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|Orçamento do Estado

A retórica do Governo vs. a realidade

Na semana da aprovação do Orçamento do Estado para 2024 na generalidade, o AbrilAbril procurou dissecar o central dos discursos do primeiro-ministro e do ministro das Finanças. Fica nítido o contraste das suas palavras com a realidade.

CréditosAntónio Cotrim / Lusa

Segunda-feira, o primeiro-ministro abriu o debate sobre o Orçamento do Estado para 2024. Realizou a defesa do documento, a defesa das suas opções e a defesa da política adoptada. Numa altura de claro empobrecimento dos trabalhadores, reformados e pensionistas, e numa altura de ruptura dos serviços, António Costa insistiu na receita que nos trouxe até aqui e que daqui não nos tirará.

No dia seguinte coube ao ministro das Finanças, Fernando Medina, iniciar a segunda parte da discussão. Enquanto o primeiro-ministro diz coisas que objectivamente são verdade, o ministro escolheu por ser ardiloso com as palavras. Optou por não dizer tudo, ficando-se pela parte que melhor soundbyte cria, ou por dizer coisas que parecem uma necessidade absoluta quando não o são. 

Abaixo ficam alguns dos elementos que permitem localizar determinada frase no espaço, no tempo e, acima de tudo, na dramática situação económica e social com que milhares de pessoas estão confrontadas. 

«Iremos aumentar todas as pensões entre 5,2 e 6,2%, continua a trajectória de valorização das pensões.» - António Costa

É certo que há um aumento nas pensões, mas assim como noutros aspectos, o Governo vende a narrativa de que um aumento, por si só, é positivo, simplesmente por ser um aumento. A questão que se deve colocar é se esse aumento é suficiente. Numa análise global, tendo em conta a pensão média, o valor do limiar da pobreza, e o custo de vida, entendemos que tal aumento está longe do desejável. 

- A pensão média, em 2023, fixou-se nos 563 euros;

- Um cabaz alimentar com 63 bens alimentares essenciais custava,  a 25 de Outubro, 222,12 euros;

- Segundo os últimos dados do INE o valor do limiar da pobreza ficava nos 551 euros mensais (60% da mediana de rendimentos);

- Se somarmos os últimos dois anos, a inflação composta de 2022 (7,85%) e 2023 (estimada em 5,1%)  significa que os preços subiram 13,35% em dois anos;

- Para manter o poder de compra, a pensão média precisaria de ser hoje 577 euros mensais. Há uma perda de 14 euros mensais em dois anos;

«O reforço do investimento é uma prioridade neste Orçamento do Estado para 2024.» - António Costa

Mais uma vez, o primeiro-ministro diz que há reforço do investimento. Comparando Orçamentos, talvez seja verdade, mas há vários problemas nesta afirmação. O que é executado diverge do que é orçamentado e isso está a levar os serviços públicos à ruptura, como é o caso do SNS. A par disto, há uma incapacidade de convergir com os a média da União Europeia e da Zona Euro, no que ao investimento diz respeito. 

- O investimento total realizado pelo SNS em 2021 foi de 232,4M€; em 2022, de 230,1 M€; e, em 2023, de 753,4M€. Até Julho de 2023 apenas tinham sido executados financeiramente 123,2M€, ou seja, 16,4%; 

- Até Agosto de 2023, do total do investimento previsto no Orçamento da Administração Pública Central (que inclui o Estado e os chamados Serviços Integrados) foram executados apenas 35%;

- Em 2022, a despesa do Estado em Portugal representou 44,8% do PIB,  enquanto a média dos países da União Europeia foi 49,7% do PIB, e na Zona Euro 50,7% do PIB em 2022;

«Este é mais que um Orçamento do Estado, é o Orçamento do reforço do rendimento das famílias.» - António Costa

Diz o primeiro-ministro que este é o Orçamento do reforço do rendimento das famílias, no entanto, para tal, era preciso um conjunto de medidas que visassem repor o poder de compra das mesmas. Aumentar salários e fixar preços eram medidas que devolveriam o poder de compra às famílias, no entanto, o que se verifica é que, mesmo com uma subida do salário mínimo, a inflação, que não foi controlada no lado da oferta, roubou o rendimento real das famílias e não está prevista uma reposição.

Dados do INE relativos ao rendimento médio mensal líquido  indicam uma perda de 5,1% de poder de compra em 2022, a que se junta 5,9% no 1º semestre de 2023.


«O Salário Mínimo Nacional terá o maior aumento de sempre.» - António Costa

No seguimento da declaração anterior e do enquadramento que lhe é dada, o Salário Mínimo Nacional segue a mesma lógica. Está previsto no Orçamento, de facto, uma subida do Salário Mínimo Nacional para os 820 euros, mas tal subida, assim como no caso das pensões, é insuficiente para fazer face às despesas com que os trabalhadores estão confrontados. O aumento do custo de vida apresenta-se como um muro que, com a subida proposta será, mais uma vez, intransponível. 

- Os anos de 2022 e 2023 são marcados por um brutal aumento de preços. Em 2022 a inflação foi de 7,8%, mas atingiu os 13% nos produtos alimentares;

- Considerando a média dos últimos 12 meses, em Agosto de 2023 os produtos alimentares tinham aumentado 15%, e a inflação era de 6,8%;

- O preço das novas rendas aumentou, no 1º trimestre de 2023, 9,4% em relação ao período homólogo. Em 2024 poderão subir 6,94%, o maior aumento dos últimos 30 anos;

- Estima-se que 24% dos trabalhadores (935 mil) recebiam o SMN em 2022;

«O Orçamento da Saúde aumenta em 1200M€ , o da Educação em 300M€, o da Habitação em mais 340M€ (...) com este Orçamento acabam as cativações.» - Fernando Medina

Fernando Medina voltou a não dizer tudo, sabendo muito bem tudo o que disse. O problema não é somente o que é alocado a cada sector, é também o que é executado em cada sector e neste capítulo, o ministro das Finanças poderia até dizer que estava previsto, em cada sector, todo o dinheiro do mundo. Se o total não é executado, e se a maioria absoluta do PS se recusa a executá-lo, de pouco adianta os anúncios estéreis. O histórico da execução orçamental não é abonatório para o Governo.

- Na última década, Portugal foi o segundo país da União Europeia em que o Estado menos investiu;

- Entre 2017 e 2023, face aos valores orçamentados, ficaram por executar 5802 milhões de euros;
 


«Este é um Orçamento que prossegue a redução da nossa dívida pública.» - Fernando Medina

No campo da dívida pública surge o grande problema para a falta de investimento no país e nos serviços do Estado. Há uma obsessão com o pagamento da dívida pública que não é natural, conforme se pode ver com os restantes países da União Europeia ou Zona Euro. Nada obrigaria a esta prioridade, mas a necessidade incessante do Governo mostrar a Bruxelas que é «bom aluno» tem custos sociais elevados que estão nas entrelinhas das declarações de Fernando Medina.

- Entre 2020/22 a média da dívida pública na União Europeia reduziu em 6 pontos percentuais, a da Zona Euro em 5,7 pontos percentuais, e de Portugal 21 pontos percentuais, portanto 3,5 vezes superior.

- O valor do PIB em 2022 foi 239253 M€, e 21 pontos percentuais do PIB são 50243 M€.

- Isto só pode ser alcançado com o estrangulamento e atraso do país e com empobrecimento.

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