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Distribuidores por plataformas digitais: argumentos contra chantagens e ilusões

As plataformas têm-se servido da chantagem dos despedimentos e da proliferação da precariedade para virar os trabalhadores contra quem ameaça acabar com o embuste do trabalho dito «independente».

O Sindicato da Hotelaria do Norte denuncia que os trabalhadores da Uber Eats e da Glovo estão «contratados ilegalmente a recibo verde» e sublinha as «condições de vida e de trabalho» que enfrentam
Os sindicatos têm alertado para as duras condições de exploração na distribuição por plataformas digitaisCréditos / El Confidencial

Não é segredo para ninguém que o Governo pretende, a breve prazo, introduzir de forma sistemática a questão das plataformas digitais na legislação laboral. O chamado «trabalho por plataformas» cobre um número imenso de actividades, pelo que dificilmente será possível chegar a uma resposta única para todos os casos. Assim sendo, em virtude do seu enorme crescimento nos últimos tempos, neste texto cinjo-me ao caso dos chamados «distribuidores por plataformas», ou seja, aos casos da Glovo, Uber Eats e seus sucedâneos.

Mesmo que, por agora, não seja conhecida a orientação do Governo, as discussões em torno deste tema em outros países permitem antecipar que o principal dilema que se colocará: permitir que estes trabalhadores operem – como até aqui – como micro-empresários, ou considerá-los em situação dependente e, por conseguinte, obrigar a que as empresas os contratem na condição de assalariados?

«À primeira vista poder-se-á argumentar que sendo os telemóveis e os veículos utilizados propriedade dos distribuidores (ou, no mínimo, alugados por estes), não há dependência. Nada mais falso»

Aqui deixo quatro argumentos que me parecem não darem qualquer margem para dúvidas sobre a condição de dependência destes trabalhadores:

1) Propriedade dos instrumentos de trabalho. Uma forma de rápida e eficazmente tirar a prova dos nove ao tipo de relação laboral que temos perante nós é verificar de quem são os instrumentos de trabalho utilizados no processo laboral. À primeira vista poder-se-á argumentar que sendo os telemóveis e os veículos utilizados propriedade dos distribuidores (ou, no mínimo, alugados por estes), não há dependência. Nada mais falso. Telemóveis, bicicletas, trotinetes e motas todos podemos ter e isso não faz de nós distribuidores de comida! O instrumento fundamental desta relação é a aplicação digital que liga distribuidores, estabelecimentos e clientes. Sem ela é que não é de todo possível distribuir produtos por via da plataforma. Ora essa plataforma não é uma entidade oferecida pela natureza, ela foi desenvolvida e é propriedade de um grupo económico que, graças a ela, opera transacções: adquire produtos de estabelecimentos; remunera distribuidores pelas entregas.

2) Assimetria de informação. Como já aqui salientei, uma marca distintiva das plataformas de distribuição é serem baseadas na chamada «gestão algorítmica», ou seja, na computação da atribuição de tarefas inerentes ao processo laboral. Provando que se trata de uma relação de dependência total, aos distribuidores não é dado a conhecer praticamente nada: Qual o critério para atribuição de determinada entrega a este e não a outro trabalhador? Que influência tem a velocidade a que fazem a entrega, na possibilidade de realizar outras entregas? Qual a distância e em que zona fica o cliente a quem se irá entregar o próximo produto? Quais as consequências «algorítmicas» de recusar um pedido? Quem pode aceder ao código informático que está subjacente a todas estas operações para garantir que a resposta às perguntas anteriores é verdade?

3) Mera intermediação. É a plataforma que estabelece os contactos com os estabelecimentos de onde os distribuidores recolhem os produtos que levam a casa dos clientes. O distribuidor não tem a liberdade de escolher com que estabelecimentos trabalhar, nem qual a sua margem de lucro com a distribuição em qualquer caso. Como tal, o distribuidor está numa situação de total dependência da plataforma.

4) Contingência remuneratória. Os distribuidores não têm qualquer palavra a dizer no que a plataforma lhes paga, sendo a sua fórmula de pagamento sujeita a alterações constantes de forma unilateral – como seria de esperar, por norma, baixando a tarifa fixa e dando mais peso a componentes variáveis (os chamados «bónus»). Assim, não só os distribuidores dependem dos horários ditados pelo mercado (algo que não faz deles dependentes), como – e sobretudo – se quiserem alcançar um salário digno, estão dependentes da política de bónus das plataformas. Sobre elas – por exemplo quando e quanto são as horas com bónus – nada têm a dizer, ficando à mercê dos critérios concorrenciais de cada uma das plataformas. Ou seja, os distribuidores podem ligar-se quando quiserem, é verdade, mas dificilmente sobreviverão se quiserem jantar com a família ou ir passear com a família ao domingo.

«O instrumento fundamental desta relação é a aplicação digital que liga distribuidores, estabelecimentos e clientes. Sem ela é que não é de todo possível distribuir produtos por via da plataforma»

Lá por fora, as plataformas têm-se servido da chantagem do despedimento de muitos trabalhadores e da proliferação da precariedade entre o trabalho assalariado para virar os trabalhadores contra quem – como, por exemplo, o Governo de Espanha – ameaça acabar com o embuste do trabalho dito «independente». Reivindicam a criação do estatuto do «trabalhador independente digital» – como acabou por ser criado em França, pela mão de Macron.

É útil que aprendamos com essa experiência. Por um lado, a chantagem do desemprego é mentirosa – que fariam as plataformas sem a esmagadora maioria dos trabalhadores que hoje lhes garantem a distribuição de produtos? –, por outro, ela só é possível porque o mercado de trabalho funciona como um pântano: são muitos milhares atolados entre o desemprego e trabalhos precários.

Procurando fugir a essa realidade – mesmo sem verem que o que lhes oferece as plataformas é apenas ilusoriamente melhor –, muitos são os trabalhadores a aderir a esta narrativa perigosa, que procura utilizar a actual desregulamentação laboral para, precisamente, desregulamentar ainda mais!

Evitar um cenário deste tipo só é possível por via de uma alteração profunda – para melhor! – das leis laborais portuguesas, atacando de frente a precariedade, os baixos salários e todas as formas de trabalho ilegal ou perigoso. Terá o Governo do PS esta coragem, ou preferirá, de novo, dar a mão ao patronato?

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