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Seja qual for o escalão de rendimento, a mulher recebe menos

É entre os trabalhadores mais qualificados que o diferencial entre rendimentos de homens e mulheres é maior: 24,5% nos quadros superiores, 14% nos quadros médios e 16,5% entre os profissionais altamente qualificados.

CréditosEduardo Costa / Agência Lusa

A diferença de rendimentos de homens e mulheres entre os trabalhadores não qualificados é de apenas 6,8%, refere a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens (CIMH/CGTP-IN) num artigo de análise enviado ao AbrilAbril. Recorrendo a dados de 2021 do Governo português (Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social), é clara a discriminação que afecta as mulheres em posição mais qualificadas.

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CGTP-IN: Precariedade aumentou e é mais elevada entre as mulheres

Uma análise da Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens (CGTP-IN) demonstra uma «progressiva deterioração da situação das mulheres trabalhadoras em Portugal» no último ano. Começa amanhã a Semana da Igualdade da CGTP.

Foto de arquivo: mulheres participam na manifestação promovida pela CGTP-IN e pelo MDM para assinalar o Dia Internacional da Mulher, que decorreu entre o Chiado e a Assembleia da República, em Lisboa, 8 Março 2013
Créditos

«No 4.º trimestre de 2022 havia 183 mil trabalhadoras desempregadas e mais 176 mil desencorajadas e subempregadas»: um total de 359 mil mulheres, alerta a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens (CIMH/CGTP-IN), num artigo de análise enviado ao AbrilAbril.

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Maternidade continua a ser motivo de discriminação contra enfermeiras

No dia 6 de Março, às 11h, enfermeiras da ARS Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) vão à Secretaria de Estado da Igualdade denunciar as «discriminações a que têm sido sujeitas» por exercerem o seu direito a ser mãe.

CréditosPaolo Aguilar / EFE

Desde 2018, várias enfermeiras da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) estão a ser «prejudicadas salarialmente e excluídas da categoria de Especialistas», denuncia o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP/CGTP-IN), em comunicado enviado ao AbrilAbril. O motivo é evidente: «terem sido mães e estarem de licença parental inicial».

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Enfermeiros da ARS de Lisboa e Vale do Tejo anunciam greve

A jurisdição da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) abrange os distritos de Lisboa, Setúbal, Santarém e Leiria. Greve dos enfermeiros tem lugar esta sexta-feira,  dia 17.

Grande adesão à greve convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP/CGTP-IN) no Centro Hospitalar Universitário do Algarve, junto às instituições de Faro e Portimão. Os profissionais exigiram o pagamento dos retroactivos que a administração prometeu em 2018 e que, desde então, se furta a cumprir. Faro, 2 de Fevereiro de 2023 
CréditosLuís Forra / Agência Lusa

A ARSLVT é uma de seis instituições em Portugal que, «inadmissivelmente», considera o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP/CGTP-IN) ainda não agendaram reunião com o sindicato, «nem resolveram as referidas situações problemáticas dos enfermeiros».

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Enfermeiros do Hospital da Figueira da Foz em greve

Mesmo derrotado em tribunal, o Hospital da Figueira da Foz continua a recusar-se a pagar retroactivos a Janeiro de 2018, quatro anos roubados aos enfermeiros. Greve dia 15 conta com concentração das 11h as 13h.

Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE 
Créditos

A justa contabilização de pontos é fundamental para garantir a progressão na carreira, explica o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP/CGTP-IN). Só assim poderá ser aplicada uma justa valorização salarial: «estamos fartos que poupem dinheiro à nossa custa!».

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Hospital da Figueira da Foz retira pontos aos enfermeiros

Enfermeiros com 23 anos de exercício profissional vão voltar ao valor do primeiro salário, uma vez que a administração lhes quer retirar pontos correctamente atribuídos.

CréditosFERNANDO VELUDO / LUSA

Em 2018, o Hospital Distrital da Figueira da Foz, resultante do descongelamento das progressões no âmbito da administração pública, atribuiu correctamente os pontos a 23 enfermeiros que, num processo de faseamento (Janeiro de 2011, 2012 e 2013), passaram a vencer pela 1.ª posição remuneratória da então nova tabela salarial.

A correcta atribuição destes pontos, teve na altura como resultado, conforme a situação individual, a progressão na tabela salarial de uma posição remuneratória.

No entanto, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP/CGTP-IN) denuncia que a administração vem agora afirmar, através de uma informação aos 23 enfermeiros interessados (alguns com 23 anos de exercício profissional), que, a partir do presente mês de Outubro, lhe serão retirados os pontos que em 2018 tinham sido correctamente atribuídos, tendo por isso que devolver os valores «indevidamente» recebidos.

Os enfermeiros pediram uma reunião com a administração e estarão hoje concentrados em protesto à porta do hospital.

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Sobre esta matéria, a atribuição de pontos e o consequente pagamento de retroactivos a Janeiro de 2018, o Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF) «já o ano passado perdeu em tribunal», mas continua a cometer o mesmo erro: «só quer pagar retroativos a Janeiro de 2022», algo que os enfermeiros consideram «inadmissível».

A acção de luta dinamizada pelo SEP e pelos enfermeiros do HDFF terá lugar amanhã, dia 15 de Fevereiro, com concentração entre as 11h e as 13h. Estes profissionais exigem a contagem de pontos a todos os enfermeiros promovidos às categorias de especialista e chefe entre 2004 e 2011, a contabilização dos pontos de todos os enfermeiros com vínculos precários e a contabilização de pontos por ano civil.

Os trabalhadores exigem, igualmente, a justa contabilização dos pontos com retroactivos a Janeiro de 2018. «O Ministério da Saúde continua a não resolver as várias situações de inversão de posicionamento relativo entre os enfermeiros», lamenta o SEP, há várias administrações a fazer uma leitura claramente «errónea» do diploma publicado pelo Governo.

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Para além de se recusar a, democraticamente, discutir as questões mais importantes para os seus trabalhadores, através das suas estruturas representativas, a ARSLVT «não cumpre a Lei», ao não comunicar os pontos relativos à Avaliação do Desempenho.

Ao não o fazer, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo limita a consequente remuneração dos enfermeiros, assim como «a correcção de muitas injustiças». O SEP diz ter enviado dois pedidos de reunião: a 30 de Novembro - «com fundamentação jurídica que suporta o pagamento dos devidos retroactivos desde 2018» - e outro pedido a 22 de Dezembro de 2022. «Ambos sem resposta».

Em greve no dia 17 de Fevereiro, os enfermeiros dos centros de saúde, DICAD e Serviços Centrais da ARS de Lisboa e Vale do Tejo vão ainda realizar uma concentração às 11h, na sede da ARSLVT (Av. Estados Unidos da América, em Lisboa).

Estes profissionais exigem a «correcta e legal operacionalização da aplicação dos pontos aos enfermeiros e os correspondentes reposicionamentos remuneratórios, de todos os enfermeiros», incluindo o pagamento dos retroactivos a 2018. Os trabalhadores e o SEP exigem igualmente a vinculação de todos os enfermeiros em situação precária e a admissão de mais profissionais, «em conformidade com as necessidades assistenciais e que permita, nomeadamente, que todas as famílias tenham o seu enfermeiro de família».

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Este problema arrasta-se no tempo, apesar de pronunciamentos de instituições como a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens (CITE) confirmarem a existência da discriminação exercida contra várias profissionais na ARS Lisboa e Vale do Tejo. A situação agravou-se: estas enfermeiras não se podem agora candidatar aos concursos por não terem sido previamente integradas na categoria de Especialista que lhes foi vedada.

Em 2022, o Governo PS promoveu «mais uma discriminação» contra as enfermeiras no exercício dos seus direitos de parentalidade (gravidez de risco e licença parental inicial) ao «não pagar os retroactivos no processo de descongelamento de carreiras no SNS (Serviço Nacional de Saúde)».

Por todas estas razões, uma delegação de enfermeiras da ARSLVT, com o SEP, vai deslocar-se à Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações no dia 6 de Março, 11h, em Campo de Ourique, Lisboa, «para denunciar as discriminações a que têm sido sujeitas por exercerem os seus direitos de parentalidade».

Esta acção insere-se na Semana da Igualdade, promovida pela CGTP-IN entre os dias 6 e 10 de Março. Sob o lema «Aumentar os salários para a vida mudar e a igualdade avançar!» vão ser realizadas centenas de acções em todo o País, entre protestos, plenários e concentrações em torno da questão da igualdade entre homens e mulheres.

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De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) é possível constatar que, no final de 2022, as mulheres constituiam mais de metade do total de pessoas desempregadas em Portugal (53%). São mais 15 mil mulheres empurradas para esta situação em relação ao mesmo período homólogo.

«As mulheres são a maioria dos trabalhadores subempregados (65%) e o seu número também subiu no último ano, sendo também mais atingidas pelo desemprego de longa duração: 44,6% estão desempregadas há um ano ou mais face a 38,9% entre os homens».

A grave situação em que vivem muitas destas mulheres trabalhadoras é óbvia quando se verifica que mais de 60% destas trabalhadoras desempregadas recebe prestações de desemprego até aos 500 euros. Um número muito inferior ao limiar de pobreza de 551 euros.

Precariedade agravou-se, sobretudo entre as mulheres

A prevalência do emprego precário na economia portuguesa já não é segredo: a grande maioria do emprego criado no último ano é precário (76%, no 4.º trimestre). Em termos globais, no final de 2022, a precariedade já compunha 17,2% de todos os postos de trabalho.

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Mulheres saem à rua pelo direito a viver com dignidade

No âmbito do 8 de Março, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) sai à rua este sábado, no Porto, e no próximo em Lisboa, porque ainda «há mil razões para lutar».   

A Manifestação Nacional de Mulheres, convocada pelo Movimento Democrático de Mulheres (MDM) para celebrar o Dia Internacional da Mulher, reuniu em Lisboa milhares de participantes, vindas de norte a sul do País, a 8 de Março de 2020.
CréditosPaulo António / AbrilAbril

Melhores condições de vida e de trabalho, direito a uma habitação condigna, o controlo dos preços de bens e serviços essenciais e o fim das discriminações e violências são algumas das reivindicações que o MDM leva às ruas da Invicta, amanhã, na manifestação nacional do Dia Internacional da Mulher.

Este é o sétimo ano consecutivo da iniciativa promovida pelo movimento para celebrar o dia que é também símbolo da secular luta pela emancipação e por direitos cívicos, sociais, económicos e políticos. 

Cento e treze anos depois da aprovação do Dia Internacional da Mulher, o MDM destaca os avanços conquistados, designadamente com a Revolução dos Cravos, no nosso país. Mas constata haver ainda «mil razões para lutar», salientando não haver «desculpa» para o muito que está por fazer no plano dos direitos das mulheres, tal como para os recuos que se vêm conhecendo.

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MDM: Só organizadas colectivamente as mulheres podem defender os seus direitos

AbrilAbril esteve à conversa com dirigentes do Movimento Democrático de Mulheres após o seu XI Congresso. Admitem que só com a luta organizada é possível lutar pelos direitos e que essa é uma realidade percebida por cada vez mais mulheres. 

CréditosAna Isabel Martins / MDM

Foi no passado dia 29 de Outubro que o MDM realizou a sua reunião magna, em Lisboa, com o lema «A força das mulheres em movimento, por direitos, igualdade, justiça social e paz». Uma semana depois, na sede do Movimento, ainda não se tinha recuperado do esforço de realização deste encontro, que reuniu cerca de 500 mulheres de todo o País, além de convidadas internacionais, até porque este foi «só» mais um momento no dia-a-dia destas activistas. «A actividade do MDM não pára», dizem com entusiasmo, enquanto mostram os conteúdos editoriais que vêm produzindo, de análise sobre a realidade das mulheres no nosso país, ao mesmo tempo que antecipam o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, que se assinala a 25 de Novembro. 

Sandra Benfica, Tânia Mateus e Isabel Cruz, do secretariado nacional do MDM, traçam o retrato dos desafios que as mulheres enfrentam e das políticas públicas que falta alavancar para que seja uma realidade o que a lei consagra. 

Que balanço fazem do XI Congresso?

Sandra Benfica: O balanço que fazemos é tremendamente positivo. Este foi um congresso muito especial, acho até que poderíamos dizer que foi ímpar tendo em conta até o contexto; na sequência de tudo aquilo que tem acontecido na vida das mulheres e após um período que foi extremamente difícil, em que tanto apelo houve a que as pessoas calassem, que não participassem, confinassem. E, em boa verdade, o MDM nunca esteve calado, nunca esteve parado, foi um movimento que garantiu todas as condições de segurança, garantiu também que não se confinavam os direitos das mulheres. E, portanto, esta presença na vida das mulheres, que é a matriz deste movimento, este estar lado a lado, acompanhando todos os problemas, quer se fale de questões relacionadas com as múltiplas desigualdades, as discriminações, as violências seja em qualquer espaço ou esfera da sua vida, mas também a capacidade que o movimento teve de permanentemente ir assinalando um conjunto de medidas que estavam a ser implementadas e que feriam os direitos das mulheres, deu uma força e uma vontade de participar, que naturalmente também foi reflectida neste congresso.

Todas as mulheres que vieram e foram muitas, de todos os cantos do País, trouxeram, para além de um retrato muito objectivo, ligado à vida das problemáticas mais sentidas pelas mulheres nos seus distritos e nos seus sectores, mas sobretudo trouxeram uma garra, uma vontade, uma alegria na participação, que foi absolutamente extraordinária, com este factor indispensável: a participação das mulheres, sim, mas organizadas colectivamente, para efectivamente conseguirmos superar muitos dos problemas que se têm agudizado na vida das mulheres. 

Tânia Mateus: Acho que este congresso também realçou aquilo que é uma marca distintiva do MDM, que, sendo uma das organizações mais antigas do País na defesa dos direitos das mulheres, demonstrou que é também um encontro de gerações.

Neste congresso estiveram mulheres que estão com o MDM há mais de 50 anos e outras que estão a participar pela primeira vez. Este encontro e troca de experiências entre as mais velhas e as mais novas demonstra que o MDM tem passado, tem memória, mas acima de tudo tem presente e tem futuro. Acho que esta é também uma ideia muito importante que este congresso realçou, não só pelo rejuvenescimento na responsabilização dos seus quadros, nos órgãos nacionais que foram eleitos, mas também pelos problemas que vieram ao congresso, muito ligados às jovens e aos problemas que elas vivem hoje, mas também às suas aspirações.

E acho que também procurou, não só dizer o que é que aconteceu nos últimos quatro anos, o que é que está a acontecer agora, mas sobretudo o que é que nós queremos para o futuro. É esta projecção para o futuro que eu acho que é um balanço muito importante que o congresso deixou. Temos história, temos memória, e isso também esteve presente na homenagem que se fez às conselheiras e às mulheres que estão sempre com o MDM, mas deixam de estar nos órgãos nacionais. 

Que objectivos ou medidas cabem nessa projecção para o futuro?

Tânia Mateus: Há aqui um objectivo comum que é alcançar a igualdade. Há um património legislativo que contempla e prevê um conjunto de direitos para as mulheres, mas aquilo que a realidade nos diz todos os dias é que há um hiato entre o que a lei diz e a realidade concreta das mulheres. O grande objectivo é exigir e lutar para que haja políticas e medidas que tornem estes direitos uma realidade na vida das mulheres, não só estes, como procurar fortalecer e melhorar um conjunto de direitos que são necessários, quer na área da violência, quer no trabalho, quer nas funções sociais do Estado, o documento baliza aquilo que nós entendemos ser os principais domínios ou dimensões que faltam para que a igualdade seja uma realidade na vida das mulheres. Aquilo que nós dizemos da igualdade na vida é expressa pelo direito à habitação, pelo trabalho com direitos, pelo trabalho qualificado, pelo acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo acesso a uma educação e uma Escola Pública de qualidade, pelo acesso à mobilidade, pela prevenção e combate às violências contra as mulheres, nomeadamente da violência doméstica, no namoro, o combate ao lenocínio... 

Sandra Benfica: Os lemas são sempre muito difíceis, mas esta ideia central do MDM, da necessidade que a igualdade seja sentida e vivida no quotidiano das mulheres está aqui também plasmado nos tópicos que a Tânia já colocou e que nós procurámos resumir nisto: a luta do MDM, hoje, é por direitos, por igualdade, por justiça social e pela paz. Outra marca deste congresso foi a luta pela paz, que é uma matriz deste movimento, e uma permanente solidariedade com as mulheres que em Portugal e no mundo lutam, não apenas pelos seus direitos específicos, mas também, e sobretudo, pelo direito à autodeterminação e independência dos seus povos. Aprofundámos questões sensíveis e complexas, e que se prendem, por exemplo, com o desenvolvimento do complexo industrial militar, o papel da NATO e o estarmos a viver uma situação de imensos perigos para a paz. Mas também esteve presente a solidariedade.

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Intensifica-se a repressão marroquina no Saara Ocidental ocupado

A acusação é fundamentada no relatório anual que o Colectivo de Defensores dos Direitos Humanos no Saara Ocidental (Codesa) apresentou no final de Julho.

De acordo com o Codesa, os crimes e violações perpetrados por Marrocos contra a população saarauí aumentaram Créditos / Plataforma Cascais

O documento, divulgado no passado dia 28 de Julho em El Aiune, é o primeiro que a organização não governamental realiza desde a sua fundação, em Setembro de 2020, e tem como título «A continuidade dos crimes de guerra e contra a humanidade perpetrados pelas forças de ocupação marroquinas contra os civis saarauís: Que futuro para a descolonização do Saara Ocidental ocupado?».

Segundo foi referido na apresentação, feita em conferência de imprensa, o relatório, que regista violações dos direitos humanos e crimes de guerra cometidos no Saara Ocidental ocupado entre Setembro de 2020 e Dezembro de 2021, «reflecte a gravidade e a escala das violações cometidas pelas forças de ocupação marroquinas contra os civis saarauís».

Depois da retirada de Espanha – a potência colonial – e desde a invasão de Marrocos, em 1975, o território do Saara Ocidental «encontra-se sob cerco militar, bloqueio mediático e o seu povo vive dividido pelo muro de separação militar marroquino», lembra o Codesa.

Em 1991, a ONU mediou um acordo de cessar-fogo – que se manteve em vigor até 13 de Novembro de 2020 – entre as forças marroquinas e a Frente Polisário (movimento que defende a independência do território saarauí) e criou a Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental (Minurso), que devia seguir o cessar-fogo e concretizar o referendo de autodeterminação que as resoluções da ONU defendem.

Membros do Codesa / SPS 

No entanto, alerta o Codesa, a população saarauí continua a ser alvo de violações dos direitos humanos e crimes de guerra sem que se vejam sinais claros da parte da comunidade internacional de que vá manter o compromisso de completar o processo de descolonização, prometido em 1991, tendo como base o direito de autodeterminação consagrado no Direito Internacional.

Crimes perpetrados por Marrocos intensificaram-se

De acordo com o relatório, a opressão no Saara Ocidental ocupado aumentou desde que Marrocos violou o acordo de cessar-fogo, em vigor desde 1991, em Novembro de 2020.

Entre Setembro de 2020 e Dezembro do ano passado, o organismo registou 20 execuções extra-judiciais, bem como 121 casos de detenções arbitrárias e raptos de cidadãos saarauís, perpetrados pelas forças marroquinas de ocupação.

No mesmo período, ataques marroquinos fizeram com que pelo menos 264 cidadãos saarauís ficassem feridos, tendo sido ainda registadas 139 situações de cercos a casas.

Para além das várias situações de repressão sistemática a que a população saarauí é submetida nos territórios ocupados – também com recurso à utilização de drones e fogo real, tortura e violação –, o relatório destaca a situação dos presos políticos nas cadeias marroquinas.

De acordo com o Codesa, os prisioneiros saarauís vêem negado o respeito pelos seus direitos fundamentais, vivendo em «condições duras» e enfrentando, entre outras coisas, «represálias, maus-tratos e discriminação».

São ainda reportadas situações como a «solitária», a recusa de visitas, negligência médica, falta de comida e de condições sanitárias.

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Saarauís acusam o governo espanhol de «espezinhar a legalidade»

O Gabinete Permanente da Frente Polisário afirma que, com o seu posicionamento recente, o governo de Sánchez favorece a «tese expansionista e agressiva» de Marrocos.

Milhares de manifestantes protestaram em Tenerife e Las Palmas (na foto), nas ilhas Canárias, região autónoma espanhola ao largo da costa africana, a 26 de Março de 2022, contra o reconhecimento pelo governo de Madrid da soberania de Marrocos sobre o Saara Ocidental, contra todas as resoluções da ONU
Manifestação nas ilhas Canárias, a 26 de Março de 2022, contra o apoio do governo de Sánchez ao plano de Marrocos para o Saara Ocidental CréditosI. Durán / La Provincia

«A posição do primeiro-ministro espanhol em apoio da tese expansionista e agressiva de Marrocos» foi condenada este domingo pelo Gabinete Permanente da Frente Polisário, indica o Sahara Press Service (SPS).

Um comunicado subsequente à reunião do gabinete, celebrada no domingo e presidida por Brahim Ghali, secretário-geral da Frente Polisário, sublinha que se trata de «um passo na direcção de espezinhar a legitimidade internacional e os direitos legítimos do povo saarauí, consagrados na Carta e nas resoluções das Nações Unidas».

Neste contexto, o documento enaltece a «solidariedade esmagadora por parte dos povos de Espanha, das suas forças políticas, sindicais e da sociedade civil, que insistiram na responsabilidade jurídica, política e moral do Estado espanhol para com o povo saarauí, à qual não pode renunciar de forma unilateral».

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A «traição» de Sánchez não altera a vontade de luta do povo saarauí

A Frente Polisário qualificou como «traição» o apoio do governo espanhol ao plano de autonomia marroquino. Brahim Ghali sublinhou que a natureza jurídica do conflito e a vontade de luta do povo se mantêm.

Créditos / @NestorRego

Em declarações à TV argelina, este domingo, o presidente saarauí e secretário-geral da Frente Polisário, Brahim Ghali, afirmou que a «estranha e surpreendente posição» expressa pelo governo espanhol «não altera a natureza jurídica do conflito do Saara Ocidental, nem atribui soberania ao Estado de ocupação marroquino sobre o território».

Ghali disse ainda que a decisão do governo liderado por Sánchez, que qualificou como «imoral e vergonhosa», «não afecta minimamente a vontade do povo saarauí de prosseguir a sua justa e legítima luta» pela soberania sobre «todo o território nacional».

À luz do direito internacional, o Saara Ocidental não é marroquino, acrescentou, frisando que a decisão sobre a soberania cabe exclusivamente ao povo saarauí.

O chefe de Estado louvou ainda a «solidariedade dos povos de Espanha» com a «justa causa» saarauí e disse esperar «uma acção urgente», para «corrigir este novo erro» e para que o «Estado espanhol assuma as suas responsabilidades», que «não desaparecem com o tempo».

«Traição ao compromisso da sociedade espanhola»

Na sexta-feira passada, o governo espanhol, sintonizado com as teses de Rabat, indicou que o plano de autonomia de Marrocos para o Saara Ocidental, apresentado em 2007, é «a base mais séria, realista e credível» para a resolução do conflito.

A decisão foi muito criticada em Espanha, onde existe um amplo movimento de solidariedade com o Saara Ocidental. Mais de uma dezena de partidos solicitaram a presença do primeiro-ministro espanhol no Parlamento, exigindo-lhe explicações sobre uma «marcha atrás» também criticada por parceiros da coligação governamental.

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A paz no Saara Ocidental é possível se «for aplicada a legitimidade internacional»

A possibilidade da paz no Saara Ocidental depende da aplicação da legitimidade internacional, permitindo o exercício do direito à autodeterminação, afirmou o presidente saarauí, Brahim Ghali.

Brahim Ghali, presidente da RASD (imagem de arquivo)
Créditos / sudhorizons.dz

«É absolutamente impossível esperar a paz e a estabilidade na região a menos que a legitimidade internacional, plasmada na Carta das Nações Unidas, e na Acta de Fundação da União Africana [UA], seja implementada», afirmou Ghali este domingo, na abertura do IX Congresso da União Geral dos Trabalhadores Saarauís.

«Isso permitiria ao povo saarauí exercer o seu direito inalienável à autodeterminação e à independência», acrescentou, citado pela Sahara Press Service (SPS).

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«No Saara Ocidental há uma guerra a sério»

Entrevistado pela RT, o delegado da Frente Polisário em Espanha afirma que Marrocos nega a existência da guerra em função dos seus interesses. Também fala do apoio dos EUA e da inoperância da Minurso.

Soldados da Frente Polisário no Saara Ocidental, em Setembro de 2016
CréditosZohra Bensemra / RT

Há pouco mais de um mês, no Saara Ocidental, as forças militares marroquinas dissolveram uma manifestação de cidadãos saarauís que bloqueavam a chamada «passagem de El Guerguerat», o que levou a Frente Polisário (movimento de libertação nacional do Saara Ocidental) a acusar o Reino de Marrocos de violar o cessar-fogo em vigor desde 1991 e a declarar a guerra a Marrocos, que ocupa ilegalmente o território saarauí há 45 anos.

Voltava assim a intensificar-se um conflito que permanecia há alguns anos em estado latente, marcado pela ocupação, o saque permanente dos recursos saarauís – levado a cabo num território rico em minerais e pesca –, a brutal repressão sobre o povo saarauí, num contexto de cumplicidade internacional e inoperância da Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental (Minurso), que foi incapaz de concretizar o referendo de autodeterminação que as resoluções da ONU defendem como via para se chegar a bom porto.

A Frente Polisário, pela voz do seu líder, Brahim Ghali, denunciou que a operação militar marroquina em El Guerguerat «minou seriamente não só o cessar-fogo e os acordos militares relacionados, mas também qualquer possibilidade de alcançar uma solução pacífica e duradoura para a questão da descolonização do Saara Ocidental».

Uma guerra silenciada

Abdullah al-Arabi, delegado da Frente Polisário em Espanha, encara o episódio de El Guerguerat como «o detonante que fez com que agora haja no Saara Ocidental uma guerra pura e dura», refere a RT.

Para al-Arabi, «ficou claro que o cessar-fogo foi quebrado» e que a Minurso «já não tem qualquer papel no terreno, uma vez que o seu objectivo era realizar um referendo de autodeterminação e 29 anos depois não foi capaz de o fazer».

O representante em Espanha da Frente Polisário também critica o silêncio de Marrocos sobre o conflito e sua natureza bélica: «Marrocos está a tentar negar a existência da guerra», diz al-Arabi, que desafía a Minurso – ainda no terreno – a «dizê-lo também». Al-Arabi denuncia que este organismo «está a esconder a realidade», em vez de «assumir o seu papel e elaborar um relatório para comunicar a situação real à ONU e à comunidade internacional em geral».

Por seu lado, Marrocos «não quer que se fale da guerra porque ainda tenta conseguir apoios que garantam a sua soberania sobre um território que está a ocupar pela força e de forma ilegal», disse à RT. Já a Frente Polisário tem feito um esforço no sentido informar sobre os confrontos militares com Marrocos, sobretudo através da agência de notícias oficial da República Árabe Saarauí Democrática (RASD), a Sahara Press Service (SPS).

A importância da passagem de El Guerguerat

O representante da Frente Polisário lembra que esta passagem não é uma simples passagem fronteiriça cuja utilização tivesse sido bloqueada, por capricho, por civis saarauís há cerca de dois meses. Trata-se de uma estrada construída por Marrocos numa zona designada, segundo um acordo supervisionado pela ONU, como «zona de contenção» do conflito.

Quando tal acordo foi firmado, em 1997, a estrada não existia, da mesma forma que o texto não contemplava a abertura de nenhuma passagem fronteiriça. Foi a própria Minurso que denunciou a actividade marroquina na zona, em 2001, advertindo que a construção de uma estrada ali poderia ser uma «violação do acordo de cessar-fogo».

Em 2016, Marrocos insistiu na construção da passagem de El Guerguerat e decidiu asfaltar a estrada – algo que a «Frente Polisário tentou impedir, mas a ONU interveio». «Pediu-nos que nos retirásse-mos para evitar uma escalada de tensão na zona, e nós acedemos com a condição de a ONU enviar uma comissão técnica para analisar a situação, coisa que nunca fez», explica al-Arabi.

Entretanto, Marrocos aproveitou para acabar de asfaltar a estrada, que passou a ser, de facto, uma «passagem fronteiriça» [com a Mauritânia], nunca foi apoiada pela comunidade internacional, mas cujo papel na guerra iniciada em 13 de Novembro último não costuma ser explicado.

A agravante do apoio dos EUA a Marrocos

Recentemente, Donald Trump reconheceu a alegada soberania de Marrocos sobre o território do Saara Ocidental. Se os negócios dos EUA, da UE e de outros países e blocos com o Reino marroquino eram às claras, este passo ninguém tinha dado. Em troca, Rabat reestabeleceu por completo, também às claras, as suas relações diplomáticas com Israel.

Para Abdullah al-Arabi, a declaração de Trump «faz parte de uma campanha orquestrada por Marrocos há muitos anos, sobretudo nos últimos sete ou oito, que consiste em tentar impor o reconhecimento da sua soberania sobre o território saarauí».

«Marrocos – disse al-Arabi à RT – não tem qualquer interesse na realização do referendo de autodeterminação, nem em alcançar uma solução política: o que quer é impor o facto consumado e, para isso, precisa do reconhecimento de alguma potência».


Ainda assim, admite que este apoio os surpreendeu. Nenhum país se tinha demarcado da resolução oficial da ONU que define o Saara Ocidental como território não autónomo e que tem um processo de descolonização por resolver.

«Não imaginávamos que os EUA pudessem pronunciar-se contra algo tão básico, tão claro e tão nítido como essa questão, que figura na agenda da ONU desde 1960, 15 anos antes da ocupação ilegal do território», disse o representante saarauí, referindo-se à invasão militar que Marrocos levou a cabo em 1975, conhecida como «Marcha Verde».

A decisão da Casa Branca «é totalmente errada e não está de acordo com o direito internacional», e contribui ainda para «elevar a tensão na região do Norte de África» e «afastar a perspectiva de qualquer solução», afirmou o delegado da Frente Polisário.

«Um presente envenenado»

Se Marrocos celebra o apoio de Washington como triunfo diplomático sem precedentes, a Frente Polisário faz uma leitura política diferente. Al-Arabi explica que as relações diplomáticas entre Marrocos e Israel sempre existiram; aquilo que a decisão do presidente norte-americano fez foi obrigar a torná-las públicas.

«Obrigaram a torná-las públicas em troca deste presente, que é um presente envenenado, porque a nível interno não vai ser fácil gerir a questão; a nível da opinião pública árabe tão-pouco; e, a nível dos apoios à causa palestiniana em Marrocos, vai dar muitas dores de cabeça», entende o delegado da Polisário.

«Marrocos apostou na busca de um impacto mediático de grande calibre», disse al-Arabi à RT, sublinhando que as consequências deste movimento internacional «vão ser desastrosas tanto para Marrocos como para a região do Norte de África e os interesses económicos da Europa, fundamentalmente de França e Espanha».

No que respeita a este último país, al-Arabi considera «preocupante e decepcionante a atitude de todos os seus governos ao longo dos últimos 45 anos, em especial nos últimos sete ou oito», sobre a questão da independência do Saara Ocidental.

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Falando no campo de refugiados de Dakhla, o secretário-geral da Frente Polisário e presidente da República Árabe Saarauí Democrática (RASD) pediu às Nações Unidas e à UA que acelerem o cumprimento dos requisitos do plano de paz UA-ONU de 1991, na medida em que se trata do único acordo assinado pelas duas partes em conflito e apoiado pelo Conselho de Segurança da ONU.

Brahim Ghali acusou Marrocos de, «com o beneplácito de França, actuar com impunidade e prosseguir com as suas práticas coloniais e tentativas de impor a política de factos consumados pela força no Saara Ocidental ocupado», refere a fonte.

Conferência solidária celebrada nas Canárias foi um «êxito»

Abdullah al-Arabi, delegado da Frente Polisário em Espanha, considerou um «êxito» a 45.ª edição da EUCOCO – Conferência Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo Saarauí, que decorreu em Las Palmas nos dias 10 e 11 de Dezembro.

Em declarações à agência SPS, al-Arabi destacou a participação no evento tanto em termos quantitativos como qualitativos, «com mais de 200 delegados de 23 países e intervenções de primeiro nível».

Abdullah al-Arabi, representante da Frente Polisário em Espanha / eldiarioalerta.com

Em seu entender, estes elementos mostram que «a causa saarauí continua a gozar de boa saúde no que à solidariedade e êxitos políticos e jurídicos se refere».

O facto de a conferência solidária se ter celebrado em «circunstâncias excepcionais» e cumprido «as expectativas» foi destacado pelo dirigente, que sublinhou igualmente a dimensão simbólica e política de se ter realizado nas Canárias, a menos de 100 quilómetros dos territórios ocupados.

Abullah al-Arabi instou o movimento solidário a «continuar a defender a luta do povo saarauí porque é a luta pela paz, a justiça, o direito internacional e os direitos humanos».

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Abdullah al-Arabi, delegado da Frente Polisário em Espanha, denunciou este sábado que a aposta de Espanha na autonomia do Saara Ocidental é uma de muitas traições sofridas pelo povo saarauí nos últimos 46 anos, e sublinhou que, acima de tudo, «trai o compromisso e a solidariedade da sociedade espanhola», refere o Sahara Press Service (SPS).

«Espanha está a tentar impor a escolha de uma das partes como única solução para o conflito do Saara Ocidental», disse al-Arabi, frisando que se trata de uma mudança de posição relativamente às Nações Unidas e também «a um consenso que existiu na política externa espanhola nos últimos 46 anos».

O governo espanhol está a «pagar uma portagem para tentar recuperar as suas relações com Marrocos», acusou o delegado da Frente Polisário, explicando que não se opõe a esse bom relacionamento, mas que tal não pode acontecer à custa do «sacrifício do povo saarauí».

ONU pede respeito pela legalidade internacional

A Organização das Nações Unidas indicou este domingo que, para se alcançar uma saída pacífica para o conflito na antiga colónia espanhola, é necessário apoiar o processo político traçado pelo organismo.

Stéphane Dujarric, porta-voz da ONU, convidou todas as partes a apoiar os esforços do enviado pessoal para o Saara Ocidental, Staffan de Mistura, que visam retomar o processo de negociação directa entre as partes em conflito.

Dujarric, refere a TeleSur, reiterou a importância de manter o pleno compromisso das partes com o processo político liderado pela ONU, em linha com a resolução aprovada pelo Conselho de Segurança em Outubro último, que prevê o direito de autodeterminação do povo do Saara Ocidental.

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A reunião do Gabinete Permanente foi convocada horas depois de a Frente Polisário ter anunciado, no sábado, que suspendia os contactos com o actual governo espanhol, em virtude da declaração de apoio do governo de Pedro Sánchez ao plano marroquino de autonomia, «tendente a legitimar a anexação pela força dos territórios do Saara Ocidental e, por conseguinte, a confiscar os inalienáveis direitos do povo saarauí à autodeterminação e independência».

A Frente Polisário afirma que a suspensão se irá manter enquanto o actual governo de Espanha não se abstiver de «instrumentalizar a causa saarauí, como parte das contrapartidas e compensações vergonhosas nas suas vendas e transacções com o ocupante marroquino».

Nesse sentido, a Frente Polisário exige ao executivo espanhol que adira aos princípios da legalidade internacional, ao abrigo da qual o povo saarauí vê garantido «o direito à autodeterminação e o respeito pelas fronteiras internacionalmente reconhecidas do seu território».

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Pelos menos 59 presos viram-se forçados a recorrer à greve de fome por períodos prolongados como forma de luta contra os maus-tratos nas cadeias.

Outro aspecto destacado pelo documento são as longas distâncias a que os presos se encontram de suas casas, uma forma que as forças de ocupação usam para os castigar, separando-os do seu meio familiar e social. De acordo com o documento, 70% dos presos saarauís estão a pelo menos 460 quilómetros de casa e 80% a 320 quilómetros.

Saque dos recursos naturais, com cumplicidades

O Codesa denuncia igualmente que as autoridades marroquinas aproveitaram a declaração do estado de «emergência sanitária», associado à Covid-19, como forma de aumentar a opressão sobre o povo saarauí, dentro e fora das cadeias.

Refere-se igualmente à continuidade do saque dos recursos naturais do Saara Ocidental por parte de Marrocos, com a «cumplicidade explícita» de organizações internacionais e países, incluindo a União Europeia e vários dos seus estados-membros.

Na parte das recomendações, o organismo solicita às Nações Unidas que assuma as suas responsabilidades para que o povo saarauí possa exercer o direito fundamental à autodeterminação; sublinha a necessidade de proteger a população civil, nomeadamente por parte do Comité Internacional da Cruz Vermelha, e lembra as responsabilidades políticas e morais do Estado espanhol, enquanto antiga potência colonizadora, relativamente aos crimes cometidos por Marrocos contra o povo saarauí.

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Foi muito interessante ver as expressões de mulheres de vários países dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mas tivemos connosco a Sultana Khaya, que é uma activista dos direitos do povo sarauí. De certa forma, a Sultana tem-se transformado num símbolo da luta do seu povo pela capacidade que tem de nos trazer toda a dimensão do problema no Saara Ocidental, mas também por aquilo que significa ser uma mulher resistente sobre a ocupação de Marrocos. Se foi extraordinário o depoimento que nos deixou, eu diria que mais extraordinária foi a reacção de todas as mulheres que estiveram presentes no congresso. Aqui ninguém é indiferente ao sofrimento de qualquer mulher, de qualquer povo, que esteja sob a alçada de um domínio destes; agressivo, torturador, violador em todas as dimensões dos seus direitos mais elementares. Esta luta pela paz e a expressão activa da solidariedade com quem no mundo sofre, resiste e luta é uma componente muito importante do movimento. 

Já aqui falaram do rejuvenescimento e no congresso isso ficou patente na intervenção de uma jovem de Viana do Castelo, onde foi criado um núcleo do MDM. Há outros exemplos? 

Sandra Benfica: Esta jovem de Viana do Castelo faz uma coisa muito interessante porque ela conta o seu processo e através dele o processo de outras jovens. Ela vai pela primeira vez a uma manifestação de mulheres ao Porto [8 de Março]. «Eu fui e quando voltei olhei para dentro», disse ela. Claro que olhou para ela, mas também para o seu distrito, para a condição de vida das mulheres do seu distrito. E a força que trouxe daquela manifestação obrigou-a, moralmente, se quisermos assim, a intervir. No fundo, como nós dizemos, tomar nas mãos a solução dos seus problemas. É uma intervenção muito bela, no sentido em que diz muito bem do sentir que muitas mulheres, que vivem em situações que muitas vezes não identificam, nem o nível, nem o grau da discriminação e desigualdade e até de violência a que são sujeitas, e que no encontro com as outras, na participação política, que faz crescer esta consciência, que é social, mas também pessoal. Mas penso que temos condições para alargar o trabalho do movimento a mais sítios com as condições que neste momento estão reunidas.

Tânia Mateus: Eu queria dar o exemplo de outro núcleo que nasceu, mas que costumamos dizer que é filho da pandemia. Num contexto de isolamento e confinamento, criou-se um conjunto de potencialidades suscitadas pelas novas tecnologias, e que demonstra que o MDM não esteve confinado e procurou manter contacto com as mulheres, mesmo nos períodos em que não podíamos sair. E, num concelho como o Bombarral (distrito de Leiria), há um núcleo que nasce durante a pandemia e no próximo dia 25 de Novembro vai realizar um jantar, através de uma parceria com uma colectividade na Delgada. E vou agora citar Raquel Gallego, que na sua intervenção no congresso disse: «Mulher organizada é mulher libertada.» 

Isabel Cruz: O que foi interessante, tendo em conta o território todo, foram algumas coisas comuns que aconteceram e que no fundo também explicam qual é o nosso papel. O MDM não é o único que luta pelas condições de vida e de trabalho das mulheres, obviamente, mas é interessante perceber como é que a intervenção do MDM potencia a luta organizada noutros âmbitos. A intervenção [no congresso] da jovem de Portalegre sobre as questões do teletrabalho teve uma mensagem boa, que foi: Como é que se intervinha ali em termos sindicais para trazer mais mulheres para a luta? Como é que o descontentamento das mulheres se podia traduzir em luta organizada e ela deu o exemplo do MDM. Outro exemplo foi em Bragança.

«Aquilo que nós dizemos da igualdade na vida é expressa pelo direito à habitação, pelo trabalho com direitos, pelo trabalho qualificado, pelo acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo acesso a uma educação e uma Escola Pública de qualidade, pelo acesso à mobilidade, pela prevenção e combate às violências contra as mulheres (...).»

Tânia Mateus

As mulheres que trabalham na Varandas de Sousa (ex-Sousacamp) nunca tinham ido a uma única manifestação, a primeira a que foram foi no Porto, este ano, no âmbito do 8 de Março. A seguir fizeram greve. Também foram ao Porto, no dia 15 de Outubro [manifestação da CGTP-IN], e no regresso a casa já iam a pensar na sua participação na manifestação do Dia da Mulher do próximo ano, no Porto. Claro que elas não têm vida para militar no MDM, porque são horas e horas de trabalho, mas o que é engraçado é que acendeu-se uma luzinha e são condições brutais, porque é um sítio onde toda a gente se conhece, não há trabalho. Mesmo assim elas conseguiram vencer o medo. Esta foi no fundo a mensagem que demos para o futuro mais imediato: por muito que as condições sejam péssimas, e são difíceis, inseguras, as mulheres não se calam.      

Uma das ideias destacadas na resolução que aprovaram é que não há igualdade sem serviços públicos. Como é que olham para a actual situação política, depois de um período de avanços em várias matérias?

Tânia Mateus: Se há coisa que as várias crises, sejam elas de que natureza forem, já demonstraram, e se há coisa que a pandemia nos mostrou e provou é que sem bons serviços públicos de qualidade não há resposta adequada. Aliás, se olharmos para outros países onde não existem sistemas de saúde como o Serviço Nacional de Saúde (SNS), e podemos fazer quase uma analogia, acho que é inequívoco para a esmagadora maioria da população que, se não fosse o SNS, a situação teria sido muito pior. 

«O MDM não é o único que luta pelas condições de vida e de trabalho das mulheres, obviamente, mas é interessante perceber como é que a intervenção do MDM potencia a luta organizada noutros âmbitos.»

isabel cruz

Se há algo que nos comprovou é que se não for a protecção social, através de uma Segurança Social universal e pública, as pessoas ficam desprotegidas, sem garantia de ter uma subsistência mínima para viver e só estou a focar estas dimensões essenciais dos serviços públicos. E que, no caso das mulheres, isto assume uma particular especificidade e importância. Porque se olharmos, por exemplo, no que se refere à protecção social, que está intimamente ligada à penetração no mundo do trabalho e aos salários, não à penetração, porque as mulheres estão plenamente activas e trabalham, mas àquilo que tem a ver com as diferenças, desigualdades e discriminações salariais que ainda persistem, e aos baixos salários de todos. Porque homens e mulheres têm baixos salários, mas ainda se vivem casos em que as mulheres ainda ganham menos do que os homens, não tanto pelo salário base, pela discriminação directa, mas muitas vezes pelas [discriminações] indirectas, pelos prémios, pelas compensações, pelas promoções, em que muitas vezes as mulheres são colocadas de parte precisamente porque são mulheres ou porque são mães ou têm de cuidar da família. Mas se há de facto estas dimensões dos serviços públicos, eles são uma peça-chave determinante para concretizar os direitos das mulheres e tornar a igualdade possível. Porque a igualdade não pode ser só uma palavra. As palavras existem na lei, mas para eu ter alternativas no meu dia-a-dia eu tenho que ter escolhas. 

Escolhas efectivas.

Tânia Mateus: Reais escolhas, não pode ser uma ideia abstracta. É como dizer que eu tenho a alternativa de viver numa casa maior, ou poder proporcionar aos meus quatro filhos um quarto para cada um, quando o meu salário, a minha condição de vida e do meu companheiro não permite ter uma escolha porque, objectivamente, os nossos rendimentos conjuntos não permitem escolher, e por isso é que durante o confinamento, por exemplo, só na casa de banho não havia ninguém a ter aulas. É esta questão que falta, esta diferença entre o que diz a lei e a realidade. É como dizermos que a prostituição é uma escolha, é como acharmos que uma mulher que se prostitui o faz por opção e por escolha. Se pensarmos que o acesso à habitação é nenhum, que os salários são como são, que a precariedade no mundo do trabalho, em que há mulheres em determinadas camadas que não conseguem sair de uma espiral de precariedade, de [trabalho] temporário em temporário para ganhar meia dúzia de tostões, de facto não há escolha possível. Nós batalhamos para que haja escolhas e os serviços públicos são uma peça fundamental, acima de tudo as políticas públicas, como por exemplo na habitação. Se olharmos para a maternidade como uma função social e de renovação das gerações, há um papel que o Estado tem de cumprir, por via de políticas públicas, para assegurar que a maternidade seja efectivamente uma escolha.

Isabel Cruz: Isto não quer dizer que a Escola Pública ou o SNS estão bem como estão. No caso da educação, é preciso alterar uma quantidade de enquadramentos que passam também pela formação dos professores e pela valorização do seu papel. 

Que apreciação fazem dos recuos a que vimos assistindo no plano internacional, ao nível da interrupção voluntária da gravidez (IVG)?

Sandra Benfica: Pois, nós já tivemos essa dose em 2015 (ver caixa abaixo) e é bom que a gente não se esqueça. E lembrou-nos, caso alguém estivesse distraído, que um direito tem de ser defendido sempre. Depois de conquistado, não se pode baixar os braços. Nunca perdoaram o percurso longuíssimo que se fez para podermos ter a lei da IVG. Aliás, também não há nenhuma lei que seja tão escrutinada do ponto de vista da saúde como esta, embora tenha havido também alguns retrocessos na divulgação dos relatórios.

Mas nós, em 2015, tivemos um processo que a propósito de uma petição na Assembleia da República, no último dia da legislatura, 22 de Julho de 2015, às 19h e qualquer coisa, foi mesmo o último a ser votado… décadas de luta e de conquista concreta, através de um referendo e depois da legislação e da sua aplicação, e partes substanciais dos direitos que estavam conferidos com a lei da IVG foram anuladas. Na altura dissemos: «Esta foi a última a ser votada, há-de ser a primeira a ser revertida.» E assim foi. Se alguém lesse o que ali está, com um olhar que não fosse apenas focado na IVG, veria que ali está focado também o olhar relativamente ao que se entende que são as mulheres e os seus papéis tradicionais, e qual é o valor que elas efectivamente têm na sociedade portuguesa, e o que muita daquela gente pensa sobre nós. Quando nos dizem que temos de ser acompanhadas, termos não sei quantos médicos, vermos as ecografias dos bebés, sermos encostadas à parede, como se nós não tivéssemos inteligência, capacidade de desenvolvimento do nosso raciocínio, de tomar opções quando as temos, como a Tânia referiu. Portanto, esta menorização, subalternização, desrespeito pelas mulheres é uma tónica que também é um retrocesso nos direitos. Porque esta ideia de respeito pelas mulheres, pela sua integridade, pela sua inteligência, pela sua autonomia, pela sua independência, são valores em si mesmos que têm tido retrocessos profundíssimos.

Ainda assim, a IVG não é um direito pleno no nosso país.

Sandra Benfica: A IVG é um perigo. Continuamos a acompanhar, desde logo até do ponto de vista local, porque não nos serve de muito ter uma lei se ela depois não é praticada. Por exemplo, em Lisboa, no Hospital Amadora Sintra, que é um dos maiores da nossa região, que, além do volume de utentes, tem uma população que é encaminhada para ali muito marcada pela precariedade, pela pobreza, por alguma exclusão social, por uma série de problemas sociais, nunca fez nenhuma IVG desde que abriu portas. Não faz porque todos os seus médicos são objectores de consciência, desde sempre.

Tânia Mateus: No [Hospital de] Santa Maria, apenas um médico não é objector de consciência. 

Sandra Benfica: Tivemos inclusivamente uma reunião com o director do hospital [Amadora Sintra]. E, portanto, nós perguntamos o que acontece às mulheres destes concelhos quando estão perante uma situação em que não há consultas nos centros de saúde. Veja-se a vergonha em Odivelas, em Algueirão-Sintra, a que a comunicação social deu maior projecção nos últimos tempos. É interessante ir para a porta de um centro de saúde às 3h ou 4h da manhã, por exemplo em Odivelas, e ver a quantidade de mulheres que está ali a essa hora para conseguir uma consulta. O que é que acontece a uma grávida? O que é que acontece a uma mulher que está grávida e não deseja prosseguir a sua gravidez?

É uma violência.

Sandra Benfica: Isto é em si mesmo uma violência. O MDM também tem uma perspectiva sobre as violências que não é propriamente aquela que está exclusivamente contida nas instâncias internacionais, e muito menos aquela que os diferentes governos têm decidido eleger. Nós falamos da multiplicidade das violências sobre as mulheres, que acontecem em todos os espaços: acontecem em casa, no espaço público, na publicidade, nos programas de televisão e nas revistas, com a objectificação que se faz do corpo das mulheres. Também se faz no trabalho, e não é só por via do assédio moral ou sexual. Não é violência uma mulher que trabalha 12 horas por dia e recebe um salário de miséria? Ou que tem de pedir autorização para poder ir mudar um tampão ou um penso higiénico, porque lhe descontam? Isto não é violência em contexto laboral? É violência. Isto para dizer que nós consideramos que há uma persistência e uma agudização do que podemos denominar de velhas formas (porque são ancestrais). A violência em contexto da intimidade nos casais, independentemente da sua orientação sexual, mas sobretudo no casamento, nas uniões de facto, no namoro, tudo isto persiste e agrava-se.

«Não é violência uma mulher que trabalha 12 horas por dia e recebe um salário de miséria? Ou que tem de pedir autorização para poder ir mudar um tampão ou um penso higiénico, porque lhe descontam? Isto não é violência em contexto laboral?»

SANDRA BENFICA

Mas há formas distintas, não menos violentas, que têm um tratamento hipócrita e um exemplo concreto que se dá é, se falarmos por exemplo da prostituição, que dá lucro e da qual não se devia falar apenas no individual, mas do que significa enquanto crime organizado e enquanto negócio, que rende ao proxenetismo muitos muitos milhões de euros anualmente e que serve para alimentar uma tríade de crimes que por aí existem. E nós vemos como está a situação. Conseguimos, lutámos, persistimos no nosso trabalho, não arredamos pé um milímetro relativamente à nossa posição, mas sabemos que se estão a preparar novas tentativas.

Através do lobby do proxenetismo, como vimos recentemente na petição que chegou à Assembleia da República... 

Sandra Benfica: Não é para defender os direitos das mulheres, o que se está a procurar é defender os que querem continuar a lucrar e, particularmente, ampliar os seus lucros, com o negócio da prostituição. Mas se falarmos do tráfico humano, que é uma área de intervenção também muito específica do MDM, já ninguém é favorável e existe um discurso absolutamente hipócrita.

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Lobby do proxenetismo tenta a descriminalização

O Parlamento discutiu esta quarta-feira a legalização do lenocínio a partir de uma petição promovida por Ana Loureiro, dona de uma casa de alterne.

Créditos / Dinheiro Vivo

A petição «Legalização da prostituição em Portugal e/ou despenalização de lenocínio, desde que não seja por coacção» foi a debate na Assembleia da República no Dia Mundial da Criança, quando se sabe, designadamente por estudos internacionais e pela própria proxeneta, que a entrada na prostituição se faz, em média, a partir dos 12 anos.  

Como esclareceu Sandra Benfica, dirigente do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), em Fevereiro de 2020, a intenção do lobby dos proxenetas é «destruir» o ponto 1 do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa, permitindo assim a legalização da mercantilização do corpo das mulheres e o regresso ao «velho sistema das matriculadas», do tempo do fascismo, que de seis em seis meses eram obrigadas a inspecções médicas para continuarem a prostituir-se. 

Além do MDM, o teor do documento discutido esta tarde no Parlamento mereceu a oposição, entre outras associações, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres. Numa nota conjunta, Plataforma e MDM insistem que a petição não só atenta contra a Constituição da República, como contraria um conjunto de outros compromissos e recomendações internacionais. 

Numa posição divulgada sobre o tema, o MDM realça o facto de a prostituição ser um «sistema organizado para o lucro» e «intrinsecamente violento, discriminatório e profundamente desumano». Quanto à coacção, defende que ela é parte integrante do lenocínio. «A prostituição ocorre no quadro de uma relação triangular em que o proxeneta ou o/a proprietário da casa define junto do "cliente" o preço, as condições e a retribuição que a prostituída auferirá, necessariamente inferior àquele», sustenta no documento.

Descriminalizar o lenocínio e ceder face ao turismo sexual transnacional

No «Prós e Contras» do passado dia 20 de Março, Fátima Campos Ferreira pretendeu lançar a discussão sobre a questão da legalização da prostituição, como se a questão fosse novidade. De facto, há dezenas de anos que se discute e não foi por acaso que nunca teve acolhimento legislativo.

Créditos / Istoe.com.br

Esta era a opção pela qual a responsável do programa manifestava simpatia, apoiando implicitamente uma moção congressual da JS, que convidou para o programa.

Porém, como tem sido constatado no passado mais ou menos recente noutros países, os resultados seriam a descriminalização do lenocínio, conferir o estatuto de empresários aos proxenetas e ceder às pressões do turismo sexual internacional, dar força à concepção da mulher-objecto, vítima de exploração e de um tráfico incessante.

Ombrear com a Holanda e a Alemanha nestas opções seria fatal. Não foi por acaso que foi nestes países que a legalização se traduziu num acréscimo da prostituição e do tráfico de menores e jovens mulheres para o negócio legalizado dos proxenetas, e em que as prostitutas não beneficiaram dos apoios sociais antes prometidos.

Segundo Inês Fontinha, «a prostituição funciona em mercado de oferta (prostituta) e procura (cliente) mas nele intervém um terceiro elemento: O organizador e explorador do mercado, o chulo ou proxeneta, o proprietário de casas fechadas, salões de massagens, fornecedor de quartos de hotel ou de estúdios (…)». O negócio da prostituição rende ao proxenetismo milhões de dólares americanos, porque a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais e transnacionais1.

Em Portugal, a actividade de prostituição é exercida de várias formas: a prostituição de rua, em casas de massagens e bares, em discotecas, hotéis e restaurantes que, de forma disfarçada e discreta, servem de bordéis, na forma de agências de «serviço de acompanhantes», que providenciam acompanhantes masculinos ou femininos para ocasiões sociais, podendo os acompanhantes incluir serviços sexuais aos seus clientes. Também a prostituição masculina, tanto heterossexual como homossexual, ocorre de modos e locais diferentes, como bares gay, discotecas e resorts.

Já em Outubro de 2004, alguns empresários da noite, ligados ao ramo da prostituição e do alterne, se movimentaram para introduzir em Portugal um novo modelo de negócio do sexo, que já existia em algumas regiões espanholas e que tinha por finalidade contornar a lei sob o ponto de vista criminal. O Correio da Manhã publicou então uma «investigação» em que apurou tratar-se do aluguer a prostitutas dos quartos de um hotel ou pensão, para fazer da prostituta apenas cliente do proprietário, permitindo ao dono passar ao lado de qualquer acusação criminal, já que, em termos legais, se limitava a alugar quartos.

Segundo essa reportagem, as casas de alterne fechavam na sequência de rusgas policiais, em que quase sempre eram detidas várias estrangeiras ilegais e um ou outro proprietário. Mas numa ou duas semanas as casas apareciam novamente abertas, sendo a titularidade destas de sócios ou amigos dos detidos, vindo as raparigas de outros bares, na sequência de uma circulação que era habitual e que tinha por finalidade tentar iludir as autoridades2.

«A prostituição em Portugal não é reconhecida em lei específica, mas é tolerada a título individual.»

Mas, no ordenamento jurídico português não se criminaliza a conduta da pessoa que se prostitui. Criminaliza-se, sim, a conduta de quem explora (lenocínio) a actividade de prostituição por parte de outra pessoa (proxeneta). Isso está expresso no Art.º 169 do Código Penal em vigor. A prostituição em Portugal não é reconhecida em lei específica, mas é tolerada a título individual.

A punição do lenocínio também decorre da Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, de 1949, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 31/91 (publicada no Diário da República, I série, de 10 de Outubro de 1991).

No que respeita à prostituição de menores, quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menores entre os 14 e os 16 anos, ou a prática por estes de actos sexuais de relevo, e quem aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de menores de 16 anos, ou propiciar as condições para a prática por este, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo, é punido de forma pesada.

O sistema regulamentarista é agora preconizado na moção da JS, sucedâneo do que vigorou em Portugal até 1963, sem alguns dos seus aspectos mais chocantes. Este tinha então como objectivo «sujeitar a rigorosa inspecção as meretrizes» a fim de «prevenir e acautelar os males que resultam para a moral, saúde e segurança pública, da notável relaxação em que se acha esta classe miserável». Pelas cadernetas de identificação e exames compulsivos passaram actos degradantes e atentatórios da dignidade das mulheres3.

Antes disso, já em 1902, o professor Ângelo Fonseca apresentava uma proposta de regulamentação geral das doenças venéreas em que defendia a abolição do sistema de matrículas numa dissertação apresentada na Faculdade de Medicina do Porto. Baseava-se num inquérito realizado nas subdelegações de saúde, que revelava o fracasso do regulamentarismo e dos fins a que se propunha: «a prostituição feminina em vez de diminuir aumentou; o número de matriculadas é diminuto e o número de clandestinas cresce regularmente em especial no Porto e em Lisboa; os regulamentos locais são contraditórios e, sobretudo, não são aplicados; a inspecção sanitária é insuficiente e mal organizada, não cobre sequer as matriculadas e tão pouco abrange as clandestinas e os clientes. O sistema até hoje seguido degrada a mulher, sem que dessa degradação possa resultar profilaxia das doenças venéreas».4

Em 1949, foi elaborada uma dura lei sobre doenças sexualmente transmissíveis (DST) impondo mais restrições àqueles que se prostituíam, e proibindo a abertura de novas casas de prostituição. As casas existentes podiam ser encerradas caso se suspeitasse que podiam ser um perigo para a saúde pública. Um estudo da época estimou que existiam 5276 prostitutas e 485 casas, concentradas nas principais áreas urbanas, nomeadamente Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. No entanto, aquelas prostitutas registadas representavam uma pequena percentagem do total do conjunto. Esta lei pretendia erradicar a prostituição.

Em 1963, o regime fascista proibiu o exercício da prostituição pelo Decreto-Lei n.º 44579 de 19 de Setembro, introduzindo o modelo proibicionista, com o seu rosário de prisões, violações, fecho de casas de passe para os meios operários e outras camadas de estatuto social secundarizado, que coexistia com os «meios» da alta burguesia onde a prostituição, sem referência a tal nome, era praticada. Os bordéis e outras instalações foram encerrados. Esta lei proibicionista punha um termo à era em que a prostituição era regulamentada, incluindo consultas médicas regulares das prostitutas. No entanto, esta lei pouco efeito prático obteve.

Um novo abolicionismo surgiu com a legislação em vigor, através do Código Penal de 1983, que descriminaliza as mulheres que se prostituem, renovado no Art.º 169.º do Código Penal em vigor, que pune, com pena de prisão de seis meses a cinco anos, quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou de actos sexuais de relevo (o chamado lenocínio simples).

Esta conduta é mais severamente punida (com pena de prisão de um a oito anos) se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil, manobra fraudulenta, de abuso de autoridade resultante de uma dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima ou de qualquer outra situação de especial vulnerabilidade (o chamado lenocínio qualificado).

As mulheres que se prostituem têm acesso ao Serviço Nacional de Saúde e a isenções de taxas moderadoras, como qualquer pessoa desempregada, inscrita no Centro de Emprego ou que faça prova de insuficiência económica, ou que não tenha uma carreira contributiva, e descontos nos medicamentos como as restantes pessoas. Isto é garantido sem qualquer disposição particular que as contemple.

O trabalho de «O Ninho», instituição particular de solidariedade social, sempre me pareceu exemplar, agindo com orientações idênticas, pelas acções que tem vindo a realizar num caminho que é lento mas que não pactua com demagogias liberalizantes ou «fracturantes» que são um precioso auxiliar do lenocínio.

Realiza um trabalho de aconselhamento em meio prostitucional, dispondo de um centro de acolhimento, garantiu um lar para mulheres e seus filhos, uma oficina para aprendizagens profissionais, com uma cantina – acções viradas para a reinserção social através do trabalho com resultados muito positivos – e garantindo para estas mulheres um subsídio de reinserção. Tem três acordos de cooperação com a Segurança Social para garantir o funcionamento do centro de acolhimento, com equipas intervindo em meio prostitucional, das oficinas e o lar. E um acordo de cooperação com a CML que garante formação profissional em contexto laboral, elaborado em 2001 com a então vereadora Alexandra Gonçalves, que continua até hoje sucessivamente renovado por unanimidade em reuniões de Câmara.

Para Sandra Benfica, dirigente do MDM, referindo-se aos instrumentos legislativos disponíveis na Europa, «muitos destes instrumentos legais são taxativos na consideração da prostituição como uma forma de violação dos direitos humanos de mulheres e raparigas, bem como na determinação da não valorização do consentimento em matéria de tráfico, pelo que é absoluta contradição a qualificação – seja política, seja legal – da prostituição ou do alegado "trabalho" sexual como consentido ou não consentido. Seria o mesmo que considerar a violência doméstica ou de género como consentida ou não consentida e, como tal, legal.» E aponta que «na prostituição não existem "zonas seguras" para mulheres e raparigas: nos países onde a "indústria do sexo" foi promovida a um negócio legítimo, os proxenetas passaram a respeitáveis homens de negócios, enquanto a situação das mulheres e crianças registou agravamento de todas as formas de exploração e violência a que estão sujeitas.»5

A legalização implicaria, de facto, a descriminalização do proxenetismo, que é actualmente criminalizado, nos termos atrás referidos, contrariando assim a já referida Convenção sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas e Exploração da Prostituição de Outrem, que vincula o Estado português. Foi o que afirmou o juiz P. V. Patto6, sublinhando que «não se limitaria a isso. O exercício da prostituição passaria a ser encarado como qualquer outra profissão, sujeito ao mesmo regime laboral e fiscal de qualquer outra profissão. O proxenetismo deixaria de ser encarado como actividade criminosa e passaria a ter o reconhecimento social e jurídico de qualquer outra actividade empresarial. Com a legalização o Estado transmite uma mensagem cultural: a prostituição equipara-se a qualquer outra profissão, resulta de uma opção autenticamente livre e não implica a violação da dignidade da pessoa humana

Uma participante no «Prós e Contras», do projecto Porto G, defendeu a descriminalização do lenocínio. A tese de doutoramento de outra participante, tendo aspectos interessantes, está muito condicionada pela conclusão, muito pouco fundamentada, de que a prostituição deva ser legalizada. Como, aliás, já expressara em entrevista há oito anos. A regulamentação/legalização é uma narrativa neoconservadora assente numa percepção anarco-burguesa, de fachada fracturante, do fenómeno da prostituição. E a moção da JS, se vingasse como medida legislativa, seria um assinalável retrocesso histórico nos direitos e dignificação das mulheres fazendo delas novamente objectos sexuais e lucrativos para quem as explora.

No actual quadro legal, e trabalhando-se a diversos níveis para que a prostituição se extinga num prazo indeterminado, e na opinião de muitas pessoas que trabalham com mulheres que se prostituem, importa que se progrida: numa acção consequente das organizações que apoiam as prostitutas, com vista à (re)inserção no trabalho, apoio à documentação para garantir serviços de saúde, habitação e lares e escolas para os filhos; que a Segurança Social e as câmaras municipais se disponibilizem para acordos de cooperação com elas e para acções próprias; na isenção de custas judiciais com apoio jurídico gratuito; no combate ao «turismo sexual»; em cursos de educação sexual e planeamento familiar desde idades jovens, direito e acesso universal a serviços de saúde e planeamento familiar; em direitos e salário iguais aos restantes cidadãos.

  • 1. Comunicação ao Congresso Virtual HIV/AIDS em 19/10/2001
  • 2. Correio da Manhã, de 31 de Outubro de 2004
  • 3. «Regulamento Policial de Meretrizes e Casas Toleradas da Cidade de Lisboa»,1858
  • 4. Relatório de Jean Fernand Laurent, a pedido da ONU, 1983
  • 5. Sandra Benfica, Consulta da ONU Mulheres política sobre "trabalho Sexual", comércio sexual e prostituição, Outubro 2016.
  • 6. Pedro Vaz Patto, Prostituição – o quadro legal português, 2013
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«Não existe, portanto, uma relação de prestação de serviços em que a prostituída seja uma "profissional independente», como quer fazer crer a peticionante», acrescenta. 

De um modo geral, as intervenções desta tarde no plenário da Assembleia da República coincidiram na recusa da despenalização da actividade dos que gravitam em torno da prostituição, e que são quem verdadeiramente lucra com esta «forma de escravatura incompatível com a dignidade humana», nas palavras do MDM. 

Já quanto à prostituição, o entendimento é, em várias bancadas, deslocado da realidade, onde o rosto das vítimas de exploração, na sua maiorioa mulheres e meninas, tem marcas de pobreza e de exclusão social. A deputada Ana Patrícia Gilvaz, da IL, referiu-se à entrada na prostituição como uma «livre escolha profissional» e, no típico argumentário dos liberais, advogou que não cabe ao Estado proibi-la. A associação da prostituição a uma profissão tem sido alimentada por quem tenta alterar a legislação a pretexto de uma maior protecção das vítimas. 

São as «trabalhadoras do sexo», na terminologia do BE, que pela voz da deputada Joana Mortágua admitiu não estar de acordo com os termos da petição. Os bloquistas não aceitam «modelos de regulamentação feitos com base no interesse de quem explora», apesar de associarem à prostituição conceitos como «liberdade sexual» e «autodeterminação».

Paula Santos, líder da bancada comunista, alertou para a necessidade de intervir a fim de evitar que mais mulheres caiam nas malhas da prostituição, que «nega liberdade e autonomia» às mulheres. A comunista lembrou que a legalização do lenocício, crime que «anda de mãos dadas» com o tráfico de seres humanos, apenas contribuiria para deixar de punir quem explora, legitimando o «abominável negócio de que as mulheres prostituídas são objecto», e facilitando o crime de branqueamento de capitais. 

A deputada do PCP lembrou a necessidade de prestar apoio às vítimas da prostituição, designadamente o Plano de Combate à Exploração na Prostituição, aprovado na Assembleia da República em 2013, mas que sucessivos governos têm mantido na gaveta. 

Também o MDM tem insistido na necessidade de proteger mulheres e crianças vítimas da prostituição, desde logo com políticas que «assumam e reconheçam a prostituição como uma grave forma de violência» e «indissociável das desigualdades», a par, entre outras soluções, de programas de saída das redes de exploração sexual e das dependências frequentemente associadas.  

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Quem tem este discurso, que considera o tráfico uma coisa absolutamente insuportável – e é, são os mesmos que possibilitam, ao nível do trabalho, as pessoas trabalhem em situações de escravatura, de sobrexploração, sem condições de trabalho e de segurança no trabalho, que se aplicam aos trabalhadores que estão em situação de tráfico e que se aplicam a muitos trabalhadores que não estão em situação de tráfico. São os mesmos que acham que a exploração sexual de crianças e mulheres no contexto de tráfico é uma coisa horrível – e é, mas fecham os olhos e até querem apresentar projectos para validar o negócio dos exploradores, que metem mulheres e crianças no negócio da prostituição. 

Esta é uma luta que não se pode restringir ao exemplo concreto da prostituição, do tráfico, etc., é uma luta que é mais geral e profundamente ideológica, e não se luta contra as violências sem ter todas estas dimensões colocadas.

O facto de ser uma luta ideológica explica o silenciamento e o estigma que denunciam na resolução?

Sandra Benfica: Claro! O MDM sempre foi silenciado, mas não seria de esperar outra coisa, primeiro porque a nossa intervenção tenta não ser superficial, não contribuímos para o sangue que alimenta os jornais e procuramos ter a nossa actividade com grande responsabilidade. E incomoda, como é evidente. 

Tânia Mateus: Mas também incomoda porque [o MDM] sempre contrapôs esta ideia de que o corpo da mulher só é dela quando for para vender alguma coisa, e acho que isto incomoda porque quando se tenta colocar as violências num patamar dual, dos comportamentos individuais, e não tanto no sistema. E esta ideia incomoda. Mesmo em relação à IVG, o corpo só é meu para decidir se eu quero vender o meu útero, mas não para decidir, por exemplo, sobre uma IVG, porque eu não desejo ser mãe neste momento ou nunca. Só nestes momentos não sou plena de decisão, da mesma maneira que decido prostituir-me? É um pouco esta ideia que o MDM procura contrapor e isso vai em contraciclo com aquilo que é dominante, por isso é ignorado. E porque fala do contexto, porque se preocupa em ir às causas e não só as causas do comportamento, naquilo que a Sandra colocava há pouco, da relação dentro de casa. Há contextos que são propícios, se nós vivemos numa sociedade em que se explora, se escraviza e se domina um sobre o outro é muito fácil dominar a mulher pelo homem. Mas não podemos olhar para isto só do ponto de vista do comportamento, mas do contexto. Os contextos políticos, socioeconómicos têm uma influência naquilo que é o comportamento individual, mas não podemos mudar mentalidades e comportamentos se não mudarmos a forma como vivemos colectivamente.

Sandra Benfica: Só para terminar, dizer que temos um lema: os proxenetas não marcham ao nosso lado. Por proxenetas não nos referimos apenas aos que estão encostados na rua a tomar conta, mas de todos. Todos aqueles que conseguem manter redacções de jornais à custa dos anúncios da prostituição nos sites e nas suas páginas. 

Tânia Mateus: Ou de quem defende a legalização do lenocínio, mas no dia 25 de Novembro está na rua a defender os direitos das mulheres contra as violências. 

Sandra Benfica: Mas sente-se um clima diferente relativamente a esta questão. Também já acabou o tempo em que parecia que havia só uns que falavam sobre o assunto. E nós sentimos, porque é uma intervenção nacional e diária do MDM nesta matéria, que há alterações muito significativas, e temos uma nota de esperança, que é a capacidade de atracção à luta que este tema tem, particularmente dos mais jovens: raparigas, mas também rapazes.

«Por proxenetas não nos referimos apenas aos que estão encostados na rua a tomar conta, mas de todos. Todos aqueles que conseguem manter redacções de jornais à custa dos anúncios da prostituição nos sites e nas suas páginas.»

Sandra BEnfica

E, portanto, estamos prontas para prosseguir, alargando, informando, debatendo ideias, com abordagens novas que vêm, mas centradas nisto: não nos interessa só combater as tentativas de lenocínio. Temos que exigir políticas que possam efectivamente, em primeiro lugar, prevenir que mais mulheres venham engrossar o contingente da prostituição no nosso país, e precisamos que o Portugal tenha finalmente um plano nacional de combate à exploração na prostituição. Já foi aprovada na Assembleia da República a ideia e agora falta construí-la, porque as mulheres que estão na prostituição necessitam destes apoios, necessitam de ter efectivamente uma opção se desejarem sair da prostituição, e se tiverem essa alternativa, tem de ser uma alternativa plenamente implementada e a funcionar, que dê respostas a si, e que dê respostas também aos seus filhos, porque nós sabemos quais são os principais obstáculos na vida das mulheres na prostituição, que as retêm na prostituição. Se temos essa identificação, então é preciso que este plano venha resolver este problema. Não é dar-lhes um estatuto de trabalhadora especial, ainda por cima, e assim o direito a passar uns recibos verdes, não se sabe muito bem a quem. 

E é preciso dizer também aos homens que o corpo das mulheres não tem que estar disponível para fazerem com ele aquilo que bem quiserem. Enquanto se alimentar isto, autoriza-se que jovens rapazes e os homens considerem então que se se normalizou ao nível da política, porque é que eles estão impedidos de aceder à prostituição? Isto é um problema muito sério, porque nós sabemos que entre os consumidores de prostituição agravam-se outros problemas que precisam de ser enfrentados. A prostituição continua a fazer-se no nosso país a partir dos 13, 14 anos, e a situação está a agravar-se com a degradação das condições sociais e económicas, mas é preciso dizer que isto não aceitável.

Marx dizia que o nível da civilização humana se pode avaliar pela relação entre um homem e uma mulher. Tendo em conta os números da violência doméstica, em que nível diriam que estamos?

Sandra Benfica: O problema das estatísticas é sempre muito grande. Preocupa-nos o facto de nunca ter havido tanta campanha, tanta sensibilização, tanta iniciativa, e os números continuarem a disparar. Precisamos de ir mais fundo nisto. A percentagem que vem no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) não nos dá outros indicadores que são fundamentais, desde logo do estudo das causas que persistem na vida das pessoas para que [a violência] exista. Já agora, ter aqui também atenção a algo: os números referentes à violência doméstica não se referem apenas à violência na intimidade. Referem-se ao agravamento da violência em contexto doméstico contra os idosos, praticada pelos cônjuges, mas também pelos filhos, e vice-versa. Mas há uma coisa que se sabe. Sabe-se que, de cada vez que se agravam as condições económicas e sociais – não estou a dizer que isto é um fenómeno das pessoas pobres –, agrava-se todo um conjunto de violências na sociedade com o reflexo também na intimidade. E portanto voltamos ao macro, voltamos a esta ideia central: enquanto não se resolverem muitos destes problemas não conseguimos melhorar as estatísticas, nem a vida das pessoas. 

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Entrevista

Teresa Beleza. «Há decisões judiciais indignas de um país democrático»

Feminista e jurista de renome, conversou com o AbrilAbril sobre violência contra as mulheres e aquilo que é necessário fazer para haver uma sociedade em que a opressão das mulheres fique na pré-história do nosso tempo.

Teresa Pizarro Beleza foi a primeira mulher a dirigir a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Criou a disciplina de Direito das Mulheres e da Igualdade Social, introduzida no elenco das cadeiras de opção da licenciatura em Direito. Foi vogal do Conselho Superior do Ministério Público, por designação do Ministro da Justiça. Eleita, por referência de Portugal, para o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT do Conselho da Europa) por um mandato de quatro anos, entre 1999 e 2003, levou a cabo missões de fiscalização das condições de detenção sob autoridade pública em vários países, nos termos da Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes. 

Há mais assédio sexual hoje do que havia nos seus tempos de faculdade?

Se «…os meus tempos de faculdade…» significa quando eu era estudante universitária, a resposta é: não sei. Não tenho dados objectivos fiáveis, estatisticamente significativos, para dar uma resposta séria. Mas, em termos de intuição e experiência, diria que é provável que a variação quantitativa não seja muita. A percepção e sobretudo a publicitação de um fenómeno que todas ou quase todas as mulheres conhecem é que certamente terão mudado. E muito.

Por que razão é que só agora as questões do assédio sexual parecem ter-se tornado visíveis?

Não se tornaram visíveis só agora. Mas na verdade o grau de visibilidade acentuou-se muito com um certo renascer recente do feminismo. Simplificando, porque «feminismo» é tudo menos coisa simples ou unitária. Há múltiplas e muito diversas correntes que cabem nesta designação genérica. Sendo na verdade coisa antiga, o feminismo (ou os feminismos, talvez melhor dizendo) nem sempre se centrou na atenção à violência e ainda menos ao assédio sexual, que por vezes se fala, e bem, em outro(s), incluindo na legislação do trabalho, por exemplo. Quando John Stuart Mill denunciava no parlamento britânico a violência conjugal mortífera que se abatia sobre as mulheres, ou declarava solenemente que não exerceria sobre a sua mulher os poderes que a lei lhe concedia, caso Harriet Taylor aceitasse casar com ele, era uma voz solitária e rara. Não por acaso autor do magnífico ensaio «The Subjection of Women» (1869), Stuart Mill ainda é hoje – em meu entender – muito pouco conhecido nesta sua faceta, mesmo por parte dos teóricos da Ciência Política, quantas vezes distraídos, ou simplesmente ignorantes, em matéria de relações de género. A União Europeia começou a tentar publicitar e combater o problema do assédio nos locais de trabalho há muitos anos e encarregou um investigador, cujo nome não recordo com exactidão, Michael Rubinstein, creio, de andar pelos vários países da União Europeia antes de esta o ser, incluindo Portugal – passa-se no final dos anos 80, se não erro –, a explicar que o assédio existia (coisa que muitas mulheres, como as operárias, que ouvi pessoalmente depor nessas sessões, estavam fartas de saber). A afirmar sobretudo que era coisa ruim, não aceitável. Nós também sabíamos, mas por timidez, vergonha ou experiência de indiferença ou desconsideração de quem  pudesse ouvir, não tínhamos o hábito de nos queixar, muitas vezes nem de simplesmente contar.

Eu fui vítima, em jovem, quando andava muito pelas ruas, ou nos transportes públicos (metro, autocarros), de vários actos de atentado ao pudor (seria a designação oficial segundo a Lei Penal então vigente) e nunca apresentei queixa, nem sequer me ocorreu. Acontece que, com todas as variações no espaço e no tempo, as mulheres sempre foram educadas para a submissão e simultaneamente para a sedução ma non troppo, e os homens para o domínio e para verem as mulheres como propriedade sua, em casa, na cama ou na rua. E por isso, as agressões verbais ou físicas que quase todas as raparigas sofreram na rua ou no trabalho foram suportadas ou ignoradas, tantas vezes com vergonha das próprias, porque tudo apontava para a sua culpa, provocação. Até o Código Penal, em 1982, nas disposições sobre crime de violação, insinuava que a probabilidade era de provocação por parte da vítima, constituindo uma circunstância atenuante específica desse crime, um dos mais graves e humilhantes para qualquer mulher (ou homem, aliás), alterado em 1995. Aliás, a violação era, na versão originária do Código Penal da democracia, o tal que que toda a Assembleia da República considerou maravilhoso e excelente – excepto quanto ao aborto e não pagamento de salários, cuja regulação ou falta dela foram contestadas pelo Partido Comunista –, o furto qualificado (sem violência) era mais grave que a violação ou que ofensas corporais graves. Isto é, o furto de um relógio valioso era legalmente mais grave do que cortar o braço de quem o ostentava. Cortar, mesmo, arrancar, a vítima ficar sem o dito…

Fartei-me de refilar, por escrito e oralmente, mas só em 1995 o legislador percebeu, como quem faz uma grande descoberta, o rematado disparate, obviamente inconstitucional, que tinham feito uns bons anos antes… E os juízes, presumo, muito entretidos na sua elaborada dogmática tese (?), aprendida nas faculdades de direito, aparentemente não deram por nada anos a fio. Do assédio, o legislador nunca ouvira falar, não sabia o que era, nem fazia ideia, presumo. Acharia talvez que se tratava de amáveis galanteios que os homens faziam às mulheres e elas até gostavam. As raras e improváveis queixas ou os eventuais protestos viriam certamente de feministas assanhadas, por definição«“feias» (Mário Soares, in illo tempore) e invejosas da atenção de que as suas rivais eram objecto.

Quais são as condições sociais, políticas, educativas e jurídicas que podem erradicar práticas e comportamentos que considerem as mulheres uma espécie de propriedade do homem?

Uma revolução civilizacional, que faça reverter hábitos, convicções, teorias, tradições, costumes e leis de séculos, ou melhor, de milénios. Coisa simples, como se vê. Michelle Rosaldo, uma brilhante antropóloga, infelizmente morta num acidente de trabalho de campo, verificou que em todo o mundo havia uma enorme variação do que era considerado atributo masculino e feminino, mas que uma coisa era constante: a suposta superioridade de tudo o que estava associado ao masculino, isto é, ao homem.

Há uma série de sentenças em tribunais portugueses, umas mais antigas (a célebre coutada do macho latino) e umas mais recentes, que mostram um posicionamento bastante machista da justiça (por exemplo no livro Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual, de Isabel Ventura.) Isso é verdade? Há algo que se deva mudar na lei, ou apenas na formação dos magistrados?

Não era a «coutada do macho latino», mas a «coutada do macho ibérico», se quer citar a expressão usada num Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaSTJ sobre um caso de violação de duas turistas jugoslavas que pediam boleia numa estrada do Algarve e foram vítimas de energúmenos locais. Tive então a paciência de discutir esse caso, e semelhantes, num programa de televisão que me granjeou o epíteto, de que muito me orgulho, de «Jurista Ás» por parte do saudoso Mário Castrim, no seu papel de observador e crítico televisivo. As raparigas seriam, naturalmente, culpadas da agressão brutal dos moços, coitadinhos, que não resistiram aos seus naturais e desculpáveis impulsos de machos de sangue quente, donos e senhores de qualquer fêmea que se aventurasse na sua… coutada.

Sempre me interroguei sobre o que pensariam suas excelências reverendíssimas, digo, meritíssimas, que assinaram tal dislate sob a forma de acórdão do nosso mais alto tribunal, dos seus próprios filhos e filhas, se acaso os tivessem. As leis portuguesas não estão mal de todo, mas podem e devem ser melhoradas em muitos aspectos, designadamente no cumprimento das obrigações assumidas quando da ratificação da Convenção de Istambul, de 2011. Em primeiro lugar, uma muito diferente da actual compreensão da dignidade e liberdade de todas as pessoas, seja qual for a cor, o sexo, o género, e por aí fora. Ainda estamos bem longe disso, que parece tão evidente como no belo e tão esquecido texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Jean-Michel Folon, o genial artista belga que ilustrou uma das mais belas edições da DUDH, que conheço (1988, ed. Fondation Folon, Bruxelas), com apoio da Amnistia Internacional, escrevia: «Tout le monde en parle, personne ne la lit».

É altura de, a pretexto de aniversários redondos ou de qualquer outra coisa, relê-la e celebrá-la. E, sobretudo, de a levar a sério, e pô-la finalmente em prática.

Mas a formação dos magistrados é absolutamente essencial, porque já se tornou por demais evidente que ainda hoje há decisões judiciais absolutamente indignas de um país que se diz ser um Estado de direito democrático e tem uma Constituição da República correspondente, que aliás recebe expressamente no seu texto a Declaração Universal como ponto de referência interpretativo privilegiado em matéria de direitos liberdades e garantias.

Nos anos 60, as mulheres reivindicavam o seu direito a ter a sexualidade que entendiam. Actualmente, há uma luta contra o abuso sexual, sendo que uma reivindicação não é contraditória com a outra. Não se verifica, no entanto, em algumas franjas do movimento feminista, uma certa infantilização da mulher e de fazer dela sempre uma vítima? Não existe uma séria deriva em considerar que toda a relação heterossexual se faz num quadro de abuso estrutural?

Depende. Se com essa afirmação se quer dizer que as relações heterossexuais existem num contexto geral de um sistema que ainda hoje se pode descrever e caracterizar como patriarcado, então a afirmação é, obviamente, verdadeira. Tal como se afirmar que uma relação entre um branco e um negro nos EUA existe num contexto estrutural racista. Ou entre um capitalista e um operário num contexto geral de classismo, isto é, de diferenciação entre classes sociais (isto dito de forma simplista, claro, é necessário fazer análises muito mais finas, mas não é este o lugar). Como não reconhecer coisa tão óbvia!? Assunto diferente é o reconhecimento de que as relações individuais – no plano micro, se quiser – podem sempre escapar ao modelo hegemónico, em qualquer destes casos. Há quem o negue, pois claro. Também há quem recuse as vacinas e jure que a Terra é plana, ou que Darwin era doido, que Deus nos criou assim tal e qual, etc. Nem todos os relacionamentos amorosos (ou outros) entre um homem e uma mulher são necessariamente violentos e desiguais como, aliás, nem todos os casais do mesmo sexo são harmoniosos e livres de domínio ou violência. Só quem for muito distraído, ou pouco esclarecido sobre estas coisas, pensará que assim é. Digo eu, é claro, que não me imagino particularmente iluminada, mas ando a estudar e a pensar nisto tudo há muitos anos e tenho a veleidade de ter percebido algumas coisas.

Como conseguiremos criar condições para dar a palavra às mulheres que são vítimas de assédio sexual e ao mesmo tempo garantir a presunção de inocência dos acusados? Como é possível distinguir o quadro da denúncia de uma «cultura de violação» com o quadro individual das acusações concretas?

A palavra não se «dá» às mulheres. Nunca se deu, são as mulheres que a tomam para si, como sempre fizeram, em geral, com os direitos que lhes foram negados. Mesmo se em certos casos se pode falar numa espécie de feminismo de Estado num país, como Portugal, em que a relativa fraqueza dos movimentos feministas – dos movimentos sociais, em geral – se aliou ao centramento da Revolução de 1974 na questão política, no sentido mais estreito desta expressão, levando a que alguns avanços, na senda da igualdade de género (como hoje tendemos a dizer), se tenham dado de cima para baixo. O exemplo mais óbvio será certamente a Revisão do Código Civil, em 1977, aliás em obediência a um comando constitucional de igualdade e não discriminação, sobretudo nas áreas das leis da família e sucessões.

As questões do abuso sexual e do assédio são resolvidas por uma igualdade de poder entre homens e mulheres ou estão presas a comportamentos biológicos e sociais que exigem mais do que uma, ainda assim revolucionária, democratização do poder?

A «democratização do poder» é, como bem sabe, coisa complexa. Desde logo a expressão pode soar oximorónica, porque na democracia total não haveria poder de umas pessoas sobre as outras. Deixando de lado a discussão de possíveis utopias ou distopias, a verdadeira «igualdade de poder entre homens e mulheres» pressupõe que essa distinção deixe de fazer sentido, isto é, que as pessoas deixem de ser identificadas pelo seu sexo - ou mesmo género – como obviamente, para mim, é o caso da desacreditada raça. Não é pelo facto de o conceito científico de raça ter sido posto em causa pela ciência, e como tal abandonado com toda a sua lógica de superioridade e inferioridade, que floresceu com o colonialismo e o imperialismo e perdura em tantas sociedades e de tantas formas tão variadas e complexas que é impossível analisar aqui, que deixou de existir racismo, com a intrínseca racialização de grupos populacionais, como a ECRI (European Commission against Racism and Intolerance, do Conselho da Europa) passa a vida a lembrar nos seus Relatórios e Recomendações.

O problema é transversal a toda a sociedade ou tem pesos diferentes nos mais cultos e menos cultos, nos mais ricos e menos ricos, nos de esquerda ou de direita?

É certamente transversal, o que não significa que se manifeste sempre da mesma forma ou que não haja modos e maneiras mais típicos de meios sociais mais ou menos diferenciados, exactamente como muitos outros, senão todos, os fenómenos sociais.

Existem progressos nesta matéria e há razões para optimismo?

Progressos? Sim. O reconhecimento público e a sua regulação legal, retirando pelo menos alguma boa parte da legitimidade às indiscutidas ou quase práticas tradicionais. Se há razões para optimismo? Depende dos dias… Será melhor dizer: pensa como inteligente, céptico e realista, age e prega como cheio de esperança e optimismo. É que, como num plano mais geral de direitos e de democracia já se vem infelizmente tornando óbvio, nada é adquirido, nunca. Até os famosos «acquis», com que a União Europeia gosta de encher a boca e os discursos, se podem esfumar de um dia para o outro. Basta olhar para Leste e mesmo para outras bandas. Mas, como escrevia Manuel Laranjeira (por acaso um rapaz pessimista que se matou, como se sabe) em «Comigo»:

«Mas ouve, alma; p'ra viver
e ser feliz é preciso
fitar a mentira e crer
como alguém que sem Juízo
olha p'rá terra e a vê
convertida em paraíso»

São estes os versos com que fechei a minha dissertação de Mestrado em Criminologia, na Universidade de Cambridge, há muitos anos. Era sobre outro assunto, A Lei Penal na Reforma Agrária em Portugal, mas as dúvidas sobre optimismo tinham alguma semelhança.

Alternativa? Ir com outro Manuel, o Bandeira, para Pasárgada. «Lá moro na casa do Rei…».

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Nuno Ramos de Almeida

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O RASI (2018) diz algo assim: 40% das intervenções dos órgãos de polícia criminal no contexto de violência doméstica encontraram situações de alcoolismo e de estupefacientes. Não estou a dizer que estes consumos desculpam este comportamento, porque a violência é sempre inaceitável. Mas nós queremos ir às causas e à sua resolução. E perguntar-se-á o que aconteceu, por exemplo, aos serviços de atendimento, não só no SNS, mas também noutros institutos, relacionados com o problema do alcoolismo e de estupefacientes. Perguntar-se-á onde estão disponíveis os serviços, por exemplo, de saúde mental. É que mesmo nas situações em que há uma denúncia, os serviços não funcionam, há subfinanciamento total, não há uma rede - a rede que existe não é uma rede pública. É uma rede que vive da entrega a privados de diferentes naturezas jurídicas, com financiamento público, mas que funciona mediante haja ou não financiamento. Recentemente, o MDM esteve a dar formação a 15 técnicos de um universo da Câmara Municipal de Lisboa que se relaciona directamente com esta problemática. Os trabalhadores manifestaram-se interessados e no fim perguntaram o que fazer. Perguntámos pelo protocolo interno e não conheciam. Portanto, a descoordenação dos serviços, a articulação quase inexistente, a campanha que se fez em torno da formação dos técnicos e que nós conseguimos provar que é baixíssima... ou seja, falta coordenação, articulação e reforço destes serviços, integrados numa rede pública. E depois a questão da reincidência. Como é que é feito este acompanhamento? A ideia é apenas punirmos ou evitar que volte a acontecer?

Tânia Mateus: Só acrescentar um aspecto que saltou de um seminário que realizámos em 2021, que é revelador. Estas estruturas de apoio à violência são asseguradas por instituições que proporcionam estas respostas às mulheres em nome do Estado, financiadas para tal, mas esse nível de atendimento e de apoio só é dado em função da janela de financiamento que têm por parte do Estado e de fundos comunitários. Muitas delas estão confrontadas com alturas em que não há financiamento, portanto não conseguem manter aquela estrutura a dar aquela resposta. Não conseguem manter, não há mais ninguém a dar resposta, e isto também nos coloca perante um problema que é, nós estamos entre janelas de fundos comunitários e agora há um hiato, não há financiamento para ninguém. Isto é, há diminuição de respostas e de apoios que fazem parte da rede nacional, mas que não estão a funcionar ou têm horários das 9h às 13h, porque efectivamente aquela associação sozinha não tem condições financeiras para assegurar um funcionamento e prestar um serviço público, em nome do estado e sem financiamento. Significa que, tanto em campanhas de prevenção como de intervenção concreta, o nível de resposta diminui consideravelmente sempre que há desinvestimento. 

Mas a expressão de Marx é exactamente aquilo que estávamos aqui a colocar: é que há um conjunto de dimensões colectivas que são reveladoras do comportamento das pessoas. E se há algo que a vida nos demonstra é que sempre que há maiores crises e fragilidades há uma acentuação das condições de violência, e isso está intimamente ligado com a diminuição das funções e dos serviços públicos. 

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«A igual­dade e os di­reitos pelos quais as mulheres tanto têm lu­tado não só tardam a chegar como so­frem pro­fundos re­tro­cessos», critica o movimento, através de comunicado.

«Lutamos por trabalho com direitos, sem precariedade, por aumento dos salários, e pensões, por horários de trabalho com tempo para a família e para nós; lutamos por creches gratuitas, por educação pública e de qualidade, por habitação condigna e compatível com o salário; lutamos pelo acesso a cuidados de saúde, pelo direito a ter filhos em segurança, nas maternidades do Serviço Nacional de Saúde; lutamos pelo combate eficiente às violências sobre as mulheres, em casa, no trabalho, na internet, na rua», refere o movimento no tempo de antena preparado para o 8 de Março. 

A manifestação nacional do Dia Internacional da Mulher, convocada pelo MDM, acontece este sábado, pelas 14h30, na Praça da Batalha, no Porto, e à mesma hora, mas no dia 11 de Março, na Praça dos Restauradores, em Lisboa. 

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A situação piora no que toca à realidade das mulheres trabalhadoras (a percentagem aumenta para 17,8%): são já «mais de metade dos trabalhadores com vínculos precários (53,5%)». 

Qualquer que seja a faixa etária em análise, as mulheres são as primeiras vítimas da precariedade, sendo a situação particulamente grave entre as jovens trabalhadoras menores de 35 anos (37,5%) e, de entre estas, principalmente para as menores de 25 (61%).

A Comissão para a Igualdade da CGTP ressalva que, há apenas um ano, a «incidência da precariedade era semelhante entre homens e mulheres trabalhadores», o que significa que a situação das mulheres se está a deteriorar a um ritmo muito mais significativa do que à dos homens.

Entre os dias 6 e 10 de Março, a CGTP-IN está a promover uma Semana da Igualdade. Sob o lema «Aumentar os salários para a vida mudar e a igualdade avançar!» vão ser realizadas centenas de acções em todo o País, entre protestos, plenários e concentrações, em torno da questão da igualdade entre homens e mulheres.

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E como se justifica uma disparidade tão grande entre os escalões mais elevados e os mais baixos? Entre os trabalhadores mais qualificados, o diferencial é maior em termos percentuais: 24,5% entre os quadros superiores, 14% entre os quadros médios e 16,5% nos profissionais altamente qualificados.

Simples. A existência de um salário mínimo nacional (52% destes trabalhadores são mulheres) limita significativamente a capacidade de empresas discriminarem nas remunerações de homens e mulheres.

 As trabalhadoras que auferem salários acima do mínimo também têm salários muito baixos:  «58% aufere no máximo 800 euros de salário base mensal bruto e até aos mil euros são 72%, percentagens ainda mais elevadas do que entre os homens trabalhadores».

Esse mesmos baixos salários têm influência na natalidade e no acesso aos direitos à parentalidade. «Dados dos Censos 2021 revelam que o número de filhos é maior entre progenitores que completaram o ensino secundário ou pós-secundário e superior, uma vez que os salários, ainda que aquém do que deviam ser, são mais elevados do que entre os trabalhadores com menos habilitações».

Portugal continua a ser um dos países da União Europeia onde se trabalha mais horas por semana a tempo completo: 41 horas semanais (podendo chegar às 43h em alguns sectores

Cerca de 58% de todos os assalariados portugueses trabalham entre 36 e 40 horas (esta percentagem inclui o trabalho a tempo parcial, alerta a CGTP) e 17% trabalham 41 ou mais horas, um tendência que se vem agravando nos últimos anos, apontam dados da Eurostat, Labour Force Survey e Instituto Nacional de Estatísticas (INE).

35 horas: Uma luta para continuar!

Eles sabem que a redução do horário de trabalho foi, por norma, conquistada nos locais de trabalho e só mais tarde transposta para a lei.

Os trabalhadores e trabalhadoras da Administração Pública reconquistaram o horário das 35 horas de trabalho semanal. Este é um dos exemplos mais notáveis de que vale a pena lutar e que nada está perdido para todo o sempre.

Os trabalhadores, particularmente da Administração Local, acreditaram, resistiram, lutaram e ganharam. Primeiro, garantido as 35 horas em muitos locais de trabalho, depois, assegurando a sua consagração na contratação colectiva (ACEP) e, finalmente, criando as condições para que fossem fixadas em definitivo na lei.

Este sentimento de esperança e confiança, que rapidamente se transformou em reivindicação e acção, contou com o inestimável apoio dos autarcas da CDU e foi determinante para a reafirmação da autonomia negocial do poder local democrático, a sensibilização de muitos colectivos municipais de outras forças políticas, o pronunciamento do Tribunal Constitucional, que pôs termo aos bloqueios, má fé e prepotência do Governo do PSD-CDS e o compromisso eleitoral da reposição das 35 horas, em que os partidos que integram a maioria de deputados na Assembleia da República tiveram uma intervenção importante.

Mas este processo, marcado por um confronto ideológico permanente, teve ainda como consequência a reconquista das 35 horas, sem cedências de qualquer tipo.

Um facto que é indissociável da coerência, firmeza e fidelidade a princípios dos que, mesmo nos momentos mais difíceis, não cederam a supostas facilidades e rejeitaram as «adaptabilidades» e os bancos de horas.

Uma vitória que ganha ainda mais significado, não só porque contraria a desregulação dos horários defendida pelo patronato, como inverte o sentido da ofensiva do aumento da jornada de trabalho em curso na Europa, designadamente em França e na Bélgica.

Da reposição à conquista

Reconquistadas as 35 horas para a generalidade dos trabalhadores da Administração Pública, este é o tempo de lutar pela conquista deste horário para os que trabalham no Estado com contrato individual de trabalho e os assalariados das empresas públicas e do sector privado.

É considerando este novo cenário que os partidos da direita, o grande patronato e a troika já não conseguem esconder a sua inquietação e desespero. Têm medo que a dinâmica reivindicativa em torno das 35 horas ganhe uma nova centralidade nas prioridades da luta dos trabalhadores.

Eles sabem que a redução do horário de trabalho foi, por norma, conquistada nos locais de trabalho e só mais tarde transposta para a lei.

E não desconhecem que, há dezenas de anos, ainda antes da aplicação das 35 horas na Administração Pública, já a luta dos trabalhadores de empresas do sector privado, tinha assegurado, na contratação colectiva, este e outros horários inferiores às 40 horas.

Foi assim em muitas empresas, nomeadamente da indústria, do sector empresarial do Estado, do sector bancário e segurador, da hotelaria e turismo, do ensino particular.

Horários que se mantêm e confirmam que é possível articular a redução do horário de trabalho com a resposta às exigências de produtividade.

A vida já demonstrou que o desenvolvimento tecnológico, a qualificação da força de trabalho e a aplicação de técnicas cada vez mais sofisticadas no processo produtivo e em toda a actividade económica, permitem uma redução do tempo de trabalho, sem perda de remuneração para os trabalhadores de todos os sectores de actividade.

A redução do tempo de trabalho é uma resposta às necessidades sociais, porque aumenta o bem-estar e possibilita uma melhor articulação entre a vida profissional e a vida familiar e pessoal; é uma resposta às necessidades económicas, porque permite a melhoria da produtividade, com menos fadiga dos trabalhadores e ainda a absorção de parte da população desempregada.

O futuro constrói-se valorizando os trabalhadores!

A luta pela redução da semana de trabalho para as 35 horas, insere-se no processo de harmonização social no progresso e uma apropriação colectiva dos ganhos científicos e técnicos. Trata-se de uma opção política que importa concretizar, no quadro da mudança de política que se deseja e exige.

Esta é uma luta por um futuro liberto da política de baixos salários e de longos horários. Um país não compensa a sua menor produtividade por ter uma estrutura produtiva débil, assente em sectores com menor incorporação de valor acrescentado, menor inovação e menor conteúdo tecnológico, com menores salários e com mais horas de trabalho. Pelo contrário, esta é uma política de baixa produtividade, que tão ruinosa tem sido para o país, e com a qual importa definitivamente romper.

Por isso, urge assumir um novo rumo político, económico e social, investindo na produção nacional, no emprego estável e seguro, no aumento geral dos salários, no respeito pelos horários de trabalho, na aplicação das 35 horas semanais a todos os trabalhadores dos sector público e privado e no desbloqueamento da contratação colectiva. Este é o caminho certo e seguro para pôr a economia a crescer e responder às necessidades e anseios dos trabalhadores, do povo e do país.

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No dia em que os trabalhadores vêem repostas as 35 horas, publicamos um artigo de opinião de Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP-IN.
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35 horas: uma vitória dos trabalhadores
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«As mulheres trabalhadoras têm uma duração de trabalho habitual apenas ligeiramente mais baixa», refere a CIMH da CGTP, do que os homens trabalhadores: 40 horas em média, 41 horas nos sectores agrícolas, produção animal, caça, floresta e pesca. No entanto, continuam a ser as mulheres que, no seio familiar, desempenham mais frequentemente as tarefas domésticas, um outro aspecto da discriminação de que são alvo.

A desgovernação horária que afecta a larga parte dos trabalhadores portugueses fica evidente no número absurdo de pessoas forçadas a trabalhar à noite e ao fim de semana: 1 milhão e 800 mil trabalhadores por conta de outrem laboram por turnos, à noite, ao Sábado ou ao Domingo (ou numa combinação destes tipos de horários). Destes, 872,6 mil são mulheres (49% do total).

«Mais de 737 mil mulheres trabalham ao Sábado, cerca de 484 mil ao Domingo, perto 409 mil ao serão, 320 mil por turnos e 157 mil à noite».

«É entre as mulheres que este tipo de horários mais tem crescido nas últimas duas décadas, abrangendo 41,4% do total das mulheres assalariadas em 2021, percentagem que sobe para cerca de 45% nos serviços, sector que abrange 90% das trabalhadoras com este tipo de horários no total das actividades». Na agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, são 31,5% as mulheres com este tipo de horários, na produção industrial, 23,6%.

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