António Costa: «Temos de subir salários, mas...»

Se houvesse dúvidas quanto à agenda do Governo, António Costa tratou de as esclarecer na entrevista dada à RTP, esta segunda-feira. Fixada a data das eleições legislativas, o primeiro-ministro falou em jeito de pré-campanha eleitoral, mas deixou de fora uma parte substancial dos trabalhadores, a começar pelos que auferem o salário mínimo nacional (SMN). 

António Costa alegou ter «ambição de subir significativamente» os salários, mas quando confrontado com a falta de vontade de ir além dos 705 euros de SMN em 2022, recorreu a velhos argumentos, como a «capacidade de sustentação das empresas», colocando a faca e o queijo na mão dos patrões: «e vamos ver se há acordo [na concertação social] para os 705 euros».

Apesar de o valor do salário mínimo ser fixado pelo Governo, Costa defende «não ter mandato» para o valorizar condignamente e pergunta se «é realista» aumentar o salário mínimo para 800 euros, deixando a ideia de que a subida colocaria «em perigo» a «solidez e a recuperação» das empresas, e ameaçaria o futuro da Segurança Social. 

A velha retórica de que os baixos salários são a fonte da competitividade no nosso país e a receita para travar o desemprego não passa disso mesmo, de retórica. A realidade nacional desde 2015, com uma política de recuperação de direitos e rendimentos deitou por terra a tese a que o patronato sempre recorre, além de ter contribuído para a vitalidade da Segurança Social. Recorde-se que os salários apenas representam 1/6 dos custos das empresas, o restante são despesas de contexto, como a electricidade e os combustíveis. 

Por outro lado, nos países em que o salário mínimo é muito mais alto do que em Portugal (na Alemanha vai ter um aumento de 400 euros, para mais de 2000 euros mensais) não há registos de quebra no emprego ou de menor competitividade, bem pelo contrário.

Ainda a propósito da proposta de Orçamento para 2022, alegando que o Governo foi ao «limite dos limites», António Costa puxou por algumas das medidas de que fez bandeira, apesar da insuficiência das mesmas para resolver os problemas do País. É o caso do «reforço» de 700 milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que não chegam para pagar a dívida, de acordo com o que tem sido a trajectória, fruto do subfinanciamento crónico, ou do «alívio fiscal», em resultado do desdobramento dos escalões de IRS, mas que não alivia os rendimentos mensais até 1000 euros brutos, que é onde se encontra a maioria dos trabalhadores. 

O primeiro-ministro reconheceu que o País quer que o Governo se concentre «no dever de encontrar soluções», e é isso que está a faltar.