|Luís Cristóvão

Não é assim que se resolve?

O momento é de afirmação de que a alternativa existe, de que a esquerda não morreu e de que é o profundo conhecimento da realidade e a coragem de a enfrentar, exatamente onde ela possa parecer contrária aos interesses de quem tem o poder, que marcarão a diferença para o futuro.

CréditosAndré Kosters / Agência Lusa

«Não é assim que se resolve», disse Alexandra Leitão, segundo o Público de hoje, quando, impedida de sair da Rua Augusta devido à presença de manifestantes que exigiam uma tomada de posição perante a captura dos cidadãos portugueses pelo Estado de Israel, regressava ao local onde decorreu um dos debates autárquicos de Lisboa. Existindo muitos momentos onde poderíamos dizer o mesmo, escolho esta frase para demonstrar uma morte de um posicionamento à esquerda que não é reconhecido por ninguém com o mínimo de ambições de encontrar uma política alternativa de esquerda no nosso país e na Europa. 

O «Não é assim que se resolve» é uma fronteira que fica demarcada na vida de cada um. Quantas vezes perante protestos válidos, em situações de injustiça, fomos confrontados com a ideia de que não é assim que se resolve. Que talvez amansando a voz, simulando a pertença a um meio mais favorável, resgatando uma ou outra amizade de conveniência, se ficasse mais perto de «resolver» o que nos perturba. A verdade é que muitos pretenderam seguir esse caminho, normalizando-se, integrando-se, apenas para perceber que esse seria um terreno onde, na verdade, nunca nada acabaria por se resolver. Que esse convite a comer na mesa dos grandes estava quinado pela falta de comida que veríamos no prato. 

«Alexandra Leitão, e tantos como ela, acredita que é na distorção da realidade para a enclausurar num discurso morno e assimilável por todos que a resposta se encontra.»

Enfrentamos um momento político e social que exige respostas claras sobre a forma como nos posicionamos. A falta de confiança na democracia e nas suas soluções advém de décadas de conversa paternalista sobre o como resolver, o como se comportar, o saber estar que acaba, dia sim, dia sim, por beneficiar a manutenção do status quo. Esse mundo imperturbável onde a história teria acabado, no entanto, foi travado. Na intimidade das nossas famílias, no sossego das nossas casas, nas relações profissionais que mantemos, nos espaços de lazer e, finalmente, na forma como olhamos a política. Acreditar que existe um espaço onde o seguir do manual do bom seguidor do mestre é, hoje, uma falácia que nos vai sendo cobrada a alto custo. 

Alexandra Leitão, e tantos como ela, acredita que é na distorção da realidade para a enclausurar num discurso morno e assimilável por todos que a resposta se encontra. A busca do poder através da abstração das dores e das queixas reais das populações. A quem a ela se junta nessa ideia de que um lugar na mesa dos grandes servirá para nos levar a algum lado, prevejo outra enorme desilusão.

O momento é de afirmação de que a alternativa existe, de que a esquerda não morreu e de que é o profundo conhecimento da realidade e a coragem de a enfrentar, exatamente onde ela possa parecer contrária aos interesses de quem tem o poder, que marcarão a diferença para o futuro. Porque o lugar onde se transforma o mundo está na mente das pessoas. E é fundamental fazer com que as pessoas acreditem que se pode mesmo resolver uma injustiça quando a sentimos na pele. 


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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