Por diferentes motivos, as propostas do Executivo foram ontem criticadas por patrões e organizações sindicais em sede de concertação social. Mas, o que propõe o Governo para a estabilidade e protecção dos trabalhadores? Uma das medidas anunciadas pela ministra do Trabalho passa por novas regras para as empresas que prestam serviços ao Estado, proibindo o trabalho com vínculos precários quando o contrato tiver mais de um ano de duração.
Por outro lado, se o contrato entre a empresa e o Estado tiver menos de um ano de duração, o trabalhador também não pode ser contratado por menos tempo. Isto é, se o contrato entre a empresa e o Estado for de oito meses, a ligação entre a empresa e o trabalhador não pode ser de seis meses, nem pode ser renovável mensalmente.
Mantendo-se em vigor, os contratos temporários passam a ter um limite de quatro renovações, em vez das actuais seis.
A proposta de Orçamento não dá os sinais de que o País precisa em termos de valorização do trabalho, dos salários e das pensões. Trabalhar em Portugal não é condição bastante para sair da pobreza. No Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza, que hoje se assinala, uma análise com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) conclui que, em 2020, 9,5% da população empregada em Portugal era considerada pobre, ou seja, vivia com rendimentos inferiores ao então considerado limiar da pobreza (menos de 540 euros por mês). Não obstante ser um factor-chave para alterar esta situação, o aumento dos salários volta a ser negligenciado na proposta de Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano. Após uma década sem aumentos salariais, o documento avança com uns tímidos 0,9% de «aumento» para os trabalhadores da Administração Pública (AP). O valor, em linha com o aumento previsto da inflação em 2022, significa que, no final do mês, os trabalhadores pouco ou nada verão de alívio nas suas contas. Para além do mais, o Governo não dá sinais de valorização das carreiras na AP, apesar de esta ser uma condição fundamental para fixar trabalhadores em sectores essenciais como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e combater a precariedade. Na campanha de comunicação de valorização do pouco que a proposta de OE contém para os trabalhadores, o Governo procura iludi-los ao invocar um aumento da massa salarial na Administração Pública de 3,1%, uma vez que engloba neste valor progressões nas carreiras há muito tempo devidas aos trabalhadores, novos trabalhadores contratados, a que foi obrigado por propostas que PCP e PEV fizeram aprovar em orçamentos anteriores, ou outras despesas. Outra medida que tem sido central para impedir a valorização dos salários é a caducidade da contratação colectiva. O Governo, que tem fugido à opção de a revogar, anunciou que o tema seria tido em conta na Agenda para o Trabalho Digno. Entretanto, notícias vindas a público na sexta-feira davam conta de que, ao invés de prever a sua revogação definitiva, o Governo se prepara para mais uma suspensão da norma que, a confirmar-se, seria a terceira. Ou seja, o Governo reconhece que a norma gravosa do Código do Trabalho é perniciosa, mas decide mantê-la para o futuro. O salário mínimo nacional é outra frente de resposta à pobreza em que a opção do Governo tem sido marcar passo, recusando propostas além dos 705 euros em 2022. E ainda que pretenda usar esta medida como moeda de troca nas negociações para viabilizar o OE, nunca se aproxima dos 850 euros defendidos pela CGTP-IN. No que toca às pensões, a proposta de OE também não assegura uma valorização robusta e transversal. O Governo anunciou um aumento extraordinário de dez euros para as pensões abaixo de 658 euros, mas só a partir de Agosto do próximo ano (um pensionista com uma reforma de 800 euros, pela aplicação da legislação em vigor, teria um aumento de apenas quatro euros). As que estão acima desse valor, mas igualmente baixas, não são alvo das opções do Executivo (um pensionista com uma reforma de 800 euros, pela aplicação da legislação em vigor, teria um aumento de apenas quatro euros), desmerecendo as contribuições dadas para a Segurança Social por estes contribuintes. Da mesma forma, o documento não responde aos pensionistas com longas carreiras contributivas e que se reformaram antes das alterações à lei, com brutais cortes nas suas pensões (há reformados com mais de 46 anos de descontos, mas que os não tinham aos 60 anos, que tiveram significativos cortes nas pensões). A par de os salários baixos induzirem reformas e pensões de miséria, há que atender à questão da destruição do aparelho produtivo, com milhares de despedimentos colectivos um pouco por todo o País, que empurrou milhares de trabalhadores para a reforma, antes da idade legal, mas já com longas carreiras contributivas. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Orçamento mantém desvalorização do trabalho, salários e pensões
Salários baixos, pensões de miséria
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Ana Mendes Godinho já veio regozijar-se com a medida, tendo considerado que é uma forma de «dar o exemplo». Mas exemplo seria se deixasse de haver pessoas a trabalhar para o Estado em regime de outsourcing, como é o caso da Segurança Social, com trabalhadores há mais de dez anos em postos de trabalho efectivos sem qualquer vínculo à instituição.
Por este motivo, trabalhadores do Instituto de Segurança Social subcontratados a empresas de trabalho temporário manifestam-se esta quinta-feira em Lisboa contra a precariedade do seu vínculo laboral e em defesa da integração nos quadros do instituto.
Tal como criticava ontem Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP-IN, «não existe da parte do Governo a norma de que para um trabalho permanente deve haver um vinculo laboral efectivo», sendo esta uma medida-chave para erradicar a precariedade.
Entre as propostas que serão aprovadas esta quinta-feira está também a proibição de as empresas que façam despedimentos colectivos recorrerem a subcontratações, mas apenas no período de um ano, e o aumento das multas pelo trabalho não declarado, com a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) a poder suspender despedimentos considerados ilícitos. Mas há que atender que, para aumentar o poder de fiscalização, a ACT precisa de ser reforçada em pessoal e meios técnicos.
O prolongamento da suspensão da caducidade das convenções colectivas até 2024 é outro aspecto que, em matéria de direitos dos trabalhadores, deixa muito a desejar. Embora reconheça que é perniciosa, o Governo decide manter esta ferramenta de chantagem do patronato com a possibilidade de, em caso de litígio, haver uma decisão de um tribunal arbitral, ficando o interesse do trabalhador dependente da constituição do respectivo colégio.
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