o cansaço dos trabalhadores, a exaustão e a revolta que sentem por não seren decentemente remunerados nem valorizados em termos de reconhecimento.

Quando falamos de profissionais de saúde e das suas condições, eles estão ligados ao que podemos oferecer aos utentes. Enquanto os profissionais de saúde estiverem exautos, se sentirem mal remunerados e mal valorizados e continuarem a sair do público para o privado cada vez teremos menos reposta para dar aos utentes. Esta luta é também pelos utentes. Sobretudo pelos utentes!

Cá estaremos enquanto for necessário!»

«Como no passado, sabemos e é visível, que os direito conquistam-se, não nos são dados.»

Bárbara Carvalho, 28 anos, bolseira de investigação científica

«Eu estou aqui com a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica e desde que este dia de luta foi convocado, a ABIC decidiu, obviamente, integrar-se no dia. Entre outras coisas, nós, os bolseiros, não temos acesso aos mais básicos direitos laborais e portanto esta é uma luta que nos diz muito respeito. Também estamos envolvidos numa luta mais sectorial que vem desde Maio e era muito óbvio que queriamos assinalar este dia. Fizemos hoje um plenário que aconteceu às 12h30 no qual estiveram 80 pessoas e quisemos culminar aqui nesta manifestação onde os direitos laborais, numa perspectiva mais alargada, estão a ser defendidos e acreditamos que só todos os sectores em conjunto o podem fazer. 

Na ABIC, dado o aumento do custo de vida, fizemos as contas. As bolsas de investigação estiveram congeladas durante 18 anos e o aumento que se tem colocado não é suficiente. Nas contas que fizemos, por exemplo, um bolseiro de doutoramento teve uma perda salarial em 2023 de mais de 300 euros, em comparação com 2002. Há aqui uma grande questão que, além do custo de vida, é o combate à precariedade que devia e pode ser resolvido se houver vontade política e reforço do financiamento para o sector do Ensino Superior e Investigação. O dinheiro existe, o dinheiro está lá, o dinheiro tem estado a financiar contratos precários nos últimos 20 anos. É possível contratar, é possível estabilizar. Queremos que as famosas contas certas sejam as contas certas dos trabalhadores. 

É bom estar aqui, é bom ver a expressão que tem, é bom ver a adesão que tem, a adesão dos vários sectores do trabalho. Como no passado, sabemos, e é visível, que os direito conquistam-se, não nos são dados.»

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