A evolução do processo negocial trouxe pequenas alterações, como o aumento da dotação (90,84 milhões, em vez dos 56,11 milhões de euros previstos) e nova prorrogação da data, contrariando declarações da ministra da Coesão, que em Novembro admitiu que a descentralização da acção social não seria adiada. Em vez do dia 1 de Janeiro, as câmaras municipais devem assumir esta competência a 3 de Abril, mas o acordo ainda será ratificado na reunião do Conselho Geral da ANMP, no próximo dia 19 de Dezembro.
No Conselho Directivo, o acordo mereceu o voto contra de Alfredo Monteiro, presidente da Assembleia Municipal do Seixal. «Votámos contra a proposta de acordo porque evidencia o que já era conhecido: a ausência de uma efectiva política nacional de acção social, com a completa demissão do poder central desta função social do Estado», explica, em declarações ao AbrilAbril.
A «demissão» de que fala Alfredo Monteiro não é nova. Há muito que a Administração Central remeteu para instituições particulares de solidariedade social (IPSS) ou equiparadas a gestão de processos em áreas tão importantes como o rendimento social de inserção (RSI) ou os processos familiares de acção social. A transferência da gestão de processos para os municípios é mais um passo para a desarticulação e desresponsabilização do Governo, e que pode impulsionar o crescimento das desigualdades.
«A transferência de competências para os municípios, num quadro de enormes desigualdades e disparidades, sem políticas coerentes e articuladas, com políticas município a município, não irá assegurar a universalidade e a equidade do País», frisa, cenário que o crescimento das dotações financeiras não altera.
«Mesmo assim não é possível», diz. «Não há dados objectivos para assegurar com rigor que [esse montante] será suficiente para suportar os custos relacionados com custos humanos, instalações e funcionamento das novas competências», considera Alfredo Monteiro.
A transferência de competências para os municípios no quadro do decreto-lei 55/2020 integra a gestão de processos do RSI, os serviços de atendimento e acompanhamento social (SAS), no quadro dos acordos de cooperação existentes e no âmbito de centros comunitários com atendimento e acompanhamento social, em face dos protocolos celebrados com IPSS ou equiparadas.
Integra ainda a atribuição de subsídios de carácter eventual a pessoas ou famílias em situações de emergência social, que, alerta Alfredo Monteiro, «é uma coisa perfeitamente discriccionária porque os critérios não são claros».
O acordo define rácios de recursos humanos em relação aos processos do RSI e do SAS, e prevê que os serviços prestados actualmente pelas IPSS, no quadro destes protocolos, possam cessar e ser integrados na respectiva câmara municipal. Na prática, alerta Alfredo Monteiro, também não atende à situação dos trabalhadores que integram a estrutura destas instituições e que podem vir a ficar no desemprego.
«Estamos uma vez mais perante uma transferência de encargos e uma diminuição do Governo, num quadro de crescentes desigualdades sociais, precariedade laboral, com mais de 20% da população no limiar da pobreza e com um dos níveis salariais mais baixos da União Europeia», insiste.
Alfredo Monteiro salienta não estar em causa o papel dos municípios, mas antes a resolução dos problemas concretos e a universalidade das políticas de acção social, sublinhando que só se pode apelidar de universal uma política que seja «nacional e coerente».
A Segurança Social não faz directamente a gestão dos processos familiares, mas quem atribui as prestações sociais «tem que conhecer os processos em concreto», vinca o eleito. «Uma vez mais, estão a transformar-se os municípios em secretarias, repartições do Estado, percebe-se logo que não bate certo e não serve o País, tal como noutras áreas», realça.
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