Estamos a chegar à discussão do Orçamento do Estado. De onde foi afastada – há largos anos – a discussão detalhada sobre o quadro plurianual de investimentos públicos (chamava-se PIDDAC). Esse afastamento teve várias más consequências, a mais grave delas o ter ajudado a disfarçar o facto do investimento público ter diminuído drasticamente (quase na inversa proporção do número cada vez maior de programas de investimento, tipo Ferrovia2020, PRR, Portugal2030...). Outra consequência é ter ajudado a criar uma tendência de que todos os problemas nacionais têm uma solução por via de uns benefícios fiscais ou de uns apoios dirigidos.
O Plano da Ferrovia Nacional foi hoje discutido na Assembleia da República. A ausência de análises críticas relativas aos projectos por concretizar como a ausência de investimentos marcam um plano que é a sequela de um falhanço. Após processo de consulta pública, por agendamento do PCP, o Plano da Ferrovia Nacional (PFN) foi hoje alvo de debate na Assembleia. Neste, o ministro das Infraestruturas, no seu habitual estilo, alguém de um discurso proclamatório pela extensão do PFN que irá até 2050, procurou esconder os atrasos na melhoria da ferrovia com uma normal morosidade na conclusão de obras, e a todos os que apontavam para a ausência uma estratégia profunda, apenas alegou que isso é cair num criticismo - mesmo havendo propostas concretas. O PFN vem na sequência do desastroso programa Ferrovia 2020 que fora lançado em 2016 e tinha data de conclusão marcada para 2021, mas apenas concluiu 15% dos investimentos previstos. Se o passado foi assim, é esse mesmo passado que não augura nada de bom para o PFN e as suas opções estratégicas. Parece que o grande plano é a resposta a um falhanço, de tal forma que contempla aspectos que o programa Ferrovia 2020 já contemplava e não executou. Este foi o elemento que a esquerda, tanto PCP como BE, pegaram hoje na Assembleia da República. A tónica do debate, à excepção dos soundbites habituais, das fúteis preocupações ou do ataque à CP, elementos já clássicos à direita. A necessidade de um investimento e de uma visão estratégica para a ferrovia nacional apontada pelo PCP foi algo reconhecido pelo ministro, assim como foi também a culpa do proṕrio PS na destruição da mesma. Apesar disto, João Galamba usou como chapéu a previsão de obras, ignorando a derrapagem já conhecida de tantas outras, e sobre isso pouco quis justificar. Para o PCP, segundo Paula Santos, «os problemas da ferrovia não se resolvem com discursos mais ou menos eloquentes, mas sim com a concretização dos investimentos que estão por fazer», e para tal «é mesmo preciso muito mais». Na sua intervenção, a deputada comunista apontou para a ausência de contratação de ferroviários no PFN e da valorização de carreiras e disse ainda que o Governo, ao longo do debate não se comprometeu com a resolução de problemas crónicos, mas antigos, que se fazem sentir, como é exemplo a modernização e eletrificação das linhas do Oeste ou do Alentejo, a reversão da PPP do comboio da ponte, ou o pagamento da dívida do Estado à CP. Segundo os comunistas, o PFN assenta num grau errado de prioridades na medida em que não prevê o reforço das condições que garantam a qualidade do serviço às populações na medida em que não identifica como prioritários o combate à falta de comboios, à falta de material circulante e à falta de trabalhadores. Estas questões, articuladas com as necessárias obras e a sua planificada execução seriam as condições necessárias para dar corpo a um PFN à altura das exigências. Desta forma, o PCP apresentou a proposta de dotar no PFN 30 mil milhões de euros para compra de material circulante, reforço da infra-estruturas e pessoal. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Plano da Ferrovia Nacional, uma sequela problemática
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Pelo que já é público das propostas do Governo para os Transportes Públicos, é de temer que essa seja novamente a tendência este ano.
O Governo recupera parcialmente algumas das propostas do PCP chumbadas o ano passado (gratuitidade para os menores de 23 e um passe nacional para a ferrovia), aponta-lhes os mesmos holofotes que foram recusados a essas propostas o ano passado, fala de juventude, mobilidade, paradigmas, crise climática, et voilá, tira da cartola uma política de promoção do Transporte Público.
Ora nada disto é sério.
Partindo do princípio que se quer promover os transportes públicos, a primeira coisa que é preciso ter claro é que, neste momento, o problema central não é o do preço – já foi até 2019, até à vitória da luta pelo alargamento do passe intermodal e o consequente PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária). Hoje, o problema central está na oferta.
Claro que há espaço para prosseguir o caminho de desmercantilização dos transportes públicos, para reduzir progressivamente o preço até à sua gratuitidade. E devem continuar a dar-se passos nesse sentido – nos sub23, nos mais de 65, na intermodalidade plena, nos passes interregionais, no manter o congelamento do preço.
Mas só pode haver uma maior opção pelo Transporte Público se houver mais e melhor oferta. E aí os últimos anos têm sido de aprofundamento do atraso. Apesar das muitas promessas e anúncios, a coisa pura e simplesmente não tem evoluído como seria possível e necessário.
O exemplo da ferrovia
O mais estratégico dos investimentos necessários é, neste momento, o alargamento da capacidade de resposta ferroviária. O modelo neoliberal que está construído para satisfazer essa necessidade é tão mau que sozinho atrasa todas as obras vários anos. Hoje medeia mais tempo entre a decisão de comprar um comboio e a assinatura final do contrato para a compra desse comboio do que demora construir o comboio. E um comboio demora anos a construir. Medeia mais tempo entre a dotação orçamental para electrificar uma linha e o começo da obra de electrificação, que a obra em si. E dizendo isto não estamos a inocentar o Governo: o modelo não nasceu sozinho, foi parido por PS e PSD com a UE como patrona, e as suas ineficiências têm objectivos claros: promover a privatização de tudo.
Criado com base no Plano Estratégico dos Transportes – Mobilidade Sustentável de 2015 e apresentado em 2016, o Ferrovia 2020 prometia ser uma grande reforma da ferrovia nacional, mas descarrilou e falhou todos os prazos. Numa altura em que se fala de ambiente e alternativas à energia fóssil, a ferrovia seria uma alternativa colectiva de deslocações que garantiria uma maior unidade e coesão territorial. Neste sentido, havia um plano delineado para o desenvolvimento do sistema ferroviário português que não só não se desenvolveu como, por fruto do desinvestimento, também foi sendo desmantelado. A 2015, até porque a degradação da ferrovia era notória, o governo apresentou o Plano Estratégico dos Transportes – Mobilidade Sustentável, aprovado em Conselho de Ministros. Tal plano apresentava os principais constrangimentos do sector e os graus de prioridade a atender, sendo que os mais elevados eram: a degradação da infraestrutura, a vida útil e obsolescência técnica, a ausência de eletrificação, a falta de ligação eficiente dos principais portos e centros logísticos à Europa e a falta de ligação eficiente aos portos, plataformas logísticas e pólos industriais. Um ano após este diagnóstico, o governo do Partido Socialista anunciou então o Ferrovia 2020. Este audaz plano, ao qual foram destinados dois mil milhões de euros, contou com um pacote financeiro composto por fundos comunitários do Programa Connecting Europe Facility, do programa de Coesão e do Programa Portugal 2020, entre outros. Discutiu-se esta manhã no Parlamento o estado da ferrovia nacional, as limitações e os problemas vividos no sector. BE, PCP e PEV apontaram a necessidade de defender a ferrovia nacional. Esta manhã, na Assembleia da República, a situação da ferrovia nacional esteve em debate, a partir do projecto de lei do BE sobre um Plano da Ferrovia Nacional. Pela parte do BE, PCP e PEV a discussão sobre a ferrovia assenta no facto de o Governo se encontrar em incumprimento dos diplomas do PEV e do BE, aprovados em Novembro de 2015, sobre esta matéria. Apontaram-se, em diversas intervenções daqueles partidos, as opções políticas erradas de décadas no sector da ferrovia. Não apenas o investimento ferroviário caiu a pique desde 2011, como o plano de investimentos do Governo da Ferrovia 2020 se encontra com o seu cumprimento atrasado, não dando resposta às necessidades urgentes. Segundo BE, PCP e PEV, o investimento na ferrovia, para além das implicações positivas que pode vir a produzir na economia, nos utentes e empresas, será necessariamente positivo para a necessidade de defesa do ambiente. Para o BE foram importantes os passos dados na presente legislatura para travar privatizações dos transportes públicos e para a diminuição dos valores dos passes. Já para o PCP, são necessárias «opções estratégicas para a rede ferroviária do país». Bruno Dias alertou para o facto de o projecto do BE apresentar preocupantes medidas quanto ao financiamento, aproximando-se das soluções do Governo, das quais o PCP discorda. O deputado chamou ainda atenção para a importância da terceira travessia do Tejo, a qual não pode, no seu entendimento, deixar de ser rodoviária e ferroviária, e não pode estar sujeita nem a imposições da União Europeia, nem a limitações decorrentes do contrato PPP com a Lusoponte, porque isso seria colocar questões estratégicas do País dependentes de factores que não o interesse público. Também lembrou a necessidade de reintegração da EMEF na CP e da urgência de implementação do plano nacional de material circulante. O PEV reclama um novo paradigma nos transportes, com vista à coesão territorial, como forma de dar resposta aos problemas ambientais. Os Verdes assinalaram que a proposta bloquista «peca por não valorizar o interior do país» e ignora o ramal de Portalegre. PSD e CDS não apresentaram quaisquer propostas concretas para a situação da ferrovia nacional, limitando as suas intervenções à conclusão, segundo aqueles partidos, de que por um lado a solução política não é coesa por haver divergências entre os partidos, e por outro lado, que todos os problemas da ferrovia decorrem da actual legislatura. Recorde-se, a propósito, que em relação a material circulante, só 88 unidades ultrapassaram a sua vida útil na vigência governação do PSD e do CDS-PP e não foram substituídas. Heitor Sousa, do BE, por seu turno, não deixou de apontar as responsabilidades de PSD e CDS com o plano de privatizações e de desinvestimento na ferrovia do anterior governo. Carlos Pereira, do PS, exaltou o papel do Governo e avançou que só não se foi mais longe na Ferrovia 2020 por dificuldades técnicas e processuais ocorridas, nomeadamente em sede dos contratos públicos. Recorde-se que esta discussão é feita quando se encontra já em vigor o decreto-lei que transpôs para a legislação nacional o chamado «pacote ferroviário» da União Europeia aprovado pelo Governo, medida que representou um passo no projecto de partição do sector em várias empresas públicas e, também, abrindo a porta a privados. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. As metas passavam por: ter mais de 1000 km de linha férrea intervencionada; melhorar e ampliar os corredores internacionais; melhorar o transporte ferroviário com a redução de tempos de percurso, a redução dos custos de transporte e o aumento da capacidade no número e comprimento dos comboios; bem como eletrificar mais de 400 km de linha, investir na sinalização e alterar as bitolas. No quadro das grandes conquistas panfletárias, o governo anunciou a Março deste ano que 85% do investimento tinha sido concluído, num plano que deveria estar concluído e já tinha um atraso de dois anos. O relatório da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes acabou por trazer um conjunto de preocupações, contrariando o regozijo do Governo. De acordo com o relatório, apenas 15% dos projectos de investimentos estão concluídos, 57% dos projectos ainda estão em fase de obra, 12% estão em fase de contratação e 16% ainda não foram lançados. De acordo com a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes existe a «possibilidade de os trabalhos se prolongarem para além de 2023», o que fará com que um plano que seria de quatro anos passe a ser de nove. As justificações da IP são variadas, e actualmente centram-se na guerra e nos impactos da pandemia, sendo que o sector da construção foi dos poucos que não cessou a sua actividade. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Programa Ferrovia 2020 descarrilou e pode ir além de 2023
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Ferrovia nacional: é urgente dar resposta
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Dos comboios necessários ao país foram este ano entregues alguns ao Metro do Porto (construídos na China), e estão a ser construídos em Espanha sete comboios para o Metro e 22 automotoras para o serviço regional da CP. Quase nada, se pensarmos que o actual governo leva 8 anos no poder, e leva 8 anos a falar da prioridade à ferrovia. Este é um exemplo da distância das palavras aos actos. Há também um concurso a decorrer para a compra de 112 comboios para a CP que se arrasta sem fim à vista (e com riscos de ser anulado) e sem que o Governo PS intervenha para impor o interesse público e acabar com uma litigância exagerada, que alimenta escritórios de advogados à custa do país.
A outra vertente da resposta ferroviária é a modernização e alargamento da rede ferroviária. Estamos a acabar 2023, e não está concretizado 50% do Ferrovia2020. E não vai estar tão depressa. A proposta de Plano Ferroviário Nacional, que o Governo tanto vangloriou, ficou metido numas gavetas na Barbosa du Bocage, bem como a promessa de uma discussão séria e pública sobre a proposta, que nem na Assembleia da República foi travada, apesar das expressas promessas nesse sentido. O único movimento significativo é de dinheiro... milhões que saem do erário público e vão alimentar um monstro completamente ineficiente de milhares de pequenos concursos, cadernos de encargo, projectos, aglomerados de empresas, subempreiteiros, falências, trabalhos a mais, estudos, consultorias. O Estado destruiu a sua capacidade de planeamento, projecto, inspecção e construção, e foi substituído por isto: um monstro ineficiente, caro e incompetente. E perigoso: só em 2023 estivemos três vezes à beira de uma catástrofe ferroviária por causa de uma obra mal feita.
«é preciso reconstruir uma CP, una, pública e nacional, uma empresa que queira e seja capaz de gastar com eficiência a parte dos recursos nacionais que o país entenda dedicar à ferrovia»
Vivemos num país que continua sem ligações ferroviárias internacionais porque o Governo não quer, pois o comboio nocturno a Madrid e a Hendaia tem linhas por onde circular, mas não circula. Onde a empresa pública CP continua impedida de comprar comboios para alargar a oferta ferroviária de alta velocidade, mas o Estado já começou a gastar umas centenas de milhões em avançar com a construção da infraestrutura, por onde circularão os comboios da RENFE, da SNCF e da DB, mesmo que alguns se disfarcem de Barraqueiro. Onde se entregou o transporte ferroviário de mercadorias a uma multinacional suíça de transporte marítimo de contentores (uma ironia que diz tanto sobre o capitalismo).
Todos estes problemas têm causas. E soluções, que vão muito mais além do realizável num Orçamento de Estado. E não, não estou a falar da necessidade de mais uma reforma. Essa é a música tocada pelos gestores do rotativismo bipartidário, que vão anunciando ou exigindo reformas, conforme o lugar que ocupam, promovendo sempre uma maior liberalização, respondendo aos problemas criados pela liberalização com a necessidade de mais liberalização. De mais reformas. O que faz falta é parar com as reformas, inverter o rumo, romper com este caminho. Mais que uma reforma ou uma contra-reforma, o que urge é uma ruptura. Um regresso aos valores de Abril, que colocaram este país a andar para a frente há 50 anos.
Por exemplo e para responder ao exemplo usado, é preciso reconstruir uma CP, una, pública e nacional, uma empresa que queira e seja capaz de gastar com eficiência a parte dos recursos nacionais que o país entenda dedicar à ferrovia em cada Orçamento do Estado.
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