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|cuidados de saúde

Na «linha da frente» a garantir o direito de todos à saúde

O AbrilAbril falou com enfermeiros e auxiliares para conhecer as dificuldades agravadas pelo surto epidémico da Covid-19, que põe em evidência a necessidade de reforçar o SNS e de valorizar os seus profissionais.

A urgência médica é uma «porta aberta», foi a expressão utilizada pela enfermeira Rute Costa, do Hospital de São José, em Lisboa, que nos contou um pouco da sua realidade. Expressão feliz que podíamos alargar a todo o Serviço Nacional de Saúde (SNS), elemento decisivo no combate ao surto epidémico que tem tido repercussões significativas em todo o mundo.

Para esta enfermeira, a epidemia veio exigir ainda mais disponibilidade aos profissionais de enfermagem que já se dedicam diariamente ao serviço público num quadro de carência generalizada de recursos humanos.

«O número de profissionais está longe daquilo que seria o ideal para sermos capazes de garantir cuidados de saúde de forma segura e completa», afirmou, acrescentando que as condições oferecidas pelo Governo para contratações urgentes não são satisfatórias.

«É compreensível que não se aceitem estes contratos de quatro meses. Com os salários a rondar os sete euros à hora, é difícil levar a sério esta proposta em tempos de emergência», frisou.

«Um sinal concreto de valorização dos profissionais era muito bem-vindo»

Lembrando os muitos profissionais que foram forçados a emigrar nos anos da troika, Rute Costa considerou que está na hora de valorizar os profissionais que ficaram, nomeadamente nos seus salários e horários, para que seja possível atrair outros e garantir o futuro.

«Nessa altura, esses enfermeiros emigraram e já eram muito necessários, e agora, com esta grave situação de saúde pública, isso torna-se mais evidente, e esses quadros não são recuperáveis nestas condições», disse.

A preocupação é, essencialmente, para com a população, que «merece ter um SNS com profissionais valorizados e que prestam cuidados de saúde de qualidade», afirmou, sublinhando que a resposta a um problema com estas dimensões só pode passar pelo SNS.

«Temos dito que, quando [esta situação] terminar para todos, nós ainda teremos um longo caminho a percorrer. Somos apelidados como "a linha da frente" mas também seremos a última linha a desmobilizar, uma vez que teremos que manter as medidas e o alerta, apesar de a população voltar à sua vida normal. Não há uma data prevista para isto terminar para os profissionais de saúde», referiu.

Da parte do Governo, Rute Costa considera que seria muito «bem-vindo» e «motivador» um sinal concreto de valorização das carreiras e do trabalho destes profissionais.

A epidemia «dificultou a vida» aos que pretendem pôr em causa o SNS e privatizar a saúde

Pelo contrário, Pedro Maralhas, enfermeiro no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, fala dos sinais negativos que têm surgido. Aumentos «ridículos» para a função pública que não chegam a tempo aos profissionais de saúde e o chumbo do subsídio de risco proposto pelo PCP na Assembleia da República são dois sinais que este enfermeiro vê como «mais do mesmo».

Os problemas estavam todos lá «previamente», e o surto epidémico veio somar-se. «Em dez anos de trabalho e em cinco serviços por onde passei, nunca se verificou o número de enfermeiros suficientes ou auxiliares, para que não fossem necessárias horas extra por defeito», denunciou.

Para Pedro Maralhas, as propostas que fez o Governo para contratações urgentes são «uma clara falta de respeito», uma vez que apresentam condições «miseráveis» a pessoas que vão arriscar o contágio. «São quatro meses, mas, mesmo que sejam renovados, nunca terão as mesmas condições que os enfermeiros que fazem o mesmo trabalho. E a trabalho igual deveria corresponder salário igual», afirmou.

Essa desigualdade já existe entre enfermeiros com contratos de trabalho da função pública e enfermeiros com contratos individuais de trabalho, como é o seu caso. «A maior parte dos meus colegas não é da função pública, por isso não temos os mesmos direitos: não temos direito à ADSE, não temos carreira nem possibilidade de progredir em termos salariais, não ganhamos um dia de férias por cada dez anos de serviço...», lamentou, muito embora, no tempo da troika tenham sofrido os mesmos cortes nos subsídios de Natal e de férias que toda a função pública.

A única melhoria que conheceu em dez anos de trabalho foi o retorno às 35h, mas que, ainda assim, não são respeitadas. As horas extraordinárias, que – por definição – deveriam corresponder a trabalho não programado, fazem parte dos horários e são necessidades permanentes do serviço. Para além disso, as bolsas de horas são cumulativas e torna-se muito difícil «gozá-las» ou exigir o pagamento.

Para este enfermeiro, as palavras de apreço pelo trabalho dos profissionais de saúde vindas daqueles que têm ou tiveram responsabilidades políticas são mera «hipocrisia». Lembrando que 2020 é o Ano Internacional do Enfermeiro, Pedro Maralhas sublinha que «o SNS é o sistema público de saúde mais subfinanciado dos países desenvolvidos e mesmo assim um dos melhores do mundo, e isso deve-se aos profissionais».

No seu entender, nos anos do governo de coligação do PSD e do CDS-PP, a abordagem foi de «um claro desinvestimento» no SNS e de favorecimento dos privados. O derrame de recursos públicos para o sector privado é outra das críticas deste enfermeiro, que refere as parcerias público-privado (PPP) e também a opção pela contratação de serviços externos que são necessários ao normal funcionamento dos hospitais, como alguns exames e os serviços de alimentação e limpezas.

«Os trabalhadores das limpezas e da alimentação ganham muito mal e são subcontratados, por isso não têm os mesmos direitos que os outros trabalhadores que fazem os hospitais funcionar», afirmou.

Mas, apesar de todos os problemas que trouxe este surto epidémico, uma coisa considera ser positiva: «certamente dificultou a vida aos que pretendem pôr em causa o SNS e privatizar os cuidados de saúde.»

«Agora somos os super-heróis mas não é isso que nos vai pôr comida na mesa»

Também do Hospital de Santa Maria, falámos com João Dias, auxiliar de acção médica há 33 anos.

«Eu trabalho no serviço de imagiologia, e agora só estamos a fazer doentes com Covid-19 e de oncologia. Mas vamos voltar aos exames de rotina e temos que garantir a protecção desses utentes», afirmou, acrescentando que os problemas que existiam até agora se agravaram devido ao surto epidémico.

Com um vencimento de 635 euros e sem direito ao subsídio de risco, João Dias lamenta o facto de não existir «uma carreira digna». «De assistente operacional não passas dali. Não existe uma progressão que valorize os anos que uma pessoa dedica ao serviço público», frisou.

«Agora somos os super-heróis mas não é isso que nos vai pôr comida na mesa», lembrou, acrescentando que os riscos que se corre em troco de um salário «de miséria» sempre foram elevados, mas que esta situação «põe a nu todos esses problemas».

Muito embora a equipa que garante os cuidados de saúde seja pluridisciplinar, estes profissionais sentem-se desvalorizados. «Fazemos a higiene, damos a alimentação, transportamos os doentes para os exames; isto não são funções essenciais?», perguntou. Os números dos profissionais de saúde contaminados, porém, continuam a remeter estes trabalhadores à invisibilidade, uma vez que apenas destacam médicos e enfermeiros.

«Vai ser cada vez mais difícil manter assistentes operacionais nos hospitais com estas condições. Por 635 euros, quem é que vai querer ficar aqui a correr este perigo? Podem ir para um café ou para uma loja e não se dar a este trabalho», afirmou.

«Somos a pedra basilar da própria democracia, do direito de todos à saúde»

De volta ao Hospital de São José, falámos com Ana Bernardo, auxiliar há 25 anos, que garante que esta situação veio comprovar a efectiva necessidade de formação contínua para todos os níveis neste sector. «Um trabalhador com menos formação e preparação põe-se em risco, e faz-nos muita falta, em plena pandemia, a formação que antes nos era oferecida ao longo dos anos de trabalho», disse.

Lembrando que estes profissionais estão em contacto directo com os doentes para os cuidados essenciais e diários, Ana Bernardo transmitiu o receio que muitos têm dos níveis de exposição ao contágio sem qualquer perspectiva de valorização da carreira. «Ganhamos 635 euros – aliás, o mesmo que um auxiliar que seja contratado hoje –, e não temos perspectiva de progressão, de poder evoluir e ver os nossos salários valorizados. É isto que os nossos governantes oferecem aos jovens?», perguntou.

Para esta auxiliar, existe uma clara contradição entre a necessidade de valorização destes trabalhadores essenciais e a falta de respostas do Governo. No entanto, considera que ainda há tempo para cumprir essas exigências e comprovar que «todas as palavras proferidas» ao longo das últimas semanas não foram em vão: «somos cruciais e merecemos ser tratados condignamente em termos de carreira, de salário e de formação. Somos a pedra basilar da própria democracia, uma vez que ela reside, entre outras coisas, no direito à igualdade no acesso à saúde.»

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