Ao recato dos dias de dezembro passado sucederam-se epifanias que desencadearam um furacão de escritos e comentários que repetem ideias antigas. Parece que saltaram telhas por onde o vírus entrou e em mais um «ataque» à Instituição Militar, dizem alguns que é desta que vai acabar.
Se a memória não me falha, é a velha tirada, pior do que o que está não é possível, já batemos no fundo há muito tempo. Surpreendentemente (para alguns) resiste-se e com excelente desempenho digno de reconhecimento, mas sem pagamento.
«Para os militares, mesmo no exercício especulativo e prospetivo, é imperativo incorporar o que juram, defender a Constituição. Ora quando tais exercícios passam por esse parâmetro como “raposa por vinha vindimada”, sobejam interrogações sobre as reais motivações dos propósitos enunciados»
Logo em janeiro a invocação de «cisnes» de várias cores não terá deixado espaço para que os leitores ficassem a saber qual a atualização da reflexão do CEMGFA sobre a mais duradoira crise que perpassa a Instituição Militar, as condições socioprofissionais dos homens e mulheres que nelas servem e com destaque as condições de cálculo da pensão de reforma para as gerações que disso se aproximam e a assistência à saúde dos militares e de funcionamento do seu hospital de referência, o Hospital das Forças Armadas (HFAR). Interroguemo-nos sobre o real significado de perspetivar uma abordagem do Estado às crises assente numa concepção de Defesa Nacional que se «desvincule das ameaças externas». Para os militares, mesmo no exercício especulativo e prospetivo, é imperativo incorporar o que juram, defender a Constituição. Ora quando tais exercícios passam por esse parâmetro como «raposa por vinha vindimada», sobejam interrogações sobre as reais motivações dos propósitos enunciados. Mas fica-se a perceber o fio condutor da reflexão, já que de sopetão se continua com a perspetiva do «empenhamento futuro e capacidades das Forças Armadas». Surpreendentemente, para quem acabara de postular o desvincular das ameaças externas, começa-se por reiterar, com retoques, a cartilha que vem assegurando a sobrevivência da NATO mas que na especificidade do nosso território continental «aos costumes disse nada», como, por exemplo, assegurar a deslocação rápida de forças terrestres para acorrer a qualquer ponto do território, ou a melhor contramedida contra ciberataques, ter planos de contingência para operar desconectado das redes de informação automatizadas, é que se for necessário até aos pombos correios se haverá de retornar. Fica-se a saber que subsistem nas Forças Armadas «lacunas capacitárias a colmatar» mas em todo o elencado nem uma palavra sobre o determinante, a condição dos homens e mulheres que nelas servem. Chega-se assim à estação de destino, com pragmatismo e sentido de conjunto, atualizar a concetualização da Estratégia Militar e o edifício legislativo com ela conexo, para encerrar com algo que pode ser lido como um grito de desespero, dar prioridade e alocar recursos que garantam a utilidade e relevância das Forças Armadas ao serviço de Portugal – mas, sem militares, como será tal possível?
De seguida, em 17 de fevereiro e em plena pandemia, o Sr. ministro anuncia com vacuidade a proposta de «reforço da autoridade e competências do CEMGFA». Passou mais de um mês e ainda estão por conhecer os detalhes e, como nas apólices de seguro, é aí que «a porca torce o rabo»... Era imparável, daí para a frente sucederam-se os escritos e comentários de quem lhe adivinhando as intenções (recordar-se-ão de guerras ganhas anos atrás, e é disso que se trata) vem a terreiro protestar.
A semana que passou teve ponto alto na reunião do Conselho de Estado e por aí circula que Ramalho Eanes foi quem pôs os «pontos nos is». Fica por se saber se com o acordo ortográfico institucionalmente perfilhado tais «pontos» não passaram no corrector ortográfico e a saga continuará. A cena do próximo capítulo, sem data marcada, tem por cenário a Assembleia da República e ao que parece o negócio está acertado entre os mesmos do costume.
Os mesmos que são responsáveis pelas políticas que nos trouxeram até aqui e persistem no mesmo rumo quando se trata da condição dos homens e mulheres que servem nas Forças Armadas, rumo que justificou a intensa e ampla contestação aos efeitos das políticas dos Governos da Tróica, de 2011 a 2015. Essa intensa contestação contribuiu para que a coligação PSD/CDS ficasse em minoria e impossibilitada de constituir Governo. Esperou-se que o novo Governo, à semelhança das medidas de recuperação de rendimentos que adoptou para os restantes sectores da sociedade, corrigisse as malfeitorias feitas aos militares. Assim não aconteceu, estamos em 2021 e as malfeitorias persistem. Os militares vão ficar para trás? A «bazuca» resolve?
Políticas e decisões que acolham e resolvam os problemas estruturantes são uma emergência, desde o sistema remuneratório às carreiras, à saúde (com destaque para a situação do HFAR e a separação da Assistência na Doença aos Militares), ao estatuto da passagem à reserva e pensões de reforma, à focagem do Instituto de Acção Social das Forças Armadas na Assistência Social Complementar com a desistência de tentar recorrer à alienação do seu património para libertar o Governo de assegurar por outras fontes a liquidação de dívidas que são da sua exclusiva responsabilidade e em muito consequência de decisões adoptadas em 2005 pelo Governo do PS (era ministro Luís Amado).
Em 2006 e 2007 houve uma inventariação de legislação que os Governos não cumpriam. Pode ser um exercício a realizar hoje, para que se atualize o quadro de referência. Mas há uma continuidade a assinalar: mantém-se a desconsideração por parte do Governo dos contributos das Associações socioprofissionais dos militares e a Lei manda que as mesmas sejam ouvidas, mas nem audição existe e quando existe o Governo faz-se representar por quem sofre de surdez que nem aparelho ajuda a colmatar. Estão à espera de quê?
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