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Quem paga impostos a mais em Portugal?

A discussão regressa amiúde, raramente para tentar equilibrar um sistema onde quem mais ganha é quem, proporcionalmente, menos contribui. Portugal tem uma elevada «carga fiscal» ou uma arquitectura que agrava desigualdades?

Créditos / Towards Data Science, a partir de Oxfam

A justiça fiscal vai estar em debate, esta sexta-feira, na Assembleia da República, por via de um agendamento potestativo da bancada parlamentar do PCP, que leva à discussão um projecto de lei para «aliviar os impostos sobre os trabalhadores e o povo» e «tributar de forma efectiva os lucros dos grupos económicos» (ver mais na caixa lateral).

Com algumas mistificações à mistura, a discussão em torno da «carga fiscal» e das propostas em torno de baixar ou reduzir impostos seduz pela ideia de colocar mais dinheiro no bolso dos trabalhadores. Mas será mesmo isto que partidos, como o PSD ou a IL, prometem quando avançam com propostas de «choque fiscal»?

Recentemente, o presidente da IL admitia a «urgência nacional» de reduzir a «carga fiscal» sobre o trabalho. E isso é verdade, embora a forma de lá chegar não seja a que a IL preconiza no seu programa. A medida mais emblemática do «choque fiscal» desenhado pelos liberais passa tendencialmente pela criação de uma taxa única de IRS, acabando com a progressividade do imposto, sem a qual a arquitectura fiscal ficaria ainda mais injusta e as desigualdades seriam agravadas. 

Mas vamos por partes. «Carga fiscal», termo erradamente utilizado para ilustrar uma ideia de excesso de impostos, corresponde, em termos de finanças públicas, à soma do total dos impostos e contribuições efectivas para a Segurança Social, e normalmente é medido em relação percentual com o Produto Interno Bruto (PIB). O argumento de que «temos impostos a mais» serve bastas vezes para iludir dificuldades de fixação de empresas e, mais recentemente, para fazer crer que os salários só não são mais altos devido à existência de uma «carga fiscal», a que alguns juntam o epíteto de «imoral».

São os impostos que estão a travar o progresso do País? Qual é a realidade dos países da União Europeia?  

No entanto, uma comparação com países da União Europeia, com base em dados do INE e do Eurostat, revela que o peso dos impostos e das contribuições nacionais para a Segurança Social em relação ao PIB está abaixo da média.

Pelo contrário, as necessidades de investimento e de intervenção pública no nosso país são muito maiores do que a média verificada nesses países. Na prática, os impostos são necessários para garantir as funções sociais do Estado, uma função redistributiva que precisa de ser aprofundada.

Segundo a análise, o problema não passa por Portugal ter impostos a mais, mas antes por uma arquitectura que precisa de ser invertida. Dados de 2022 revelam que os impostos directos, mais justos, porque incidem sobre os rendimentos efectivamente auferidos, têm um peso inferior (27,4%) ao da média da União Europeia (33,6%). No ano passado, mais de 67% dos impostos directos teve como origem o IRS, onde a tributação sobre os rendimentos de quem trabalha e trabalhou equivale a perto de 90%. 

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Patrões do comércio propõem descapitalizar Segurança Social para subir salário mínimo

O presidente da Confederação do Comércio e Serviços reivindica uma redução da TSU como contrapartida para o aumento do salário mínimo e assume a perda de poder de compra como uma inevitabilidade. 

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), fala aos jornalistas após a reunião da Comissão Permanente da Concertação Social realizada no Conselho Económico e Social (CES), Lisboa, 11 de Abril de 2022
CréditosManuel de Almeida / LUSA

Numa entrevista conjunta à Antena 1/Jornal de Negócios, no âmbito do projecto de proposta de acordo de rendimentos, que começou a ser discutida entre Governo e parceiros sociais, na semana passada, João Vieira Lopes alega que as empresas não têm capacidade de aumentar o salário mínimo nacional de forma a cobrir a inflação, e propõe a descapitalização da Segurança Social. 

A redução da Taxa Social Única (TSU), volta a ser o requisito exigido pelos patrões para aumentar salários. Vieira Lopes defende mesmo que ela foi até agora o «método mais eficaz para conseguir absorver os aumentos acima da produtividade e da inflação». 

Questionado sobre que consequências tem o facto de as pessoas que recebem o salário mínimo sofrerem uma perda real do poder de compra, o líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) pede que não haja «ilusões». Ao estilo «adaptem-se», Vieira Lopes argumenta que nem mesmo em períodos de hiperinflação houve um «acompanhamento equivalente» da massa salarial. 

«Temos é de tentar controlá-la e tomar algumas medidas para que não passe de determinados patamares. Mas não temos temos qualquer ilusão que é possível [...] acompanhar a 100% durante este período», afirma o presidente da CCP. 

Recordando a crítica dos sindicatos, de que quando não há inflação não há aumentos salariais e que quando ela existe também se recusa a valorização dos salários, João Vieira Lopes defende que, se não houvesse inflação, o valor apontado pelo Governo, de 900 euros em 2026, era «completamente desfasado». Omitindo o problema da estagnação dos salários médios, o presidente dos patrões do Comércio e Serviços responsabiliza os aumentos desfasados do salário mínimo, com base em indicadores como «a inflação e a produtividade», pela aproximação entre ambos. 

Numa altura de forte degradação do poder de compra, designadamente do salário mínimo, fruto de uma forte subida especulativa dos preços, o Executivo de António Costa, que até agora apenas propôs paliativos, adia para 2026 «o valor de, pelo menos, 900 euros», alegando que assim salvaguarda o poder de compra dos trabalhadores e «a trajectória de crescimento iniciada em 2016». 

Relativamente à alteração dos valores de pagamento do trabalho suplementar a partir das 120 horas anuais, o Governo remete a medida, que vigorou até à chegada da troika, para o acordo de rendimentos, mas os patrões já fizeram saber que vão insistir num desagravamento fiscal. Negando a relação existente entre horas extraordinárias vs. contratação de pessoal, diz João Vieira Lopes, «as horas extraordinárias são um método do qual nos socorremos em períodos de ponta ou de dificuldade». 

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Já os impostos indirectos, como o IVA, que são pagos de forma igual por todos os contribuintes, independentemente do seu rendimento, pesam mais em Portugal (55%) do que na média da União Europeia, tendência que se vem acentuando no nosso país, nos últimos anos, contribuindo para o agravamento da injustiça fiscal.

A discrepância permanece quando analisado o peso das contribuições efectivas para a Segurança Social no total dos impostos e contribuições para a Segurança Social, apesar do argumentário dos patrões. Com 29,7%, em 2021, Portugal ficou abaixo da média de 32,9% dos países da União Europeia, com a Alemanha a situar-se nos quatro primeiros. 

Constituição da República vs. Código do IRS

Necessários para garantir as funções sociais do Estado, os impostos deviam ter efectivamente em conta os rendimentos para não servirem de instrumento à especulação. E sendo certo que alguns deveriam baixar, como o IVA, designadamente da energia e dos bens essenciais, e a tributação sobre os rendimentos do trabalho, outros há que deveriam aumentar ou serem englobados.

A lei fundamental determina, no seu artigo 104.º (ver caixa lateral), que o IRS é um imposto único. Mas o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), por sua vez, dá ao contribuinte a possibilidade de optar pela solução em que pague menos IRS, no caso de quem aufere rendimentos empresariais de capital, prediais e mais-valias, podendo ou não englobá-los.

A proposta de englobamento obrigatório dos rendimentos do IRS esteve em cima da mesa aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2022. Na altura, o então líder do PSD admitia que deixar de tributar estes rendimentos (capitais, prediais e mais-valias) de forma separada era «mais um passo totalmente errado no sentido que a economia precisa». Seria certamente inverso ao que o capital almeja. Ao contrário dos rendimentos do trabalho e das pensões, os rendimentos de capital têm a possibilidade de não serem englobados, dando asas à especulação e ao agravamento das desigualdades. 

A possibilidade de não englobar esses rendimentos permite uma taxa máxima de 28%, enquanto que se houver englobamento dos rendimentos a taxa máxima pode chegar aos 48%. Uma análise ao período entre 2014 e 2019 ajuda a perceber a dimensão da injustiça fiscal em que o País vive, quando mais de 90% dos rendimentos englobados declarados para efeitos de pagamento de IRS são rendimentos de trabalho e pensões, e menos de 10% são de capital, apesar de estes representarem cerca de 60% do total. 

Desta forma, fica claro que há quem pague impostos a mais em Portugal e quem pague pouco ou nada. De um lado, estão os trabalhadores e pensionistas, do outro, as grandes empresas que, apesar dos lucros colossais, usam e abusam dos esquemas existentes para pagar muito menos daquilo que lhes é devido, levando para o sistema fiscal as injustiças presentes na economia, na repartição da riqueza entre o trabalho e o capital.

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