Acabou por ser João Pedro Matos Fernandes a deslocar-se ao Parlamento esta terça-feira para falar sobre a escalada do preço dos combustíveis, conforme requerimento do PCP. No debate, na Comissão Permanente da Assembleia da República, o ministro do Ambiente afirmou que o Estado «não fixa nem quer fixar» o preço por litro do gasóleo ou da gasolina, apesar dos aumentos «expressivos» que, diz Matos Fernandes, «todos» vamos pagar, reconhecendo existir um «entendimento» entre as empresas petrolíferas nos preços dos combustíveis.
Quanto à intervenção nas margens de lucros das gasolineiras, o ministro diz ter uma «grande vontade» de usar o instrumento fixado na lei, mas escudou-se no período de discussão pública do regulamento e disse esperar que «em Maio, Junho esteja em cima da mesa». Entretanto, há sectores, como o das pequenas e médias empresas, que contestam os «paliativos» adoptados pelo Governo e rejeitam continuar reféns da «especulação oportunista» das petrolíferas.
Também Duarte Alves, do PCP, admitiu ontem que o aumento dos combustíveis «tem um carácter especulativo», e só irá beneficiar os lucros milionários das petrolíferas «se não houver coragem política» para enfrentar os grandes interesses, defendendo o controlo público do sector da energia.
A insuficiência das medidas apresentadas pelo Governo foi uma das tónicas do debate, seja do ponto de vista fiscal, seja pela não regulação dos preços. Para o deputado comunista, o problema dos preços tem de ser abordado em três componentes: nas margens, na fiscalidade e na cotação internacional, onde «está a origem deste brutal aumento».
«É por causa deste sistema de cotações especulativo que temos este absurdo: o preço do petróleo aumenta um dia, logo a seguir aumentam os preços dos combustíveis, quando esses combustíveis foram já refinados há meses, a partir de petróleo comprado a um preço inferior», denunciou Duarte Alves.
«As política do sector eléctrico entre 1996 e 2011 criaram um dos sistemas de maior sobrecusto pago pelo consumidor e de rendas excessivas». Quem o diz é o ex-presidente da Autoridade da Concorrência. Abel Mateus foi o primeiro a ser ouvido no regresso dos trabalhos da comissão de inquérito parlamentar às rendas no sector eléctrico e a sua audição passou largamente despercebida pela comunicação social. Mas a apresentação feita pelo responsável pela entidade criada precisamente para acompanhar a liberalização do sector eléctrico foi demolidora para a estratégia política prosseguida por governos do PS, do PSD e do CDS-PP. O diagnóstico feito no início de Setembro, no Parlamento, é impiedoso para dois dos principais responsáveis políticos pelos polémicos CMEC, os contratos que garantiram elevadas rendas à EDP: os ministros Carlos Tavares (PSD/CDS-PP) e Manuel Pinho (PS). Ambos consultaram a então recém-criada Autoridade da Concorrência entre 2004 e 2005 sobre a matéria, mas Abel Mateus afirma que as preocupações expressas foram ignoradas pelos responsáveis políticos na elaboração dos diplomas. Os problemas no sector, segundo Abel Mateus, remontam à década de 1990 e à decisão de privatizar a EDP. O processo, iniciado em 1997, transformou «um quasi-monopólio público num quasi-monopólio privado». Dois anos antes, o governo tinha estendido os CAE (antecessores dos CMEC) a todas as unidades produtoras de energia da empresa. Os CAE, criados para financiar projectos de investimento, tornam-se num instrumento que garante o rendimento das centrais da EDP à custa de dinheiros públicos. Isto, recorde-se, num quadro em que ia sendo preparada a entrega da empresa a privados. A existência dos CAE tem sido apontada como o elemento determinante para a criação dos CMEC. O argumento que os responsáveis políticos de então vêm referindo é que era necessário substituir os compromissos do Estado para com a EDP por outros – mudar o nome mas manter a renda garantida. Para além de apontar as responsabilidades políticas no «monstro», o primeiro presidente da Autoridade da Concorrência afirma que a estratégia para o sector criou «um simulacro de “mercado”, totalmente comandado, com preços, margens e até lucros totais garantidos aos geradores de eletricidade». Abel Mateus é igualmente crítico da forma como foi subsidiada a instalação de centrais eólicas, já que a imaturidade tecnológica da solução resultou num custo de subsidiação superior a 5 mil milhões de euros entre 2006 e 2018. O economista sublinhou, no final, que a subsidiação de negócios privados no sector eléctrico, bancário e nas parcerias público-privado já custaram ao País 55 mil milhões de euros. Um valor suficiente para pagar um aumento salarial médio de 100 euros para todos os trabalhadores da Administração Pública durante mais de meio século. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
O «monstro» dos lucros garantidos na energia denunciado por dentro
Privatização e liberalização criaram um «monstro»
Concorrência no sector foi um embuste
Banca, Energia e PPP já custaram 55 mil milhões de euros
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O líder parlamentar do BE questionou igualmente o Governo sobre a demora na fixação de margens máximas de lucros das gasolineiras. Segundo informação da Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE), nos últimos dois anos, as margens das petrolíferas foram, em média, superiores às de 2019, atingindo o máximo do período analisado. Diz ainda a ENSE que é a margem bruta que explica o aumento que então se verificava, e que entretanto se agravou.
Tal como evidenciou ontem o deputado comunista, quando o barril de petróleo atingiu o seu valor máximo histórico (acima de 140 dólares), em Julho de 2008, o gasóleo era vendido a 1,41 euro. No passado dia 7 de Março o barril chegou aos 130 dólares, e o preço do gasóleo chegou (nalgumas gasolineiras ultrapassou) aos dois euros.
«Neste momento, a Galp está com margens de refinação na ordem dos 9,8 dólares por barril de petróleo refinado, quando o normal nos meses homólogos do ano anterior era de dois ou três dólares, tendo chegado a sete dólares em alturas extraordinárias», afirmou Duarte Alves.
Apesar disso, Matos Fernandes argumentou que «o gasóleo e a gasolina aumentam mesmo porque o petróleo está a aumentar», constatando que os fenómenos de subida e descida dos combustíveis face ao preço do barril do petróleo acontecem a velocidades muito diferentes, tal como havia referido a deputada do CDS-PP, Cecília Meireles.
À bancada do PSD, que criticou a «brutal carga fiscal sobre os combustíveis», Matos Fernandes respondeu com a criação da taxa de carbono, pelo governo de Passos e Portas. Pelo PCP, que requereu o debate, as soluções no plano fiscal passam pelo fim do adicional ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP), criado pelo Governo em 2016, e pelo fim da dupla tributação do ISP em sede de IVA.
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