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Combustíveis vão a debate na Assembleia da República

Os secretários de Estado da Energia e dos Assuntos Fiscais vão à Assembleia da República na próxima terça-feira para responder sobre o aumento do preço dos combustíveis, a pedido do PCP. 

Créditos / CC0

A reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República do próximo dia 15 de Março surge na sequência do requerimento do PCP para ouvir o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, sobre o aumento do preço dos combustíveis. Mas ontem, em conferência de líderes, foi decidido convocar os secretários de Estado da Energia, João Galamba, e dos Assuntos Fiscais, António Mendonça, que tutela o que o Governo diz responder ao aumento do preço dos combustíveis, o programa AutoVoucher. 

No final da reunião desta terça-feira, o líder parlamentar do PCP reforçou a urgência do debate, para evitar que, depois da epidemia do novo coronavírus, a guerra seja agora o «pretexto utilizado» para atingir o objectivo de aumentar os lucros das empresas petrolíferas. 

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Liberalização: o engano da descida dos preços dos combustíveis

Há 14 anos, poucos meses depois da liberalização dos preços dos combustíveis, a mentira que a justificou já se desmoronava. Desde então, o preço do gasóleo quase duplicou.

Automobilistas algarvios em protesto pelos aumentos nos preços dos combustíveis. 10 de Abril de 2004
CréditosLuís Forra / Agência LUSA

Com a entrada em funções do governo do PSD e do CDS-PP liderado por Durão Barroso, em 2002, ficou clara a inteção de liberalizar o preço dos combustíveis. O então ministro da Economia, Carlos Tavares (que viria a presidir à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e ao Montepio Geral), disse logo em Setembro desse ano que a liberalização iria conduzir a «maior concorrência e à descida dos preços». O primeiro-ministro reforçava então que «a concorrência normalmente funciona a favor dos consumidores».

Mas o projecto não foi recebido com o mesmo entusiasmo por todos. Os revendedores, por exemplo, fizeram notar que o regime de preços máximos fixava isso mesmo, preços máximos. Nada impedia que as petrolíferas baixassem os preços, mas isso nunca aconteceu, escrevia o Diário de Notícias em Maio de 2003.

A partir de 1 de Janeiro de 2004, os preços passaram a ser fixados livremente pelas petrolíferas. Nos primeiros meses, até à Primavera, a evolução foi acompanhando o preço internacional do petróleo – então a subir, consequência da invasão do Iraque, no ano anterior, e da redução da produção por parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

Promessas esfumam-se em poucos meses

No início de Abril de 2004, já era evidente a mentira com que se justificou a liberalização dos preços dos combustíveis. A 31 de Março, a BP (então segunda maior petrolífera) subiu os preços; a 1 de Abril, foi a Shell (então terceira maior); dois dias depois, a Galp (a maior) fechava o ciclo. E foi assim que, sucessivamente, as petrolíferas desmentiram os prenúncios dos defensores da liberalização. Até Durão Barroso já pedia à Autoridade da Concorrência (AdC), então criada como resposta às preocupações surgidas com a liberalização, uma investigação.

46,7%

Segundo o relatório da Autoridade da Concorrência de Dezembro de 2004, o preço do gasóleo subiu 46,7% nos primeiros 11 meses após a liberalização. O preço do petróleo só cresceu 37% no mesmo período

O que se seguiu foi o acentuar da situação, com as petrolíferas a aproveitarem particularmente a subida do consumo de gasóleo para fazer subir os preços muito acima dos índices internacionais. A própria AdC viria a reconhecer, em finais de 2004, que as empresas estavam a engordar as suas margens com o gasóleo, como se lia na edição do Público de 21 de Dezembro.

O litro de gasóleo andava estava nos 70 cêntimos no final de 2003. Na passada terça-feira, a média fixou-se acima dos 1,35 euros, segundo as estatísticas oficiais.

No entanto, desde então que todas as investigações da AdC resultaram em nada. Apesar de todos os indícios de cartelização e concertação de preços no sector, a entidade nunca conseguiu confirmar suspeitas.

Privatização da Galp: machadada final

A liberalização dos preços coincide com as últimas duas fases de privatização da Galp – será em finais de 2006, já com o PS no governo, que a maioria do capital passa para as mãos de privados, com o grupo Amorim a assumir uma posição de controlo na empresa.

Em poucos anos, o Estado abdica dos principais instrumentos que detinha sobre o sector petrolífero: a propriedade da principal empresa, líder destacada da distribuição ao retalho, e o controlo sobre os preços máximos.

Os preços do petróleo foram sofrendo oscilações ao longo dos últimos 14 anos. Mas se, quando sobem, a factura a pagar pelos portugueses também sobe, quando estes descem, os preços dos combustíveis na bomba descem menos. O que também subiu substancialmente foram os lucros das petrolíferas: em 2017, a Galp ganhou mais do dobro do que no ano anterior à liberalização.

O Parlamento discute esta tarde um conjunto de propostas que incidem sobre o preço dos combustíveis, particularmente do lado da fiscalidade. Mas não é possível entender por que é tão caro abastecer em Portugal sem conhecer o caminho percorrido e quem  esteve por trás das decisões.

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João Oliveira lembrou que «os combustíveis que estão agora a ser vendidos estão armazenados há muito tempo e são fruto de contratos antigos», e que, por isso, «não há justificação que não seja a do aumento dos lucros para o aumento a que estamos a assistir».

Travar este cenário implica a adopção de medidas, que, frisa o deputado, os comunistas têm levado à Assembleia da República, como a intervenção, fixação e controlo dos preços, a fim de impedir que os lucros das petrolíferas sejam acumulados à conta de dificuldades impostas à economia nacional e a actividades essenciais, como é o caso das corporações de bombeiros. 

Acabar com a dupla tributação dos combustíveis e com o adicional do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e insistir na fixação de preços máximos foram medidas propostas pelo PCP em sede de Orçamento para este ano. Em Setembro de 2021, PS, PSD, CDS-PP, PAN, Ch e IL rejeitaram uma proposta para a criação de um regime de preços máximos. 

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