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|Educação

«A luta estudantil não expira nem perde pertinência com os anos»

No Dia Nacional do Estudante, o AbrilAbril falou com vários estudantes e dirigentes associativos do movimento estudantil, que consideram que a melhor homenagem a décadas de luta é prossegui-la.

Estudantes da Universidade de Coimbra em luta por mais e melhores Serviços de Acção Social Escolar. Coimbra, 14 de Dezembro de 2020
Estudantes da Universidade de Coimbra em luta por mais e melhores Serviços de Acção Social Escolar. Coimbra, 14 de Dezembro de 2020CréditosJulia Floriano / acabra.pt

Um pouco por todo o País ecoam nas escolas e universidades conquistas e lutas de décadas de milhares de estudantes, algumas travadas nas duras condições de resistência ao fascismo. É esse o legado do Dia Nacional do Estudante (DNE), que continua a animar aqueles que também hoje não se conformam com as insuficiências e a degradação do direito a estudar.

O ensino público foi uma conquista da Revolução de Abril, e a Constituição da República Portuguesa garante-o universal e tendencialmente gratuito. Porém, a realidade das últimas décadas, em vez de dar cumprimento e aprofundar esses direitos e princípios, tem, pela mão de diversos governos, colocado mais entraves e dificuldades ao seu acesso.

A pandemia, e a obrigação do ensino à distância, evidenciaram ainda mais, por um lado, a importância da escola pública e, por outro, a necessidade urgente de se criarem todas as condições para que as escolas que abrem não voltem a fechar.

Colocámos perguntas semelhantes a diversos estudantes de diversos graus de ensino e de diferentes pontos do País. As respostas revelam que há muito a fazer em defesa do direito à educação, mas transmitem a esperança de uma geração que tem soluções para reverter quer os problemas causados pela pandemia, quer aqueles que decorrem de questões estruturais há muito identificadas.

Continuar a «luta por um Ensino Superior gratuito, democrático e de qualidade»

É peremptória Carolina Lopes, estudante da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, quando afirma que «a luta estudantil não expira nem perde pertinência com os anos» e que «aos estudantes é-lhes deixado em mãos o legado de todo um passado de luta e ousadia. E a melhor homenagem que podemos dar a todos os que para ele contribuíram é dar continuação à luta, que agora é nossa, marcando presença com afinco na luta por um Ensino Superior (ESup) gratuito, democrático e de qualidade».

Perante o quadro actual, Carolina revela que uma das maiores dificuldades que sentiu com o ensino à distância ocorreu «ainda antes de ingressar no ESup», na preparação dos exames nacionais, em que se sentiu desprotegida. Já na faculdade, «a qualidade do ensino à distância é de bradar aos céus, havendo enormes dificuldades em acompanhar os conteúdos devido aos problemas técnicos e também ao método de ensino usado».

Como se não bastasse, encontrar alojamento foi mais uma árdua tarefa, porque sendo estudante deslocada teve de se «sujeitar a um mercado imobiliário caótico com preços exorbitantes devido à falta de residências para estudantes». O que se soma ao facto de que «o preço das propinas não confinou, sendo exigida a totalidade das mesmas, fazendo com que vários colegas meus estejam a ponderar deixar os estudos».

Não tem dúvidas de que o grande problema a resolver é o do «subfinanciamento sistemático do ESup» e, por isso, entende que é de se pôr fim às propinas, assim como «muscular a oferta de bolsas a curto prazo e investir em residências estudantis» e «nas infra-estruturas que se encontram degradadas», e contratar mais funcionários e psicólogos.

Direitos democráticos não se suspendem, nem se adiam

É o que se retira da experiência de Beatriz Augusto, dirigente associativa no Colégio Internato dos Carvalhos, em Pedroso, Vila Nova de Gaia, que denuncia que os ataques aos direitos dos estudantes do Ensino Secundário (ESec) foram intensificados a pretexto da pandemia. Mas não baixa os braços perante a colocação de direitos «numa lista não-prioritária» e entende que, mais do que nunca, é oportuno «ter voz» e assinalar o DNE, «para celebrarmos as conquistas feitas e relembrar que ainda existe muito a ser feito».

No seu relato, «enquanto aluna de um curso com plano próprio que conjuga o ensino profissional com o cientifico-humanístico, a sobrecarga horária já é algo usual. Contudo, esta agravou-se com o ensino à distância já que, sem oportunidade de finalizar o estágio de 400 horas não remunerado começado em Outubro, vi-me obrigada a realizar um projecto de "prática simulada"», com muito mais trabalhos para realizar.

A «luta contra as propinas, o movimento anti-RJIES, a questão das bolsas. Toda uma agenda política que tem aumentado a base de homenagem e simbolismo que este dia tem»

JOão Assunção, presidente da AAC

Pensa que os estudantes vivem esta realidade como «um abandono por parte dos professores que, no lugar de aulas teóricas, pediam trabalhos de pesquisa sobre a matéria», sempre com a tónica de «cumprir metas e dar o programa». O que se liga com «problemas como a falta de motivação, cansaço, ansiedade e outras doenças do foro mental», que se agravaram.

Para além disso, sente que foi amputada no direito a ser jovem com a «estagnação das actividades desportiva e cultural» e as limitações à acção política e reivindicativa, «que tanto nos querem tirar através da política do medo». Para Beatriz, «o importante é percebermos que tudo se pode fazer, desde que se cumpram as devidas medidas de segurança, pois não existe melhor forma de asseguramos os nossos direitos senão exercendo-os».

Nesse sentido, «o mais urgente é dar voz aos estudantes» e denuncia que, na sua escola, «a direcção tenta invocar a desculpa de ser um estabelecimento privado e religioso (embora com financiamento público) para nos impedir de realizar uma RGA».

A crise académica de 1962, que durou vários meses, com greves às aulas, prisões de estudantes, manifestações e cargas policiais, abalou o regime fascista. Créditos

Uma acção de luta em defesa desta geração

Nas palavras de João Assunção, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), este é um ano em que faz ainda mais sentido assinalar o Dia Nacional do Estudante (DNE), em «homenagem às gerações de 62 e 69, que travaram uma luta brutal contra o regime do Estado Novo, e que contribuíram para a abertura das portas de Abril em 74. Isso é muito importante para a AAC, desde logo porque a Académica foi fundamental nessas lutas estudantis em 69».

Lembrou ainda que, «ao longo destas últimas três décadas, desde que se promulgou o DNE, muitas foram as batalhas que se foram travando no movimento estudantil, onde a ACC sempre se inseriu», dando os exemplos da «luta contra as propinas, o movimento anti-RJIES, a questão das bolsas. Toda uma agenda política que tem aumentado a base de homenagem e simbolismo que este dia tem».

É esse o sentido que a Académica quer dar a este dia, que assinala «com intervenção política», porque consideram estar em causa a precarização desta geração e da juventude, sendo necessário garantir um futuro tranquilo e uma vida digna no ESup, «e quando sairmos dele».

Está assim agendada para hoje uma concentração em frente do edifício da AAC, estando garantido o respeito por «todas as normas sanitárias», porque Coimbra quer chamar a atenção, não só da tutela, mas de todos os órgãos de soberania, para o facto de que, neste ano em particular, poderemos «resvalar para uma situação muito severa em termos de instabilidade e precariedade, que a nossa geração já viveu com a intervenção da Troika». Situação que não é inevitável, pois «existem formas de o impedir, e estão na alçada de quem governa, legisla e preside. Para que não haja um remake de uma nova geração à rasca».

As reivindicações são claras, e passam por respostas «vitais» como a propina zero, naquilo que João Assunção entende ser uma «descida progressiva no primeiro ciclo de estudos», assim como «a definição de um tecto máximo das propinas no segundo ciclo de estudos, cujos valores estão altamente descontrolados em algumas instituições do ESup»; o aumento do número de estudantes abrangidos por bolsas de estudos; e a defesa da comunidade dos estudantes internacionais, exigindo «a descida e equidade da propina internacional».

Acabar com as propinas

Ghyovana Carvalho, estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , sente que, ao longo dos últimos anos, «os direitos, liberdades e garantias que a Constituição nos atribui têm sido colocados em causa, o que só se intensificou com a pandemia».

A estudante não tem dúvidas de que o ensino à distância «foi mais uma fonte de aprofundamento das desigualdades já sentidas» e critica plataformas «desadequadas para aguentar o elevado número de alunos que compareciam nas aulas», falhas constantes de conexão e ainda o facto de muitos alunos, «inclusive eu mesma, não tínhamos equipamentos electrónicos para acompanhar as aulas de forma eficaz». Uma colega, por causa de uma actualização da plataforma que não corria no seu computador, ficou impedida de assistir a aulas e realizar exames, mas «os serviços académicos não deram qualquer tipo de apoio, apenas a aconselharam a comprar um novo computador, o que é apenas ridículo».

«Não só sentimos que os nossos direitos foram "suspensos", como não temos espaço de manobra quase nenhum para realizar actividades, manifestações e acções reivindicativas que nos permitissem lutar pelos nossos direitos». Ghyovanna entende que os estudantes têm de ser integrados nas tomadas de decisão que os afectam, e faz notar que o mais importante neste momento seria «a extinção total das propinas»

«Este ensino à distância não é ensino nenhum»

Por seu turno, Violeta Gregório, estudante da Academia Contemporânea de Espectáculo, no Porto, diz que «hoje continua a ser indispensável assinalar este dia», porque «algumas das reivindicações, com quase 60 anos, continuam actuais, como a democratização do ensino, o direito de associação e reunião» e porque «a escola de Abril ainda está por cumprir, e cabe-nos a nós exigi-la».

O ensino à distância só veio acentuar e criar novas barreiras socio-económicas, porque «um aluno é influenciado por factores que não controla, como a sua ligação à internet, o acesso a recursos que lhe permitam assistir às aulas, um ambiente familiar favorável». Para Violeta, «a nossa educação foi posta em stand by» e é inaceitável que se mantenha a «derradeira barreira socio-económica que são os exames nacionais».

Além disto, defende que a nossa saúde física e mental dos estudantes está em causa e que, na sua idade, passar oito horas em frente a um computador «é uma violência».

Lembra que «está na Constituição a obrigação de sermos protegidos enquanto jovens, e isso não é de todo aquilo que está a acontecer».

«A resposta, parecendo que não, é bastante simples. Primeiramente, a abertura das escolas com todas a medidas de segurança e saúde asseguradas. Isso é urgente. Depois, as reivindicações que já havia pré-pandemia, que não podem ser esquecidas ou atrasadas e que são igualmente urgentes: a contratação de mais professores e funcionários, de mais psicólogos, a realização de obras, visto que há escolas que estão literalmente a cair, a redução de alunos por turma, o acesso ao desporto e a valorização da prática desportiva, o acesso à cultura, à sua fruição e criação, o fim dos exames nacionais, privilegiando uma avaliação contínua», remata.

Reunião Geral de Alunos da Escola Secundária Fernão Mendes Pinto, em Almada. 10 de Outubro de 2018. Créditos

Mais funcionários e o fim dos exames nacionais

Os alertas de Matilde Paulino, membro da direcção da Associação de Estudantes da Escola Artística António Arroio, em Lisboa, são para evidenciar que «neste momento de crise, percebemos que as soluções apresentadas não são suficientes. Continuamos a precisar de mais funcionários, mais professores, mais condições materiais e, agora que estamos em casa, precisamos de ter realmente condições para aprender».

É mais uma voz que se junta àqueles que entendem que o ensino à distância, fez com que «todas as desigualdades que já existiam, se tenham acentuado ainda mais», o que se traduz em que muitos estudantes estejam a ficar para trás, porque «não têm computadores, não têm um local apropriado para estudar e assistir às aulas, ou não têm Internet. Muitos precisam de trabalhar para ajudar a família, e obviamente têm dificuldade em acompanhar o processo de aprendizagem e de avaliação».

«algumas das reivindicações, com quase 60 anos, continuam actuais, como a democratização do ensino, o direito de associação e reunião e (...) a escola de Abril ainda está por cumprir, e cabe-nos a nós exigi-la»

Violeta gregório, academia contemporânea do especáculo

A interacção social, que está «suspensa», é fundamental para «o processo evolutivo dos jovens», defende Matilde, que revela ainda que «sentimos na pele também as implicações nas artes destas limitações», pois «não conseguimos desenvolver os nossos trabalhos que têm de ser realizados em oficinas especializadas».

Mas os problemas não são de agora, pois «na minha escola, não temos intervalos, não temos balneários, não temos horários justos, e não temos refeitório». Nesse sentido, enquanto dirigente associativa, defende que tem de se abrir um «espaço de discussão sobre os problemas da escola», para serem exigidas «soluções concretas que dêem respostas às nossas necessidades». Entre as necessidades imediatas estão a «contratação de mais funcionários» e o fim dos exames nacionais.

Mais bolsas e repensar a pedagogia

Para Margarida Patrocínio, dirigente associativa na Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha, o «direito à educação para todos, democrática e gratuita, é algo que ainda não foi alcançado nos dias de hoje» e o ano de pandemia mais do que evidenciou isso. Na ESAD nem sequer foram disponibilizadas, pela direcção da escola, quaisquer medidas de apoio aos estudantes neste contexto. Ao que se soma a frustração da «manutenção do pagamento de propinas e custos associados».

Para além disso, a Margarida lembra que «estas limitações influenciaram muito a saúde mental dos estudantes» e que as instituições não dão resposta nesta área. «É um período que está a desmotivar os jovens, em particular, pois há um sentimento de falta de estímulo, propósito e de perda. Em especial na adolescência, em que a socialização é um dos factores mais predominantes para o crescimento do indivíduo».

Como resposta à actual situação dos estudantes, assume que «é necessário haver um reforço nos contextos de acção social escolar e adequar as condições da educação à situação socio-económica que se enfrenta no País. É importante haver um acompanhamento mais próximo das condições de cada estudante» e faz notar que são «irrealistas» as condições para elegibilidade para apoios e bolsas.

Urge assim repensar o «formato de pedagogia aplicado», de modo a cumprir-se «o que está consagrado da Constituição, que é o direito à educação para todos».

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