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|mobilidade e transportes

Transportes públicos, preço e oferta

Dos muitos comboios necessários ao país, alguns foram entregues este ano ao Metro do Porto (construídos na China) e outros estão a ser construídos em Espanha: sete comboios para o Metro e 22 automotoras para a CP.

CréditosJosé Sena Goulão / Agência Lusa

Estamos a chegar à discussão do Orçamento do Estado. De onde foi afastada – há largos anos – a discussão detalhada sobre o quadro plurianual de investimentos públicos (chamava-se PIDDAC). Esse afastamento teve várias más consequências, a mais grave delas o ter ajudado a disfarçar o facto do investimento público ter diminuído drasticamente (quase na inversa proporção do número cada vez maior de programas de investimento, tipo Ferrovia2020, PRR, Portugal2030...). Outra consequência é ter ajudado a criar uma tendência de que todos os problemas nacionais têm uma solução por via de uns benefícios fiscais ou de uns apoios dirigidos.

Pelo que já é público das propostas do Governo para os Transportes Públicos, é de temer que essa seja novamente a tendência este ano.

O Governo recupera parcialmente algumas das propostas do PCP chumbadas o ano passado (gratuitidade para os menores de 23 e um passe nacional para a ferrovia), aponta-lhes os mesmos holofotes que foram recusados a essas propostas o ano passado, fala de juventude, mobilidade, paradigmas, crise climática, et voilá, tira da cartola uma política de promoção do Transporte Público.

Ora nada disto é sério.

Partindo do princípio que se quer promover os transportes públicos, a primeira coisa que é preciso ter claro é que, neste momento, o problema central não é o do preço – já foi até 2019, até à vitória da luta pelo alargamento do passe intermodal e o consequente PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária). Hoje, o problema central está na oferta.

Claro que há espaço para prosseguir o caminho de desmercantilização dos transportes públicos, para reduzir progressivamente o preço até à sua gratuitidade. E devem continuar a dar-se passos nesse sentido – nos sub23, nos mais de 65, na intermodalidade plena, nos passes interregionais, no manter o congelamento do preço.

Mas só pode haver uma maior opção pelo Transporte Público se houver mais e melhor oferta. E aí os últimos anos têm sido de aprofundamento do atraso. Apesar das muitas promessas e anúncios, a coisa pura e simplesmente não tem evoluído como seria possível e necessário.

O exemplo da ferrovia

O mais estratégico dos investimentos necessários é, neste momento, o alargamento da capacidade de resposta ferroviária. O modelo neoliberal que está construído para satisfazer essa necessidade é tão mau que sozinho atrasa todas as obras vários anos. Hoje medeia mais tempo entre a decisão de comprar um comboio e a assinatura final do contrato para a compra desse comboio do que demora construir o comboio. E um comboio demora anos a construir. Medeia mais tempo entre a dotação orçamental para electrificar uma linha e o começo da obra de electrificação, que a obra em si. E dizendo isto não estamos a inocentar o Governo: o modelo não nasceu sozinho, foi parido por PS e PSD com a UE como patrona, e as suas ineficiências têm objectivos claros: promover a privatização de tudo.

Dos comboios necessários ao país foram este ano entregues alguns ao Metro do Porto (construídos na China), e estão a ser construídos em Espanha sete comboios para o Metro e 22 automotoras para o serviço regional da CP. Quase nada, se pensarmos que o actual governo leva 8 anos no poder, e leva 8 anos a falar da prioridade à ferrovia. Este é um exemplo da distância das palavras aos actos. Há também um concurso a decorrer para a compra de 112 comboios para a CP que se arrasta sem fim à vista (e com riscos de ser anulado) e sem que o Governo PS intervenha para impor o interesse público e acabar com uma litigância exagerada, que alimenta escritórios de advogados à custa do país.

A outra vertente da resposta ferroviária é a modernização e alargamento da rede ferroviária. Estamos a acabar 2023, e não está concretizado 50% do Ferrovia2020. E não vai estar tão depressa. A proposta de Plano Ferroviário Nacional, que o Governo tanto vangloriou, ficou metido numas gavetas na Barbosa du Bocage, bem como a promessa de uma discussão séria e pública sobre a proposta, que nem na Assembleia da República foi travada, apesar das expressas promessas nesse sentido. O único movimento significativo é de dinheiro... milhões que saem do erário público e vão alimentar um monstro completamente ineficiente de milhares de pequenos concursos, cadernos de encargo, projectos, aglomerados de empresas, subempreiteiros, falências, trabalhos a mais, estudos, consultorias. O Estado destruiu a sua capacidade de planeamento, projecto, inspecção e construção, e foi substituído por isto: um monstro ineficiente, caro e incompetente. E perigoso: só em 2023 estivemos três vezes à beira de uma catástrofe ferroviária por causa de uma obra mal feita.

«é preciso reconstruir uma CP, una, pública e nacional, uma empresa que queira e seja capaz de gastar com eficiência a parte dos recursos nacionais que o país entenda dedicar à ferrovia»

Vivemos num país que continua sem ligações ferroviárias internacionais porque o Governo não quer, pois o comboio nocturno a Madrid e a Hendaia tem linhas por onde circular, mas não circula. Onde a empresa pública CP continua impedida de comprar comboios para alargar a oferta ferroviária de alta velocidade, mas o Estado já começou a gastar umas centenas de milhões em avançar com a construção da infraestrutura, por onde circularão os comboios da RENFE, da SNCF e da DB, mesmo que alguns se disfarcem de Barraqueiro. Onde se entregou o transporte ferroviário de mercadorias a uma multinacional suíça de transporte marítimo de contentores (uma ironia que diz tanto sobre o capitalismo).

Todos estes problemas têm causas. E soluções, que vão muito mais além do realizável num Orçamento de Estado. E não, não estou a falar da necessidade de mais uma reforma. Essa é a música tocada pelos gestores do rotativismo bipartidário, que vão anunciando ou exigindo reformas, conforme o lugar que ocupam, promovendo sempre uma maior liberalização, respondendo aos problemas criados pela liberalização com a necessidade de mais liberalização. De mais reformas. O que faz falta é parar com as reformas, inverter o rumo, romper com este caminho. Mais que uma reforma ou uma contra-reforma, o que urge é uma ruptura. Um regresso aos valores de Abril, que colocaram este país a andar para a frente há 50 anos.

Por exemplo e para responder ao exemplo usado, é preciso reconstruir uma CP, una, pública e nacional, uma empresa que queira e seja capaz de gastar com eficiência a parte dos recursos nacionais que o país entenda dedicar à ferrovia em cada Orçamento do Estado.

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