Em frente aos milhares de trabalhadores que desfilaram até à Assembleia da República, acorrendo à convocatória da central sindical, Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP-IN, defendeu que a actualidade tem demonstrado que «os direitos, a reposição e conquista de direitos, não são inimigos do crescimento, pelo contrário, são uma alavanca. E não fosse o carácter limitado desse processo de recuperação e conquista de direitos e salários, maior seria o crescimento e desenvolvimento de Portugal».
Enquanto se realizava a manifestação, a Assembleia da República discutia a interpelação do PCP, que chegou a estar agendada para o dia de ontem, mas devido à discussão da moção de censura foi reagendada para esta quinta-feira. Uma interpelação centrada nas soluções para a defesa do poder de compra e das condições de vida dos trabalhadores e das populações, nomeadamente contra a subida do custo de vida e pelo aumento dos salários e pensões.
Uma legislação laboral mais ao jeito do patrão
Quanto ao projecto do Governo, segundo o qual o PS entende promover «relações de trabalho mais sustentáveis», embora não revogue a caducidade da contratação colectiva, medida imposta pela Troika, nem reponha os regimes de compensação e indemnização por despedimento, é clara a oposição dos trabalhadores.
A uma só voz, milhares de trabalhadores rejeitaram o «aprofundamento deste modelo, que tira ao trabalho para dar ao capital, que agrava as desigualdades, que amarra o país às opções políticas da maioria PS e dos partidos da política de direita, da União Europeia e dos interesses instalados dos mais ricos e poderosos».
«A riqueza criada no nosso país permite outra distribuição, já! Não é o nível de riqueza produzida que justifica os baixos salários e pensões, é a exploração», reforçou Isabel Camarinha.
Para dar resposta aos aumentos do custo de vida, a CGTP-IN defende o aumento geral dos salários em 90 euros, a fixação do Sarlário Mínimo Nacional nos 800 euros, no imediato, e nos 850 o mais rapidamente possível, assim como a regulamentação e imposição de limites aos aumentos especulativos verificados nos preços de muitos produtos.
Mil razões desfilaram até ao Parlamento
«Por mais poderosa que seja a campanha de manipulação, a realidade vivida por quem trabalha, e trabalhou, acaba sempre por se sobrepor», afirmou, esta tarde, Isabel Camarinha.
Ao AbrilAbril, Bruna Lopes, 24 anos, dirigente da Interjovem/CGTP-IN e trabalhadora da unidade da Bosch em Braga, assumiu algumas dificuldades em conciliar os baixos salários com o aumento dos custos das necessidades básicas: habitação, transportes, alimentação.
«Tenho colegas que voltaram para casa dos pais»: um salário, por trabalho a tempo inteiro, já não lhes chega «para cobrir as despesas». «A empresa não nos dá os aumentos necessários, aumenta sempre o trabalho e o salário mantém-se o mesmo», razão essa que levou à dinamização de várias lutas nos últimos meses, «com cada vez mais jovens a participar».
Bernardo Lopes, residente nas Caldas da Rainha, tem trabalhado na área da restauração, até há pouco tempo no restaurante Pizza Hut da cidade. Juntou-se à manifestação para «lutar pelos seus direitos e de todos os trabalhadores». Com 20 anos, Bernardo gostava de poder estudar, mas os constantes aumentos do custo de vida forçaram-no a abdicar dos seus projectos.
Não hesitou, no entanto, em denunciar a situação em que vivem os trabalhadores da restauração: «É uma área muito precária, de muita exporação, em que os nossos direitos são constantemente postos em causa para dar resposta à alta pressão da procura». «As horas que fazemos e o salário que recebemos não correspondem» ao esforço dos trabalhadores.
Também Albino Gouveia, estafeta da Glovo no Porto, conta história semelhante, de grande precariedade. «A empresa baixou-nos os quilómetros de 44 cêntimos para 24 e ainda temos de ser nós a pagar o equipamento, sem qualquer subsídio», denuncia. Nem quando os seus colegas têm um acidente a empresa se digna a ajudar: «A Glovo diz que tem um seguro, o que é falso, não existe nada».
Os trabalhadores destas empresas (Uber Eats, Glovo e Bolt Food são as mais importantes, a nível nacional) muitas vezes têm medo de dar a cara, mas cada vez mais se têm juntado à luta contra entidades patronais que, por seu lado, praticamente não existem: «falamos com eles por e-mail, não existe um escritório físico, parece-se mais com uma empresa fantasma».
«Os combustíveis estão sempre a aumentar, os custos de vida não páram de aumentar, e eles continuam a baixar os valores pagos aos trabalhadores», lamenta, «não têm mesmo respeito por ninguém, tratam-nos como animais». Neste momento, o objectivo dos trabalhadores é integrar o Sindicato de Hotelaria do Norte (SHN/CGTP-IN), que lhes tem dado um importante apoio nas suas lutas recentes.