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Sebastião Santana: «os aumentos para o próximo ano significam a perda de dinheiro»

O acordo entre o Governo PS e a UGT tem como objectivo «confundir as pessoas e desmobilizar», considera o coordenador da Frente Comum. Não vão conseguir, disse ao AbrilAbril: «os trabalhadores já conhecem estas estratégias de diversão».

Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (CGTP-IN)
CréditosTiago Petinga / Lusa

Com pompa e circunstância, o Governo PS assinou um acordo plurinanual com a Fesap e o STE, estruturas sindicais da função pública afectas à UGT, que confirma o rumo de empobrecimento destes trabalhadores.

Num quadro de incertezas, os sindicatos da UGT comprometem-se com aumentos significativamente abaixo do valor da inflação.

Todo o acordo foi congeminado, pelo PS e pela UGT, nos bastidores, sem o conhecimento da estrutura sindical com maior representatividade entre os trabalhadores da administração pública: a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, da CGTP-IN.

Ao AbrilAbril, Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum, reafirmou a disponibilidade dos sindicatos da CGTP-IN em negociar, sobre qualquer assunto, com o Governo, mas há coisas que, ao contrário da UGT, não são negociáveis: «nem sequer admitimos pôr [o empobrecimento] em cima da mesa».

Qual é ponto de situação das negociações da administração pública?

A situação, neste momento, está parada. A Frente Comum pediu a negociação suplementar, já houve uma reunião há duas semanas e temos um calendário negocial estabelecido com o Governo, proposto pelo próprio, que se deverá iniciar na segunda quinzena de Outubro. [Até ao dia 25 de Outubro, a Frente Comum não foi contactada].

O acordo entre os sindicatos da UGT e o Governo significa que as negociações com a Frente Comum ficam sem efeito?

Não, vamos fazer as negociações na mesma, era o já tinha sido decidido. Aquilo que o acordo entre a UGT e o Governo definiu está fora da questão da negociação geral anual.

No fundo, o que o governo fez no acordo, assinado na segunda-feira, foi escolher os parceiros com quem quis negociar, excluindo deliberadamente a Frente Comum, a maior estrutura sindical da administração pública, do processo negocial, de uma maneira que é, no mínimo, pouco transparente.

O que resulta desse acordo é uma mão-cheia de nada. São umas perspectivas de negociação para o futuro sem apresentar, pelo menos publicamente, nenhuma proposta concreta.

Estariam dispostos a aceitar o que foi assinado pela UGT?

Um aumento de 43 cêntimos no subsídio de alimentação, que passa para os 5,20 euros, e a aplicação, apenas aos técnicos superiores do regime geral (são cerca de 91 mil trabalhadores num universo de 740 mil no total da administração pública), de uma actualização remuneratória que, mesmo com este acrescento, não vai impedir que empobreçam no próximo ano... Um aumento, em média, de 5,6% quando a inflação será de cerca de 7,8%...

A Frente Comum está sempre disponível para discutir tudo, desde que não seja para empobrecer trabalhadores... Estamos disponíveis para discutir, agora, se a discussão passar por aquilo que o Governo tem querido, que é empobrecer mais ou empobrecer menos, nós não nos submetemos a esse nível de discussão.

É público, e notório, que o Governo tem orçamento e estabilidade financeira para fazer muito diferente... O empobrecimento é uma discussão que nós nem sequer admitimos pôr em cima da mesa.

É possível que o Governo tenha anunciado o acordo com a UGT, a poucas semanas da greve da função pública [18 de Novembro], com o propósito de desmobilizar os trabalhadores?

Claro, confundir as pessoas e desmobilizar daquilo que eles têm que fazer para conquistar mais salários e mais direitos: lutar. Os trabalhadores não estão a dormir, estão atentos àquilo que o Governo faz, até a estes processos de diversão... 

Os trabalhadores já conhecem muito bem como funcionam estes processos negociais... Em Setembro estamos a discutir os salários de Janeiro, nessas negociações o Governo entra com uma proposta e sai com a mesma, inventando desculpas relativamente àquilo que se passou no quadro macroeconómico durante o ano.

Se não é inflação, é a deflação ou a estagnação da inflação... Num futuro que se afigura ainda mais imprevisível, os trabalhadores não se vão deixar enganar por acordos que têm a pretensão de saber o que vai acontecer daqui a um, dois ou três anos... Dizer que vamos, daqui a três anos, discutir um aumento de salário X...

Não passa de propaganda, no fundo. Os trabalhadores não se vão deixar enganar por isso, seguramente.

O foco mediático recai, sobretudo, sobre a questão salarial. Quais são as outras reivindicações dos trabalhadores?

A questão do SIADAP (sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública) que faz com que só se progrida de 10 em 10 anos. A necessidade de revisão da tabela remuneratória única, para garantir que a antiguidade e que a diferença relativa entre carreiras de diferente complexidade são garantidas... Estas serão sempre questões absolutamente centrais, a juntar aos salários...

Continuamos a ter carreiras pouco atractivas, a valorização das carreiras não vai ao encontro daquilo que o governo diz que quer fazer: melhorar a atractividade.

Depois, no concreto, não fazem grande coisa para alterar isso.

Mantêm-se as perspectivas para a Greve da administração pública de 18 de Novembro?

O descontentamento dos trabalhadores é enorme. O governo não apresentou respostas que os tirem da rota de empobrecimento em que já estão desde 2009. Muito pelo contrário: o aumento proposto para o próximo ano significa perder dinheiro. Continuar a desvalorizar salários causou um grande descontentamento entre os trabalhadores.

Com certeza vamos ter uma grande jornada de luta nesse dia.

Vamos ainda dinamizar um plenário nacional, em frente à Assembleia da República, já no dia 27 de Outubro, com a participação de dirigentes, delegados e activistas sindicais, que vai ser um importante momento para reflexão. Nessa iniciativa vamos poder ouvir os testemunhos de trabalhadores da administração pública, assim como de dirigentes, delegados e activistas sindicais que estão, todos os dias, nos locais de trabalho.

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