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A culpa não está numa mulher

Independentemente das qualidades (ou da falta delas) de Ana Paula Martins, o estado a que se chegou no acesso a cuidados de saúde é resultado de décadas de desvalorização do SNS e dos que o põem a funcionar.

CréditosManuel de Almeida / EPA

O título deste editorial é emprestado de outro nosso, esse sobre o escândalo do BES, em que Ricardo Salgado nada teria podido sem a conivência de quem assumiu cargos políticos jurando salvaguardar o interesse do País. O mesmo repete-se agora na saúde. Independentemente das qualidades (ou da falta delas) de Ana Paula Martins, o estado a que se chegou no acesso a cuidados de saúde é expoente de anos de políticas de desvalorização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e dos que o põem a funcionar. Foram décadas em que sucessivos governos (PS, PSD e CDS-PP) cortaram orçamento, não protegeram carreiras nem acautelaram a sangria de profissionais daí decorrente, ao mesmo tempo que foram sendo canalizadas cada vez mais verbas para o negócio privado da saúde. Estas são denúncias que costumamos ouvir das classes profissionais, designadamente médicos e enfermeiros, desde logo nas acções de luta que as televisões sempre noticiam de forma enviesada, colocando o ónus da paralisação pontual nos que todos os dias vestem a camisola para que o SNS continue a ombrear com os melhores da Europa. 

«A tragédia ocorrida na semana passada, em que uma mulher faleceu depois de ter tido alta hospitalar, com a sua bebé a morrer pouco tempo depois, deixa-nos muito longe do País com futuro que ambicionamos e pelo qual muitos continuam a lutar, e que terá um momento alto, este sábado (...).»

Na prática, a falta de investimento vê-se nas filas de utentes a pernoitar junto aos centros de saúde para aceder a uma consulta, na falta de médicos de família, nas longas listas de espera, nalguns casos a exceder o tempo máximo recomendado para consultas de especialidade ou para intervenções cirúrgicas, e no já costumeiro (mas inadmissível) encerramento de urgências e maternidades, o que leva a que este ano já tenhamos atingido o recorde de partos em ambulâncias, em casa ou mesmo na rua. 

A tragédia ocorrida na semana passada, em que uma mulher faleceu depois de ter tido alta hospitalar, com a sua bebé a morrer pouco tempo depois, deixa-nos muito longe do País com futuro que ambicionamos e pelo qual muitos continuam a lutar, e que terá um momento alto, este sábado, na marcha nacional em Lisboa contra o pacote laboral, por uma vida melhor. 

A ministra da Saúde tentou escamotear a gravidade do que aconteceu valendo-se do populismo que saltou das tascas para a Assembleia da República e se impregnou nos dias. Hoje sabemos que o hospital Amadora-Sintra é uma das quatro unidades do SNS sem sistema informático de partilha de dados. Sabemos também que, apesar de toda fragilidade em que resiste, o Governo do PSD e do CDS-PP prepara um corte de 10% no SNS, por via do Orçamento para 2026, documento que já mereceu a viabilização, via abstenção, do PS. Isto, quando se sabe também que a dívida da saúde vem crescendo, fruto do subfinanciamento crónico. A proclamação de que o problema não se resolve «atirando-lhe dinheiro para cima» é apenas retórica. O que vale é a opção de reforçar o público para o bem de todos, porque sem ovos ninguém come omeletes. 

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