«Os ricos farão de tudo pelos pobres, menos descer das suas costas», Leão Tolstoi
1. O Partido Comunista Português (PCP) apresentou um conjunto de iniciativas legislativas do âmbito da legislação laboral com o objectivo de conferir maior protecção dos direitos dos trabalhadores, garantir o cumprimento do preceito constitucional quanto ao direito ao trabalho em condições socialmente dignificantes e prosseguir uma linha de rumo orientada para a valorização do trabalho e o progresso social.
Os vários projectos de lei que deram entrada na Assembleia da República, alguns já votados e outros que acabaram de sair da fase de discussão pública, convergem todos eles nesse objectivo, a saber: i) repor direitos usurpados pelo anterior Governo do PSD/CDS-PP; ii) eliminar as normas gravosas inscritas no código de trabalho; iii) promover a participação dos trabalhadores no domínio da segurança e saúde no trabalho; iv): proporcionar aos trabalhadores melhores condições que favoreçam a conciliação entre a vida de trabalho e a vida pessoal e familiar.
Repor os direitos usurpados
2. Com a reposição dos direitos usurpados na revisão do código do trabalho, em 2012, visa-se retomar as normas anteriores a essa revisão que, como se sabe, representou a imposição do trabalho forçado e gratuito. Só naquele pacote de medidas, conta-se por mais de 3 mil milhões de euros o montante que foi transferido directamente do factor trabalho para o capital, em consequência da desvalorização dos salários, da redução de rendimentos e do aumento dos tempos de trabalho.
Alguns desses direitos foram já reconquistados, como é exemplo a reposição integral dos quatro feriados. Agora, com as propostas de lei apresentadas pelo PCP, pretende-se que seja reposto o pagamento do trabalho extraordinário para todos os trabalhadores, com um acréscimo de 50% na primeira hora e de 75% nas horas seguintes; a reposição do pagamento do trabalho suplementar e em dia feriado, assim como a reposição do tempo de descanso compensatório (no trabalho em dia feriado repõe-se o direito a descanso compensatório correspondente a igual período das horas trabalhadas ou a um acréscimo de 100% no salário).
Também se quer repor os montantes e as regras de cálculo nas compensações por cessação do contrato e por despedimento, tais como a garantia do critério de um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, sem limite máximo de anos.
Eliminar normas gravosas do código de trabalho
Relativamente à eliminação das normas gravosas inscritas no código do trabalho, destacam-se as propostas que visam revogar os mecanismos de adaptabilidade e do banco de horas individual, assim como as adaptabilidades nas modalidades grupal e por regulamentação colectiva e, também, a revogação de outras formas de desregulação dos horários.
São propostas justas e necessárias para pôr termo a formas de organização do tempo de trabalho que visam adaptar os horários ao exclusivo interesse das grandes empresas, pondo em causa a saúde e a vida pessoal, cultural e familiar dos trabalhadores. De facto, a instituição destes regimes passou a constituir um instrumento privilegiado nas mãos das entidades patronais, que usam e abusam do tempo de disponibilidade que é pertença dos trabalhadores, para diminuir os custos salariais e aumentar a exploração.
A revogação destes mecanismos é tanto mais necessária quanto o facto de a relação laboral, já de si desequilibrada em desfavor do trabalhador, se tornar ainda mais desfavorável devido à pressão da entidade patronal que usa esse desequilíbrio para obter acordos individuais que impõem as adaptabilidades e os bancos de horas.
É preciso não esquecer que a par destas «novas» formas de flexibilidades na organização do tempo de trabalho, os sucessivos governos do PS, PSD e PSD/CDS também legislaram no sentido de conceder ao patronato a possibilidade de intensificarem todas as velhas formas destinadas a aumentar a exploração dos trabalhadores, como sejam o aumento do horário normal de trabalho, ou a generalização do trabalho não remunerado por via das chamadas intermitências, tempos de disponibilidade (em muitas situações, trabalhadores disponíveis para as empresas durante as 24 horas), trabalho a tempo parcial com intermitências, etc.
Negociação colectiva: regressar à normalidade, urgentemente
A revogação do regime de sobrevigência e caducidade das convenções colectivas assume carácter de urgência perante as normas que foram introduzidas no código do trabalho para limitar e obstruir o exercício do direito constitucional de negociação colectiva e que conduziram ao declínio e bloqueio da contratação colectiva, com graves prejuízos para os trabalhadores.
«É inaceitável que o actual Governo queira manter a restrição à liberdade negocial que a Constituição confere aos sindicatos representativos»
A contratação colectiva fixa salários e consagra direitos e condições mais favoráveis, muito acima do que está previsto no código do trabalho (pagamento de trabalho suplementar e nocturno, pausas, descanso suplementar, subsídios de turno, majoração de dias de férias, feriados e dias de descanso, entre outros).
Por isso é inaceitável que o actual Governo queira manter a restrição à liberdade negocial que a Constituição confere aos sindicatos representativos, colocando nas mãos do patronato um instrumento de pressão e de chantagem, intencionalmente destinado a criar um maior desequilíbrio na relação de forças e, assim, mais facilmente impor a sua vontade, em detrimento dos direitos e interesses dos trabalhadores. É um facto que em consequência desse desequilíbrio entre trabalho e capital, o bloqueio atinge um elevado número de convenções colectivas que abrangem centenas de milhares de trabalhadores, afectados nos seus direitos e condições de trabalho.
A revogação dessas normas é condição indispensável para retomar a relação laboral e permitir a livre negociação das condições de trabalho, seja para aumentar os salários, combater a precariedade ou melhorar os direitos laborais e sociais. Mas é também uma condição inerente à defesa do próprio direito do trabalho e ao exercício da liberdade e da democracia nos locais de trabalho, onde é necessário garantir uma especial salvaguarda de protecção dos direitos dos trabalhadores e dos sindicatos.
A reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, de forma a garantir que se aplica a norma mais favorável de entre as várias fontes de direito é outro objectivo, a par com a revogação do regime da caducidade. O progressivo enfraquecimento a que foi submetido este princípio, devido a sucessivas revisões do código de trabalho, constituiu um dos maiores ataques cometidos depois de 25 de Abril. Por isso, a aprovação da proposta contribuirá para a valorização do direito do trabalho e para a substancial melhoria dos direitos dos trabalhadores.
Com vista a garantir o cumprimento efectivo dos horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar, a proposta de lei revoga as normas sobre a aplicação das adaptabilidades e do banco de horas e, por outro lado, elimina os mecanismos de desregulação dos horários ou alargamento do período de trabalho, dentro ou fora do local de trabalho, para além dos limites máximos previstos para o período normal de trabalho. Também proíbe que o tempo destinado ao descanso dos trabalhadores seja usado pela entidade patronal para lhes impor a utilização de quaisquer instrumentos de trabalho, incluindo meios de comunicação.
A promoção da participação dos trabalhadores no domínio da segurança e saúde no trabalho é uma inegável contribuição para aprofundar a intervenção dos trabalhadores e suas organizações representativas na definição das condições de segurança e saúde no trabalho, do seu papel e contributo para as políticas de redução da sinistralidade laboral e para a prevenção de acidentes e doenças profissionais.
Com vista a uma maior participação dos trabalhadores nesta importante frente de intervenção e acção, são também propostas alterações ao actual processo legal de eleição dos seus representantes, de modo a remover dificuldades que decorrem da complexidade, burocracia e mesmo ingerência naquela que deve ser uma actividade sujeita aos princípios da liberdade de gestão democrática das organizações representativas dos trabalhadores.
Legislação laboral: ainda há tanto a fazer
3. O PCP também tem persistido na defesa de outros projectos de lei, como os relativos ao período anual de 25 dias de férias pagas; ao combate à precariedade; à redução da duração máxima do trabalho semanal para as 35 horas e a garantia de dois dias de descanso semanal consecutivos, em geral ao sábado e ao domingo; a melhoria do trabalho em regime de turnos e trabalho nocturno; a melhoria da protecção social no desempego; o reforço e melhoria dos serviços públicos; a revogação das normas gravosas da Lei de Trabalho em Funções Públicas; o aumento das pensões e a reposição da idade legal de reforma aos 65 anos, sem penalizações para quem tem, pelo menos, 40 anos de contribuições.
São propostas justas e necessárias, sendo determinante a luta dos trabalhadores para as concretizar em lei, uma vez que o PS e o seu Governo dão mostras de não querer descolar da política anti-laboral do Governo anterior. De facto, a confirmar que não se pode confiar num partido que está comprometido com grande parte das matérias gravosas do código do trabalho, ainda há poucos dias vimos o PS irmanado com o PSD e o CDS para, em conjunto, chumbarem na AR os projectos de lei que visavam a reposição do pagamento do trabalho extraordinário e do trabalho em dia feriado, em votação agendada pelo PCP.
«a actual legislação laboral (...) é prejudicial aos trabalhadores e conforme aos interesses do patronato»
Por outro lado, ao remeter estas matérias para a concertação social, o PS mostra ter uma concepção antidemocrática quanto ao debate e produção das leis laborais, uma vez que a concertação social não é nenhum órgão eleito pelo povo português, nem pode legislar, competência que é reservada à Assembleia da Republica.
Sempre que se aliou ao PSD e ao CDS para aprovar leis contra os trabalhadores, como é exemplo a aprovação do código de trabalho e as suas sucessivas revisões, o PS nunca teve dúvidas em votar com celeridade essas leis na AR. Mas quando se trata da defesa dos trabalhadores, lá vem a cantilena da concertação social.
Esta posição dúplice do PS revela cinismo, pois sabe que o patronato está em maioria naquela comissão e, portanto, nunca apoiará as propostas que visem a melhoria das condições de trabalho, com o Governo a representar pela enésima vez o papel de «morto», deixando que o desconcerto eternize a actual legislação laboral que é prejudicial aos trabalhadores e conforme aos interesses do patronato.
4. Nesta nova fase da vida política nacional e no quadro da nova correlação de forças existente na Assembleia da República, foi possível criar condições para encetar um processo de recuperação de direitos e rendimentos usurpados nestes últimos anos e promover alguns avanços que vão para além do que o PS admitia nos seus programas eleitoral e de governo.
É justo valorizar os avanços alcançados, de que são exemplo a reposição integral dos feriados, as 35 horas de máximo semanal na administração pública, o desagravamento da taxa de IRS assim como a eliminação da sobretaxa, a eliminação dos cortes no subsídio de desemprego e o reforço dos apoios aos desempregados de longa duração, a valorização do abono de família e a reposição do pagamento por inteiro dos subsídios de férias e de natal, o reforço da contratação colectiva e dos complementos de reforma no sector empresarial do Estado, as medidas de combate à precariedade da administração pública e no sector empresarial do Estado, o desagravamento do IMI, a eliminação das taxas moderadoras na saúde assim como a gratuitidade dos manuais escolares, o aumento extraordinário das pensões de reforma, entre outros.
Este é o tempo de prosseguir a luta por novos avanços, sabendo que os resultados são determinados pela mobilização a partir dos locais de trabalho. Foi a luta que levou ao processo de recuperação de rendimentos e direitos. Será com a luta que os trabalhadores reforçarão as forças políticas que na Assembleia da República travam duras batalhas em defesa dos direitos laborais e sociais.