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|grande distribuição

Célia Lopes: abrem mais supermercados mas não criam novos postos de trabalho

Antecipando a greve da grande distribuição de 28 de Junho, o AbrilAbril falou com Célia Lopes, dirigente sindical do CESP/CGTP, sobre a dura realidade que enfrentam cerca de 144 mil trabalhadores num sector de lucros milionários.

Célia Lopes, dirigente nacional do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN). 
Célia Lopes, dirigente nacional do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN). Créditos / Rádio Alto Minho

São 144 mil trabalhadores, todos os dias, a gerir, a limpar, a carregar, a repôr, a transportar, a cozinhar, a apoiar, a atender - a abrir e a fechar, em suma, mais de 4 500 lojas e supermercados de Norte a Sul do país. Embora o sector da grande distribuição mova centenas de milhões de euros (só em lucros) todos os anos (representando cerca de 12,4% do PIB, segundo o CESP/CGTP-IN), aqueles que garantem o funcionamento diário, e continuado, das lojas vivem com pouco mais do que o salário mínimo.

Na incapacidade de estabelecer um caderno reivindicativo para dezenas de empresas, com realidades muito díspares (e uma longa, e diversa, lista de abusos patronais), o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN), ao convocar a greve de dia 28 de Junho, Dia Nacional de Luta da CGTP, definiu os objectivos centrais desta acção de luta: «pelo aumento geral dos salários, por horários dignos e pelo direito ao planeamento da vida pessoal».

Célia Lopes, dirigente do CESP/CGTP-IN que acompanha, há vários anos, a grande distribuição, explicou ao AbrilAbril o que motivou os trabalhadores a convocar uma greve nacional, assim como as razões que levam muitos milhares a aderir à Iniciativa Legislativa de Cidadãos que o CESP quer apresentar ao parlamento: «Pelo Encerramento do Comércio aos Domingos e Feriados e Pela Redução do Período de Funcionamento até as 22h».

Estamos habituados a pensar a grande distribuição como sendo quase exclusivamente composta de supermercados, mas o sector vai muito além disso. O que é que é a grande distribuição em Portugal?

Para além dos super e hipermercados, a grande distribuição inclui hoje as chamadas cadeias especializadas, ou seja, o comércio em que o cliente chega, encontra o produto em exposição, pega nele e pode sair sem sequer ser atendido por um trabalhador. É onde impera e prolifera o livre serviço. Embora muitas ainda tenham atendimento especializado, na grande distribuição o consumidor pode, de forma autónoma, efectuar todo o seu processo de compra e ir embora.

Para além do retalho, quais são as marcas mais representativas na grande distribuição?

Há várias cadeias de comércio especializadas, nomeadamente ligadas às marcas desportivas, onde acontece também o processo do livre serviço. Temos também as cadeias de electrodomésticos, algumas cadeias na área do vestuário... As empresas da grande distribuição representam um grande leque de entidades patronais filiadas na Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).

Na greve de 28 de Junho participam, apenas, os trabalhadores dessas lojas ou estão abrangidos todos os que trabalham nessas empresas?

São todos os trabalhadores da cadeia de distribuição, ou seja, todos aqueles que trabalham para estas empresas. É o exemplo dos entrepostos do Lidl onde, pese embora estejam a trabalhar em quatro armazéns localizados de forma distribuída pelo país, sem contacto directo com clientes, os trabalhadores estão abrangidos por este pré-aviso de greve.

O mesmo acontece com os trabalhadores da Sonae, da Jerónimo Martins Retalho, ou seja: são trabalhadores que, não estando num espaço de venda ao público, trabalham directamente, no armazém, para as empresas de distribuição e, por isso, estão também abrangidos pela greve de dia 28.

Quais são as principais reivindicações desta luta? Imagino que num universo de centenas de milhares de trabalhadores, com mais de 4 500 lojas espalhadas pelo país, exista um conjunto muito alargado de queixas e problemas...

As reivindicações e os problemas de qualquer destes trabalhadores são vários e díspares de empresa para empresa. Mas há um problema que é comum a todos: a desvalorização da carreira profissional.

É um problema comum a todo o sector. Os salários praticados nas empresas não acompanharam a subida do Salário Mínimo Nacional (SMN), o que provocou uma total desvalorização da carreira profissional. Aliás, a última tabela salarial negociada connosco (CESP), em 2016, já foi praticamente toda ultrapassada, e até a tabela negociada no ano passado com outra estrutura sindical já está ultrapassada para mais de 80% dos trabalhadores, cujos salários foram absorvidos pelo SMN. É um problema enorme.

A segunda reivindicação desta greve é a revisão do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT). Aquele que existe para a grande distribuição, neste momento, resulta de uma revisão feita pela APED com um sindicato da UGT e inclui a retirada de alguns direitos que o CESP considera serem direitos fundamentais. A sua aplicação provoca, por exemplo, uma maior desregulação da organização do tempo de trabalho e, por conseguinte, uma maior dificuldade com a conciliação da vida pessoal e familiar.

A revisão feita pela associação patronal (e a UGT) também agrava a precariedade no sector, efectiva uma maior polivalência de funções em algumas categorias profissionais, etc... O facto de uma qualquer estrutura sindical ter aceite esta convenção não obriga a que as outras o façam. Já deixámos bem claro que não aceitamos aquelas alterações e que elas não se aplicam aos trabalhadores filiados no CESP. Por isso mesmo, a nossa luta é também pela revisão do CCT.

As negociações com o CESP estão paradas?

Estamos num processo negocial que se arrasta desde 2020, sem fim à vista. A última proposta que a associação patronal nos apresentou agrava exactamente o problema de desvalorização da carreira de que falávamos. Oferecem agora, do salário de entrada até ao salário de topo, para os trabalhadores de armazém ou das lojas, uma diferença de 15 euros: um trabalhador vai levar 8 anos até atingir um aumento de 15 euros. Obviamente é algo que não é aceitável...

Entendem que a APED não tem muita vontade de chegar a um acordo?

A APED terá tanta vontade de negociar com o CESP quanto os trabalhadores façam ouvir a sua voz na rua. É nesse sentido que vamos realizar estas três marchas. Vamos sair à rua exactamente para que os trabalhadores façam ouvir a sua voz. Vamos passar por várias empresas, várias insígnias e em cada uma delas, os trabalhadores farão ouvir as reivindicações específicas e concretas dessas empresas. Estas reivindicações que referi são comuns à generalidade dos trabalhadores do sector da distribuição mas, em cada uma delas, há problemas concretos.

Tens algum exemplo de más práticas laborais aplicadas pelas empresa da grande distribuição recentemente?

No Lidl e no My Auchan há uma imposição para que os trabalhadores cumpram funções que não se enquadram na sua categoria profissional, como é o caso, por exemplo, da limpeza geral de lojas. São os trabalhadores das lojas, os operadores, que, com o mesmo fardamento com que estão a tratar do pão e a repôr produtos frescos, depois vão fazer a limpeza do chão, das casas de banho e dos espaços de estacionamento, a apanhar cocós de cães no parque de estacionamento enquanto tratam do pão da fruta. Isto é completamente caricato e surpreende-me que as autoridades competentes não fiscalizem este tipo de situações...

Não achas também um pouco caricato que estas empresas apresentem cada vez maiores lucros (só a Sonae e o Pingo Doce juntas, em 2022, acumularam 769 milhões), multipliquem o número de lojas, mas continuem a pagar pouco mais do que o SMN, se tanto...

O presidente da APED [José António Nogueira de Brito, representante da Jerónimo Martins] tem vindo muitas vezes a público afirmar que as margens de lucro não subiram. Até um comentador de direita dizia: como é que as margens não subiram e os lucros aumentaram? Há aqui qualquer coisa que não está a ser explicada...

É preciso que nos entendamos: o que todas as cadeias de distribuição têm feito é reduzir drasticamente o número de trabalhadores por metro quadrado. O número de trabalhadores e as horas trabalhadas. É muito diferente ter 100 trabalhadores a fazer 40 horas e 100 trabalhadores a fazer apenas 20, em part-time. Reduzem-se muito os custos.

Bem podem vir pregar que as margens não subiram. Mantiveram as margens associadas ao preço e reduziram significativamente os custos: subiram as margens porque o cliente está a pagar o mesmo numa loja que tem custos muito mais baixos. Tem sido esta lógica de funcionamento das empresas de distribuição.

Acompanho este sector há 12, 13, anos. Nessa altura, o Pingo Doce e a Sonae diziam ter cerca de 35 mil trabalhadores. É exactamente o mesmo número que têm agora, mais de uma década depois. De então para cá, cada uma dessas empresas deve ter aberto mais de 200 lojas. Se aumentam lojas e o número de trabalhadores é o mesmo, alguma coisa está mal...

Como é que o sindicato olha para a estandardização do uso das caixas automáticas, self check-out? Há uma conciliação difícil entre avanços tecnológicos e tornar o trabalhador supérfluo?

Pode ter esse efeito, mas não será efeito único. Em algumas destas empresas, aquilo que verificamos é uma cada vez maior pressão para os trabalhadores reduzirem cargas horárias e uma cada vez maior opção pela não renovação de contratos. O entendimento que podemos fazer é que a colocação destas caixas não será a única e exclusivamente para facilitar o escoamento e para ter mais caixas em funcionamento numa entidade comercial, mas, sim, porque não há trabalhadores suficientes para abrir as caixas.

Todos nós somos clientes destas cadeias, de maior ou menor dimensão, e todos verificamos que nunca estão garantidas caixas abertas, apesar das filas. É que não há trabalhadores suficientes para abrir as caixas, ponto. Não é porque não haja clientes, não existam filas, é porque não há trabalhadores suficientes para abrir as caixas.

Como tem sido a reacção dos trabalhadores à Iniciativa Legislativa de Cidadãos que o CESP quer levar ao parlamento, para encerrar o comércio aos domingos e feriados?

Esta iniciativa legislativa não é, única e exclusivamente, dirigida aos trabalhadores das empresas de distribuição, é para toda a população em geral. É óbvio que, no contacto que o CESP faz de mobilização dos trabalhadores para subscreverem a iniciativa, fale essencialmente com trabalhadores do comércio, mas aqui sim, falamos em todo o comércio.

Há muitas empresas nos centros comerciais que não são das empresas de distribuição, são do chamado comércio tradicional (têm a venda dirigida, a venda aconselhada) mas que também nestes espaços têm períodos de funcionamento extremamente prolongado, até à meia-noite nas grandes cidades.

É muito frequente que os centros comerciais encerrem às 23h, 24h, durante a semana. São horários de funcionamento extremamente prolongados. Os trabalhadores reclamavam muito desta necessidade de conciliar o trabalho com a sua vida pessoal e familiar. A questão do não trabalharem ao domingo é muito importante para os trabalhadores, como a questão da redução dos períodos de funcionamento.

Encerrando às 24h, um trabalhador só sai da loja, pelo menos, meia-hora depois, muitas vezes já nem sequer tem transportes.

Uma das principais críticas dirigidas a esta iniciativa é que muitos trabalhadores precisam destes horários (por pagarem melhor) para compensar os salários muito baixos...

Sim, é um facto. A crítica que podem apontar é o facto de o trabalho prestado ao domingo (em regra) ou o trabalho prestado em feriados (em regra) ter uma remuneração especial. Mas eu vejo isto de outra forma.

Dou-te um pequeno exemplo: em 2010, um trabalhador da Auchan (para não estar sempre a falar do Pingo Doce ou da Sonae) no topo da carreira ganhava, no mínimo, 615 euros. O salário mínimo era de 450. Este trabalhador ganhava 175 euros acima do SMN. Neste momento, o grosso dos operadores especializados (alguns ganham menos que isso) recebem cerca de 815 euros. Mesmo que seja 850. Estamos a falar de 90 euros acima do SMN, noutras cadeias, são 70, noutras 40 e noutras é o salário mínimo nacional.

Mesmo que façam os quatro domingos e um feriado, não ganham estes 160 euros que lhes falta no salário pela desvalorização da tabela salarial e da carreira. Essa necessidade que os trabalhadores têm de complementar os salários advém, essencialmente, dos baixos salários que são praticados.

Isto é um bocadinho o quanto pior, pior: é preciso que seja o trabalhador a precisar de trabalhar domingo para que não reclame de trabalhar nesse dia. Mesmo sabendo a empresa que é mau trabalhar ao domingo. Curiosamente, nestas empresas, os trabalhadores que têm salários mais altos são exactamente aqueles que não têm que estar no trabalho. E isso é completamente caricato.

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