«Estou a falar para os eleitores moderados. Com Luís Montenegro não haverá extremistas no governo. Com Pedro Nuno Santos haverá extremistas no governo», afirmou ontem Paulo Portas, num jantar-comício da Aliança Democrática (AD, coligação de PSD/CDS-PP e PPM), nas Caldas da Rainha. «É uma grande diferença» ressalvou o antigo ministro dos governos PSD/CDS-PP de Durão Barroso, Santana Lopes e o moderadíssimo Pedro Passos Coelho.
«Do que eles têm medo é que a AD faça economicamente melhor do que eles». «O cenário macroeconómico da AD é francamente melhor do que o do PS: crescemos mais, criamos mais emprego, baixamos progressivamente a carga fiscal, atraímos investimentos», ameaçou Portas: poucos portugueses não se lembrarão da última vez que, como bem lembrou Luís Montenegro há já uma década, o País estava melhor, as pessoas é que não.
Por fim, o decano centrista deixou o alerta: «Não deixem que na política portuguesa se instale o vírus do ódio». É uma invectiva curiosa, vinda de quem vem. Em 2009, Paulo Portas, então presidente do CDS-PP, não se coibia de apelidar o Rendimento Social de Inserção (RSI; que assegura condições mínimas de subsistência a pessoas ou a famílias em risco de exclusão social) como um «financiamento à preguiça».
Foi a introdução do discurso contra os «subsidiodependentes» na vida política, hoje cavalgada, com maior sucesso, pela extrema-direita que canibaliza os seus progenitores. Há mais de uma década, Portas lamentava os supostos (e infundados) aproveitamentos deste sistema que, no máximo, atribui 237,25 mensais a cada pessoa: há «cada vez mais abusos, cada vez mais fraudes», cometidas por «gente que, pura e simplesmente, não quer trabalhar e quer viver à custa do contribuinte».
O Chega pode, nos dias de hoje, beneficiar de toda esta retórica dirigida contra os mais fragilizados da nossa sociedade, vítimas, como muitos outros, de um sistema económico predatório, assente da exploração do trabalho de milhões de portugueses e imigrantes, mas Paulo Portas tem o proveito.
Enquanto exercia o cargo de vice-primeiro-ministro, o irrevogável Portas (neste caso), não faltou à sua palavra: o número de beneficiários de RSI desceu de 448 mil em 2011 para 321 mil em 2014. Alterando a fórmula com a qual se calculava o número de beneficiários e os valores a distribuir, foram expulsas milhares de famílias com crianças. Cerca de 50 mil menores de 18 anos perderam o direito ao RSI. Durante esses anos, a pobreza não parou de aumentar.
Este legado não se apaga.
A «subsidiodependência» não é só retórica: Governo regional do PSD/CDS-PP/PPM dos Açores segue a batuta do Chega
«Ao nível do número de beneficiários, a redução tem sido sustentada no tempo. Em Outubro de 2020 existiam 14 494 beneficiários de RSI nos Açores e, em Outubro de 2023, eram 8 294, o que representa uma diminuição de 6 200 pessoas a beneficiar desta prestação social» anunciou, exultante, Artur Lima, vice-presidente do executivo açoriano (apoiado no parlamento regional pelo Chega e IL), no final do ano de 2023.
A expressão «redução da subsidiodependência» constava nos acordos de governação assinados pelo executivo açoriano com o Chega e a Iniciativa Liberal. Ao fim e ao cabo, nas ilhas ou no continente, a direita nunca escondeu ao que vem: atacar os mais fracos e salvaguardar os enormes lucros dos mais ricos.
Só isso explica que um dos principais factores que determinou as alianças à direita nos Açores tenha sido uma prestação social cujo valor médio, por beneficiário, neste arquipélago, em 2020, fosse a mais baixa do país: 86,11 euros. Pouco menos de 15 milhões ao ano. Trocado por miúdos, o equivalente ao que as grandes empresas amealham em lucros a cada 15 horas.