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|direitos dos trabalhadores

«Temos mesmo de lutar por uma vida melhor» 

Nas vésperas da manifestação nacional da CGTP-IN, o AbrilAbril conversou com trabalhadores de diferentes sectores para perceber as razões que motivam a adesão ao protesto.

Baixos salários, horários desregulados, falta de carreiras e uma grande dificuldade em conciliar o trabalho com a vida pessoal e familiar são queixas transversais a milhares e milhares de trabalhadores, e algumas das reivindicações que estão na origem da manifestação nacional da CGTP-IN que se realiza hoje, em Lisboa, com concentração às 14h30 no Marquês de Pombal.  

Depois do chumbo da proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, José Lourenço, trabalhador da Amarsul e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Sul (SITE Sul/CGTP-IN), defende que o protesto «é mais do que justificado». Nesta empresa dedicada à gestão dos resíduos sólidos urbanos dos municípios da Península de Setúbal, transferida para a esfera privada no governo do PSD e do CDS-PP, trabalham cerca de 400 trabalhadores. Destes, mais de 100 têm vínculos precários ou contratos a prazo, apesar de ocuparem postos de trabalho permanentes.

«Há um número elevadíssimo de trabalhadores temporários numa empresa que, para ir ao encontro das metas da União Europeia, tem que crescer em termos de equipamentos e de trabalhadores», afirma José Lourenço, salientando que em «muitas situações há dispensa de trabalhadores e logo de seguida são substituídos por outros». «É a precariedade acima de tudo, sem respeito pelos direitos dos trabalhadores», atesta.   

Precariedade é uma palavra que também faz eco no Serviço Nacional de Saúde (SNS), designadamente nos outrora auxiliares de acção médica, agora inseridos no bolo dos assistentes operacionais, a quem Ana Amaral, da Federação Nacional dos Sindicatos em Funções Públicas e Sociais (CGTP-IN) chama de «parentes pobres da saúde». 

A destruição das carreiras (estes trabalhadores ficaram sem ela em 2008) e a aposta em trabalhadores indiferenciados traduz uma política de desvalorização da actividade, com a diminuição de salários e retirada de direitos. 

Actualmente existem cerca de 26 mil assistentes operacionais no nosso país, com a maioria (cerca de 90%, segundo contas da Federação) a auferir apenas o salário mínimo nacional, valor que, frisa Ana Amaral, não se coaduna com o grau de responsabilidade que têm no desempenho das suas tarefas. «São estes que muitas vezes estão mais próximos do doente, que realizam a higiene, que o alimentam, muitas vezes são os psicólogos dos doentes face à proximidade que existe com eles, em virtude também de os outros profissionais terem um número cada vez maior de tarefas», constata.

Além disso, graças à falta de pessoal e trabalhando por escalas, nomeadamente nos hospitais, são confrontados com horários excessivos, havendo serviços em que acaba por haver uma segunda escala de trabalho extraordinário porque não há trabalhadores em número suficiente para garantir todos os turnos e tarefas. 

Arranjam trabalho num Mcdonald's a receber a mesma coisa

Mensalmente, as escalas «já vêm com centenas de horas extraordinárias», obrigando a turnos de 12 e 16 horas, havendo serviços em que os trabalhadores chegam a ter centenas de horas em dívida. «Passam a vida no hospital», constata a dirigente sindical. 

Para quem ganha o SMN, como é o caso destes trabalhadores, um aumento de 90 euros mensais faz toda a diferença. Outra questão de que não abdicam é a recuperação da carreira de auxiliar de acção médica. Com ambas conquistadas, haveria mais estabilidade, tanto na vida destes trabalhadores como dos próprios serviços de saúde.   

«Com este grau de exigência e com um salário tão baixinho, mal arranjam outra coisa melhor saem, porque para receber o salário mínimo a fazer estas funções rapidamente arranjam [trabalho] numa Zara ou num Mcdonald's a receber a mesma coisa, sem o desgaste dos turnos», afirma Ana Amaral. 

No caso dos trabalhadores da Cultura, a precariedade obriga mesmo a encontrar um segundo emprego. «É uma realidade muito presente neste sector para que os trabalhadores consigam ter um rendimento digno ao fim do mês e que financie todas as despesas inerentes à vida», refere Mariana Silva, produtora de espectáculos.

Esta activista da Interjovem (CGTP-IN) vai marcar presença na manifestação deste sábado porque, diz, «temos mesmo de lutar por uma vida melhor no geral». «Queremos trabalho com direitos, não aceito que me continuem a vender a precariedade como algo inevitável», acrescenta. 

A precariedade e as desigualdades que sempre existiram foram agravadas pelo surto de Covid-19, período que veio pôr maior pressão sobre os trabalhadores das artes do espectáculo. «Foram criados apoios e medidas de emergência que chegaram tarde e a más horas», recorda Mariana Silva, acrescentando que «muitos desses apoios não chegaram à generalidade dos trabalhadores». 

A quase um mês do chumbo da proposta de Orçamento para 2022, afirma que o Governo se escondeu atrás do Estatuto do Trabalhador da Cultura, «que não é um verdadeiro documento de combate à precariedade existente no sector». 

Embora o facto de ter sido «uma desilusão muito grande» o facto de o Executivo não ter proposto o aumento de 1% reclamado pelo sector, Mariana Silva entende que tal «também era expectável», dado o percurso feito e «todas as respostas que o Governo não deu», como é o caso do modelo de apoio às artes, que diz estar «cheio de barreiras burocráticas» e servir apenas para «fomentar a desigualdade e criar divisão entre trabalhadores».

«Continuamos nos 0,25% que é zero, nem 1% temos, e portanto acho que tudo isto é mais do que suficiente para irmos para a rua e lutarmos por melhores condições», constata.

«Não conseguimos ter vida pessoal e familiar digna»

A desregulação dos horários e a precariedade são preocupações que afectam igualmente o sector da Hotelaria onde, afirma Maria Aurora, do Sindicato da Hotelaria do Sul (CGTP-IN), a média salarial ronda o salário mínimo e os trabalhadores estão sujeitos a turnos de dez e 12 horas. Mas também o da grande distribuição. «Não conseguimos ter vida pessoal e familiar digna», atesta Rita Regueirinho, delegada do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN) no Pingo Doce.

Rita vive com o filho na casa dos pais porque o salário está longe de lhe permitir pagar uma renda e todas as despesas necessárias para viver. A média salarial nos supermercados da Jerónimo Martins anda à volta dos 680 euros. Para chegar a este valor, os trabalhadores têm que trabalhar domingos e feriados «para não terem de passar necessidades».

A delegada sindical denuncia a desregulação dos horários em virtude da falta de pessoal e diz que «não há um máximo» de horas diárias que se possa trabalhar no Pingo Doce. Quem tem banco de horas (imposto aos novos funcionários) pode fazer até dez horas diárias de trabalho. Quem não tem, cumpre um horário de oito horas... sempre que possível. «Dificilmente um dia de trabalho se fica pelas oito horas porque há falta de braços, as pessoas têm que cumprir o que lhe é proposto e não saem sem antes o terminar», refere Rita Regueirinho, que diz ter conhecimento de que em várias lojas a empresa já começa a cronometrar o tempo de trabalho para perceber quantas pessoas podem ser retiradas.

A falta de mão-de-obra implica que os que lá estão tenham que fazer mais meia hora, uma hora, tempo que é aplicado como banco de horas e que para ser gasto pelos trabalhadores necessita do aval das chefias, havendo muitas vezes «entraves» e «represálias». «Acho que nunca vi tanta baixa psicológica no Pingo Doce como na actualidade», lamenta a delegada sindical.

«Ninguém vive de trabalhar à borla»

O protesto contra o trabalho não remunerado encabeça as reivindicações dos trabalhadores da Lisnave Yards – Estaleiro da Mitrena, que têm vindo a realizar várias acções de luta e que hoje se associam ao protesto em Lisboa. Em causa está o regime de adaptabilidade, em vigor desde 2009. O que significa na prática? De acordo com este regime, inscrito no contrato individual, este ano os trabalhadores têm que fazer 180 horas de trabalho extraordinário não pago, incluindo dez sábados ou feriados, o que em si já é uma conquista.

Segundo Vítor Ferreira, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Sul (SITE Sul/CGTP-IN), nos primórdios da Lisnave Yards, e até ao ano passado, estava estabelecido que os trabalhadores tinham que realizar 270 horas e 15 sábados anuais de trabalho extraordinário não pago. 

A falta de trabalhadores é outra das questões do caderno reivindicativo. Porém, como refere Vítor Ferreira, que é também representante da Comissão de Trabalhadores, «ninguém vive de trabalhar à borla». Se, por um lado, o trabalhador não pode recusar as horas do regime de adaptabilidade, prejudicando a vida pessoal e familiar, por outro, o salário de entrada (que é o mínimo nacional) não motiva a entrada nesta indústria pesada, dedicada à reparação de navios. 

O privado «não é melhor»

A aniquilação de categorias profissionais, em especial as bem remuneradas, passando a uma espécie de «faz tudo», é criticada também no sector da hotelaria, onde cerca de 40% dos vínculos laborais são precários, e na Amarsul.

A par desta, José Lourenço reprova a falta de abertura da empresa para negociar aumentos salariais e a redução do subsídio de turno. «Reduziu unilateralmente o valor na altura da troika, de 27% para 15%, rectificou mais tarde para 20%, mas nunca voltou ao que está estabelecido no acordo de empresa», regista. 

O dirigente lembra que, quando estavam na esfera pública, estas empresas de gestão de resíduos, do universo da Empresa Geral de Fomento (EGF), eram sistematicamente vistas como «exemplares», pois tinham sempre lucros. «A partir do momento em que foram privatizadas todas começaram a dar prejuízos e não se avizinha que esta realidade mude», defende.

O dirigente salienta que esta é mais uma situação em que o privado «não é melhor [que o sector público]» e que, atendendo à gestão «completamente danosa», estas empresas deveriam voltar a ser públicas. 

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