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|mobilidade e transportes

Ferrovia internacional: da prática e da teoria

O isolamento ferroviário de Portugal face à Europa está a ficar cada vez maior, e não é por causa da bitola. É pela falta de investimento e de comboios, pela falta de apoio e de objectivos ambiciosos para a CP.

Comboio da parceria europeia «Nightjet» na estação ferroviária de Viena (Áustria) 
Comboio da parceria europeia «Nightjet» na estação ferroviária de Viena (Áustria) Créditos / Wikipédia CC BY-SA 4.0

Barcelona acaba de lançar o «Nightjet», um comboio nocturno que ligará Barcelona a 13 cidades europeias. Primeira nota: o Nightjet é uma parceria entre cinco empresas públicas europeias: RENFE (Espanha), SNCF (França), DB (Alemanha), OBB (Áustria) e CFF (Suíça). Segundo: os comboios nocturnos são uma modalidade de transporte ferroviário que ganha peso na Europa, seguindo um velho modelo (soviético) que funciona com grande sucesso na parte mais oriental da Europa.

A única coisa similar com o que se passa na ferrovia nacional é o uso provinciano de uma palavra em inglês para descrever um serviço entre países que falam espanhol, francês, alemão e italiano.

«os comboios nocturnos são uma modalidade de transporte ferroviário que ganha peso na Europa, seguindo um velho modelo (soviético) que funciona com grande sucesso na parte mais oriental da Europa.»

Agora vejamos as diferenças: em Portugal já saiu nas capas de jornal que vamos ter uma ligação a Alta Velocidade a Barcelona, mas a realidade é que nem para Madrid existe ou está previsto um comboio nocturno (que existiu até 2020, e até tinha um nome iberizado: Talgo). Ora, a rede ferroviária nacional já permite realizar um Comboio Nocturno a Madrid (num horário ideal, chegando a Madrid pelas 8h) e a Barcelona (mas não num horário ideal), e, quando for inaugurada a ligação Évora-Caia (em arrastada construção mas com atrasada conclusão prevista para 2024), até o comboio nocturno a Barcelona será possível realizar num horário ideal. Em vez de ficar à espera «do mercado», como lhe ordenam a França e a Alemanha, o Governo português podia seguir o exemplo da França e da Alemanha, e dar orientações à CP para procurar integrar a parceria já citada, e incluir Lisboa e Porto na rede das cidades ligadas por comboios nocturnos (que a partir de 2024 passará a incluir Barcelona, numa rede que já inclui Zurique, Roma, Paris, Berlim, Bruxelas, Viena, Amsterdão).

Recorda-se que a viagem de um comboio nocturno deve demorar umas 8/10 horas no mínimo, pois a ideia é ter tempo para dormir chegando ao destino depois de uma boa noite de sono.

«Em vez de ficar à espera "do mercado", como lhe ordenam a França e a Alemanha, o Governo português podia seguir o exemplo da França e da Alemanha, e dar orientações à CP para procurar integrar a parceria já citada»

Ora, para as distâncias entre Porto, Lisboa, Madrid e Barcelona, os comboios nocturnos não precisam de redes de Alta Velocidade. Precisam é de um material circulante adaptado a esse tipo de oferta.

O isolamento ferroviário de Portugal face à Europa está a ficar cada vez maior. E não é por causa da bitola, que não é um problema, apesar da insistência de alguns nesse tema. Os comboios nocturnos e os diurnos de Alta Velocidade a Madrid, a Hendaya e a Barcelona podem seguir na rede de bitola ibérica. É pela falta de investimento, pela falta de comboios, pela falta de apoio à CP, pela falta de objectivos ambiciosos para a CP.

Para agravar, o que aí vem na aviação

Em França está já proibida a realização de voos entre cidades que fiquem a menos de duas horas e meia de comboio. Já não se pode viajar em avião de Paris para Nantes ou Bordéus. Esta última fica a 530 quilómetros de Paris. Quase a mesma distância de Lisboa a Madrid. Esta é uma tendência que acabará por impor-se: à boleia da descarbonização e de uma certa forma de fazer política muito em moda na União Europeia.

«O facto de a ligação ferroviária em alta velocidade a Madrid andar a arrastar-se é um crime [...] para o qual o actual Governo ainda consegue apresentar desculpas»

Ora, a ligação a Madrid é (dados de 2019, para usar números pré-covid) a rota internacional mais movimentada quer no Aeroporto de Lisboa quer no Aeroporto do Porto (em Lisboa com mais movimentos que a própria Lisboa-Porto). O facto de a ligação ferroviária em alta velocidade a Madrid andar a arrastar-se é um crime (uma história que já se conta) para o qual o actual Governo ainda consegue apresentar desculpas (esfarrapadas, mas suficientes para quem quer acreditar nelas), mas que o comboio nocturno não se faça ou não esteja planeado fazer no curto prazo é algo escandaloso. E não é por falta de propostas – ainda neste Orçamento do Estado a proposta esteve lá (apresentada pelo PCP) e foi uma vez mais chumbada.

A Alta Velocidade a Madrid

Como sempre que há eleições, chegam as promessas e reacende-se o tema da Alta Velocidade a Madrid. A primeira coisa que importa lembrar é que ela já esteve mal decidida e já foi ainda pior cancelada.

A ligação de Alta Velocidade a Madrid foi decidida pelo Governo de José Sócrates. Quando dizemos mal decidida é por duas razões: a megalomania do projecto, onde as velocidades de 350 km/h aumentavam brutalmente os custos com reduzidos ganhos reais, e porque o Governo optou por um modelo de construção através de uma PPP (parceria público-privado), que é o modelo errado, como se veio a demonstrar rapidamente. Este projecto foi cancelado pelo Governo do PSD/CDS que se lhe seguiu, que aproveitou e cancelou também a Terceira Travessia sobre o Tejo (TTT), entre Chelas e o Barreiro.

«Cereja no topo do bolo? Como estávamos numa PPP, o consórcio ganhador do concurso foi para um Tribunal Arbitral e o Estado acabou condenado a pagar 202 milhões de euros pelo cancelamento da obra. Tudo bons rapazes. Comboios é que não temos.»

Cereja no topo do bolo? Como estávamos numa PPP, o consórcio ganhador do concurso foi para um Tribunal Arbitral e o Estado acabou condenado a pagar 202 milhões de euros pelo cancelamento da obra.

Tudo bons rapazes. Comboios é que não temos.

Para termos comboio precisamos de romper com esta política: a TTT permite ligar o Oriente a Évora em muito menos de uma hora, e aqui alicerçar a ligação de Alta Velocidade a Madrid (comboios diurnos em três horas) e, como já foi demonstrado, isso deve fazer parte de um plano integrado que conjugue a construção do Novo Aeroporto de Lisboa e a concretização de um Plano Nacional Ferroviário. E já em 2024 podem começar a circular os comboios nocturnos a Madrid e Barcelona, numa parceria CP/RENFE ou integrando a parceria supracitada. Haja vontade.

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