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|CP

A liberalização na fase de instrumentalização das empresas públicas ferroviárias

Acentua-se nos media dominantes a campanha para normalizar a aceitação passiva de mais produção de transporte ferroviário por operadoras estrangeiras no nosso país.

Comboios parados na estação de Santa Apolónia
CréditosMário Cruz / Agência Lusa

Reproduzindo anunciados «sucessos» da liberalização nas linhas mais rentáveis da alta velocidade espanhola, a atual campanha prepara o caminho para afastar ou secundarizar a CP na operação dos principais itinerários com componente transfronteiriça e da futura linha alta velocidade Porto-Lisboa. 

No transporte de passageiros a liberalização tem avançado em Espanha com a utilização de marcas brancas de empresas públicas, da francesa SNCF e da italiana Trenitalia, instrumentalizadas em versões low-cost e obviamente nas linhas de alta velocidade mais rentáveis. Anuncia-se a progressão deste modelo de Espanha para Portugal, neste caso com a instrumentalização da operadora pública espanhola Renfe. 

É esta a receita na atual fase de concorrência, transitória, até serem atingidas pelo grande capital as condições para alcançar o monopólio privado nos serviços mais rentáveis, relegando as empresas públicas para os serviços menos solventes, no caminho para sua destruição, e do despovoamento do que resta nas zonas de baixa densidade.

No transporte de mercadorias este mesmo objetivo de alcançar o monopólio privado está mais avançado. Nem passou pela fase de instrumentalização das empresas públicas para simular a fase de concorrência, transitória.  A agressão neoliberal passou de imediato à destruição das empresas públicas, em Portugal com a entrega da CP Carga à  Medway/MSC, e em Espanha com a anunciada entrega da grande Renfe Mercancias à mesma multinacional, independentemente do formato jurídico a adoptar. Eis a construção do monopólio privado, essencialmente no transporte de contentores e nas ligações portuárias! 

Mas analisemos então qual é a expressão no mundo da liberalização no transporte ferroviário, sendo que no nosso país o aspeto mais conhecido é a fragmentação e a separação vertical, que se traduziu em retirar à CP a gestão da infraestrutura, agora a cargo da IP conjuntamente com a rodovia!

Nesta imagem1 com os modelos de organização em alguns países do hemisfério norte, pode verificar-se que apenas em Portugal, Espanha, Bélgica, Países Baixos e Suécia a gestão da Infraestrutura e a operação estão completamente separadas em empresas independentes.

Em França, Alemanha, Itália, Áustria e Polónia o modelo inclui no mesmo grupo empresarial (holding) a gestão da infraestrutura e a operação.

No Canadá e nos EUA  a gestão da infraestrutura e operação ferroviária estão integradas verticalmente, por linhas ou corredores, sendo a separação considerada um anátema.

Os maiores países e de indústria e serviços ferroviários mais desenvolvidos não optam pela separação vertical nem pela concorrência intramodal, nem pela decorrente perda de significativa parcela de soberania nacional, principalmente imposta em países periféricos na União Europeia, de que a liberalização é um poderoso instrumento.

No estudo 2 efetuado em 2012 para a CER-Community of European Railways and Infraestruture Companies, é referido que «A decisão de impor a separação vertical em toda a Europa aumentaria os custos, em pelo menos, 5800 milhões de euros ao ano sem benefícios adicionais. Se também aumentar a densidade de tráfego ferroviário os custos da imposição da separação vertical completa em todos os países aumentarão significativamente.»

Assim, independentemente do rigor de um estudo desta natureza, imagine-se o valor que os povos têm vindo a pagar por este crime económico da liberalização do setor ferroviário.

Neste aspecto, o caminho-de-ferro é como a banca, mesmo quando privados são sempre públicos, pois a acumulação de prejuízos na gestão capitalista pressupõe que será o Estado, ou seja, o povo a pagá-los. 

No pós-Segunda Guerra Mundial, os maiores desenvolvimentos do transporte ferroviário concretizaram-se sempre através da cooperação entre países soberanos, mesmo nos de modo de produção capitalista, mas particularmente nos países de economia socialista. No atual período do capitalismo financeiro a que o país está submetido, verificam-se em quase todos os setores da cadeia de valor do caminho-de-ferro os efeitos predatórios que lhe são intrínsecos.

A política de direita em Portugal, submissa aos interesses dos grandes grupos económicos da UE, arrastou o setor ferroviário nacional para o laboratório de experiências da separação vertical e da decorrente fragmentação, ultraminoritária no mundo, um autêntico beco sem saída, de que o país, com a força dos trabalhadores, tem rapidamente que se libertar. 

Na sequência de várias peças televisivas sobre o tema, o Expresso, na campanha da edição de 25 de Agosto, defende que a «entrada das empresas ferroviárias espanholas será inevitável» e «com as duas companhias de bandeira na ferrovia francesa e italiana já em Espanha é perfeitamente natural que a RENFE, a empresa pública de comboios, olhe para Portugal» (sublinhado nosso). 

Admitíamos que, para este jornal, porta-voz da liberalização, perfeitamente natural seria noticiar que os operadores franceses e italianos já em Espanha seriam privados, e que algum destes ou outro já olhasse para Portugal. 

Mas não. Afinal de onde menos se espera vem a valorização das empresas públicas estrangeiras a operar no país vizinho e é feito apelo à empresa pública espanhola para vir operar em Portugal. Percebe-se a cirúrgica utilização nada usual em caminho-de-ferro da designação «de companhias de bandeira» em vez de «companhia estatal» ou «empresas públicas», que também utilizam quando se trata de malhar. 

«A política de direita em Portugal, submissa aos interesses dos grandes grupos económicos da UE, arrastou o setor ferroviário nacional para o laboratório de experiências da separação vertical e da decorrente fragmentação, ultraminoritária no mundo, um autêntico beco sem saída, de que o país, com a força dos trabalhadores, tem rapidamente que se libertar.»

Como dizia aquele lisboeta que todos conhecemos, não compensa ir fazer a barba a Cacilhas. Pois o semanário, ao destacar a operação extraterritorial daquelas empresas públicas como um sucesso, devia concluir que o inevitável é ser a CP, pública e nacional, que temos cá, a protagonizar esse sucesso, e a operar toda a nossa rede ferroviária devendo ser potenciada ao máximo para esse objetivo. E, perfeitamente natural, será assim retirar a CP da mira da liberalização, há trinta anos procurando atirá-la apenas para os serviços menos solventes nas zonas de baixa densidade do país.

A realidade é que a liberalização, passados cinco anos da entrada em vigor do quarto pacote ferroviário (passageiros), apenas tem para apresentar a desarticulação dos sistemas ferroviários e o foco nos serviços mais rentáveis, designadamente os da alta velocidade. Mas nem mesmo nestes a liberalização atinge os objetivos que de forma, pelo menos, irresponsável têm sido divulgados. 

Vejamos com mais pormenor o que se passa na liberalização da alta velocidade espanhola apresentada  por cá apenas como sucesso.

Em vez da necessária complementaridade intermodal, a agressão monopolista da UE impõe agora a concorrência intramodal – e nas mesmas linhas – com empresas públicas ferroviárias

A operadora Ouigo da empresa pública francesa SNCF, a operar nas linhas de alta velocidade Madrid-Barcelona e Madrid-Valência, acumulou prejuízos de quase seis milhões de euros/mês logo no primeiro ano de operação. E tem vindo a reclamar, com a Iryo (parcialmente da operadora pública italiana Trenitalia) a baixa do preço das taxas de uso da infraestrutura e subsídios para a energia3. É à luz de factos como estes que devem ser interpretadas as reduções de preços de bilhetes na atual fase de dumping.

E por não ter tido condições para mobilizar privados para a operação, o capital recorre à instrumentalização de empresas públicas ferroviárias, que a própria liberalização quer destruir, afastar ou secundarizar nas linhas e serviços mais rentáveis. Ou seja, a liberalização utiliza empresas públicas no modelo que tinha predestinado ao setor privado, e note-se, coloca-as em aparente concorrência nas mesmas linhas.  

Ou seja, se a adequada gestão pública deve utilizar as receitas das linhas mais rentáveis para para aplicar e optimizar a operação nas linhas menos solventes das zonas de baixa densidade no interior do país, o capitalismo saca os lucros das linhas mais rentáveis para os bolsos dos acionistas. Nada de novo, é assim desde o aparecimento do caminho-de-ferro, sempre que a relação de forças permitiu ao capitalismo impor-se no setor.     

Obviamente que nada disto tem que ver com as necessárias parcerias entre empresas públicas ferroviárias nos serviços transfronteiriços que todos recordamos terem existido nos dois países ibéricos entre a CP e a RENFE nas ligações entre Lisboa, Madrid e Hendaya.

E neste caso, também perfeitamente natural, seria já terem sido retomadas as ligações noturnas Lisboa-Madrid suspensas em 17 de março de 2020. A retoma deste importante tráfego transfronteiriço de passageiros, para servir os utentes, tarda no quadro da liberalização senil mas ainda em curso, enquanto esta encontre um modelo de operação que sirva os seus interesses. 

É em todo este quadro que a CP tem vindo a ser fragmentada, mantendo-a asfixiada, com baixos salários, falta de trabalhadores e de material circulante e suportando a dívida que os governos nela colocaram, e mantêm, apesar dos anúncios para o seu saneamento. 

E de recordar que a indústria do setor ferroviário foi outra vítima de primeiro nível da liberalização, designadamente com a destruição da Sorefame e sem esquecer a criação da EMEF retirando da CP a manutenção do material circulante que veio a recuperar com a reintegração em 2019, sempre exigida pelos trabalhadores.

Não fosse o legado do 25 de Abril, com a resistência e a luta dos trabalhadores e das suas organizações representativas, e a CP muito provavelmente já nem existiria como operadora.

O país precisa de indústria ferroviária e da reintegração vertical com CP gestora da infraestrutura e operadora pública nacional.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

  • 1. Manual de ferrocarriles – El sistema ferroviário espanhol – Tomo II – Regulatión, Explotación e Relación com la sociedad – Edición publicada en junio 2023 para las Jornadas Internacionales de Ingeniería para Alta Velocidade.
  • 2. Manual de ferrocarriles – El sistema ferroviário espanhol – Tomo II – Regulatión, Explotación e Relación com la sociedad – Edición publicada en junio 2023 para las Jornadas Internacionales de Ingeniería para Alta Velocidade.
  • 3. Jornadas Internacionales de Ingeniería para Alta Velocidade – Córdova, junho 2023

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