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|Serviço Nacional de Saúde

Joana Bordalo e Sá: «as urgências são asseguradas à custa das horas extraordinárias»

Ao AbrilAbril, a médica oncologista Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), enumerou os motivos que levaram milhares de profissionais do sector a aderir à luta por um melhor SNS.

Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) 
Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) CréditosEstela Silva / Agência Lusa

Poucas semanas depois de Manuel Pizarro, ministro da Saúde do Governo de maioria absoluta do PS, firmar um acordo com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), os escassos resultados estavam à vista: em alguns serviços de urgência, os tempos de espera chegaram às 24 horas em Dezembro, enquanto dezenas de urgências do SNS funcionaram com constrangimentos.

A solução encontrada pelo Ministério da Saúde ao fim de quase dois anos de negociações, subscrita pelo SIM e rejeitada pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM), comprovou as muitas reticências apresentadas então pela federação sindical, que considerou a proposta um «produto exclusivo da intransigência, inflexibilidade, má-fé e incompetência» da tutela.

No final de Novembro, quando Manuel Pizarro anunciou o fim das negociações graças a este acordo pífio, a FNAM lamentou o desperdiçar de «uma oportunidade para celebrar um acordo histórico que reconciliasse os médicos com a tutela, na defesa do futuro da carreira médica e do SNS». Ao contrário do que o Governo PS anunciava, o que era proposto «resultava no empurrão final para que os médicos não só não entrem, como abandonem, de vez, o SNS».

O AbrilAbril falou com a médica oncologista Joana Bordalo e Sá (do IPO do Porto), presidente da Federação Nacional dos Médicos, sobre as mobilizações destes profissionais ao longo de 2023 e o muito que o Governo de maioria absoluta do PS deixou por fazer no que toca ao Serviço Nacional de Saúde.

Porque é que 2023 foi um ano de uma mobilização intensa, como não víamos há alguns anos, da classe médica? Foram várias greves, a rejeição das horas extraordinárias...

Os médicos, em Portugal, foram das profissões que mais perderam poder de compra na última década, sobretudo desde a intervenção da Troika. A partir daí, foi sempre a ver os salários estagnados e a inflação a subir. Estamos entre os médicos mais mal pagos a nível europeu. 

Tivemos também uma pandemia onde os médicos deram tudo por tudo, o que tinham e o que não tinham, para que o SNS estivesse à altura de prestar assistência aos doentes da pandemia Covid. Criou-se a expectativa de que depois disso haveria uma negociação séria, competente, capaz de chegar a bom porto. Os médicos tinham muita expectativa nessa negociação e, cedo, nos apercebemos de que a negociação não estava a andar bem: ao longo de 19 meses houve sempre problemas de forma, de reuniões canceladas de véspera ou no próprio dia, faltas sistemáticas no envio das actas das reuniões e sem documentos ou ordem de trabalhos.

Face a isso, os médicos decidiram lutar, sair à rua, fizeram várias greves, em defesa de melhores condições de trabalho que consigam equilibrar a vida pessoal com a vida profissional e, naturalmente, que tenham um salário justo.

Além disso, o que os médicos decidiram fazer não foi uma greve às horas extraordinárias, mas sim cumprir com o dever de cumprir com a lei, não fazendo mais do que as 150 horas suplementares anuais que estão estipuladas. Os serviços de urgência são assegurados acima de tudo à custa de horas extraordinárias, e são precisas muito mais do que o limite legal. Muitos médicos fazem 300, 400, 600, 1000 horas extraordinárias [anuais] e foi altura dos médicos dizerem basta. O que nós queremos são salários dignos e condições de trabalho justas.

A concretização dos aumentos salariais exigidos pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM) resolveriam os principais problemas dos médicos?

Aquilo que a FNAM tem dito é que esta luta é também por um salário mais digno, para deixarmos de ser os médicos mais mal pagos a nível europeu, que nos fosse reposta a perda de poder de compra que perdemos na última década – porque é preciso lembrar que não estamos a pedir mais para além disso, trata-se de uma reposição, não propriamente de um aumento. Mas não basta. A razão da nossa luta não se prende só por razões salariais.

A FNAM tem dito sempre que é preciso melhorar as condições de trabalho: a reposição das 35h por semana, à semelhança do resto dos profissionais da Saúde e da Administração Pública; a reposição dos dias de férias que foram perdidos na intervenção da Troika; voltar a ver os médicos internos integrados na carreira, assim como outras medidas como o apoio aos médicos na parentalidade, questões relacionadas com a formação, enfim... um conjunto de propostas que temos apresentado e que são muito mais abrangentes do que simplesmente a questão salarial.

Entendemos que ambas são precisas. Termos salários mais justos e condições de trabalho dignas para que os médicos fiquem no SNS. 

Como é que um médico concilia a luta pelos seus direitos e a necessidade de dar resposta a tantas exigências no SNS? Foram feitas algumas acusações a propósito da escusa de fazer horas suplementares para além das 150h.

É preciso perguntar a quem nos fez essa acusação: acham que é normal que os médicos tenham que fazer mais horas extraordinárias do que praticamente todas as outras profissões da Administração Pública, que não são obrigados a fazer horas extraordinárias? Acham que é normal, em cima disso, ainda se exigir aos médicos que façam mais do que o limite máximo das 150 horas?

É exactamente porque os médicos querem dar resposta a tantas exigências no SNS, porque querem estar no SNS, que os médicos decidiram lutar. Fazer aquilo que é necessário para haver mais médicos no SNS é o caminho para salvar o SNS. 

O regime de dedicação plena imposto por Manuel Pizarro está a ser rejeitado por centenas de médicos. Que legado deixou este último governo do PS e qual é o futuro deste regime, que acaba por ser o legado desta exexcutivo na área da saúde?

Relativamente à dedicação plena, é preciso esclarecer que ela não é obrigatória para a esmagadora maioria dos médicos. Ela é obrigatória para médicos dos cuidados de saúde primários de medicina geral e familiar que trabalhem numa Unidade de Saúde Familiar, para directores de serviço e directores de departamento a nível hospitalar e para médicos que venham a integrar futuros centros de responsabilidade integrada.

Para todos os outros, que são a maioria dos médicos, ela não é obrigatória. Para os médicos de saúde pública também é obrigatória, a não ser que se oponham, e têm sido estes médicos que de forma esmagadora recusaram este regime que lhes acaba com uma majoração do salário que tem a ver com a disponibilidade permanente.

Além disso, são obrigados a trabalhar mais horas, posto que passariam para o regime de 40h. A nível hospitalar, os médicos que rejeitam este regime são acima de tudo os médicos que fazem serviço de urgência e que trabalham à noite, porque este regime acarreta perda de direitos que colocam em causa a sua segurança e a segurança dos doentes. O aumento do limite legal das horas extraordinárias, que passa das 150h para as 250h por ano, o aumento da jornada diária de trabalho para as 9h, algo que vai inclusivamente contra as directivas europeias de trabalho, onde a jornada de trabalho diário máximo deve ser de 8h, acabam com o descanso compensatório depois do médico fazer uma noite de serviço, além de que os médicos passam a ter que fazer trabalho ao sábado dentro daquilo que passa a ser considerado a sua atividade regular se não fizerem urgência.

Todas estas razões parecem-nos estar feridas de constitucionalidade, no sentido em que não permitem que os médicos conciliem a sua vida pessoal e profissional. Movemos os expedientes necessários para que, quem de direito, faça a respectiva fiscalização. O futuro deste regime acaba assim por ser incerto para mais de metade dos médicos do SNS. E se também pensarmos que as tabelas remuneratórias para quem está fora deste regime, estão muito aquém do necessário, podemos dizer que este Governo não gerou um acordo capaz de fixar médicos no SNS.

É um legado de um SNS com falta de médicos, com caos nos serviços de urgência e falta de médicos de família para 1 milhão e 700 mil utentes. A FNAM espera que o próximo governo tenha mais competência e seriedade na mesa negocial para resolver o problema da falta de médicos e é para isso que a FNAM continuará a lutar todos os dias.

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