|Legislativas 2022

IL: «Temos de nos habituar a viver sem» serviços públicos

A citação, proferida esta manhã por um dirigente da IL sobre a TAP, está vertida de forma subliminar no programa deste partido, que hoje analisamos, onde se perspectiva o fim das funções sociais do Estado. 

Créditos / RTP

«Reformar o Estado», ou seja, «emagrecê-lo», é a ideia-chave da Iniciativa Liberal (IL) às eleições para a Assembleia da República, alicerçada no raciocínio de que assim será possível um Estado «mais forte e mais capaz», e alcançar a «maximização da liberdade individual e da igualdade de oportunidades». Mas as propostas vertidas no programa dos liberais não batem certo com o argumentário. 

Esta manhã, um dirigente da IL dizia à Rádio Observador, num debate sobre a TAP, que os portugueses tinham de se habituar a viver sem ela. Olhando para as mais de 600 páginas do programa dos liberais, percebemos que o intuito é que nos habituemos a viver sem serviços públicos, num país mais desigual e empobrecido, e com maiores índices de precariedade laboral

Entre as propostas que concorrem para esta conclusão está o restabelecimento do banco de horas individual, por «comum acordo» entre empregado e empregador, com o horário normal de trabalho a poder esticar até «duas horas por dia, 50 por semana e 150 por ano». Na base da proposta está uma «gestão mais eficiente» das empresas, mas que na prática significa deixar de pagar o trabalho extraordinário. Quanto ao teletrabalho, o partido liderado por Cotrim de Figueiredo defende a revisão de «restrições [...] que criem obstáculos ao trabalho remoto». 

No plano dos rendimentos, a IL volta a propor a substituição do salário mínimo nacional pelo «salário mínimo municipal», associando a ideia de que tal fomentaria a «coesão territorial». Colocar os municípios a definir o salário mínimo «que mais se adequa à sua economia local» levaria ao aumento das desigualdades observadas a nível territorial. Os liberais sustentam a ideia no facto de o custo de vida variar bastante entre diferentes municípios do País, negligenciando, por exemplo, que nalgumas regiões o acesso a serviços públicos, designadamente à saúde, é mais limitado. 

Entre as condições deste salário mínimo «municipal» (ou «razoável»), a IL deixa clara a sua visão sobre as relações entre trabalhadores ou sindicatos e empresas, que, neste caso, seriam os municípios. Em resposta à possibilidade de os sindicatos poderem «ter influência sobre executivos camarários, obrigando-os a subir salário mínimo para além do que os empregadores podem pagar», a IL assume que o «risco» é «mitigado pelo facto de que as empresas podem mover-se para outras cidades, dando um incentivo aos executivos para serem razoáveis na determinação do nível de salário mínimo». Ou seja, toda uma estratégia para estagnar a evolução do salário mínimo nacional, que, qualquer que seja a região, é baixo para responder às necessidades de centenas de milhares de trabalhadores e suas famílias. 

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PS faz depender aumento dos salários de mais benefícios fiscais para as empresas

O AbrilAbril detalha algumas das propostas e inconsistências dos programas eleitorais às legislativas de 30 de Janeiro. Hoje falamos das propostas do PS. 

CréditosInácio Rosa / Agência Lusa

Tomando o exemplo recente, em que o Governo de António Costa compensou as empresas pelo aumento do salário mínimo para 705 euros, no valor de 100 milhões, o PS apresenta no seu programa às legislativas de 30 de Janeiro a criação de um quadro fiscal para que as empresas assegurem, «a par da criação de emprego líquido, políticas salariais consistentes em termos de valorização dos rendimentos e de redução das disparidades salariais, centrado na valorização dos salários médios».

Tal como o AbrilAbril tem vindo a denunciar, a compensação das empresas por um direito dos trabalhadores, além de onerar as contas públicas e comprometer o financiamento das funções sociais do Estado, é um contributo para a campanha de que a subida dos baixos salários trava a competitividade do País. 

O PS, que recusou ir além dos 705 euros de salário mínimo nacional (SMN) para 2022, meta que os patrões não queriam ultrapassar, volta a invocar a concertação social para o que chama de «acordo de médio prazo». O objectivo é atingir «pelo menos os 900 euros em 2026», mas fazendo depender a trajetória plurianual de actualização do SMN da «dinâmica do emprego e do crescimento económico». 

Depois de ter rejeitado, na Assembleia da República, uma proposta com vista a regular a sucessão das convenções colectivas, eliminando a caducidade e repondo o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, o PS apela no seu programa à valorização da negociação colectiva, «através da sua promoção na fixação dos salários, na actualização das principais convenções colectivas de trabalho», e com «o objectivo de implementar sistemas de progressões e promoções, e garantindo, simultaneamente, a necessária amplitude salarial». 

O mesmo PS, que optou por voltar a suspender a caducidade da contratação colectiva, em vez de lhe pôr fim, defende agora a importância de priorizar a negociação colectiva, reconhecendo que ela «permite alinhar os salários com a produtividade das organizações, promovendo a melhoria da qualidade do emprego e dos salários». 

Outras promessas eleitorais apresentadas na esfera laboral prendem-se com as chamadas «novas formas de equilíbrio dos tempos de trabalho» e as «alterações legislativas para a Agenda do Trabalho Digno», com destaque para a possibilidade de reduzir o horário de trabalho «em diferentes sectores» através da introdução das «semanas de quatro dias».

Mas também aqui encontramos incongruências, uma vez que o PS tem vindo a chumbar sucessivamente propostas como a redução geral do horário de trabalho para as 35 horas semanais, sem perda de direitos, o combate à desregulação de horários ou a consagração de 25 dias úteis de férias para todos os trabalhadores. 

«Mais justiça social»

No campo da fiscalidade, o partido de António Costa clama pelo que é de facto uma emergência nacional, mas deixa cair uma das ferramentas para lá chegar, que é o englobamento obrigatório de rendimentos (de capital, prediais e de trabalho), uma das matérias negociadas no âmbito do Orçamento do Estado (OE) para 2022, e que o PS tinha inscrito no programa eleitoral de 2019.

Recorde-se, no entanto, que a proposta que o Governo apresentou na proposta de OE 2022 tinha uma abrangência simbólica, já que apenas era obrigatório o englobamento da compra e venda de acções para os contribuintes situados no último escalão do IRS, ficando todo o restante rendimento, incluindo o especulativo, livre da obrigatoriedade de ser englobado. 

O PS prevê «dar continuidade ao desenvolvimento de mecanismos que acentuem a progressividade do IRS» e concluir a revisão de escalões, matéria em que também não foi tão longe quanto necessário, tendo em conta que o desdobramento dos escalões proposto no Orçamento (3.º e 6.º) deixava de fora os rendimentos até 1000 euros brutos, ou seja, não aliviava os contribuintes de mais baixos rendimentos.  

Voltando à participação do Estado na valorização dos salários pagos pelo sector privado, o PS volta a puxar pela medida do IRS Jovem, «abrangendo mais jovens, durante mais anos», prevendo-se, à semelhança do que foi a sua proposta no Orçamento, que a intenção seja eliminar o limite máximo de rendimentos para aplicação da isenção. 

A promessa da regionalização

O PS, que vem adoptando truques para adiar a regionalização, como a eleição das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) ou a desconcentração de competências para as autarquias, acena agora com um referendo (ver caixa) à regionalização para 2024.

Entretanto, compromete-se a «identificar novas competências» a descentralizar para as comunidades intermunicipais (CIM), para os municípios e para as freguesias, «aprofundando» áreas já descentralizadas e «identificando novos domínios». 

O PS fala na necessidade de «assegurar serviços de proximidade», quando ainda estão em falta milhares de eleitos autárquicos devido à «reforma administrativa» do PSD e do CDS-PP, que riscou do mapa nacional mais de 1000 freguesias, rurais e urbanas, afastando os eleitos das populações. Uma das promessas do PS na campanha eleitoral de 2015 era revertê-la, mas tudo tem feito para a manter na gaveta.

Curioso é também que a regionalização e a coesão territorial surjam em capítulos distintos do programa eleitoral do PS, o que talvez ajude a explicar a falta de visão que ainda persiste nesta matéria.  

Capitalizar propostas alheias

Ao longo do programa eleitoral do Partido Socialista é possível observar a capitalização de propostas de outras forças políticas, que foram negociadas ao longo dos últimos seis anos, designadamente do PCP. É o caso da redução dos preços dos passes em todo o território, da manutenção dos manuais escolares gratuitos (medida que o PS tem feito depender da devolução no final de cada ano lectivo, a partir do 1.º Ciclo) e da «progressiva gratuitidade da frequência de creche».

Mas também a redução dos impostos sobre as pequenas e médias empresas, «acabando definitivamente com o Pagamento Especial por Conta», e o aumento extraordinário das pensões, com retroactivos a 1 de Janeiro. 

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Taxar menos os que mais têm. Com o argumento de querer «pôr o País a crescer», a Iniciativa Liberal coloca entre as suas prioridades a introdução de uma taxa única de IRS de 15%, admitindo que o processo comece de forma gradual, com duas taxas de 15% e de 28%. Ao mesmo tempo, propõe a redução do IRC, de 21% para 15%, e a eliminação da derrama estadual, assim como a privatização das poucas empresas estratégicas que restam ao País, como a TAP, a CGD e a RTP. 

Quanto ao Serviço Nacional de Saúde, a proposta da IL é que ele evolua para um sistema onde o financiamento é público, mas a prestação pode ser pública e privada, continuando assim a engordar as empresas que se dedicam ao negócio da doença. Neste sentido, a IL pretende retirar da Lei de Bases da Saúde a exigência de que a gestão privada dos hospitais públicos tem de ser «excepcional», «supletiva» e «temporária. Entre outros objectivos, os liberais colocam a possibilidade de recuperar parcerias público-privado (PPP), como no caso dos hospitais de Loures, Braga e Vila Franca de Xira. 

Com base no demagógico argumento da «liberdade de escolha», a IL propõe uma «reforma do sistema» de Educação pela alteração do «financiamento do Estado para o financiamento do aluno», descapitalizando a Escola Pública e colocando mais uma vez o Estado a comparticipar escolas privadas ou sociais.

O chavão da «igualdade de oportunidades», que a Iniciativa Liberal tanto usa na campanha eleitoral às legislativas de 30 de Janeiro, esbarra na proposta de acabar com a dependência de avaliações do Ensino Secundário para entrada no 1.º ciclo do Superior. Os liberais defendem que seja atribuída às instituições de Ensino Superior a «liberdade e responsabilidade para determinar os seus métodos de admissão (incluindo testes de aptidão, vocacionais ou outros)». Medida que seria um recuo no caminho da democratização do ensino. 

A «reforma do sistema de pensões», ou, simplesmente, a descapitalização da Segurança Social, é outra das propostas da IL, com «a introdução de um pilar de recapitalização baseado na eliminação da taxa social única para os empregadores», ao mesmo tempo que se mantém a «manutenção obrigatória» da TSU dos trabalhadores. Ou seja, uma parte dos descontos seria feita para a Segurança Social e a outra parte para um fundo, que a IL designa por «novo pilar no sistema nacional de pensões de reforma».

Os liberais admitem a possibilidade de, adicionalmente, existirem incentivos fiscais às entidades empregadoras que decidam voluntariamente fazer contribuições adicionais para este fundo, cuja entidade gestora só teria a obrigatoriedade de pertencer ao sector público estatal «em momento inicial».

Uma espécie de jogo bolsista, através do qual a IL pretende fazer acreditar que as reformas dos trabalhadores ficarão mais seguras do que no solidário mecanismo de transferência de rendimentos de contribuintes activos para reformados. O partido de Cotrim de Figueiredo escuda-se na preocupante evolução demográfica no nosso país, com cada vez menos trabalhadores do que reformados e pensionistas, quando a receita seria, por exemplo, diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social. 

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