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«A luta estudantil não expira nem perde pertinência com os anos»

No Dia Nacional do Estudante, o AbrilAbril falou com vários estudantes e dirigentes associativos do movimento estudantil, que consideram que a melhor homenagem a décadas de luta é prossegui-la.

Estudantes da Universidade de Coimbra em luta por mais e melhores Serviços de Acção Social Escolar. Coimbra, 14 de Dezembro de 2020
CréditosJulia Floriano / acabra.pt

Um pouco por todo o País ecoam nas escolas e universidades conquistas e lutas de décadas de milhares de estudantes, algumas travadas nas duras condições de resistência ao fascismo. É esse o legado do Dia Nacional do Estudante (DNE), que continua a animar aqueles que também hoje não se conformam com as insuficiências e a degradação do direito a estudar.

O ensino público foi uma conquista da Revolução de Abril, e a Constituição da República Portuguesa garante-o universal e tendencialmente gratuito. Porém, a realidade das últimas décadas, em vez de dar cumprimento e aprofundar esses direitos e princípios, tem, pela mão de diversos governos, colocado mais entraves e dificuldades ao seu acesso.

A pandemia, e a obrigação do ensino à distância, evidenciaram ainda mais, por um lado, a importância da escola pública e, por outro, a necessidade urgente de se criarem todas as condições para que as escolas que abrem não voltem a fechar.

Colocámos perguntas semelhantes a diversos estudantes de diversos graus de ensino e de diferentes pontos do País. As respostas revelam que há muito a fazer em defesa do direito à educação, mas transmitem a esperança de uma geração que tem soluções para reverter quer os problemas causados pela pandemia, quer aqueles que decorrem de questões estruturais há muito identificadas.

Continuar a «luta por um Ensino Superior gratuito, democrático e de qualidade»

É peremptória Carolina Lopes, estudante da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, quando afirma que «a luta estudantil não expira nem perde pertinência com os anos» e que «aos estudantes é-lhes deixado em mãos o legado de todo um passado de luta e ousadia. E a melhor homenagem que podemos dar a todos os que para ele contribuíram é dar continuação à luta, que agora é nossa, marcando presença com afinco na luta por um Ensino Superior (ESup) gratuito, democrático e de qualidade».

Dia do Estudante – 55 anos da crise de 62

Do «decreto 40 900» ao luto académico – a crise de 62

Há 55 anos, os estudantes de Lisboa eram brutalmente reprimidos pela polícia, dando início ao luto académico e à crise de 62. A greve alcançou 25 mil estudantes, de acordo com relatos da época.

Crise Académica de 1962, Lisboa.
Créditos

A 24 de Março de 1962, os estudantes de Lisboa começam um desfile da Cidade Universitária em direcção ao Campo Grande, onde, numa manobra para desmobilizar o protesto estudantil, o reitor Marcello Caetano prometera um jantar.

É sobre este desfile que cai uma violenta repressão da polícia que tinha entrado no recinto da Universidade, como conta Albano Nunes, à época secretário-geral da Reunião Inter-Associações (RIA), em artigo no Militante.

No dia seguinte realizam-se grandes reuniões e no dia 26 dá-se início ao luto académico sob a palavra de ordem «Ofenderam-te? Enluta-te!», com enormes plenários, reuniões, desfiles, greves às aulas. O governo fascista responde com mais violência da polícia de choque, resultando na prisão e expulsão de centenas de estudantes. A partir desse ano, o 24 de Março passa a ser o Dia do Estudante, sendo reconhecido pela Assembleia da República em 1987.

O movimento estudantil e a democratização do ensino

As lutas estudantis dos anos 60, nomeadamente a crise de 62, beneficiaram da experiência acumulada e da luta durante a ditadura fascista, desde os anos 30: com os Comités de Defesa Académica, a eleição de Álvaro Cunhal para o Senado da Universidade de Lisboa, o relançamento das Associações de Estudantes nos anos 50 e a criação das Comissões Pró-Associação onde estas eram proíbidas e encerradas.

A luta contra o «decreto 40 900» em 1957, que pretendia esvaziar e governamentalizar todo o movimento associativo estudantil, permitiu que, pela primeira vez, a Assembleia Nacional fascista revogasse um decreto governamental após a intervenção do movimento estudantil.

A par da experiência acumulada, surgiam ecos da luta anti-imperialista em Cuba, na Argélia ou no Vietname, enquanto em Angola eram dados os primeiros passos na luta contra o colonialismo português. As eleições presidenciais de 1958, com a candidatura de Humberto Delgado, e as lutas dos trabalhadores contra o fascismo (que culminaram no 1.º de Maio de 1962) criaram condições favoráveis ao protesto estudantil.

Mas as reivindicações estavam intimamente ligadas com a vida da Universidade, como hoje acontece. Naquele ano de 1962, os estudantes lutavam pela democratização do acesso ao ensino - em 1959 apenas 2,9% dos estudantes universitários eram filhos de trabalhadores - e igualmente pela liberdade de organização dos estudantes nas suas Associações.

1962: iníco da onda de lutas estudantis que atravessaram a Europa nos anos 60

As lutas estudantis de 62 são inseparáveis do clima de ascenso da luta popular e democrática contra o fascismo: das manifestações contra a farsa eleitoral de 1961 em Almada, na Covilhã e em Alpiarça; das lutas dos assalariados agrícolas do Sul pelas 8 horas; das manifestações do 31 de Janeiro e do 8 de Março no Porto; da manifestação do 1.º de Maio em Lisboa.

O ano de 1962 é ainda marcado pela ocupação das instalações da Associação Académica de Coimbra (decidida em reunião magna, em Maio) e da Cantina da Universidade de Lisboa, em solidariedade com 80 estudantes que faziam greve da fome.

A repressão com que as forças fascistas responderam a todas as formas de luta e reinvidicações dos estudantes tiveram como efeito o seu contacto, em muitos dos casos pela primeira vez, com a verdadeira face do regime. Esta tomada de consciência levou a uma crescente politização dos estudantes e a uma identificação da sua luta e dos seus objectivos com a luta dos trabalhadores e do povo português pela liberdade e a democracia.

Ao contrário do que o regime tentou através dos seus instrumentos (nomeadamente dos órgãos de comunicação que tinha na mão), os estudantes sempre contaram com a simpatia e mesmo solidariedade da população, de diversos sectores, e mesmo de vários professores.

A crise de 62 inaugurou a onde de lutas estudantis que atravessaram a Europa nos anos 60. Cinquenta e cinco anos depois, o Dia do Estudante em Portugal permanece como dia de luta, das reivindicações dos estudantes do Ensino Superior.


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Dia do Estudante – 55 anos da crise de 62
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Perante o quadro actual, Carolina revela que uma das maiores dificuldades que sentiu com o ensino à distância ocorreu «ainda antes de ingressar no ESup», na preparação dos exames nacionais, em que se sentiu desprotegida. Já na faculdade, «a qualidade do ensino à distância é de bradar aos céus, havendo enormes dificuldades em acompanhar os conteúdos devido aos problemas técnicos e também ao método de ensino usado».

Como se não bastasse, encontrar alojamento foi mais uma árdua tarefa, porque sendo estudante deslocada teve de se «sujeitar a um mercado imobiliário caótico com preços exorbitantes devido à falta de residências para estudantes». O que se soma ao facto de que «o preço das propinas não confinou, sendo exigida a totalidade das mesmas, fazendo com que vários colegas meus estejam a ponderar deixar os estudos».

Não tem dúvidas de que o grande problema a resolver é o do «subfinanciamento sistemático do ESup» e, por isso, entende que é de se pôr fim às propinas, assim como «muscular a oferta de bolsas a curto prazo e investir em residências estudantis» e «nas infra-estruturas que se encontram degradadas», e contratar mais funcionários e psicólogos.

Direitos democráticos não se suspendem, nem se adiam

É o que se retira da experiência de Beatriz Augusto, dirigente associativa no Colégio Internato dos Carvalhos, em Pedroso, Vila Nova de Gaia, que denuncia que os ataques aos direitos dos estudantes do Ensino Secundário (ESec) foram intensificados a pretexto da pandemia. Mas não baixa os braços perante a colocação de direitos «numa lista não-prioritária» e entende que, mais do que nunca, é oportuno «ter voz» e assinalar o DNE, «para celebrarmos as conquistas feitas e relembrar que ainda existe muito a ser feito».

No seu relato, «enquanto aluna de um curso com plano próprio que conjuga o ensino profissional com o cientifico-humanístico, a sobrecarga horária já é algo usual. Contudo, esta agravou-se com o ensino à distância já que, sem oportunidade de finalizar o estágio de 400 horas não remunerado começado em Outubro, vi-me obrigada a realizar um projecto de "prática simulada"», com muito mais trabalhos para realizar.

A «luta contra as propinas, o movimento anti-RJIES, a questão das bolsas. Toda uma agenda política que tem aumentado a base de homenagem e simbolismo que este dia tem»

JOão Assunção, presidente da AAC

Pensa que os estudantes vivem esta realidade como «um abandono por parte dos professores que, no lugar de aulas teóricas, pediam trabalhos de pesquisa sobre a matéria», sempre com a tónica de «cumprir metas e dar o programa». O que se liga com «problemas como a falta de motivação, cansaço, ansiedade e outras doenças do foro mental», que se agravaram.

Para além disso, sente que foi amputada no direito a ser jovem com a «estagnação das actividades desportiva e cultural» e as limitações à acção política e reivindicativa, «que tanto nos querem tirar através da política do medo». Para Beatriz, «o importante é percebermos que tudo se pode fazer, desde que se cumpram as devidas medidas de segurança, pois não existe melhor forma de asseguramos os nossos direitos senão exercendo-os».

Nesse sentido, «o mais urgente é dar voz aos estudantes» e denuncia que, na sua escola, «a direcção tenta invocar a desculpa de ser um estabelecimento privado e religioso (embora com financiamento público) para nos impedir de realizar uma RGA».

A crise académica de 1962, que durou vários meses, com greves às aulas, prisões de estudantes, manifestações e cargas policiais, abalou o regime fascista. Créditos

Uma acção de luta em defesa desta geração

Nas palavras de João Assunção, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), este é um ano em que faz ainda mais sentido assinalar o Dia Nacional do Estudante (DNE), em «homenagem às gerações de 62 e 69, que travaram uma luta brutal contra o regime do Estado Novo, e que contribuíram para a abertura das portas de Abril em 74. Isso é muito importante para a AAC, desde logo porque a Académica foi fundamental nessas lutas estudantis em 69».

Lembrou ainda que, «ao longo destas últimas três décadas, desde que se promulgou o DNE, muitas foram as batalhas que se foram travando no movimento estudantil, onde a ACC sempre se inseriu», dando os exemplos da «luta contra as propinas, o movimento anti-RJIES, a questão das bolsas. Toda uma agenda política que tem aumentado a base de homenagem e simbolismo que este dia tem».

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1969 – cinquenta anos depois

Hoje, tantas décadas passadas, parece incompreensível que o simples pedido de direito à palavra por parte de um representante da comunidade estudantil tenha sido considerado como um gesto de intolerável subversão.

Manifestação estudantil em Coimbra. Foto de arquivo.
Créditos / Associação Académica de Coimbra (AAC)

O último ano da sexta década do século passado, não foi para Portugal um ano qualquer. Meio século depois, para grande parte dos portugueses, a distância é tanta que o tempo dilui factos e personagens, e vai apagando a sua relevância e memória.

Talvez seja oportuno, num tempo em que se pretende diminuir o papel da História nos programas escolares, lembrar um passado que os mais velhos viveram, quanto mais não seja pela sua ligação ao presente e lições que dele se possam tirar.

A memória de um tempo brutal e opressivo serve, seguramente, para prevenir sacrifícios futuros, se a conseguirmos passar às gerações mais novas.

Relembremos que já em finais de 1968, depois da queda da cadeira de Salazar, em Agosto, num regime que proibia qualquer protesto colectivo, as greves começaram a rebentar por todo o lado.

«A memória de um tempo brutal e opressivo serve, seguramente, para prevenir sacrifícios futuros, se a conseguirmos passar às gerações mais novas»

A da Lisnave, ainda nesse mesmo ano, as da General Motors e da Ford, já em Fevereiro de 1969, e logo, em Março, as da Covina, Cel-Cat, Diogo de Ávila, Utic, Robiallac, Parry & Son, Trefilaria, Fábrica Simões, Arsenal, Cimentos Tejo, Firestone, CNE, CUF, Tabaqueira, Loiça de Sacavém, Sacor, Sapec, Ecril, Mague, Tudor, Nitratos de Prata, a que, entre outras, ainda se pode acrescentar a dos ferroviários.

Nesses primeiros meses de 1969, num país pouco industrializado, mais de cem mil operários estão em greve, desafiando uma ditadura que a proíbe e reprime.

E essa componente da luta operária, tantas vezes esquecida ou menorizada, mostra que o passado que mais se escreve, tem, frequentemente, uma marca de classe.

Em Aveiro, então bem mais pequena do que é hoje, o núcleo duro de opositores à ditadura, então em plena fase de encenação da «Primavera Marcelista», preparava já o II Congresso Republicano.

 

No centro da importante iniciativa, como já o tinha sido no I Congresso, também em Aveiro, em 1957, encontrava-se Mário Sacramento, médico, escritor, intelectual de primeira grandeza1, com enorme prestígio e projecção nacional, depois tão esquecido nas homenagens do poder, que tantas vezes preferiu salientar personalidades medíocres ou de segunda linha, talvez pelo «pecadilho» de ser membro do então único partido resistente organizado e na clandestinidade, o PCP2.

 

Mário Sacramento morreu há meio século, em Março desse ano de 69, com 48 anos de idade e cinco prisões que lhe marcaram o corpo e a mente, a primeira quando era ainda aluno do liceu.

«Nasci e vivi num mundo de inferno. Há dezenas de anos que sofro, na minha carne e no meu espírito, o fascismo. Recebi dele perseguições de toda a ordem – físicas, económicas, profissionais, intelectuais, morais. Mas, que as não tivesse sofrido, o meu dever era combatê-lo. O fascismo é o fim da pré-história do homem. E procede, por isso, como um gangster encurralado. Fiz o que me foi possível para me libertar, e aos outros, dele. É essa a única herança que deixo aos meus Filhos e aos meus Companheiros. Acabem a obra! Derrubem o fascismo, se nós não o pudermos fazer antes! Instaurem uma sociedade humana! Promovam o socialismo, mas promovam-no cientificamente, sem dogmatismos sectários, sem radicalismos pequeno-burgueses! Aprendam com os erros do passado! E lembrem-se que nós, os mortos, iremos nisso ao vosso lado!». (Carta-Testamento, Abril, 1967)3.

 

O II Congresso da Oposição ir-se-ia concretizar dois meses depois da sua morte, em Maio de 69, preparando o caminho para as eleições de 26 de Outubro, outra fachada democrática com que o regime procurava disfarçar a sua alma fascista, depois da derrota de Hitler e Mussolini na II Guerra Mundial.

 

«Mário Sacramento morreu há meio século, em Março desse ano de 69, com 48 anos de idade e cinco prisões que lhe marcaram o corpo e a mente, a primeira quando era ainda aluno do liceu»

 

O lugar de secretário do II Congresso ficou com uma cadeira vazia4, símbolo da importância da perda, salientada também no desenho gigante do seu perfil, pregado no pano de fundo do palco por onde passariam algumas das maiores figuras da cultura portuguesa.

 

O grande resistente, tão precocemente desaparecido, não chegou a ver o III Congresso da Oposição em Aveiro, em 1973, que continuou o trilho já aberto, e cujo último acto – uma grande manifestação de romagem à sua campa – foi violentamente reprimido pela polícia de choque, mostrando o medo que o regime tinha da força da sua memória.

Também não chegou a ver o início da maior Crise Estudantil, em Coimbra, desencadeada cerca de um mês depois de nos ter deixado, com o pedido do Presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC) de, em nome dos estudantes, usar da palavra na cerimónia de inauguração do novo edifício das Matemáticas, a 17 de Abril de 1969.

 

Hoje, tantas décadas passadas, parece incompreensível que o simples pedido de direito à palavra por parte de um representante da comunidade estudantil, num evento marcante da Universidade a que pertencia, tenha sido considerado como um gesto de intolerável subversão, provocando a maior perturbação nas hostes da ditadura que desencadeou uma cascata de actos repressivos – prisão do Presidente da AAC no mesmo dia, suspensão de oito dirigentes e posteriores processos disciplinares a mais de quatro dezenas, prisões e interrogatórios pela PSP e Judiciária, encerramento da AAC, mobilização coerciva para a tropa – a que os estudantes foram respondendo com greves a aulas e exames, para além de outras manifestações de solidariedade e de protesto.

Naturalmente que a justamente chamada «Crise de 69» – que, ao contrário de como é habitualmente relatada, se prolongou com picos de uma ainda maior violência até meados de 71 (numa sucessão de eleições, greves, manifestações, cargas policiais, prisões e tortura de estudantes pela PIDE em Caxias e novo encerramento da AAC) – não caiu do céu ou foi fruto de uma cartada solta dos seus dirigentes.

 

«Hoje, tantas décadas passadas, parece incompreensível que o simples pedido de direito à palavra por parte de um representante da comunidade estudantil num evento marcante da Universidade a que pertencia, tenha sido considerada como um gesto de intolerável subversão»

 

Antes do pedido da palavra que marcou o estalar da Crise – iniciativa nascida na Junta de Delegados de Ciências (utilizadores das novas instalações) e adoptada pela Direcção da AAC e pelo seu Presidente – houve todo um percurso de mais de uma década de persistentes lutas e protestos estudantis contra o ambiente opressivo e retrógrado das Universidades Portuguesas, com maior relevância em 1957, 1962 e 1965, alguns dos quais (como em 1962) com uma expressão simultânea nas três universidades existentes na altura.

 

Para quem viveu a crise estudantil de 1969 em Coimbra, que agora também comemora a passagem de meio século, a sua importância pelo papel que desempenhou na frente de luta contra a ditadura e na compreensão das formas de resistência cívica às arbitrariedades do poder, não pode ser diminuída.

 

O enfrentamento que constituiu a greve aos exames, quando o risco de perda do ano e por vezes do curso, com automática mobilização para a guerra, eram então postos em cima da mesa de muitos dos que não queriam trair a vontade da imensa maioria expressa em Assembleia Magna, representou um sacrifício colectivo que mudou a academia e a cidade para sempre.

 

A alegria que impregnou a luta e a dignidade conquistada marcou indelevelmente os que viveram essa época e foram muitos e inesquecíveis os momentos de fraterna emoção que afloraram no meio dos obstáculos vencidos.

Coimbra começou o ano de 1969 ainda mergulhada num ambiente de atrasado provincianismo, com a boémia das bebedeiras, os lares para raparigas e a separação dos sexos, onde apenas se consentiam os bailes às quartas e sábados (em que ainda se perguntava «a menina dança?»), marca do atraso cultural e da falta de cosmopolitismo de um quotidiano triste e baço ainda mais marcado que no das grandes cidades do Porto ou de Lisboa, e entrou na década de setenta, respirando já um ar mais puro, com uma academia mais livre, moderna e politizada, onde rapazes e raparigas conviviam sem os velhos e caducos preconceitos que viam no simples uso de calças ou na ida ao café sem companhia, uma inaceitável degradação da moral feminina.

 

«A alegria que impregnou a luta e a dignidade conquistada marcou indelevelmente os que viveram essa época e foram muitos e inesquecíveis os momentos de fraterna emoção que afloraram no meio dos obstáculos vencidos»

 

E se em 69, só na despedida dos estudantes castigados que iam para a tropa surgiram protestos explícitos contra a guerra colonial (questão sensível que o regime não tolerava), nos anos seguintes a consciência da sua perversa continuação e da entrega da riqueza do país a interesses de uma elite parasitária que não tinha em conta a miséria e desastre em que mergulhava todo um povo, tornou-se cada vez mais consensual e consciente, aflorando em todas as frentes políticas em que a juventude marcava presença.

 

Também quanto a isso Mário Sacramento usou a História e os seus ensinamentos para contornar, com elevação, a censura do regime, dizendo tudo.

Deixemo-nos agarrar pelo brilho do seu último discurso, nas comemorações do 31 de Janeiro, em 69, no velho Teatro Aveirense:

 

«O 31 de Janeiro de 1891 foi, assim, o estrebuchar de um povo que supôs bastar-lhe a mudança de patrão – o rei, no caso – para resolver os seus dramáticos problemas. Não há dúvida que o patrão se tornara um mero feitor de interesses abstencionistas, pois os verdadeiros donos do País eram os proprietários ingleses do vinho do porto, por exemplo, ou as companhias estrangeiras que exploravam os nossos recursos metropolitanos e ultramarinos. Merecia que o escorraçassem, e a quantos partilhavam tais despojos! Mas mudar de feitor não é transformar as estruturas que administre por conta alheia. Distinguir o falso dono do verdadeiro proprietário – seja ele inglês, americano ou alemão – é o passo fundamental que desde sempre se nos impôs dar para que a Pátria seja verdadeiramente nossa e, como tal, soberana e livre.»

 

Haverá mensagem mais actual, quanto à política imperial e predadora dos EUA de Trump e da União Europeia de Merkel, Hollande ou Macron, com os seus ultimatos e a suas «regras» que atropelam toda a legalidade e legitimidade e o respeito pela soberania e dignidade das nações ?

 

«[…]Onde os privilégios económicos subsistem, os direitos políticos não estão enraizados e podem ser coartados sem dificuldade. A política não é mais do que a cúpula do edifício societário. Pode ser pintada de mil maneiras, mas não deixa por isso, de fazer corpo com as paredes que a sustentam».

 

Haverá palavras mais oportunas, num momento em que o fino verniz da verve democrática do neoliberalismo estala, sacrificando, «em casa», as liberdades e direitos dos cidadãos, cavando mais as desigualdades, descredibilizando as estruturas democráticas?

 

Pode-se ser mais claro quando a extrema-direita fascista cresce e integra ou domina o poder em quase metade dos países da Europa, onde ressurge abertamente o racismo, a xenofobia e o tratamento desumano dos refugiados das guerras que o grande capital engendra?

 

«Mas pode-se ver o fim à História? É evidente que não. A História é um fazer incessante e nunca ninguém viu ou verá tudo aquilo por que se bateu ou luta, pois fica algo a meio do caminho. Ficou a meio do caminho o 31 de Janeiro de 1891. Está a meio do caminho o 31 de Janeiro de 1969, pois há outros oradores depois de mim. Vai a meio do caminho, quanto à Humanidade, a ida à Lua, a Vénus, a Marte e não seremos nós os Vascos da Gama de tais jornadas. Nenhum desses planetas aceitaria, aliás, ultimatos como o que Afonso de Albuquerque enviou ao sultão de Ormuz ou que o embaixador Petre entregou a D. Carlos de Bragança. Não se faz a História com ultimatos, nos nossos dias. Mas faz-se, como há 78 anos, com vivas como este. Viva a libertação!»

 

«[…]onde os privilégios económicos subsistem, os direitos políticos não estão enraizados e podem ser coartados sem dificuldade»

 

O que Mário Sacramento não adivinhava é que com a queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria, os ultimatos como o de Afonso de Albuquerque ou do embaixador Petre voltariam. Na antiga Jugoslávia, no Iraque, na Líbia, na Síria, na Cisjordânia, na Venezuela.

 

Também por isso, no mês dos cravos, podemos repetir o último «viva!» com que terminou o discurso de 31 de Janeiro de 1969.

 

Ele permanece tão actual como na altura.

 

 

  • 1. Mário Emílio de Morais Sacramento nasceu em Ílhavo, a 7 de Julho de 1920, e faleceu a 27 de Março de 1969 no Porto. O médico, escritor neo-realista, ensaísta e político foi, até à sua morte, uma das mais importantes figuras do movimento de oposição democrática ao regime fascista. A sua biografia pode ser encontrada na Wikipédiana página Antifascistas na Resistência e em Aveirenses Ilustres – neste caso pela mão da sua irmã Maria Ivone.
  • 2. Em nota publicada na véspera do aniversário da sua morte, a Comissão Concelhia de Aveiro do PCP relembrou Mário Sacramento e anunciou «um programa de Comemorações do Centenário do Nascimento de Mário Sacramento, que irá incluir debates, sessões públicas e uma exposição», a iniciar «ainda este ano e a terminar em 2020».
  • 3. Deixada por Mário Sacramento em envelope fechado com a indicação «Para ser aberto quando eu morrer» e assinado o envelope com a indicação «Escrito em 7-4-1967», a Carta-Testamento teve uma primeira edição em livro em 1973, através da Editorial Inova (Porto), com grafismo de Armando Alves. Inclui, além daquele texto, intervenções de Óscar Lopes («Palavras de Óscar Lopes no Enterro de Mário Sacramento»), Álvaro Salema, Fernando Namora, Ilídio Sardoeira, Mário Castrim, Urbano Tavares Rodrigues e Vergílio Ferreira. Infelizmente encontra-se esgotada e apenas se consegue obter em alguns alfarrabistas. Esperemos que a proximidade do Centenário permita uma reedição pelo menos tão singelamente bela como a original. Entretanto, o leitor encontrará o texto integral da Carta-Testamento aqui.
  • 4. Mário Sacramento, que ainda jovem participara na oposição ao fascismo e, nos anos 40, integrara a Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD Juvenil), foi «secretário-geral e principal obreiro da comissão promotora do Primeiro Congresso Republicano, um fórum da oposição democrática que se reuniu em Aveiro no ano de 1957». À altura do seu falecimento, a 27 de Março de 1969, Mário Sacramento liderava igualmente o Secretariado encarregue da preparação do Segundo Congresso Republicano, que se viria a realizar também em Aveiro, entre 15 e 17 de Maio de 1969. O lugar deixado propositadamente vago foi a homenagem do Congresso ao infatigável lutador e organizador.
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Em mais um aniversário da crise estudantil de 1969, em Coimbra, o AbrilAbril recupera um artigo de Jorge Seabra sobre o tema. A republicação integra o plano das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, onde, entre outros aspectos, procuraremos expor a realidade do regime fascista.
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É esse o sentido que a Académica quer dar a este dia, que assinala «com intervenção política», porque consideram estar em causa a precarização desta geração e da juventude, sendo necessário garantir um futuro tranquilo e uma vida digna no ESup, «e quando sairmos dele».

Está assim agendada para hoje uma concentração em frente do edifício da AAC, estando garantido o respeito por «todas as normas sanitárias», porque Coimbra quer chamar a atenção, não só da tutela, mas de todos os órgãos de soberania, para o facto de que, neste ano em particular, poderemos «resvalar para uma situação muito severa em termos de instabilidade e precariedade, que a nossa geração já viveu com a intervenção da Troika». Situação que não é inevitável, pois «existem formas de o impedir, e estão na alçada de quem governa, legisla e preside. Para que não haja um remake de uma nova geração à rasca».

As reivindicações são claras, e passam por respostas «vitais» como a propina zero, naquilo que João Assunção entende ser uma «descida progressiva no primeiro ciclo de estudos», assim como «a definição de um tecto máximo das propinas no segundo ciclo de estudos, cujos valores estão altamente descontrolados em algumas instituições do ESup»; o aumento do número de estudantes abrangidos por bolsas de estudos; e a defesa da comunidade dos estudantes internacionais, exigindo «a descida e equidade da propina internacional».

Acabar com as propinas

Ghyovana Carvalho, estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , sente que, ao longo dos últimos anos, «os direitos, liberdades e garantias que a Constituição nos atribui têm sido colocados em causa, o que só se intensificou com a pandemia».

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Estudantes de Serpa em protesto contra o frio gélido nas salas de aula

O frio extremo expõe as debilidades da escola, que carece de obras que o Governo já deveria ter feito há anos. O Município revela que avança com as obras, acusando o poder central de se «desresponsabilizar».

CréditosNuno Veiga / Agência Lusa

O poder central tem ignorado os sucessivos pedidos da Câmara Municipal de Serpa para a realização das obras urgentes na Escola Básica e Secundária. E as consequências são as de centenas de estudantes terem aulas em condições de frio permanente, por causa das debilidades do edifício, agravadas pela orientação emanada pela Direcção-Geral de Saúde, para se manterem as «janelas abertas».

Neste sentido, os estudantes organizaram concentrações durante três dias à porta da escola e hoje, entre as palavras de ordem, gritou-se «estudantes unidos, jamais serão vencidos», enquanto se lia, em cartazes, «sala gelada, cabeça parada» e «para estarmos ao frio, estamos na rua».

A estudante Patrícia Ferro explicou à Lusa que costuma «trazer gorro, luvas, às vezes três ou quatro blusas, por vezes térmicas, e até pijama, calças e collants ou três pares de meias e casaco. Muita roupa, para não passar tanto frio, mas mesmo assim tenho frio». E disse também que «por causa da pandemia, ainda é pior, porque têm que abrir as janelas e portas para arejar a sala».

Depois da concentração, os estudantes decidiram rumar à sede do Município, onde uma delegação da Associação de Estudantes foi recebida pelo executivo camarário.

Ao mesmo tempo, o vice-presidente da autarquia, Carlos Alves, transmitiu aos estudantes cá fora toda a solidariedade da autarquia, explicando que «esta obra é responsabilidade do Governo» e que o município fala com o ministério da Educação «há anos sobre esta escola, [cuja obra] já devia estar feita».

Mafalda Silva, membro da Associação de Estudantes, manifestou contentamento com o apoio e solidariedade da autarquia e revelou disponibilidade para realizar uma luta em frente ao Ministério da Educação, em Lisboa, porque os estudantes querem «ser ouvidos por quem tem mais poder». A Câmara já se disponbilizou para apoiar com meios de transporte.

Odete Borralho, vereadora da autarquia  com o pelouro da Educação, chamou a atenção para um processo «longo e dificíl», tendo explicado que o Ministério da Educação desde há quatro anos não só não assume a sua competência, como tem «atirado para cima da Câmara responsabilidades que são suas».

«A Câmara vai assumir realizar esse projecto, com dinheiro do seu orçamento», avançou a vereadora, que explicou ainda que a autarquia «não vai ser ressarcida por esse investimento», que é competência do poder central, porque quem tem sofrido com este atraso nas obras são os alunos e trabalhadores da escola.

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A estudante não tem dúvidas de que o ensino à distância «foi mais uma fonte de aprofundamento das desigualdades já sentidas» e critica plataformas «desadequadas para aguentar o elevado número de alunos que compareciam nas aulas», falhas constantes de conexão e ainda o facto de muitos alunos, «inclusive eu mesma, não tínhamos equipamentos electrónicos para acompanhar as aulas de forma eficaz». Uma colega, por causa de uma actualização da plataforma que não corria no seu computador, ficou impedida de assistir a aulas e realizar exames, mas «os serviços académicos não deram qualquer tipo de apoio, apenas a aconselharam a comprar um novo computador, o que é apenas ridículo».

«Não só sentimos que os nossos direitos foram "suspensos", como não temos espaço de manobra quase nenhum para realizar actividades, manifestações e acções reivindicativas que nos permitissem lutar pelos nossos direitos». Ghyovanna entende que os estudantes têm de ser integrados nas tomadas de decisão que os afectam, e faz notar que o mais importante neste momento seria «a extinção total das propinas»

«Este ensino à distância não é ensino nenhum»

Por seu turno, Violeta Gregório, estudante da Academia Contemporânea de Espectáculo, no Porto, diz que «hoje continua a ser indispensável assinalar este dia», porque «algumas das reivindicações, com quase 60 anos, continuam actuais, como a democratização do ensino, o direito de associação e reunião» e porque «a escola de Abril ainda está por cumprir, e cabe-nos a nós exigi-la».

O ensino à distância só veio acentuar e criar novas barreiras socio-económicas, porque «um aluno é influenciado por factores que não controla, como a sua ligação à internet, o acesso a recursos que lhe permitam assistir às aulas, um ambiente familiar favorável». Para Violeta, «a nossa educação foi posta em stand by» e é inaceitável que se mantenha a «derradeira barreira socio-económica que são os exames nacionais».

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Estudantes do ISCTE exigem «espaço para comer, dormir e estudar»

Numa acção de luta levada a cabo por dezenas de estudantes esta quinta-feira, reivindicou-se a melhoria das condições existentes nas instalações para que se garantam a segurança e a saúde dos alunos.

«Sem espaço para comer, sem espaço para dormir, sem espaço para estudar!» foi o lema que motivou a concentração que denunciou a falta de espaços de refeição, de estudo e na residência estudantil.

A falta de espaços de refeição no ISCTE era já um problema identificado em anos lectivos anteriores, mas que se agravou com o fim das concessões dos espaços de refeição disponíveis durante o confinamento.

Os estudantes referem que apenas «um espaço continua a servir refeições, sem qualquer intervenção da Acção Social Escolar» e reclamam a melhoria das condições das cantinas, a criação de novos espaços de refeição e a criação de «uma verdadeira refeição social», a preço «justo».

As condições de estudo são também objecto de denúncia, uma vez que as salas de estudo são insuficientes e não permitem cumprir normas de distanciamento. Ao mesmo tempo, a qualidade do acesso ao ensino também está em causa com as «falhas e obstáculos das aulas online», registando-se as falhas de internet e falta de computadores.

As residências estudantis continuam àquem das necessidades, uma vez que, para os mais de dez mil estudantes do ISCTE, a residência só tem 77 camas.

A exigência de mais financiamento público, a denúncia da falta de democracia na faculdade e as insuficiências dos serviços académicos e da Acção Social Escolar foram outros dos problemas que estiveram na base do protesto.

Os estudantes afirmam que prosseguirão a sua luta aderindo, já no dia 18 de Novembro, à concentração marcada para as 15h em frente à Assembleia da República em defesa do «Ensino Superior a que temos direito».

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Além disto, defende que a nossa saúde física e mental dos estudantes está em causa e que, na sua idade, passar oito horas em frente a um computador «é uma violência».

Lembra que «está na Constituição a obrigação de sermos protegidos enquanto jovens, e isso não é de todo aquilo que está a acontecer».

«A resposta, parecendo que não, é bastante simples. Primeiramente, a abertura das escolas com todas a medidas de segurança e saúde asseguradas. Isso é urgente. Depois, as reivindicações que já havia pré-pandemia, que não podem ser esquecidas ou atrasadas e que são igualmente urgentes: a contratação de mais professores e funcionários, de mais psicólogos, a realização de obras, visto que há escolas que estão literalmente a cair, a redução de alunos por turma, o acesso ao desporto e a valorização da prática desportiva, o acesso à cultura, à sua fruição e criação, o fim dos exames nacionais, privilegiando uma avaliação contínua», remata.

Reunião Geral de Alunos da Escola Secundária Fernão Mendes Pinto, em Almada. 10 de Outubro de 2018. Créditos

Mais funcionários e o fim dos exames nacionais

Os alertas de Matilde Paulino, membro da direcção da Associação de Estudantes da Escola Artística António Arroio, em Lisboa, são para evidenciar que «neste momento de crise, percebemos que as soluções apresentadas não são suficientes. Continuamos a precisar de mais funcionários, mais professores, mais condições materiais e, agora que estamos em casa, precisamos de ter realmente condições para aprender».

É mais uma voz que se junta àqueles que entendem que o ensino à distância, fez com que «todas as desigualdades que já existiam, se tenham acentuado ainda mais», o que se traduz em que muitos estudantes estejam a ficar para trás, porque «não têm computadores, não têm um local apropriado para estudar e assistir às aulas, ou não têm Internet. Muitos precisam de trabalhar para ajudar a família, e obviamente têm dificuldade em acompanhar o processo de aprendizagem e de avaliação».

«algumas das reivindicações, com quase 60 anos, continuam actuais, como a democratização do ensino, o direito de associação e reunião e (...) a escola de Abril ainda está por cumprir, e cabe-nos a nós exigi-la»

Violeta gregório, academia contemporânea do especáculo

A interacção social, que está «suspensa», é fundamental para «o processo evolutivo dos jovens», defende Matilde, que revela ainda que «sentimos na pele também as implicações nas artes destas limitações», pois «não conseguimos desenvolver os nossos trabalhos que têm de ser realizados em oficinas especializadas».

Mas os problemas não são de agora, pois «na minha escola, não temos intervalos, não temos balneários, não temos horários justos, e não temos refeitório». Nesse sentido, enquanto dirigente associativa, defende que tem de se abrir um «espaço de discussão sobre os problemas da escola», para serem exigidas «soluções concretas que dêem respostas às nossas necessidades». Entre as necessidades imediatas estão a «contratação de mais funcionários» e o fim dos exames nacionais.

Mais bolsas e repensar a pedagogia

Para Margarida Patrocínio, dirigente associativa na Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha, o «direito à educação para todos, democrática e gratuita, é algo que ainda não foi alcançado nos dias de hoje» e o ano de pandemia mais do que evidenciou isso. Na ESAD nem sequer foram disponibilizadas, pela direcção da escola, quaisquer medidas de apoio aos estudantes neste contexto. Ao que se soma a frustração da «manutenção do pagamento de propinas e custos associados».

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«Sem educação cultural, não existirá Cultura»

Esta quarta-feira, no Porto, dezenas de estudantes participaram numa acção de luta a reivindicar respostas às consequências do «desinvestimento no Ensino Superior Artístico» e a defesa da Cultura.

CréditosEstela Silva / Agência Lusa

«Pelas péssimas condições a que somos expostos, vem à luta!», lia-se num cartaz de mobilização para o protesto de ontem, levado a cabo por estudantes da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), da Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD) e da Escola Superior de Artes e Design (ESAD).

Os membros do Movimento de Estudantes do Ensino Superior Artístico afirmam-se «vítimas da falta de respostas efectivas, por parte do Estado, para a resolução dos seus problemas», e intercedem por mais financiamento para o Ensino Superior e por mais apoios à Cultura.

Para os dinamizadores do protesto, «sem educação cultural, não existirá Cultura» e, nesse sentido, durante a acção de luta decorreu também um momento performativo.

André Araújo, porta-voz do movimento, referiu, em declarações à Lusa, que esta via de ensino tem sido esquecida ao longo «de décadas e décadas».

«A cultura começa com educação artística e o futuro da cultura está connosco, mas se somos deixados ao abandono, a Cultura não terá futuro», defendeu o estudante, acrescentando ainda que a pandemia de Covid-19 «veio pôr a cru» esta realidade, com o agudizar da falta de condições materiais.

«Sem educação, não há cultura» e «Ensino artístico, gratuito para todos» foram as palavras de ordem do protesto, no qual a estudante Francisca Castro, do 2.º ano de Artes Plásticas na FBAUP, explicou à Lusa que «o Ensino Superior é suposto ser justo e gratuito», condenando as propinas.

No manifesto que serviu para divulgar a concentração, os estudantes referem o dever do Estado em garantir a todos os cidadãos, «independentemente do berço em que nasceram, o direito à formação especializada, digna, gratuita e de qualidade». E enumeram problemas que vivem diariamente, e que querem ver resolvidos, como o facto de chover nas salas de aula, o pagamento de propinas e taxas, ou a falta de salas e limitações dos espaços.

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Para além disso, a Margarida lembra que «estas limitações influenciaram muito a saúde mental dos estudantes» e que as instituições não dão resposta nesta área. «É um período que está a desmotivar os jovens, em particular, pois há um sentimento de falta de estímulo, propósito e de perda. Em especial na adolescência, em que a socialização é um dos factores mais predominantes para o crescimento do indivíduo».

Como resposta à actual situação dos estudantes, assume que «é necessário haver um reforço nos contextos de acção social escolar e adequar as condições da educação à situação socio-económica que se enfrenta no País. É importante haver um acompanhamento mais próximo das condições de cada estudante» e faz notar que são «irrealistas» as condições para elegibilidade para apoios e bolsas.

Urge assim repensar o «formato de pedagogia aplicado», de modo a cumprir-se «o que está consagrado da Constituição, que é o direito à educação para todos».

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