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Desgaste rápido na indústria chumbado pela maioria do Parlamento

«Trabalho, mato o meu corpo/não tenho nada de meu». Partidos que votaram contra o reconhecimento do desgaste rápido na indústria (precisam de «mais informação») afirmaram-se os melhores amigos dos trabalhadores. 

Trabalhadores, dirigentes e delegados sindicais manifestaram-se junto à Assembleia da República, em Lisboa, 3 de Julho de 2025. A concentração foi convocada pela Fiequimetal (CGTP-IN) e no dia em que o Parlamento debateu a petição, promovida pela estrutura sindical, exigindo o reconhecimento de profissões de desgaste rápido na indústria. 
Créditos / SITE Sul/Fiequimetal

Na quinta-feira, no Parlamento, a Iniciativa Liberal defendia ser da mais elementar «justiça que seja reconhecido o desgaste rápido a muitos trabalhadores». O CDS-PP garantiu que «estará sempre ao lado dos profissionais» nesta luta. Do PS, ressalvou-se «a empatia que certamente todos nós [deputados] sentimos» pelos trabalhadores nesta situação. O PSD reiterou que valoriza «todas as matérias que têm a ver com a melhoria dos direitos» de quem trabalha.

Na sexta, PS, PSD e CDS (com o apoio da IL, que apresentou um documento próprio e rejeitou as restantes), chumbaram as propostas que acompanhavam o conteúdo da petição da Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas (Fiequimetal/CGTP-IN) que recolheu mais de 13 mil assinaturas de trabalhadores destes sectores. A organização sindical e milhares de trabalhadores queriam «alargar a aplicação do Decreto-Lei n.º 70/2020, de 16 de Setembro, aos trabalhadores da fabricação de material eléctrico e electrónico, das indústrias automóvel, farmacêutica, metalúrgica, química, e da celulose e papel, do material aeronáutico, do tratamento de águas e resíduos».

As profissões de desgaste rápido são uma realidade nestes sectores de actividade, «onde se regista um elevado número de trabalhadores portadores de doenças profissionais, muitas delas irreversíveis», refere nota da Fiequimetal. Entre as centenas de trabalhadores que se concentraram, na quinta-feita, em frente à frente da Assembleia da República, estavam, por exemplo, profissionais da Exide. Na faixa que empunhavam lia-se: laboramos «todos os dias com chumbo, ácido sulfúrico, lã de vidro entre tantos outros químicos».

Ainda assim, a maior parte dos partidos, à excepção de PCP, BE e JPP, centraram as suas intervenções no debate sobre a iniciativa na necessidade de se recolher mais informação sobre o assunto e promover mais discussão entre as entidades envolvidas.

É um flagelo? É. Tem de mudar? Tem. Quando?? Depois...

Na sua intervenção, a líder da bancada do Livre, Isabel Mendes Lopes, reconheceu o drama pelo qual passam muitos milhares de trabalhadores nesta situação e os traumas físicos e mentais que acarretam nas suas vidas. Porém, acabou por defender a necessidade de que «os dados, a informação, a reflexão que o grupo de trabalho [criado em 2023] já fez sejam tornados públicos, para que os partidos, os sindicatos, os empregadores e a sociedade civil possam contribuir para para fazer essa discussão de forma pública e transparente, para arranjarmos uma definição clara e justa de profissão de desgaste».

A opinião é, de certa forma, partilhada pelo PAN. Não satisfeita com a existência do actual grupo de trabalho (aprovado em 2020 e em funções há 2 anos), Inês Sousa Real defende que «seja criado um grupo de trabalho que estabeleça critérios para que uma profissão seja qualificada como desgaste rápido», ao invés de reconhecer as profissões avançadas pela organização que representa os trabalhadores do sector.

O grupo de trabalho foi, de certa forma, o escudo usado pelos partidos que partilharam responsabilidades governativas nas últimas décadas para evitar falar sobre o assunto em discussão. CDS-PP, PS e PSD centraram as suas intervenções numa discussão pueril sobre quem tinha, afinal, criado a comissão que, até este momento, nada fez para proteger os trabalhadores vidreiros que estão expostos a temperaturas superiores a 50.ºC ou aos operários expostos a produtos químicos diariamente ao longo de décadas.

André Ventura centrou a discussão do reconhecimento do desgaste rápido no trágico acidente que vitimou Diogo e André Jota, jogadores de futebol portugueses.

Três séculos depois do início da revolução industrial, trabalhadores continuam a fazer todos os sacrifícios

«Não obstante os avanços em eficiência em produtividade das máquinas, centenas de milhares de trabalhadores estão submetidos a ritmos de produção avassaladores, redobradas as exigências de atenção e de destreza no manejo de equipamentos e de processos a regimes de laboração contínua, em trabalho noturno e por turnos que deixam mazelas irreversíveis», defendeu Alfredo Maia, deputado do PCP.

Quando chega à reforma, se alguma vez chega, o trabalhador já vai demasiado doente para a aproveitar com qualidade de vida, refere o deputado comunista, afirmando, por isso, o apoio da sua bancada à regulação dos horários de trabalho e à garantia de «adequados períodos de descanso, prevenção e de mitigação da penosidade e do desgaste». Alfredo Maia quer ainda a instituição de um «regime de bonificação por tempo de serviço para efeitos de reforma e a recolocação dos trabalhadores com doença profissional».

Também o BE e o JPP expressaram o seu apoio à proposta avançada pela Fiequimetal e milhares de trabalhadores. Ignorar este desgaste, afirmou Mariana Mortágua, «é fechar os olhos a uma triste realidade. É tempo de agir com coragem e bom senso, porque reconhecer o desgaste rápido é reconhecer quem nunca parou».

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