Já foi praticamente tudo dito aqui em matéria de acumulação de riqueza, desigualdades e injustiças sociais, mas os números revelados ao longo da última semana, sendo a confirmação deste estado de coisas, voltaram a surpreender pela obscenidade.
Não vale a pena argumentar com «situações excepcionais», porque não é de excepções que o sistema capitalista se alimenta. A guerra na Ucrânia não seria uma «situação extraordinária», como ontem referia Marcelo, nem poderia servir para justificar a riqueza obtida com o sacrifício dos portugueses, se quem nos governa tivesse tomado medidas de forma a não desequilibrar ainda mais os pratos da balança.
Tão surpreendente quanto a riqueza criada numa altura em que, por mais que se estique, as contas de muitas famílias já não dão para pôr comida na mesa até ao final do mês, é a naturalidade com que se divulgam notícias sobre os resultados semestrais das empresas. Mas também a facilidade com que os beneficiários tentam pô-las em perspectiva. Os lucros «não são excessivos», argumentaram os presidentes da CGD (486 milhões de euros de lucro) e do BPI (201 milhões), onde as «reestruturações» alicerçadas em fechos de balcões e despedimentos têm impulsionado o aumento da riqueza.
O facto de nos tentarem fazer acreditar que a obtenção destes resultados não tem nada de extravagante, numa altura em que a subida dos preços come cada vez mais os salários de quem gera a riqueza, só pode ser uma manobra de distração, por um lado, e de escape, por outro. Enquanto mantiverem o povo aprisionado à ideia de que este é o estado natural das coisas e não há alternativa, que os trabalhadores são descartáveis ou podem ser colocados a trabalhar com vínculos precários, que os salários não podem subir muito mais se não lá se vai a estabilidade e a produtividade das empresas, e que estas só são realmente viáveis se derem milhões a ganhar aos seus accionistas, nada muda.
Por outro lado, a retórica de que os resultados não são exagerados só pode servir para não sedimentar ideias, algumas pífias, como a que teve Marcelo, de pedir às empresas com lucros «extraordinários» iniciativas de «maior responsabilidade social».
A justiça social não se constrói com paliativos, caridade ou apelos à boa vontade das empresas, mas com a aplicação de políticas que defendam quem trabalha e trabalhou, e permitam distribuir melhor a riqueza criada no nosso país.
Espanha aprovou recentemente um imposto extraordinário sobre os lucros dos sectores bancário e energético. Por cá, o Governo foi instado a fazer o mesmo, mas Luís Montenegro logo veio em auxílio dos grandes grupos económicos, argumentando que «não há justificação para criar mais impostos», e que esse seria um «sinal incorrecto aos que investem no sector da energia em Portugal».
Além de desmentirem o novo líder do PSD, os lucros da Galp (420 milhões) e da EDP (306 milhões, mais 265 milhões da EDP Renováveis), permitem ter uma ideia do que podia mudar se ainda fosse o País a beneficiar deles.
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