A recente cimeira do G7, complementada com a chamada «conferência de paz» sobre a Ucrânia, realizada na Suíça, confirmaram a decadência do império norte-americano, o fracasso do chamado Ocidente colectivo perante a maioria global e avançaram para a preparação do velório da União Europeia, por enquanto apenas um cadáver adiado.
Em Itália, onde a primeira-ministra, a neo-mussoliniana Giorgia Meloni, teve de correr atrás do zombie Biden e deitar-lhe a mão quando o presidente norte-americano, em modo de sonâmbulo, se dirigia para parte nenhuma, o Grupo dos Sete «mais ricos do mundo» (G7) entreteve-se a encontrar a melhor maneira de «emprestar» mais umas dezenas de milhões de dólares ao regime ditatorial da Ucrânia para prosseguir a guerra e o processo de suicídio.
Decidiu ir buscar o dinheiro supostamente aos juros dos 300 mil milhões de dólares roubados em activos da Federação Russa congelados na Europa, dando mais um exemplo da estratégia cleptómana que tem servido de base ao colonialismo ocidental e «civilizatório» dos últimos 500 anos. A União Europeia, em estado agónico e com o seu eixo franco-alemão a dar sinais quebra a qualquer momento, aceitou mais essa incumbência dos Estados Unidos, em cima das muitas com que Washington se vai desfazendo dos encargos mais pesados da guerra na Ucrânia à medida que se aproximam as eleições presidenciais. Que não se confunda este alijamento de carga sobre os satélites europeus com uma desistência da guerra que opõe, na realidade, o regime dos Estados Unidos da América à Federação Russa. Washington dirige o processo através do seu instrumento NATO, obrigando os Estados-membros a assumir o ónus militar e económico da guerra, garantindo também que o conflito permaneça em solo europeu, e deita mão às vantagens que dele pode extrair: um negócio armamentista como houve poucos ou mesmo nenhum outro; desenvolver um desgaste continuado da Rússia, enquanto intensifica as ameaças à China, tentando perturbar a consolidação de uma arquitectura institucional da maioria global no sentido de instaurar uma nova ordem internacional; prolongar o mais possível o estado de guerra para que toda a Europa, exangue, se submeta ao seu diktat sem quaisquer restrições – tentando assim encontrar um novo fôlego para um império a abrir rombos por todos os lados.
«Decidiu ir buscar o dinheiro supostamente aos juros dos 300 mil milhões de dólares roubados em activos da Federação Russa congelados na Europa, dando mais um exemplo da estratégia cleptómana que tem servido de base ao colonialismo ocidental e "civilizatório" dos últimos 500 anos.»
Na Ucrânia trava-se, na realidade, uma chamada proxy war, uma guerra por procuração dos Estados Unidos contra a Rússia através do regime nazi-banderista imposto desde 2014 em Kiev. Sabemos que no campo de batalha não é bem assim, porque toda a NATO está envolvida através do financiamento, da doação ininterrupta de armamento, do recrutamento de mercenários, do apoio às tropas no terreno, da entrega de toda uma panóplia de avançados meios tecnológicos militares de última geração que as forças armadas ucranianas não estão em condições de usar e manusear isoladamente. Pelo que as principais potências militares da NATO, com os Estados Unidos à cabeça, estão efectivamente em guerra contra a Rússia.
Sendo, de facto, uma guerra por procuração, não é correcto atribuir o papel de procurador apenas à ditadura ucraniana; é desempenhado em conjunto com a Europa (União Europeia e membros europeus da NATO), à qual cabe desenvolver a parte mais onerosa e desgastante do esforço militar – excepto a carne para canhão fornecida por Kiev – e acarretar com as duras consequências económicas e sociais impostas aos seus povos.
A NATO proclama-se em permanente cruzada pela democracia, atribuindo-se até o direito de invadir países para implantar um regime político que obedeça às suas exigências e onde as eleições dêem sempre os resultados por ela pretendidos. «A adesão à Aliança significou um maior prestígio e o reforço do estatuto de Portugal no seu conjunto. Também injectou um grau de estabilidade na frente doméstica». (Site oficial da NATO sobre a presença do Portugal de Salazar na fundação da organização) Passaram os anos, exactamente três quartos de século, e a NATO da actualidade mantém-se uma fiel respeitadora dos mitos fundadores, actualizados por uma dinâmica propagandística que sempre esteve na base da sua actuação mas adquiriu hoje uma amadurecida sofisticação de mensagem e meios, além de uma capacidade de controlo totalitário quase absoluto da opinião pública ocidental. O que lhe permite praticar abertamente, e sempre a coberto da proclamação das melhores intenções, a política belicista, expansionista e colonial-imperial que determinou a sua criação. Asseguraram os fundadores da NATO, entre os quais, com papel determinante, os estrategos da integração europeia – sempre sob a tutela dos Estados Unidos da América – que a aliança nascia como organização «defensiva» para se precaver contra as ameaças de grande envergadura, existentes naquele pós-guerra, visando a civilização ocidental, os seus valores humanistas e matriz religiosa. Essa tarefa deveria assentar numa convergência de práticas políticas, princípios de liberdade, harmonia dos sistemas económicos, integração dos aparelhos militares, tudo isso para cultivar e assegurar a paz no mundo. Não é um equívoco: a NATO de então, e de sempre, que durante sete décadas e meia se dedicou a uma estratégia de terror e provocação durante a guerra fria, que actualmente se desmultiplica em guerras sem fim, que tem nos seus activos as vidas de milhões de cidadãos inocentes e a cumplicidade em numerosos crimes de guerra, faz tudo isto em nome da paz. Fiel a um dos seus princípios de sempre: a paz nasce da guerra. Além dos objectivos «defensivos» e de segurança, em nome dos quais se permite tutelar militarmente 32 países, quase o triplo dos 12 da fundação, e de ter alargado a sua área de intervenção para todos os oceanos em vez do norte do Atlântico, a NATO proclama-se em permanente cruzada pela democracia, atribuindo-se até o direito de invadir países para implantar um regime político que obedeça às suas exigências e onde as eleições dêem sempre os resultados por ela pretendidos. Se lermos os discursos dos 12 ministros dos Negócios Estrangeiros que assinaram em Washington, em 4 de Abril de 1949, o chamado Pacto do Atlântico que deu origem à NATO, apuramos, porém, que em nenhum deles está presente a palavra «democracia». Presume-se que não fosse assim tão necessário, em termos propagandísticos, declarar expressamente esse princípio, ao contrário do que acontece hoje – em que parece indispensável afirmar uma democracia única contra outros sistemas políticos plurais em países que têm o azar, ou a ousadia, de não se situarem no mesmo plano geoestratégico da Aliança Atlântica. Também poderia atribuir-se a omissão da palavra «democracia» nos discursos fundadores ao facto de entre os signatários do pacto estar um representante de um país fascista, Portugal, acolhido sem reservas como um esteio da civilização ocidental, a não ser a de ter sido obrigado a trocar as «ajudas» do Plano Marshall pela protecção e solidariedade política e diplomática do regime dos Estados Unidos. O mesmo teria acontecido com a Espanha franquista – e Salazar meteu uma cunha nesse sentido – se o Reino Unido não se tivesse oposto liminarmente, não como país em si mesmo, mas porque o Partido Trabalhista, no governo, determinou que uma entrada de Madrid na aliança estava dependente da legalização por Franco do Partido Socialista Operário Espanhol. «Também poderia atribuir-se a omissão da palavra "democracia" nos discursos fundadores ao facto de entre os signatários do pacto estar um representante de um país fascista, Portugal, acolhido sem reservas como um esteio da civilização ocidental, a não ser a de ter sido obrigado a trocar as "ajudas" do Plano Marshall pela protecção e solidariedade política e diplomática do regime dos Estados Unidos.» Na verdade, o conceito anti-nazifascista da NATO tem sido bastante elástico desde a fundação até hoje. Primeiro, admitindo um regime fascista na sua fundação; logo a seguir, três anos depois da criação, integrando como membros de pleno direito os fascismos grego e turco; posteriormente, durante a guerra fria, criando e apoiando sangrentas ditaduras militares na «defesa dos valores ocidentais» contra a omnipresente «ameaça soviética», hoje reciclada em «ameaça russa»; expandindo-se de maneira fulminante a seguir à queda do muro de Berlim, apesar de ter prometido à Rússia não avançar um centímetro que fosse para Leste; actualmente, por defender os seus interesses recorrendo à utilização de selváticos grupos terroristas ditos «islâmicos» e por se envolver até ao tutano na sobrevivência do regime nazi de Kiev, que criou, e na guerra contra o seu povo que este alimenta desde 2014. Há uma coerência histórica, ao longo dos seus 75 anos de vida, na cumplicidade e na tolerância da NATO em relação a comportamentos nazifascistas. Ao ponto de hoje confundir deliberadamente o seu conceito de democracia com o sistema nazi ucraniano, que remete para o colaboracionismo sangrento com as hordas e o aparelho de extermínio de Hitler. Sem esquecer a integração plena na organização, como aliás acontece na União Europeia, de regimes como os dos Estados bálticos, Polónia, Hungria, República Checa e Croácia, altamente influenciados ou mesmo controlados por correntes nacionalistas, fascistas e revisionistas da história no sentido de branquear as referências que mantêm em relação à Alemanha hitleriana. Se penetrarmos ainda um pouco mais fundo na história da NATO verificaremos, já sem grande surpresa, que os seus fundadores não hesitaram em recorrer a condecorados oficiais nazis, acabados de sair das hostes de Hitler, para criarem as fundações das estruturas militares e de propaganda da organização, como veremos mais adiante. A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais, funcionando exclusivamente ao serviço da oligarquia económica e financeira transnacional através do neoliberalismo, o sistema de capitalismo extremista e selvagem. Os Estados Unidos exerceram, desde o início, a tutela inquestionável sobre este processo, pelo que não existe qualquer alteração substancial na actual submissão rastejante de Bruxelas à vontade de Washington, mesmo quando representada por um indivíduo desqualificado e com as capacidades mentais limitadas como é o presidente Joseph Biden. A dependência dos países da NATO e da União Europeia em relação aos interesses e às políticas imperiais de Washington, transformando-os em satélites, autênticos protectorados, esteve na essência da NATO na origem, tal como está hoje. «Há uma coerência histórica, ao longo dos seus 75 anos de vida, na cumplicidade e na tolerância da NATO em relação a comportamentos nazifascistas.» A cerimónia de criação da NATO decorreu em Washington, cumprem-se agora exactamente 75 anos, e o Pacto do Atlântico foi assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 12 Estados fundadores. Outras nações, como a Irlanda e a Suécia, também foram convidadas, mas rejeitaram. A Suécia, no entanto, demorou 74 anos a «pensar» e acabou por ceder: pelo caminho da longa neutralidade sueca ficou um primeiro-ministro, Olof Palme, de facto assassinado por defender, sem admitir interferências externas, o estatuto de soberania do país. Tal como o primeiro-ministro italiano democrata-cristão Aldo Moro foi liquidado por desobedecer às ordens da NATO, de proibir a presença de comunistas na área do poder governativo. Os discursos pronunciados no acto fundador foram bastante redundantes, com a preocupação comum de alimentarem a fábula da superioridade civilizacional do Ocidente, um conceito xenófobo e colonial que marca os três quartos de século de existência da NATO; e agitarem com tonalidades terroristas o espectro da ameaça soviética, qualificada como «uma epidemia» na verve do ministro fascista português Caeiro da Matta, ecoando a propaganda salazarista. Mais interessante que os discursos é conhecer um pouco melhor os ministros presentes em Washington e os seus dotes especiais para as performances hipócritas. Pelos Estados Unidos esteve o secretário de Estado da administração militarista de Harry Truman, Dean Acheson. Declarou na ocasião que «a realidade não reside na busca comum de objectivos materiais ou de um poder sobre outro. Reside na afirmação dos valores morais e espirituais que rege o tipo de vida que propomos levar e defender por todos os meios possíveis, caso essa necessidade nos seja imposta». «Chegámos, vimos e ele morreu», proclamou imperialmente Hillary Clinton após o desfecho da bárbara operação de tortura e execução de Muammar Khaddafi, supervisionada pelos serviços secretos franceses Em Março de 2011, quando a NATO já bombardeava a Líbia, Muammar Khaddafi enviou uma mensagem ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, lembrando que as forças de segurança do seu país estavam «a combater a al-Qaeda no Magrebe islâmico, nada mais», pelo que a intervenção estrangeira «era um risco de consequências incalculáveis no Mediterrâneo e na Europa». O apelo do dirigente líbio não surtiu efeito: afinal, para as forças atlantistas a operação não era «um risco» mas sim uma estratégia deliberada – para todos os efeitos, uma estratégia terrorista. A Líbia de hoje, moldada pela NATO sob o comando de Obama, Joseph Biden, presidente dos Estados Unidos em funções, e Hillary Clinton, um suporte da actual administração norte-americana omnipresente nos bastidores, é uma amostra em carne viva das práticas efectivamente terroristas da Aliança Atlântica. Um país desgovernado, desmembrado, um viveiro de mercenários terroristas «islâmicos» sob múltiplas chancelas que deixam os seus rastos de horrores através do Médio Oriente e África, da Síria a Cabo Delgado, em Moçambique; um país que funciona como um florescente entreposto de comércio de drogas, tráfico de seres humanos, um maná de petróleo de alta qualidade para as multinacionais francesas, britânicas e norte-americanas e, simultaneamente, um imenso campo de concentração para refugiados de incontáveis origens sustentado pelos contribuintes da União Europeia. « A Líbia de hoje, moldada pela NATO sob o comando de Obama, Joseph Biden, presidente dos Estados Unidos em funções, e Hillary Clinton, um suporte da actual administração norte-americana omnipresente nos bastidores, é uma amostra em carne viva das práticas efectivamente terroristas da Aliança Atlântica» Não existem indícios de que a situação tenda a melhorar. Negoceia-se apenas para negociar e para dar cobertura às actividades criminosas e desumanas instauradas na esteira da operação da NATO. O «governo» de Tripoli foi entregue à Irmandade Muçulmana sob tutela da ONU, isto é, dos Estados Unidos; o «governo de Benghazi» é um instrumento do «general» Khalifa Haftar, reconhecidamente um activo da CIA desde que desertou das hostes de Khaddafi; pelo meio campeiam os poderes de milícias «islâmicas» e estruturas sectárias de índole tribal vivendo de uma rica panóplia de negócios criminosos que vão desde a guerra aos tráficos de droga e humano passando pelo contrabando de petróleo e pela multiplicação de «guardas costeiras» patrocinadas directa e indirectamente pela União Europeia – braços dos grupos que controlam o tráfico de refugidos. A realidade da situação da Líbia está para lá do que possam conceber as imaginações mais treinadas em tentar perceber os sentidos dos desenvolvimentos na arena internacional. A herança caótica deixada pela agressão da NATO contra a Líbia e que se aprofunda há quase nove anos está a degenerar numa situação aterradora de guerras cruzadas, motivadas por múltiplos interesses, capaz de fazer explodir alianças político-militares, afinidades religiosas e relações institucionais – com repercussões em todo o panorama internacional. O início, no dia de Natal, da transferência de terroristas da Al-Qaeda da Síria para território líbio, de modo a reforçar as forças do governo de Tripoli reconhecido pela ONU e a União Europeia, é apenas um dos muitos movimentos em curso na sombra dos holofotes mediáticos. E a Turquia acaba de aprovar o envio de tropas regulares para a Líbia. A realidade da situação da Líbia está para lá do que possam conceber as imaginações mais treinadas em tentar perceber os sentidos dos desenvolvimentos na arena internacional. Habituada às notícias quase rotineiras relacionadas com os movimentos migratórios nas costas líbias e aos altos e baixos da guerra das tropas do governo de Benghazi contra as forças do executivo de Tripoli, a opinião pública mundial não faz a menor ideia do que está a acontecer. E do que pode vir a suceder de um momento para o outro. A Líbia deixada pela guerra de destruição conduzida pela aliança entre a NATO e grupos terroristas islâmicos do universo Al-Qaeda/Isis tem actualmente três governos, além de um xadrez de zonas de influência controladas por milícias armadas correspondentes a facções tribais, tendências religiosas ou simples negócios de oportunidade, à cabeça dos quais estão o contrabando de petróleo e o tráfico de seres humanos. «A Líbia deixada pela guerra de destruição conduzida pela aliança entre a NATO e grupos terroristas islâmicos do universo Al-Qaeda/Isis tem actualmente três governos, além de um xadrez de zonas de influência controladas por milícias armadas correspondentes a facções tribais, tendências religiosas ou simples negócios de oportunidade, à cabeça dos quais estão o contrabando de petróleo e o tráfico de seres humanos» Os três governos em actividade são: o chamado Governo de Unidade Nacional, com sede em Tripoli, chefiado por Fayez al-Sarraj, apoiado pela Irmandade Muçulmana e reconhecido pela ONU e a União Europeia; o governo de Benghazi, apoiado pela Câmara dos Representantes – única entidade eleita no país – e cujo homem forte é o agora marechal Khalifa Haftar, à frente das tropas do chamado «Exército Nacional Líbio»; e um governo instalado no hotel Rixos, em Tripoli, formado pela Irmandade Muçulmana e do qual se diz que ninguém reconhece mas tem muitos apoios. Nos últimos meses, a ofensiva das tropas do marechal Haftar chegou às imediações de Tripoli mas não conseguiu tomar a capital, apesar dos sangrentos bombardeamentos. Nos bastidores desta guerra diz-se que nenhum dos beligerantes está em condições de levar a melhor, esgotando-se num conflito sem solução à vista. A guerra está num impasse, o caos e a ingovernabilidade agravam-se, mas não existe qualquer esforço de entendimento entre as facções líbias. Pelo contrário, cada centro de poder tem vindo a ser reforçado no quadro das perspectivas de continuação do conflito – porque não se trata de uma guerra civil, mas de uma guerra internacional. No dia de Natal, como já se escreveu, começou a deslocação de grupos terroristas filiados na Al-Qaeda da província de Idlib, na Síria, para a Líbia. A movimentação é patrocinada pela Turquia, que deixou claro aos mercenários islâmicos que a única possibilidade de se salvarem da ofensiva final das tropas governamentais sírias é abandonarem as posições que ainda ocupam e, de certa forma, regressarem às origens. Recorda-se que grande parte dos terroristas que combateram na Síria contra o governo de Damasco foram transportados da Líbia, onde estiveram ao serviço da coligação com a NATO. «A guerra está num impasse, o caos e a ingovernabilidade agravam-se, mas não existe qualquer esforço de entendimento entre as facções líbias. Pelo contrário, cada centro de poder tem vindo a ser reforçado no quadro das perspectivas de continuação do conflito – porque não se trata de uma guerra civil, mas de uma guerra internacional» A operação iniciada no Natal foi montada pela Turquia com a colaboração da Tunísia: o presidente Erdogan acordou com o seu homólogo tunisino, Kais Saied – apoiado pela Irmandade Muçulmana – a utilização do porto e do aeroporto de Djerba para transporte dos grupos armados e material militar em direcção a Tripoli e Misrata, onde irão engrossar as fileiras do Governo de Unidade Nacional (GUN). Em 15 de Dezembro, o presidente turco recebera em Istambul o chefe do GUN, al-Sarraj, a quem prometeu a entrega de drones e blindados ao exército às ordens do governo reconhecido pela ONU e a União Europeia; o legislativo turco acaba de aprovar o envio de forças militares regulares para a Líbia. Ao mesmo tempo, a Turquia acelerou o processo de produção de seis submarinos militares, encomendados à Alemanha. A Turquia foi um dos países aos quais o governo de Tripoli pediu auxílio quando se iniciou a ofensiva das forças de Khalifa Haftar. Al-Sarraj dirigiu-se também à Argélia, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. Sabe-se, entretanto, que Washington está de bem com todos os governos da Líbia e vê com muito bons olhos a continuação do conflito. Não existem dúvidas, porém, de que foi a Turquia quem mais rápida e concretamente respondeu aos apelos do governo instalado em Tripoli. Há razões que explicam porquê. Erdogan revelou que assinou um acordo de princípio com al-Sarraj para exploração conjunta de petróleo no Mediterrâneo, podendo para isso dispor de instalações portuárias líbias – que se juntam assim às que a Turquia já utiliza em Chipre, onde ocupa militarmente o norte do país. Como a Turquia tomou conta, em termos de exploração petrolífera, das águas territoriais de Chipre que confinam com o sector ocupado, o acordo com o governo de Tripoli proporciona uma combinação de Zonas Económicas Exclusivas que atingem águas cipriotas e gregas. A actuação de Ancara parece violar a Convenção do Direito Marítimo (UNCLOS), que aliás a Turquia ainda não assinou. Em 22 de Dezembro, exactamente uma semana depois do encontro entre Erdogan e al-Sarraj em Istambul, o ministro grego dos Negócios Estrangeiros, Nikos Dendios, foi directamente a Benghazi encontrar-se com o próprio Khalifa Haftar e outros representantes do governo local. Depois viajou para o Cairo e para Chipre. «a opinião pública mundial não faz a menor ideia do que está a acontecer. E do que pode vir a suceder de um momento para o outro. […] a guerra internacional com epicentro na Líbia passa pelo meio da NATO e da União Europeia» Atenas exige ao governo de Tripoli que se retire do acordo de incidência petrolífera e militar com a Turquia, num quadro em que as relações greco-turcas estão no nível mais elevado de agressividade de há muito tempo a esta parte. Sabe-se ainda que a Grécia pretende accionar a NATO e a União Europeia para que cancelem o reconhecimento do governo líbio de Tripoli. Em suma, a guerra internacional com epicentro na Líbia passa pelo meio da NATO e da União Europeia. Acresce que esta dança política, diplomática e militar decorre em simultâneo com os movimentos norte-americanos para usar a Grécia como antídoto à degradação das relações com a Turquia e no âmbito de um novo quadro de segurança regional para bloquear a Rússia no Mar Negro. Isto é, Washington usa um membro da NATO contra outro membro da NATO e dá um novo passo na estratégia de quebrar as relações entre Atenas e Moscovo originalmente assentes em afinidades religiosas que têm vindo a ser deterioradas por conspirações dentro da Igreja Ortodoxa iniciadas na Ucrânia. Não é difícil confirmar o ecumenismo dos Estados Unidos em relação aos governos líbios. Se está ao lado do executivo de Tripoli, juntamente com a União Europeia, a ONU e a NATO, também aposta em Benghazi, como se percebe através da estratégia montada com a Grécia. São amplos os cenários de confrontação a partir da situação líbia. Mais amplos ainda porque os acordos entre Ancara e o governo de Tripoli vêm potenciar a crise aberta com a exploração ilegal de petróleo pela Turquia na Zona Económica Exclusiva de Chipre. Em causa não estão apenas interesses cipriotas, mas também da Grécia e de Israel, parceiros na exploração de hidrocarbonetos no Mediterrâneo e respectiva distribuição através do eixo Griscy (de Grécia, Chipre e Israel) – ideia fortemente encorajada pelos Estados Unidos para criar vias que permitam à Europa ter mais alternativas às fontes russas de energia. Trata-se de uma opção contra a Rússia que atinge também a Turquia, porque põe em causa o gasoduto turco-russo Turkish Stream. Deste modo, não é surpreendente que a Turquia tenha procurado patrocinar o governo líbio de Tripoli. Surpreendente, em termos abstractos, deveria ser a declaração do marechal Khalifa Haftar segundo a qual o governo de Benghazi tem todo o interesse em fazer entendimentos com Israel. «Washington está de bem com todos os governos da Líbia e vê com muito bons olhos a continuação do conflito» Na realidade, aprofundando a leitura desta declaração à luz da guerra internacional em torno da Líbia iremos encontrar países como a Arábia Saudita e o Egipto – muito próximos de Israel – ao lado de Khalifa Haftar em termos financeiros, políticos e militares; não espanta que Israel se junte ao grupo por estas afinidades e pelas explicadas razões energéticas. Através das quais iremos encontrar Estados Unidos Israel, Grécia e Chipre em oposição a um governo reconhecido por ONU, União Europeia, NATO e… Estados Unidos. As frentes em confronto nesta guerra da Líbia são um sinal dos tempos. Os tempos em que os conflitos de interesses inter-capitalistas começam a dissolver linhas que definem alianças político-militares, coligações de países, associações regionais, afinidades religiosas, políticas e sistémicas que têm formatado o mundo desde a queda do Muro de Berlim. Com a particularidade de entidades como a NATO e a União Europeia não estarem a salvo da turbulência. Tomemos como exemplo o assustador caso líbio. Do lado do governo de Tripoli, cuja legitimidade representativa do país é reconhecida pela ONU e a União Europeia, estão a Turquia, a Tunísia, o Qatar e terroristas islâmicos do universo Al-Qaeda e Estado Islâmico defendendo interesses económicos que coincidem com os da Rússia. Do lado de Khalifa Haftar e do seu governo de Benghazi estão os Estados Unidos, Israel, Egipto, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, países da União Europeia como Chipre e Grécia, além de forças de reacção rápida sudanesas, mercenários russos e grupos terroristas próprios de uma região, a Cirenaica, considerada das mais fortes no abastecimento do extremismo islâmico internacional. Saif Khaddafi, filho do dirigente líbio assassinado pela NATO, juntou-se igualmente a Haftar1. São dados a ter em conta quando a nova tragédia da Líbia explodir, então já sob os holofotes mediáticos. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A situação caótica alimenta-se a si própria; com ela convive tranquilamente o chamado «mundo civilizado», que realmente em nada contribui para tentar resolvê-la. A mensagem de Khaddafi para Obama só podia ter o destino que teve porque aqueles que foram destruir a Líbia não tinham «riscos» a medir mas uma estratégia a cumprir. E esta continua à vista de todos: terrorista e colonial. «Chegámos, vimos e ele morreu», proclamou imperialmente Hillary Clinton, então secretária de Estado de Obama, após o desfecho da bárbara operação de tortura e execução de Muammar Khaddafi, supervisionada pelos serviços secretos franceses1. O presidente francês em exercício, Nicolas Sarkozy, era dos mais interessados em silenciar o dirigente líbio, sobretudo depois de ter deflagrado o escândalo dos apoios milionários de Khaddafi à sua eleição. Não houve qualquer «intervenção humanitária» na Líbia, ao contrário do que foi invocado pelos agressores2. Nem o Congresso dos Estados Unidos deu autorização ao presidente para realizar os bombardeamentos3, alegando que Obama não apresentou qualquer razão que os justificasse. «a criação de mecanismos económicos e monetários de índole especificamente africana, como por exemplo o Fundo Monetário Africano e uma moeda pan-africana, […] que minariam a estrutura neocolonial estabelecida pelas principais potências, sobretudo a França, que controla o franco CFA (moeda da África Central), foram impulsionadas pela Líbia de Khaddafi com base nos 150 mil milhões de dólares em activos no estrangeiro e nas reservas de ouro em 25 países que ascendiam a quase 150 toneladas. Tais circunstâncias transformaram a agressão da NATO contra a Líbia numa típica operação colonial» A violência na Cirenaica invocada sobretudo pelo Departamento de Estado norte-americano para desencadear a «Responsability to Protect (R2P)», a suposta responsabilidade de proteger populações civis através de operações armadas, foi empolada para provocar a agressão. Os próprios e-mails de e para Hillary Clinton, em boa hora tornados públicos pelo website WikiLeaks – uma das principais razões da sanha persecutória contra Julian Assange –, reconhecem isso mesmo. Duas semanas antes de iniciados os bombardeamentos, uma enviada da USAID, Harriet Spanos, comunicou a Clinton que «Benghazi tem estado calma nos últimos dias, a actividade económica continua, lojas e bancos estão abertos, os telemóveis funcionam e a internet regressou». As supostas urgências «humanitárias funcionaram, mais uma vez, como pretextos para desencadear uma guerra e provocar uma mudança de regime programada alguns anos antes. Em 2 de Março de 2007, um ex-comandante da NATO, o general norte-americano Wesley Clark, enunciou os sete países «a desmantelar» pelos Estados Unidos: Iraque, Líbia, Síria, Irão, Somália, Sudão e Líbano. Mais tarde sublinhou: «a invasão da Líbia por Obama foi planeada na administração Bush; a Síria é a seguir». O general sabia do que falava; e ainda hoje nos ajuda a perceber o que está a acontecer com o Irão e o Líbano. Os preciosos e-mails de e para Clinton confirmam, por outro lado, que a inclusão de hordas de mercenários «islâmicos» no dispositivo operacional da NATO para desmantelamento da Líbia foi uma opção estratégica idêntica à assumida noutros teatros de operações, como por exemplo na Síria e no Iraque, embora de maneira menos assumida. Numa mensagem de correio electrónico enviada a Hillary Clinton dedicada à necessidade de «estabelecer a segurança no Norte de África», Sidney Blumenthal, conselheiro da secretária de Estado, assume «que o regime de Khaddafi tem tido êxito em suprir a ameaça jihadista na Líbia, pelo que a situação actual (aliança da NATO com o terrorismo islâmico) abre a porta ao ressurgimento do jihadismo». No aparelho político dos Estados Unidos e da NATO havia, portanto, uma noção real das relações de forças, pelo que a aliança operacional com o terrorismo islâmico foi deliberada e transformada numa estratégia que não funcionou apenas no cenário líbio. A agressão contra a Líbia foi uma operação de mudança de regime de certa maneira atípica e ditada por urgências que não se registaram noutros casos em que foi dispensada uma tão evidente – e comprometedora – intervenção massiva e continuada de forças aéreas da NATO. O ano de 2011 seria o do início da criação de mecanismos económicos e monetários de índole especificamente africana, como por exemplo o Fundo Monetário Africano e uma moeda pan-africana que permitiria, por exemplo, contornar o dólar em relações comerciais, designadamente no campo energético. Essas acções, que minariam a estrutura neocolonial estabelecida pelas principais potências, sobretudo a França, que controla o franco CFA (moeda da África Central), foram impulsionadas pela Líbia de Khaddafi com base nos 150 mil milhões de dólares em activos no estrangeiro e nas reservas de ouro em 25 países que ascendiam a quase 150 toneladas. Tais circunstâncias transformaram a agressão da NATO contra a Líbia numa típica operação colonial. Uma das primeiras decisões da administração Obama, coincidente com o início da guerra, foi o congelamento dos activos financeiros líbios no estrangeiro – cerca de 100 mil milhões de dólares só em países da NATO – e das suas reservas de ouro. «Dez anos passados, a Líbia continua de rastos. Aquele que foi o mais desenvolvido país de África, com um crescimento de 16,6% em 2010 e o 55º entre 194 no índice de desenvolvimento humano da ONU, caiu mais de 50 lugares nesta tabela [...]. Perante um Estado destruído, um quinto dos 7,5 milhões de habitantes necessitam agora verdadeiramente de ajuda humanitária – que não lhes chega – e mais de 700 mil carecem de apoio alimentar» O congelamento traduziu-se, de facto, num esbulho. Quando os mecanismos internacionais do costume, o Banco Mundial e o FMI, começaram a estabelecer os orçamentos e os condicionalismos económicos e político-sociais a impor ao Estado líbio destruído, parte desses activos – o resto continua em parte incerta, mas certamente não é usado em proveito do povo líbio – transformaram-se em empréstimos à própria Líbia. Moral da história: um país que não tinha dívida externa, essencialmente porque geria a riqueza energética em proveito da própria população, passou a receber o dinheiro que lhe pertence sob a forma de empréstimos de instâncias internacionais. Dez anos passados, a Líbia continua de rastos. Aquele que foi o mais desenvolvido país de África, com um crescimento de 16,6% em 2010 e o 55º entre 194 no índice de desenvolvimento humano da ONU, caiu mais de 50 lugares nesta tabela em menos de uma década. Perante um Estado destruído, um quinto dos 7,5 milhões de habitantes necessitam agora verdadeiramente de ajuda humanitária – que não lhes chega – e mais de 700 mil carecem de apoio alimentar. Esta é a obra da NATO, realizada em colaboração com terroristas islâmicos, alguns dos quais autores de crimes contra populações europeias. Abdelhakim Belhadj, por exemplo, que a NATO transformou em comandante militar de Tripoli antes de ser enviado para organizar os mercenários «islâmicos» na Síria, esteve envolvido no atentado ferroviário de Madrid em 2004, que provocou 193 mortos. E Abu Sufian bin Qumu, veterano terrorista que serviu a al-Qaeda e Bin Laden no Sudão e no Afeganistão, em 2011 treinou «rebeldes islâmicos» aliados da NATO em Derna, Cirenaica, depois de ter passado seis anos no campo de concentração de Guantánamo. O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana. Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin. Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia». «Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk. Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove. Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão. Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente. Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans. Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse. «Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.» Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco. «A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado. O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas. Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu. «Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia». E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg. Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa. O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras. O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg. Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo. Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS. O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos». No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas. O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência. Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países. Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias. No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe. Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich. O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência. Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev. O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas. Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia. Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética. Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país. Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos. Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região. O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas. Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa. Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8. O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia. Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes. Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados. A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou. No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Se recordo o trágico episódio da destruição da Líbia nestas linhas não é apenas para assinalar uma efeméride redonda. Faço-o numa ocasião em que a NATO está na calha para uma outra operação indirecta – ou mesmo directa incorrendo, nesse caso, em riscos terríveis para o planeta – ao apoiar o regime de base nazi da Ucrânia em novos movimentos para tentar esmagar as populações russófonas do Leste do país, nas regiões de Donetsk e Lugansk. São muitos os sinais de que tal pode acontecer, o principal dos quais foi dado pelo presidente Joseph Biden ao declarar o «total apoio» dos Estados Unidos a uma acção desse tipo. E logo num momento em que a NATO está envolvida nos gigantescos jogos de guerra «Defender Europe», no âmbito dos quais concentra poderosos meios navais e aéreos no Mar Negro, o que vem provocando reacção simétrica da Rússia. O terrorismo da NATO é, como se percebe, um comportamento inerente à própria existência da organização. José Goulão, exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Acheson foi o dirigente que estilhaçou a tradicional política norte-americana de não envolver o país em alianças duradouras, além de ser considerado o principal responsável pela decisão presidencial de lançar os Estados Unidos na guerra da Coreia. A vida política do então secretário de Estado norte-americano foi marcada por alguns conceitos reveladores da convicção e da seriedade das suas palavras proferidas na cerimónia de Washington. Segundo uma das suas declarações, «as limitações impostas pelas práticas políticas democráticas tornam difícil a tarefa de conduzir os nossos assuntos externos de acordo com o interesse nacional». Isto é, a democracia é contra o «interesse nacional»; eliminar essas «limitações» é, com toda a naturalidade, a solução adoptada pelas sucessivas administrações norte-americanas – e também pela NATO, seu braço armado. Acheson estava ciente, já nessa altura, de que chegara o momento da passagem de testemunho do domínio internacional ao declarar que «a Grã-Bretanha perdeu o império e ainda não encontrou o seu papel». Interessante, muito actual e franca é a sua opinião, segundo a qual «o problema da economia de mercado livre é que requer demasiados polícias para poder funcionar». Sejamos justos, quem fala verdade não merece castigo. «Segundo uma das suas declarações, "as limitações impostas pelas práticas políticas democráticas tornam difícil a tarefa de conduzir os nossos assuntos externos de acordo com o interesse nacional".» Se a Grã-Bretanha andava à procura «do seu papel», parecia tê-lo encontrado na pessoa de Ernest Bevin, então ministro dos Negócios Estrangeiros e depois primeiro-ministro de um governo trabalhista, que foi um dos maiores impulsionadores da criação da NATO e subscrevera em 1948 o Tratado de Bruxelas, considerado o embrião da aliança. Bevin, que se ufanava de ser um «ex-sindicalista», era conhecido como um anticomunista feroz, capaz de lobrigar a «ameaça soviética» em cada acontecimento internacional – e até interno. Na cerimónia de fundação da NATO declarou que «os nossos povos não glorificam a guerra mas não fugirão dela se houver ameaça de agressão». Da agressão da União Soviética, naturalmente, apesar de ser um país exangue, que perdera 26 milhões de vidas para impedir o triunfo do nazismo em toda a Europa, com as regiões ocidentais totalmente destroçadas e ainda sem possuir a bomba atómica. A NATO não nasceu para responder a qualquer acção contrária, uma vez que o Tratado de Varsóvia só foi fundado quatro anos depois, nem para defender a democracia, porque integrou, à nascença, uma ditadura fascista – a portuguesa. Para assinalar o significado do 70º aniversário da NATO talvez fosse suficiente passar os olhos pela guerra que há 18 anos destroça o Afeganistão, ou pelo caos em que a Líbia continua mergulhada ou pelas violações do direito internacional patrocinadas pela organização nos Balcãs, designadamente o aterrador desmembramento da Jugoslávia. Talvez fosse suficiente… Mas estaríamos longe de fazer justiça à amplitude e longevidade de uma acção cada vez mais global e próxima de comportamentos gangsteristas como a que caracteriza a aliança. Sendo que a enxurrada de considerações épicas em torno dos mitos que a sustentam é de tal modo ameaçadora nestes dias que todas as oportunidades serão poucas para aprofundar o contraditório. Não surpreende que a NATO seja o que é. O que poderá causar alguma perplexidade, sobretudo entre quem anda um pouco mais a par da realidade internacional e quem vai além da informação mainstream, é a desfaçatez com que dirigentes altamente posicionados em nações e no mundo tentam interligar os seus belos discursos sobre a aliança com as práticas sangrentas desta. Ou acreditam nas suas próprias mentiras ou confiam demasiado na propaganda e na consequente alienação do cidadão comum. A NATO nasceu no meio de mentiras e de mitos propagandistas tão em vigor hoje como há 70 anos, apesar de serem facilmente desmontáveis. Mas os servidores da organização têm fé no efeito de repetição e num universo mediático reverente. A NATO não nasceu para responder a qualquer acção contrária, uma vez que o Tratado de Varsóvia só foi fundado quatro anos depois. E também não veio para defender a democracia, porque fez questão de integrar, à nascença, uma ditadura fascista – a portuguesa – adoptando outras com o correr do tempo, como foi o caso da grega e da turca. Porém, o mito fundador que mais foi refinando com o tempo e a prática é o da «aliança defensiva», uma espécie de culto de Calimero a uma escala bastante viril. A NATO nunca ataca; defende-se sempre de um qualquer inimigo, que trata de inventar quando não existe. Quando instala armamentos, cada vez mais exterminadores, é para defender-se; quando avança os seus meios militares pela Europa afora até às fronteiras russas, ou em África, ou agora na América Latina é em legítima defesa. A melhor defesa é o ataque, argumenta-se em termos de táctica futebolística. A NATO adoptou-a ou vice-versa, é uma dúvida semelhante à do ovo e da galinha. O que interessa é saber-se que a NATO nunca ataca, defende-se. Assim foi durante a Guerra Fria, por exemplo recorrendo a organizações terroristas clandestinas, como a Gládio, espalhando o sangue, o horror e o medo através de atentados sucessivos em Itália para impedir o acesso dos comunistas à esfera do poder, mesmo quando o povo assim o desejou em eleições legítimas e livres. Ou não hesitando em conspirar para promover golpes de Estado e mudanças de regime, dentro e fora da guerra fria, como aconteceu em Portugal, na Grécia, na Turquia e mais recentemente na Ucrânia – não interessando, também neste caso, que o resultado seja um regime nazi-fascista. Sempre em nome da democracia e do mercado, a entidade que mexe os cordelinhos democráticos e sabe o que é melhor para os cidadãos, mesmo que estes desejem o contrário. A NATO tem uma relação complicada com a própria palavra. É o que acontece a quem vive da propaganda e não tem a coragem de assumir perante os povos as reais motivações da sua missão. A NATO esboça a sua realidade virtual nos mapas e nas mensagens que transmite aos cidadãos; e depois procede em conformidade mas de uma maneira real, agressiva, muitas vezes sanguinária, espezinhando os direitos humanos. A mentira que esteve na génese da organização – a necessidade de responder a uma entidade de sinal contrário que viria a nascer apenas quatro anos depois – vigorou até ao colapso da União Soviética e do Tratado de Varsóvia, no início da década de noventa do ano passado. Agora é altura de a NATO se dissolver, deixaram de existir razões para continuar, argumentaram então os ingénuos e os que ainda acreditam na boa-fé dos discursos político-militares e das instâncias que os produzem. Não é bem assim… respondeu o atlantismo. Reparem nos inimigos que ameaçam o «nosso civilizado modo de vida», o Irão, Saddam Hussein, Khaddafi, a Coreia do Norte, Cuba, Assad, Chávez, al-Qaida, Bin Laden, os Talibã, eixos do mal cruzando-se, entrecruzando-se, exigindo a presença vigilante, dissuasora, sempre defensiva da NATO, ainda que alguns tenham sido amigos ou mesmo criados para bem do mercado e preservação da democracia. Portanto, nesta guerra «entre a civilização e a barbárie», a NATO não pode dissolver-se; mas podem estar certos de que não vai crescer uma polegada, em território e número de membros. Quem assim falou foi James Baker, secretário de Estado norte-americano de George Bush pai. E se bem o disse melhor o fez; ele, os sucessores, o chefe e herdeiros, no fundo toda a fina flor Atlântica. Num ápice a NATO estava em «tempestades no deserto» invadindo o Iraque, destruindo a Jugoslávia numa das mais selváticas guerras modernas, invadindo o Afeganistão dando o pontapé de saída na «guerra contra o terrorismo», no âmbito da qual foi dizimar a Líbia em aliança com os terroristas islâmicos que dizia estar a combater. E foi assim que o «nem uma polegada» se transformou em muitos mais biliões de polegadas; que a “guerra contra o terrorismo” descambou no recurso a informais braços terroristas como o Estado Islâmico e a al-Qaida, por exemplo na participação clandestina do atlantismo na agressão à Síria e, mais recentemente, na interminável invasão do Afeganistão – onde o inimigo a derrotar – os Talibã – já controla dois terços do país. E onde se ouviu James Baker dizer nem mais um membro deve ler-se duplicação da família dos aliados, porque em meia dúzia de anos a NATO engoliu a maior parte dos países do antigo Tratado de Varsóvia mais os Estados nascidos da ex-Jugoslávia, sem esquecer os que lhe eram adjacentes nos Balcãs, como a Albânia. A família defensiva já vai em 30 membros e não fica por aqui, porque ao Atlântico Norte juntam-se agora o Mediterrâneo, os mares Adriático, Báltico e Negro e também o Atlântico Sul. Graças a imaginativas normas de integração temos a caminho da NATO não só o narco-Estado terrorista da Colômbia mas também o Brasil, uma vez reconvertido ao fascismo. Porque a NATO sente urgência em defender-se da sempre ameaçadora Cuba e, sobretudo, da temível Venezuela de Maduro. Pelo que abundam razões para acreditarmos piamente no que a NATO e os seus porta-vozes dizem e prometem. Claro como água. Outro dos mitos fundadores e base de propaganda da NATO é o da defesa solidária. Ou seja, qualquer Estado membro pode contar com os restantes no caso de ser agredido por um Estado terceiro ou organização inimiga. Todos acorrerão a defendê-lo… Desde que… O Estado em questão, como qualquer outro dos membros, tenha abdicado previamente de parte da sua independência; os seus governos se tenham submetido à autoridade económico-militar do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos da América – e a NATO, por inerência; e estejam dispostos a que o seu território seja utilizado para que a NATO, isto é, os Estados Unidos da América, se defendam atacando. Em boa verdade, os Estados membros da NATO são protectorados da estrutura imperial norte-americana, que tem a aliança como seu braço armado: são obrigados a abdicar de uma política de defesa independente, a colocar vultosos fundos orçamentais à disposição do Ministério da Defesa dos Estados Unidos, a envolver-se em guerras por razões que lhes são alheias, ou mesmo contrárias, a manter relações hostis com Estados porque assim o exigem os interesses norte-americanos e não os interesses nacionais. Numerosos estudos demonstram que os Estados Unidos da América têm entre 800 a mil bases militares em territórios ocupados no estrangeiro. Nessas áreas, em bom rigor, os Estados hospedeiros abdicam da sua soberania, cedem-na a Washington. Ora estes estudos pecam por defeito, porque não consideram muitas das instalações militares dos Estados membros da NATO. Estas instalações, em última análise, estão ao serviço dos Estados Unidos, mesmo que tecnicamente não sejam consideradas bases norte-americanas. As suas actividades não são independentes ou autónomas da estratégia militar da NATO, logo dos Estados Unidos. Os Estados membros da aliança não possuem instalações militares verdadeiramente próprias porque não têm uma política de defesa por eles definida tendo em conta os verdadeiros interesses dos seus povos. Eis porque o Pentágono administra um império de instalações militares mundiais muito mais amplo que as cerca de mil unidades recenseadas. Na União Europeia entra-se mas não se sai ou, pelo menos, não se sai a bem, como estamos a perceber quotidianamente pelo caso do Reino Unido. Acontece o mesmo com a NATO? O assunto é académico, porque em relação à Aliança Atlântica apenas temos assistido a entradas, não a saídas ou tentativas de saída. Na União Europeia ainda se realizam alguns referendos esporádicos para decidir o relacionamento entre as instituições centrais e Estados membros. Referendos, é certo, que têm sido repetidos quando não dão os resultados que deveriam dar – segundo a perspectiva da União – ou então sabotados. Nada disso acontece na Aliança Atlântica. A NATO representa, em absoluto, a vontade dos povos, razão que torna qualquer consulta supérflua. Dir-se-ia um comportamento ditatorial, não soubéssemos nós que a NATO é a essência da democracia. Portugal foi fundador da NATO com a ditadura de Salazar, continuou depois do 25 de Abril – que foi gravemente ferido no 25 de Novembro com a colaboração prestimosa da aliança – e continua a não questionar a presença, apesar da letra e do espírito da Constituição da República. Em Portugal, a propósito da NATO, há um conflito constitucional latente, do qual todos os governos têm fugido como o diabo da cruz. Salazar dizia que “a pátria não se discute”; os governos de hoje assumem que a NATO não se discute ou, pelo menos, não se questiona. Porque era isso que deveria fazer-se à luz da Constituição, que determina o envolvimento de Portugal nos esforços de paz e de dissolução dos blocos militares, isto é, da NATO. Nada disso. O que fazem caças portugueses violando espaço aéreo da Finlândia, por exemplo? Nada contra este país, apenas uma sequela de uma presença agressiva, no âmbito da NATO, contra uma nação – a Rússia - com a qual Portugal poderia e deveria ter relações absolutamente naturais e normais, como acontece como tantas outras. Essa presença em territórios bálticos, em si mesma, é uma agressão à Constituição da República. Em termos de democracia, porém, a NATO sobrepõe-se à lei fundamental do país. A posição dos dirigentes nacionais de hoje em relação à aliança não é muito diferente da que há 70 anos era tão grata a Salazar: estão muito agradecidos pelo favor que a NATO faz em permitir que o país faça parte de tão grande e defensiva família. Esqueçam a Constituição. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Pelo contrário, os planos de agressão existentes eram ocidentais e decorriam da ideia de Winston Churchill, exposta a políticos norte-americanos em 1951, segundo a qual, quando voltasse a chefiar o governo de Londres, iria lançar bombas atómicas sobre 20 a 30 cidades soviéticas, para então estabelecer definitivamente a paz. Churchill voltou a chefiar o governo de Londres em 1955, mas não cumpriu a ameaça, porque Moscovo já possuía a arma de extermínio e não hesitaria em responder. Fazer de justiceiro e valentão tornara-se perigoso, ou mesmo fatal. Ernest Bevin tinha também um conceito bastante peculiar de guerra e paz, reflectindo o espírito do longo império, de que ele se orgulhava porque, por exemplo, «a marinha britânica conseguira policiar o mundo durante 300 anos de uma maneira bastante barata»; explicava então que «a guerra não é um piquenique, mas será melhor que milhões de vidas se percam?» Fazer a guerra para evitar mortes é uma ideia genial. Este grande impulsionador da criação da NATO e da união da Europa Ocidental (ainda faltavam 70 anos para o Brexit) era particularmente arguto e tinha princípios pessoais e de acção política que continuam a revelar-se de grande actualidade para as classes governantes. Considerava que «um jornal tem três tarefas: uma é divertir, outra é entreter e o resto é enganar»; por outro lado, havia ilusões que Bevin não tinha: «o preço da liberdade é a eterna vigilância». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
NATO, 75 anos de guerra contra a humanidade (I)
O intrigante esquecimento da democracia
A NATO como berço da União Europeia
Opinião|
O terrorismo da NATO no seu esplendor
Opinião|
O capitalismo em guerra sobre os escombros da Líbia
Uma guerra internacional
Choques petrolíferos
O xadrez dos gasodutos
Sinal dos tempos
Contribui para uma boa ideia
«… E ele morreu»
Uma questão de urgência
Internacional|
Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia
Internacional|
Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP
Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!
Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia
EUA reforçam presença militar na Europa
Contribui para uma boa ideia
«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»
Opinião|
Resistência antifascista em Donbass
Contribui para uma boa ideia
Contribui para uma boa ideia
Contribui para uma boa ideia
Opinião|
A NATO e sete décadas de mentiras, guerra e sangue
A «aliança defensiva»
A NATO e o respeito pela própria palavra
O mito da defesa solidária
Conflito constitucional
Contribui para uma boa ideia
Contribui para uma boa ideia
Um singelo exemplo: a República Federal da Alemanha, outrora o «motor» da União Europeia, o único país exportador da agremiação, caiu para o 24.º lugar (entre 67 países) em termos de competitividade económica, situando-se entre o Luxemburgo e a Tailândia e ainda atrás de nações como a Islândia e o Bahrein. Os dados estão contidos no ranking de competitividade económica elaborado pelo Swiss Business Institute. Nessa escala, a Alemanha está em 49.º lugar nos custos de energia eléctrica para os clientes industriais; e também em infra-estruturas de energia. O governo alemão de Olaf Scholz, porém, não soltou um pio quando os Estados Unidos, em conluio comprovado com a Noruega – produtor e exportador de gás natural –, fizeram explodir o gasoduto Nord Stream 2, entre a Rússia e o território alemão, através do qual a Europa consumia gás natural a preços pelo menos cinco vezes mais baixos que os actuais. Mais do que masoquista perante os seus patronos norte-americanos, a Europa tem vocação suicida. Quem sofre são os povos, nunca as classes políticas, até ao dia em que a paciência das populações se esgote e se inicie o inevitável ajuste de contas com o regime federalista e sociopata pan-europeu.
Nessa altura poderá então desbravar-se o caminho para a reconquista da soberania dos Estados do continente e para uma democracia que deixe de ser adjectivada como «liberal» e da qual a recente reunião do G7 foi um esclarecedor exemplo.
Saiba como é a «democracia avançada»
O Wall Street Journal, periódico da oligarquia transnacional governante, qualificou a reunião do Grupo dos Sete como a «cimeira das democracias avançadas».
Avaliemos então o «avanço» da sua qualidade democrática relembrando a representatividade política dos participantes na reunião realizada em Itália: Joseph Biden, em estado perceptível de insuficiência intelectual – como ficou claro no primeiro debate com o inominável Trump –, mas ainda assim candidato a um novo mandato de quatro anos, age sob o controlo de neoconservadores psicopatas que ninguém elegeu; a anfitriã italiana, Giorgia Meloni, herdeira em linha recta do fascismo italiano, tem uma representatividade relativa, que as recentes eleições europeias ainda não puseram em causa, ao mesmo tempo que ilustra os avanços do extremismo de direita na Europa; o fascista Justin Trudeau, chefe do governo do Canadá que, ainda recentemente homenageou no parlamento um criminoso de guerra banderista ucraniano responsável por centenas de assassínios sob cobertura hitleriana, tem as intenções de voto em queda; Emmanuel Macron, presidente francês, ficou-se pelos 15% nas eleições europeias e sentiu-se forçado a convocar eleições antecipadas; pior ainda está o chanceler social-democrata alemão, Olaf Scholz, ao nível dos 14%, enquanto os seus parceiros governamentais, os belicistas Verdes, não chegaram aos 13%; Rishi Sunak, oligarca, peão do Goldman Sachs e primeiro-ministro britânico, vai ser despedido pelos eleitores (que nunca o elegeram porque nunca se submeteu a sufrágio popular) nas próximas eleições gerais, eventualmente ultrapassado até pelo outsider populista Neil Farage; o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, tem a popularidade pelas ruas da amargura e caindo em cada consulta de opinião.
À moda dos mosqueteiros, onde três eram quatro, no G7 onde são sete contam-se oito com a inclusão da União Europeia, aliás representada duplamente em Itália: pela presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, então ainda no posto que hoje é do contorcionista António Costa. Em matéria de democracia pode dizer-se que estes federalistas autoritários são ainda mais «avançados» que todos os outros parceiros de conspiração, porque nenhum deles foi eleito nem concorreu a coisa alguma.
Cimeira para a guerra
O G7 desdobrou-se a seguir na chamada «cimeira para a paz», convocada pelo ditador ucraniano Volodymyr Zelensky, presidente fora do prazo de validade, e acolhida pela Suíça, país tão neutral como o mais ferrenho adepto de um clube de futebol.
Cimeira por convites, que pretendeu afirmar-se de maneira exuberante como berço mágico de uma solução para a guerra na Ucrânia mas sem a presença de uma das partes em conflito – a Federação Russa.
«Em matéria de democracia pode dizer-se que estes federalistas autoritários são ainda mais «avançados» que todos os outros parceiros de conspiração, porque nenhum deles foi eleito nem concorreu a coisa alguma.»
Ora, «fazer a paz» numa suposta cimeira de negociações para a qual não foi convidada a parte que está a ganhar a guerra não pode passar de um ritual, uma oportunidade para cada orador se ouvir a si próprio nas instalações bem requintadas do Burgenstock Resort, com o bom gosto e o luxo espampanante pensados à medida do martírio que estão a passar os soldados ucranianos nas trincheiras, morrendo diariamente às centenas.
Depois de dormidos em quartos de 2000 dólares por noite e por pessoa e alimentados com refeições de 400 dólares, os convidados de Zelensky entretiveram-se a «debater» um documento com recomendações tão sonantes como falsas porque os praticantes da «ordem internacional baseada em regras» ignoram o respeito pelo direito internacional, que aconselham. E muitos deles são conhecidos por não respeitarem os direitos legítimos dos Estados e muito menos a sua integridade territorial, que também apregoam no panfleto saído do conclave.
É desconhecido na História qualquer processo de negociações de paz sem a representação de uma das partes. Qualquer outra versão não significa negociar, mas sim impor. E impor à Russia como tem de fazer a «paz», que deve de facto render-se quando está em vantagem na guerra, aguardando apenas que a insistência de Washington e Bruxelas no confronto liquide de vez o exército ucraniano, é um acto gratuito que, no contexto actual, equivale a brincar à paz ao mesmo tempo que se cumpre um ritual de guerra.
Na véspera da «cimeira» na Suíça o presidente da Rússia, Vladimir Putin, revelou os contornos da posição russa para resolução do conflito, como quem a transmite antecipadamente aos participantes e informando-os de que quaisquer das suas decisões estariam condenadas ao lixo se não tivessem em conta, como não tiveram, a situação actual no terreno. Putin propôs, como elementos determinantes para uma negociação com algum futuro, a saída das tropas ucranianas, com total garantia de segurança, das províncias russófonas de Donetsk, Lugansk, Kharkiv e Zaporizhia; a declaração do regime de Kiev de que não pedirá a adesão à NATO; o fim das sanções internacionais contra a Rússia e o descongelamento dos activos russos na Europa.
«É desconhecido na História qualquer processo de negociações de paz sem a representação de uma das partes. Qualquer outra versão não significa negociar, mas sim impor.»
A cimeira ignorou olimpicamente estes pontos, apesar de o presidente russo afirmar que as condições não duram eternamente e as próximas serão certamente mais gravosas e ditadas numa situação militar mais comprometedora para Kiev.
Numa primeira reacção, que poderá não ser uma resposta directa a Moscovo mas funciona como tal, a União Europeia decidiu assumir o roubo de 1400 milhões de dólares de lucros dos activos russos para os despejar no buraco negro em que o golpe norte-americano de 2014 e os dez anos de regime nazi-banderista transformaram a Ucrânia, assegurando assim a continuação da guerra. A «paz» europeia e liberal ao seu melhor nível.
O ditador e usurpador do poder na Ucrânia convidou 160 países dos 192 Estados da ONU para a «cimeira» na Suíça, afirmando garbosamente que se tratava de «todo o mundo». Desses, compareceram apenas 91, a maioria deles com delegações de baixo nível, sobretudo os da maioria global. A esmagadora maioria dos países africanos não estiveram presentes e, por outro lado, entre os participantes avultaram entidades de inegável representatividade político-militar como a Associação Internacional de Boxe, o ministro do Sistema Nacional de Seguros de Invalidez da Austrália e o ministro dos Serviços Correccionais da Nova Zelândia.
Naturalmente, o tema é a Ucrânia, a guerra que dizem ter começado há um ano, mas já faz correr sangue inocente há nove – e não, não se iniciou com a «invasão russa» da Crimeia. Nesta cacofonia turbulenta em que continuamos mergulhados, na qual os comentários esmagam a informação, a especulação trucida os factos e a mentira se transformou em verdade absoluta e única, é sempre aconselhável parar um pouco, sacudir a poeira dos delírios mediáticos e cuidar da memória futura. Naturalmente, o tema é a Ucrânia, a guerra que dizem ter começado há um ano, mas já faz correr sangue inocente há nove – e não, não se iniciou com a «invasão russa» da Crimeia; é essencial, acima de tudo, apurar quem tramou os ucranianos, todos eles, de Leste a Oeste, de Norte a Sul, falem ucraniano, russo, húngaro, romeno, polaco ou outra língua pátria, vivam em Lvov, Kiev, Donetsk, Lugansk ou Odessa. É fulcral apurar quem transformou os ucranianos num povo mártir como os da Jugoslávia, do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, da Síria, da Palestina, do Saara Ocidental, da Somália e fiquemos por aqui para não transformar estas linhas num planisfério. Não é difícil deduzir, mas para as vítimas da intoxicação mediática isso será um absurdo, que os rios de sangue na Ucrânia têm as nascentes na implosão ou auto-destruição gorbatchoviana da União Soviética, antecedida pelo desmoronamento do muro de Berlim. Um episódio decisivo para a construção da uma nova ordem mundial, de cariz imperial e unipolar, conhecida agora como «ordem internacional baseada em regras». Sendo esta tão arbitrária e volátil como seria um jogo de futebol em que as normas seguidas pelos árbitros fossem alteradas de cinco em cinco minutos. A Ucrânia chegou assim à independência, herdando o território da anterior República Socialista Soviética da Ucrânia e com as características de uma sociedade multinacional reflectindo a miscigenação própria da multiplicidade de povos convivendo durante sete décadas sob uma bandeira comum. Este riquíssimo panorama multicultural esbarrou desde o primeiro momento numa clique dirigente do novo Estado dominada pelos sectores chamados «dissidentes» em relação à União Soviética que foram sustentados durante dezenas de anos pelos Estados e serviços secretos de países europeus ocidentais e da América do Norte como instrumentos da guerra fria. Sectores estes inspirados pelo vetusto, mas enraizado, nacionalismo integral ucraniano e a respectiva modulação nazi nascida da combinação oportunista entre a perspectiva independentista anti-soviética e a invasão da URSS pelas tropas hitlerianas – e que, de facto, gerou em 1941 um efémero Estado nazi na Ucrânia sob a protecção ainda mais efémera do Reich. «É essencial, acima de tudo, apurar quem tramou os ucranianos, todos eles, de Leste a Oeste, de Norte a Sul, falem ucraniano, russo, húngaro, romeno, polaco ou outra língua pátria, vivam em Lvov, Kiev, Donetsk, Lugansk ou Odessa. É fulcral apurar quem transformou os ucranianos num povo mártir como os da Jugoslávia, do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, da Síria, da Palestina, do Saara Ocidental, da Somália e fiquemos por aqui para não transformar estas linhas num planisfério.» Posteriormente, nas suas estratégias de guerra fria, os Estados Unidos e seus satélites apostaram sempre prioritariamente nas correntes conspirativas ucranianas vinculadas ao nacionalismo integral e ao culto dos dirigentes históricos que serviram Hitler. Os quais moldaram e monopolizaram o independentismo ucraniano e a sua expressão como «dissidência» anti-soviética ao longo do período do pós-guerra, sobretudo a partir de Munique e do Canadá, sem serem perturbados pela «desnazificação» alemã, antes pelo contrário; e muito menos pelos seus protectores ocidentais que usurparam os preceitos democráticos como monopólio próprio, até mesmo para atestar, quando isso serve os seus «interesses», a democraticidade da herança e das práticas nazi-fascistas, como acontece na actualidade. Em consequência deste processo patrocinado pelos poderes ocidentais, a classe política ucraniana que se instalou com a independência, ostentando a fachada de democracia liberal, surgiu contaminada por conceitos como xenofobia e «raça pura ucraniana» servindo de cimento da nação, a par de um desbragado neoliberalismo económico que, a partir das riquezas naturais do território e do saque do aparelho produtivo tornado disponível pelo fim da URSS – que afinal não era tão «obsoleto» como apregoavam – arrasaram em pouco tempo o tecido produtivo e social do país. O Estado nasceu desde logo marcado pela corrupção, pela instalação de poderosas oligarquias, pelo empobrecimento e subjugação da maioria da população – à qual foram retirados e negados, em termos reais, os direitos mais elementares a uma vida decente e segura. Uma situação em tudo idêntica à que brotou na Rússia sob a presidência de Boris Ieltsin, que transitou sob inebriantes vapores de álcool de presidente do Partido Comunista da União Soviética em Moscovo para mordomo ao serviço de Washington e da voracidade cleptómana dos poderes ocidentais. A Ucrânia e a Rússia percorreram céleres o caminho para se transformar em novas colónias, um desfecho que só foi travado, no caso russo, pelo aparecimento da figura de Vladimir Putin, aliás receitada a Washington pelo próprio Ieltsin, uma das mais interessantes ironias da História recente. Putin travou a selvajaria reinante no sistema económico e a ganância externa, ajustou contas com alguns – apenas alguns – dos oligarcas internos com vocação transnacional, e começou aí, de facto, a desorientação das oligarquias ocidentais, cujo desespero crescente ameaça a Europa e todo o mundo. A árvore das patacas secou e o maná dos bens de produção, combustíveis fósseis e outras matérias-primas da Rússia desvaneceu-se. A instalação plena em Kiev da elite nacionalista integral, desde o primeiro momento a escolhida pela plêiade político-mercantilista-autocrática ocidental, não foi alcançada de um momento para o outro. A esmagadora maioria da população ucraniana, vivendo numa sociedade consolidada no convívio multicultural, insensível às diferenças de origens nacionais, linguísticas e regionais, não se identificou com as ideias segregacionistas de alguns poderosos sectores da estrutura dirigente, oriunda principalmente da zona ocidental do país. Daí que a configuração geral dos órgãos de poder que foram sendo eleitos, apesar da maior capacidade de afirmação das correntes nacionalistas ortodoxas, reflectisse durante alguns anos a imagem plural da sociedade através de uma partilha de cargos nos mecanismos de decisão traduzindo, em boa parte, a sua composição multifacetada. Lentamente, em consequência de uma estratégia montada pelos nacionalistas radicais e os seus protectores liberais (neoliberais) externos, este quadro foi-se alterando no sentido da transformação artificial da estrutura político-social muito diversificada numa rivalidade bipolar entre as tendências designadas «democráticas», «liberais», «pró-UE» e «pró-NATO» de um lado e os sectores ditos «pró-russos» e «pró-Putin» do outro, uma terminologia que se transformou em jargão no totalitarismo mediático corporativo transnacional, mas falsificava a realidade até então existente. É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio. O maior cego é aquele que não quer ver Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos». Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte». No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6. Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos. Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques». Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale. O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7. Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9 Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica. Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis. Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos». Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11 As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos». Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano. Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana. No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque. Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país. Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados. O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro». Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio. A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática». Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual. O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas. A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce. Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens». Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava. O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia. Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos. Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História. De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass. «Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas» Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings. A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos». A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo. Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte. Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus. Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente. De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial. Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN. Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo». Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17. A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis. Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial. Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida. Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky. «Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental» O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera. Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano. É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética. Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns». Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar. Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia». José Goulão, exclusivo AbrilAbril Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A estratégia passou pela primeira vez à prática com a «revolução colorida» em tons laranja organizada em 2004 pelos suspeitos do costume, as fundações do magnata George Soros e as agências conspirativas norte-americanas desempenhando os papéis da CIA que à CIA (e à Casa Branca) não convém interpretar directamente. Tal como acontece agora na Geórgia, como já todos perceberam: uma ingerência externa, sucedendo a várias outras, para pôr fora de cena os dirigentes que, embora com pouca convicção, não cumprem as directivas de submissão à NATO tal como a NATO exige. O triunfo na intentona laranja dos conspiradores «pró-UE» de Kiev consumou-se mas foi efémero. Dirigentes russófonos, ditos «pró-russos», foram democraticamente eleitos para a presidência pouco tempo depois, enquanto a Rada (parlamento) funcionava com pluralidade de correntes e opiniões políticas. Uma situação que os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia toleravam cada vez menos à medida que iam crescendo os seus apetites pelo domínio absoluto do poder em Kiev e a consequente transformação do país num mero instrumento geoestratégico, económico e, sobretudo militar, do cerco à Rússia e de pressão sobre o regime de Moscovo. A voracidade do Ocidente global em relação à Ucrânia manifestou-se cada vez mais à medida que este país decisivo para a asfixia da Rússia se mantinha teimosamente independente, ainda que no fio da navalha. A NATO já conquistara e anexara os três Estados bálticos que anteriormente integraram a União Soviética, transformando-os em bases militares nominalmente administradas por regimes filo-fascistas. Mas a gigantesca Ucrânia era indispensável para concretizar os objectivos ocidentais de «cancelamento» da Rússia. Este processo enquadrou-se e enquadra-se na ânsia dos Estados Unidos, arrastando os respectivos satélites, para conservar a todo o custo, sem excluir a ameaça nuclear, a estrutura internacional unipolar, as ambições globalistas do neoliberalismo como estratégia económica da «civilização ocidental», enfim, da ordem colonial/imperial, a tal que é «baseada em regras» alheias ao direito internacional. O auge do confronto ucraniano entre os blocos artificiais «pró-UE» e «pró-Rússia» foi atingido durante a presidência, constituída democraticamente em 2010 através de eleições livres, universais e justas, de Viktor Yanukovych, aliás anterior primeiro-ministro do presidente nacionalista integral Leonid Kuchma, o primeiro eleito para o cargo depois da independência, em 1991. Para desestabilizar e derrubar a estrutura governativa montada pelo presidente em funções, que derrotara eleitoralmente a simpatizante nazi/banderista Yulia Tymochenko, foi lançada mais uma «revolução colorida» depois de Yanukovych ter optado por uma Ucrânia independente, equidistante da União Europeia e da Rússia, ao decidir pôr de lado o desigual acordo «de associação» com a União Europeia, altamente lesivo para os interesses reais dos ucranianos. A Ucrânia era já um dos mais pobres países da Europa, razão acrescida para que a submissão à União Europeia ameaçasse a soberania, a sua própria sobrevivência e, sobretudo, os interesses da esmagadora maioria da população, que não se revia na oligocracia montada em Kiev. Os movimentos de protesto manipulados do exterior perderam momentaneamente ímpeto quando o presidente e a oposição assinaram um acordo de convivência sob mediação europeia, com destaque para a França, a Alemanha e a Polónia, neste caso representada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Radoslaw Sikorski. Sublinha-se este nome porque muito recentemente defendeu a entrega de armas nucleares à Ucrânia para serem usadas contra a Rússia. O acordo de nada valeu. Foi o primeiro caso conhecido, no processo ucraniano, de assinatura de um entendimento pacificador e de estabilização da democracia assinado por dirigentes da União Europeia para ser violado logo a seguir. Ficou aberto um precedente na demonstração de que os dirigentes da Europa monopolizadora da «democracia» não honram os acordos que assinam no âmbito internacional: em linguagem comum poderá dizer-se, sem receio de atentar contra a realidade, que agem como trapaceiros. «Para desestabilizar e derrubar a estrutura governativa montada pelo presidente em funções, que derrotara eleitoralmente a simpatizante nazi/banderista Yulia Tymochenko, foi lançada mais uma "revolução colorida" depois de Yanukovych ter optado por uma Ucrânia independente, equidistante da União Europeia e da Rússia, ao decidir pôr de lado o desigual acordo "de associação" com a União Europeia, altamente lesivo para os interesses reais dos ucranianos.» Para Washington, o acordo nunca existiu e a «revolução da Praça Maidan» ou «Euromaidan», também denominada «revolução da dignidade» ou «continuação da revolução laranja», intensificou-se a partir de Fevereiro de 2014, nessa altura conduzida já por forças de assalto interpretando as correntes nazis que ficaram fundidas no nacionalismo integral desde os tempos do colaboracionismo com Hitler. Grupos esses que não esconderam a idolatria pelos dirigentes nacionalistas que actuaram ao lado das tropas do III Reich invasoras da URSS, participando em chacinas de dezenas de milhares de pessoas. Stepan Bandera, Andriy Melnik, Roman Shukhevych, Yaroslav Stetsko foram alguns desses criminosos de guerra, transformados em «heróis da Ucrânia» depois da independência. Como pretexto para o golpe, o presidente Yanukovych foi declarado «corrupto», por sinal uma característica endémica na elite política ucraniana; mas, sobretudo, pagou o preço pelo facto de desobedecer aos putativos proprietários estrangeiros do país e de ter revogado – ainda que de maneira transitória – o título de «herói da Ucrânia» outorgado ao terrorista nazi Bandera. O presidente legítimo acabou deposto na sequência da conspiração internacional «Euromaidan», que nada teve de democrática; foi antes, de facto, um golpe de Estado contra a democracia, contra a vontade sentida e expressa pelo povo ucraniano, no qual o papel operacional decisivo foi desempenhado por grupos que não escondem a cultura e a prática nazis. «Se não fossemos nós, a revolução teria sido uma parada gay», explicou Yehven Karas, aliás «Vortex», chefe do agrupamento terrorista nazi C14, agora designado Fundação para o Futuro. Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado. «Os meus homens alimentam-me com os ossos de crianças que falam russo» «Não há nazismo nem banderismo na Ucrânia», proclamam analistas, comentadores, especialistas, jornalistas, historiadores e outros bruxos da modernidade que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. É verdade que nem sempre a realidade e os factos se ajustam à sua eminente sabedoria, estratificadora da opinião oficial e única, mas a ignorância, a cegueira e má-fé são sempre dos outros, que se atrevem a ter posições diferentes, mesmo que sejam sustentadas por sólida investigação. Mas que culpa têm eles que assim seja? A realidade e os factos é que estão errados. É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio. O maior cego é aquele que não quer ver Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos». Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte». No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6. Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos. Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques». Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale. O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7. Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9 Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica. Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis. Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos». Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11 As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos». Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano. Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana. No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque. Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país. Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados. O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro». Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio. A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática». Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual. O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas. A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce. Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens». Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava. O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia. Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos. Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História. De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass. «Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas» Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings. A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos». A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo. Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte. Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus. Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente. De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial. Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN. Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo». Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17. A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis. Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial. Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida. Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky. «Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental» O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera. Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano. É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética. Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns». Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar. Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia». José Goulão, exclusivo AbrilAbril Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Uma atitude como esta não é sequer uma minimização da realidade nazi ucraniana, admitindo-a como um fenómeno marginal, uma espécie de folclore inconsequente e bizarro. É antes uma negação, uma perigosa negação que vai muito além de qualquer desejado efeito de propaganda; indicia que é possível conviver com um regime nazi – e apoiá-lo – sem que uma tal promiscuidade traga consequências. Mais do que isso, no caso presente recorre-se ao nazismo como instrumento para atingir objectivos próprios, os chamados «nossos interesses», contra qualquer coisa «maléfica» que pretende destruir a civilização «perfeita e superior» que construímos. Os resultados da complacência perante o nazismo alemão e até a esperança de que liquidasse o grande inimigo ocidental de então – a União Soviética – originou a tragédia da Segunda Guerra Mundial. Além de irresponsáveis perante tão retintas manifestações de nazismo a que assistimos, os dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia são profundamente ignorantes em História, arrastando-nos para a tragédia latente que decorre dessa inconsciência. Continuando o desfile de «heróis nacionais» ucranianos com um passado «patriótico» e exterminador, esbirros que estiveram ao serviço de Hitler e desejaram uma Ucrânia independente totalitária e etnicamente «pura», Roman Shukhevych é outro dos venerados pelos terroristas de Kiev. Na Ucrânia de hoje tem estátuas, um museu memorial, moedas cunhadas em sua honra, o nome de importantes ruas em várias cidades e até em dois estádios1 – Lviv e Ternopil2. A última pessoa a ser o seu contacto operacional, já durante a acção clandestina contra a União Soviética guiada pelos serviços secretos ocidentais, e na sequência da qual Shukhevych viria a morrer em 1950, foi Daria Gusyak, falecida o ano passado. Gusyak fez parte da direcção do Congresso dos Ucranianos Nacionalistas, partido neonazi fundado em 1993 por Slava Stetsko3 e, a pedido desta, fundou uma organização do actual regime seguidora do nacionalismo integral, designada Liga das Mulheres Ucranianas, que dirigiu até ao fim da vida. Shukhevych comandou operacionalmente a OUN (B) (Organização dos Nacionalistas Ucranianos, facção Bandera) e a UPA (Exército Insurgente Ucraniano) na segunda metade da invasão alemã da União Soviética, período durante o qual a limpeza étnica do território ucraniano e de áreas da Bielorrússia4 teve alguns dos seus episódios mais sangrentos. Por exemplo a chacina de Huta Pieniacka, em 28 de Fevereiro de 1944, na qual as hostes de Shukhevych e a 14.ª Divisão das SS ucranianas mataram mais de mil pessoas. Vinte e cinco mil a trinta mil polacos foram assassinados durante essa fase na região da Galícia Oriental. Enquanto ordenava, através do comando da UPA, que «combatam os polacos impiedosamente, ninguém deve ser poupado, nem mesmo os casamentos mistos», Shukhevych declarava em 25 de Fevereiro de 1944: «Devido ao êxito das forças soviéticas é preciso acelerar a liquidação dos polacos, eles devem ser totalmente exterminados, as suas aldeias queimadas». Antes de ascender ao comando da UPA, em certa medida porque Bandera foi preso e enviado para a Alemanha (embora em condições principescas), porque nem sempre o Estado ucraniano foi considerado «útil» e «oportuno» pelos chefes militares do Reich, Shukhevych esteve integrado no exército alemão, a Wehrmacht; contribuiu então para a formação de dois batalhões ucranianos, Nachtigall5 e Roland, que entraram em território soviético com as tropas nazis. O historiador sueco-americano Anders Rudling, da Universidade de Lund, deixou uma pergunta que mereceria reflexão, até dos donos da verdade, sobre o desenvolvimento do nacionalismo integral ucraniano e a sua relação com os acontecimentos dos dias que vivemos6: «Será possível fazer de Shukhevych um herói nacional sem legitimar a ideologia da organização que dirigiu?». Uma resposta consciente faria estilhaçar mitos cultivados irresponsavelmente e que deixam a humanidade à beira da maior das fatalidades. Os historiadores oficiais ucranianos tentam actualmente branquear a biografia de Shukhevych e de outros terroristas colaboracionistas, alegando que converteu o programa da OUN ao pluralismo político, constituiu uma plataforma de unidade com outros movimentos ucranianos e abandonou o extermínio de judeus. Faltam, porém, dados e documentos convincentes que comprovem essas versões7. Em 2006, na sequência da «revolução laranja» promovida pelos Estados Unidos, o presidente Yushenko, qualificado como «pró-europeu», designou o alegado historiador Volodymyr Viatrovych como chefe dos arquivos centrais dos Serviços ucranianos de Segurança8. A sua missão foi a de adaptar as biografias dos «heróis nacionais» venerados pelo regime actual, tornando-as mais compatíveis com um tipo de discurso tolerável pelos aliados e protectores de Kiev9. Situações e ocorrências como o anti-semitismo da OUN e os massacres de polacos, designadamente, quase desapareceram das biografias oficiais de Shukhevych, Bandera e outras figuras. Nelas figuram praticamente em exclusivo os papéis desempenhados por conta de serviços secretos ocidentais contra a União Soviética10. Sem a presença dos deputados da oposição, suspensos por Zelensky, o resultado da votação era um dado adquirido. Partidos acusados de tendências «pró-russas» serão proibidos em definitivo, para lá da lei marcial. A vida do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acaba de ficar relativamente mais fácil. Seguindo o método dialético de Manuela Ferreira Leite (numa teoria formulada aquando da sua liderança do PSD), de vez em quando, o melhor mesmo é suspender a democracia durante seis meses, «mete-se tudo na ordem e depois, então, venha a democracia». A pretexto da lei marcial, Zelensky proibiu hoje 11 partidos políticos, do centro à esquerda, na Ucrânia, incluindo o maior da oposição. A extrema-direita, por seu lado, não vê qualquer restrição à sua actividade. «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)», lembrava Bertolt Brecht, e agora, por fim, levam o que restava do centro/centro-esquerda ucraniano. O processo de «descomunização», em marcha desde 2015, que resultou na ilegalização e perseguição do Partido Comunista da Ucrânia, aproveita o contexto da guerra para afastar os restantes rostos da oposição anti-NATO/anti-corrupção ao governo de Zelensky. Sob pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», uma narrativa rapidamente adoptada pelos meios de comunicação ocidentais, 11 partidos, com ou sem assento parlamentar, foram impedidos de exercer a sua função principal numa democracia: exercer a representação política dos seus eleitores e militantes. O Ministério da Justiça terá agora de «tomar imediatamente medidas abrangentes para proibir as actividades desses partidos políticos». A explicação dada pelo presidente ucraniano, numa declaração proferida hoje, 20 de Março, na qual anuncia o prolongamento da lei marcial por um novo período de 30 dias, falha na prova dos factos. Muitos destes partidos, acusados de pró-russos, participam activamente na defesa da Ucrânia. Há pouca margem para interpretar esta acção que não seja a de afastar o que resta da oposição ao seu mandato, e aos interesses que ele serve. A Plataforma de Oposição - Pela Vida, que nas eleições parlamentares de 2019 ficou em segundo lugar, com 13,05% dos votos e 43 assentos no parlamento, não só denunciou publicamente a invasão da Rússia, chegando mesmo a expulsar um deputado por não o fazer e remover um vice-presidente com ligações a Vladimir Putin, como incitou à participação nas milícias de defesa do país. Nada impediu a suspensão. No caso do Socialistas, trata-se de um pequeno partido político pró-União Europeia [ver foto em caixa] que defende a reintegração da Crimeia na Ucrânia, ao mesmo tempo que defende a nacionalização de vários importantes sectores da economia ucraniana e o combate à corrupção nas instituições governamentais. O verdadeiro crime destas formações políticas, algumas com quase 30 anos de actividade, foi, em alguns casos, continuarem a defender posições anti-NATO ou representarem as populações russófilas do país, enquanto outros, apoiantes do projecto europeu, se limitam a defender uma solução pacífica para o conflito no Donbass e se opõem aos ímpetos privatizadores do governo de Zelensky. O projecto iniciado em Maidan, em 2014/15, concluiu finalmente uma das suas principais ambições políticas: afastar todos os grupos partidários que contestem a hegemonia dos interesses económicos norte-americanos na Ucrânia. Para além da Plataforma de Oposição - Pela Vida, também os partidos Sharia, Nosso, Bloco de Oposição, Oposição de Esquerda, União das Forças de Esquerda, Estado, Partido Socialista Progressista da Ucrânia, Partido Socialista, Socialistas e Bloco de Volodymyr Saldo, foram suspensos. A necessidade de uma «política de informação unificada» levou Zelensky a assinar um decreto que funde todos os canais de informação, públicos e privados, num único órgão informativo, sob gestão da presidência da república da Ucrânia. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Zelensky, no entanto, decidiu ir mais longe. Depois da experiência do último mês, com a suspensão de todos os partidos políticos da oposição de centro e centro-esquerda (sem nunca tocar nos sacrossantos direitos dos partidos da extrema-direita), o parlamento ucraniano deliberou proibir, em definitivo, a oposição. Nas suas redes sociais, Olena Shuliak, presidente e deputada do partido Servo do Povo (pelo qual Zelensky se fez eleger) manifestou a sua satisfação pela aprovação da proposta: «Finalmente vamos parar de tolerar o 'mundo russo' dentro dos nossos círculos políticos, que só trazem destruição à Ucrânia». A pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», o novo projecto de lei (n.º 7172-1) permite a ilegalização de partidos, a cessação dos mandatos de representação, sejam ao nível local ou nacional, e o confisco de toda a propriedade registada pelos partidos visados. A Assembleia Geral da ONU adoptou, de forma esmagadora, a resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do nazismo», que voltou a não contar com o apoio dos países da NATO. Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quinta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 49 abstenções. Entre as abstenções, inclui-se a de Portugal, a dos estados-membros da União Europeia e dos países que integram a NATO. A resolução proposta pela Rússia apela aos estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para que «eliminem todas as formas de discriminação racial por todos os meios adequados», incluindo a via legislativa, e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS». De acordo com uma nota publicada no portal na ONU, o texto refere-se, também, à «construção de monumentos e memoriais», e à «celebração de manifestações em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo» – algo que ocorreu nos últimos anos em países como a Ucrânia, a Letónia, a Estónia, a Lituânia e a Polónia. Grigory Lukiantsev, director-adjunto do Departamento de Cooperação Humanitária e Direitos Humanos do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, disse que a adopção da resolução será um contributo real para a erradicação do racismo e da xenofobia, refere a TASS. Cerca de mil pessoas participaram no desfile do Dia do Legionário em homenagem aos mais de 140 mil letões que integraram unidades nazis. A diplomacia russa classificou a marcha como uma «vergonha». O Dia do Legionário, a 16 de Março, é assinalado na Letónia desde os anos 90, para homenagear e evocar aqueles que fizeram parte da Legião da Letónia na Waffen Schutzstaffel (Tropa de Protecção Armada, mais conhecida como Waffen-SS). A marcha deste ano, em Riga, contou com a participação de alguns veteranos legionários, que integraram a 15.ª e a 19ª divisões de Granadeiros da Waffen-SS, bem como de apoiantes e neonazis. O evento anual, que tem sido criticado a nível internacional como uma forma de «glorificação do nazismo», também mereceu oposição interna, com alguns manifestantes a exibirem cartazes em que classificavam a Legião como uma «organização criminosa» e a lembrar que «lutaram ao lado de Hitler», segundo refere o periódico Haaretz. A Embaixada da Rússia no país do Báltico condenou a marcha de homenagem aos legionários da Waffen-SS, que classificou como «uma vergonha». Na sua conta oficial de Twitter, a Embaixada afirmou, no sábado: «Que vergonha! Veteranos da Waffen-SS e apoiantes estão novamente a marchar com honra no centro de uma capital europeia. E isto acontece na véspera do aniversário dos 75 anos da libertação de Riga dos invasores nazis!» Também a Embaixada da Rússia no Canadá se manifestou no Twitter contra o desfile realizado em Riga: «Veteranos da Waffen-SS nazis e apoiantes marcham desafiantes e livremente no dia 16 de Março em Riga, Letónia, recohecidos pelas autoridades como heróis nacionais. Uma realidade ignorada por muitos no Ocidente que não pode ser descartada como "propaganda do Kremlin".» A Waffen-SS, que foi criada como um ala armada do Partido Nazi alemão, foi considerada uma organização criminosa nos julgamentos de Nuremberga, após a Segunda Guerra Mundial, pela sua ligação ao Partido Nazi e envolvimento em inúmeros crimes de guerra e contra a Humanidade. A Legião da Waffen-SS da Letónia foi fundada em 1943. Muitos dos seus membros viriam a integrar depois, juntamente com combatentes da Lituânia e da Estónia, os chamados Irmãos da Floresta, que até 1953 lutaram contra as tropas soviéticas nos países bálticos. Em Julho de 2017, a NATO publicou um vídeo que apresenta, com visível dose de heroísmo, essa guerrilha anti-soviética, sem mostrar grande preocupação pelo facto de, nessas forças, estarem integrados muitos legionários das SS nazis ou os que, nos países bálticos, haviam colaborado com as forças invasoras nazi-fascistas. Então, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pediu que «se veja com respeito as páginas trágicas da história e se repudie tão repugnante acção da Aliança Atlântica». Disse ainda esperar que «não seja necessário recordar os assassinatos massivos perpetrados por muitos dos membros dos Irmãos da Floresta». Por seu lado, a representação da Rússia junto da NATO considerou que o material fílmico constitui uma nova tentativa de reescrever a história, para a colocar de acordo com os processos políticos nas ex-repúblicas socialistas do Báltico, onde prolifera o neofascismo e o nacionalismo. Moscovo tem reafirmado a sua preocupação sobre o surgimento de grupos neonazis e acerca de políticas que glorificam colaboradores com o nazismo na Ucrânia, na Polónia e nos Estados Bálticos – países onde, refere a agência Sputnik – são frequentes as marchas em louvor de destacadas figuras fascistas. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Acrescentou que o texto sublinha a inadmissibilidade de «glorificar os envolvidos nos crimes do nazismo, incluindo o branqueamento de ex-membros da organização SS e das unidades Waffen-SS, reconhecidas como criminosas pelo Tribunal de Nuremberga». A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas tem votado sempre contra a resolução apresentada pela Rússia, alegando que se trata de um documento que legitima as «narrativas de desinformação russa» e «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo». No contexto da votação realizada há um ano, o embaixador norte-americano afirmou ainda que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A decisão foi aprovada com o voto favorável de 330 deputados. Apenas 17 votaram contra. O parlamento da Ucrânia (ou Rada) continua a funcionar, desde finais de Março, com um número reduzido de deputados (num total de 450), já que várias dezenas estão impedidos de cumprir o mandato para o qual foram eleitos por milhões de ucranianos, no mesmo sufrágio que legitima Zelensky. Qualquer partido que adopte posições, como parte da sua linha programática, que justifiquem, considerem legal e neguem o ataque da Rússia à Ucrânia, ou aceitem a conduta de militantes «pró-russos» nas «zonas temporariamente ocupadas» (em que se incluem as populações separatistas do Donbass e Crimeia), será imediatamente proibido. A capote desta lei, fica permanentemente proibida a defesa partidária do direito à autodeterminação dos povos do Donbass e da Crimeia, zonas com grandes populações russófonas e que votaram maioritariamente, em 2019, num dos partidos que será agora proibido: a Plataforma de Oposição - Pela Vida. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza. O fascismo nasceu como um novo produto ideológico das direitas do século XX, com uma origem e uma génese específicas na Itália do pós-I Guerra Mundial. Conquistou, contudo, o seu lugar na História justamente porque ganhou dimensão internacional, fascizando o corpus doutrinal de outras direitas em muitos contextos nacionais diferentes.1 Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário2 no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista). «Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista)» Nos estudos do fascismo desenvolveram-se, entre muitos, dois debates clássicos que permanecem muito úteis para discutimos a extrema-direita que dele é herdeira. Em primeiro lugar, a distinção entre fascismo-movimento e fascismo-regime, isto é, entre os períodos e os contextos em que ele (ainda) não se constituiu como regime e ideologia de Estado e os que, sobretudo depois da nazificação da Alemanha a partir de 1933, tal acontece um pouco por toda a Europa; nos nossos dias, isto significa estudar a diferença entre as direitas radicais na oposição e no poder. Em segundo lugar, a aplicabilidade do conceito a uma grande variedade de casos nacionais – fascista foi apenas o partido e o regime de Mussolini?, ou devem também ser considerados como tal o nazismo, o franquismo, o salazarismo, o regime ustasha na Croácia, entre muitos outros? –, e contextos históricos – o fascismo teve a sua época, como lhe chamou Thomas Mann, e esta terminou definitivamente com a derrota militar nazi de 1945?, ou, sob muito variadas formas, foram e são neofascistas ou pós-fascistas movimentos, partidos e formas de governo que se desenvolveram/impuseram uma vez passada a época do fascismo, desde as extremas-direitas europeias mais clássicas (francesa, italiana, alemã), às formas ideológicas e orgânicas presentes em ditaduras reacionárias dos últimos 75 anos (sobretudo as latinoamericanas e as duas ibéricas nas suas versões adaptadas a um mundo de que havia desaparecido já qualquer esperança de uma Nova Ordem fascista), até às direitas radicais (demasiado) frequentemente descritas como populistas do século XXI? Diferenças de contexto, comunidade ideológica e perceção de continuidades são questões essenciais tanto para analisar as experiências políticas da época do fascismo (1922-45), como para discutir as direitas extremas dos nossos dias. A posição maioritária, e que vem ganhando contornos hegemónicos, é a de sublinhar a diferença entre as novas extremas-direitas, que julgamos conhecer melhor porque com elas vivemos, e aquelas que há cem anos cunharam o nome de fascismo. Antes de mais, esta parece-me a atitude intelectual mais fácil de assumir: em contextos inegavelmente diferentes, os objetos que neles encontramos parecem-nos também eles diferentes, pelo que a perspetiva com que, à partida, os abordamos é a da verificação da diferença face a outros objetos que já conhecemos, antes de mais por não termos sido contemporâneos dos objetos do passado, que nos são inevitavelmente mais estrangeiros (como lhes chama David Lowenthal) que os do presente. Dizia Eric Hobsbawm que «a maioria dos seres humanos opera como os historiadores: só retrospetivamente conseguem reconhecer a natureza da sua experiência.»3 É evidentemente difícil conseguir dar um nome adequado ao que vivemos enquanto o vivemos. Por outro lado, muita da discussão que hoje fazemos sobre a natureza da extrema-direita é a mesma que se vem fazendo há décadas sobre a natureza dos regimes autoritários da época do fascismo, e resulta, afinal, de saber-se que grau de flexibilidade é admissível no uso das categorias políticas. Por norma, aqueles que negam que ditaduras de direita do período de entre guerras, como a salazarista, tenham sido versões nacionais de um fascismo como fenómeno internacional, não se perguntam se são hoje igualmente democráticos regimes tão diferentes como o indiano ou o francês, e se já o era o sistema político norteamericano em 1776 ou em 1865. A pergunta nada tem de retórico uma vez que a Ciência Política mainstream tende a dar-lhe uma resposta positiva em todos os casos, ao mesmo tempo que entende que eram tão comunistas e totalitários (para usar um vocabulário hegemónico que não é o meu) o regime soviético em qualquer dos seus ciclos históricos, o dos Khmeres Vermelhos ou a Revolução Cubana, entre muitos outros exemplos. Porque se aplica, então, um grau tão amplo de flexibilidade para falar de democracia ou de comunismo e uma perspetiva tão restritiva para falar de fascismo? A resposta é simples: porque se aceita quase sempre trabalhar com conceitos genéricos de democracia e de comunismo e, pelo contrário, se recusa fazer o mesmo com o fascismo. «se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo?» Para o que aqui nos ocupa, a questão é saber se, e quais, direitas extremas dos nossos dias são neofascistas, isto é, se são a versão do fascismo adaptada às condições específicas (mas muito diferentes entre si) de sociedades do século XXI marcadas pelo agravamento generalizado da desigualdade social e da perda de representatividade dos sistemas políticos. Nesta nova fase da globalização capitalista que coincide com o triunfo do neoliberalismo desde os anos 1980, são a retórica ocidentalista e o racismo culturalista dos nossos dias, empapados do Choque de Civilizações de Huntington, herdeiros do discurso da decadência do Ocidente de Spengler4 dos anos 20 que enformou a mundivisão fascista? A normalização do discurso xenófobo e racista, agravada com a chamada crise dos refugiados da última década (especialmente dos anos 2015-16), partilha a mesma mundivisão do fascismo na sua época? Há ou não continuidade entre o racismo politicamente organizado da primeira metade do século passado e o dos nossos dias, que alimenta movimentos políticos que, nos países mais ricos do Ocidente, se estruturam especificamente em torno do discurso xenófobo (contra o imigrante ou o refugiado, contra as minorias muçulmanas e ciganas), disfarçado de culturalismo determinista (hoje a «inassimilabilidade» do muçulmano ou do cigano, antes a do judeu)? Não pretendo fazer aqui uma discussão detalhada em torno da terminologia mais adequada para categorizar a extrema-direita que vem avançando por todo o Ocidente, não desde o Brexit ou a eleição de Trump, em 2016, mas desde pelo menos há 25 anos, desde que a direita radical começou o assalto ao poder nos países pós-comunistas, na Europa ocidental, a começar pela Itália, com a chegada de Berlusconi ao poder (1994) aliado (como por toda a parte acontece com a direita clássica) com a extrema-direita, ou nos EUA, quando a radicalização à direita do Partido Republicano levou ao poder George W. Bush (2000). Limito-me a contestar a validade do uso (em geral, puramente confrontacional) da categoria de populismo, mesmo que adjetivado como sendo de extrema-direita, expressão que, mimetizando o uso vulgar do totalitarismo, presume que existem tantos populismos quantos discursos antissistémicos se fizerem à esquerda e à direita; bem como a aplicabilidade do conceito de pós-fascismo para sob a sua capa se reunirem movimentos que «já não são fascistas [porque] surgiram depois da consumação da sequência histórica dos fascismos clássicos», dos quais «se emanciparam, ainda que na maioria dos casos o conservem como matriz». Impressiona-me que um historiador como Enzo Traverso, apesar de reconhecer que «Mussolini e Hitler chegaram ao poder por via legal», aceite que «a vontade [deles] de derrubar o Estado de Direito e apagar a democracia estava fora de discussão» permite marcar uma diferença essencial com a atitude da extrema-direita dos nossos dias, que, segundo Traverso, «quer transformar o sistema a partir de dentro, enquanto o fascismo clássico queria mudar tudo»5. Neste âmbito, se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo? Mesmo não afirmando querer pôr em causa a natureza liberaldemocrática dos regimes, a extrema-direita no poder (e fora dele) ataca liberdades e direitos individuais e coletivos, coloniza o poder judicial, as forças de segurança e militares, propõe a ilegalização de forças políticas, a perseguição de organizações/movimentos associados a minorias étnicas, e assume práticas ultrassecuritárias contra inimigos internos (as minorias, os migrantes) e externos. Chamar, como está em voga, iliberal (como Fareed Zakaria) a este processo político parece-me muito menos adequado que nele reconhecer o liberalismo autoritário típico dos estados em transição para o autoritarismo. Um regime em transição muda inevitavelmente de natureza ao fim de algumas etapas; uma democracia em transição autoritária deixará sempre de ser democrática a menos que o processo seja revertido. Não creio ser razoável definir o ritmo da transição como indicador da natureza diferente do horizonte final da transição; a democratização social, como processo transicional que também é, produziu resultados muito diferentes e muito incompletos em países aos quais, em geral, vejo pouca gente recusar chamar democracias. Da mesma forma, a tese que deduz que as diferenças estruturais dos contextos históricos do fascismo na sua época (1922-45) e aquele em que hoje se expande a extrema-direita são obstáculo suficiente para não a podermos considerar neofascista, deveria para ser aceitável obrigar quem a sustenta a recusar falar hoje de democracia em contextos tão radicalmente diferentes do da Atenas do século V a.C.; ou, por comparação com o contexto bolchevique de 1917-18, chamar comunista aos partidos que, em estados liberaldemocráticos, disputam eleições e chegam a partilhar o poder sem propriamente subverter «por dentro»... E chegamos ao antifascismo. Sem se assumir haver uma continuidade entre as direitas extremas de há cem anos (fascistas) e as de hoje (neofascistas), não será viável estratégia alguma de reativação do antifascismo como cultura política e frente social de resistência ao ataque às três grandes conquistas de 1945: a construção da democracia social e a gradual (ainda que, uma vez mais, sempre incompleta) emancipação das classes trabalhadoras; a fundação da democracia sobre a rejeição radical das mundivisões racistas que conduziram a Auschwitz, da dominação colonial e da opressão de todas as minorias étnicas; a emancipação das mulheres de todas as culturas e de todos os continentes, de metade da Humanidade, motor das batalhas por outras emancipações, bem mais tardias, das subjetividades oprimidas definidas em torno da identidade sexual. Sem constituir em si mesmo um movimento político e social próprio, o antifascismo foi uma plataforma de resistência à expansão do fascismo e à subsequente dominação por ele imposta. O que, contudo, marcou a sua identidade na história foi a tomada de consciência de que, quer na Guerra de Espanha (1936-39), quer quando se começou a percecionar coletivamente a possibilidade efetiva de derrotar a Nova Ordem fascista, a luta antifascista era irreversivelmente uma luta pela reconstrução da democracia muito para lá dos estritos objetivos de liberais imperialistas como Churchill, De Gaulle ou Roosevelt, que lutaram contra o expansionismo de Hitler, Mussolini e Tojo mas que não pretendiam nem descolonizar, nem democratizar mais do que a reposição reformada dos termos estruturais do liberalismo oligárquico de 1939.6 «Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história.» Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história. Como aliança historicamente contingente entre as duas grande famílias ideológicas que, por motivos diferentes, se reviam na Revolução Francesa (o liberalismo e o socialismo), e de uma terceira que o fazia relativamente à Revolução Russa (o comunismo), a aliança antifascista das Nações Unidas (a designação que os aliados de 1941 se deram a si próprios) dividiu-se mal a ameaça fascista foi militarmente eliminada, em 1945, e em torno das mesmas questões que tinha dividido as suas componentes no passado (a dominação burguesa, a natureza intrínseca da desigualdade capitalista, a resistência liberal à democratização social, o imperialismo). É ainda nesse ciclo que nos encontramos: forças políticas muito diferentes podem partilhar (ou melhor, ter partilhado) uma mesma cultura antifascista, mas legitimamente não partilham os mesmos modelos de sociedade. Instrumento central para a defesa de um conjunto articulado de pressupostos democráticos sem os quais se vive automaticamente em ditadura socialmente reacionária, o antifascismo-movimento só se reativará quando os democratas percecionarem coletivamente o perigo, a ameaça (neo)fascista. Se continuarem convencidos que Le Pen, Salvini, Abascal e Ventura, como antes Trump ou Bolsonaro, não passam de figuras efémeras de um ressentimento punitivo e irracional com os quais se pode coexistir porque não querem, ou não conseguem, destruir os regimes liberaldemocráticos dentro dos quais operam, a luta política continuará a ser feita sem recurso ao frentismo antifascista – o mesmo que demorou a mobilizar, uma quinzena de anos passados sobre a ascensão de Mussolini ao poder. O novo ciclo histórico em que entrámos, de neuropolítica7, ansiedade coletiva, recessão económica sem precedentes e securitização global que a gestão política da pandemia tem vindo a acentuar, parece, aliás, ter tudo para facilitar transições autoritárias e dificultar a mobilização antifascista. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Na mesma sessão, anunciaram os deputados Yaroslav Zhelezniak e Olha Sovhyria (o primeiro do partido Holos, da direita liberal, e a segunda do partido de Zelensky), foi aprovado um projecto de lei que proíbe a tomada de posições entendidas como sendo «pró-russas» na aplicação de mensagens instantâneas Telegram. Este é o segundo momento, no período que se seguiu ao golpe de estado de 2014, em que partidos políticos são proibidos na Ucrânia, depois da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia em 2015 (à altura com 32 deputados, eleitos por 2 687 246 eleitores). Zelensky dá continuidade ao seu trabalho na área da representação, interpretando, à letra, o poema de Bertold Brecht: «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)». Apenas resta saber, após a nova vaga, qual será o próximo grupo político a ser perseguido no país. Por enquanto, a extrema-direita não vê ser entreposto qualquer entrave à sua acção política e paramilitar. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Porém, as instituições de memória nacional da Polónia, pouco respeitadas pelo regime da NATO em vigor em Varsóvia, registam que a OUN (B), também sob o comando de Shukhevych, decidiu em Fevereiro de 1943 expulsar todos os polacos da região da Volínia para obter um «território etnicamente puro», incitando a «matar polacos e judeus-moscovitas». O único «pluralismo» tolerado hoje por Kiev é o da nuvem de grupos nazis que controlam as rédeas do Estado. No dia 30 de Março deste ano, mais de um mês depois do início da invasão militar russa da Ucrânia, a insuspeita CNN admitiu que o Batalhão Azov, cujos membros são olhados no Ocidente como «mártires» e «resistentes», tem um «histórico de tendências nazis que não foram totalmente extintas com a sua integração na Guarda Nacional» – corpo das Forças Armadas ucranianas13. A realidade da situação ucraniana não escapou até ao FBI, como se deduz num relatório elaborado a propósito dos supremacistas brancos norte-americanos formados nas hostes do Azov. No documento pode ler-se que este grupo «é conhecido pela sua associação com a ideologia nazi e acredita-se que tenha participado no treino e radicalização de organizações de supremacia branca nos Estados Unidos»15. O próprio New York Times costumava qualificar os terroristas ucranianos como «abertamente neonazis», definição que adoçou muito recentemente para «organizações ultranacionalistas» quando uma delegação do Azov, chefiada por um «sobrevivente de Azovstal», em Mariupol, visitou os Estados Unidos, onde participou em sessões públicas de homenagem «e se avistou com mais de cinquenta congressistas», de acordo com um dos membros da missão. O Azov, organização treinada por militares na reserva norte-americanos, correspondendo aos interesses manifestados pela NATO, ainda é considerado oficialmente em Washington como «um grupo nacionalista de ódio». A negação, no Ocidente, da existência de nazis e banderistas na Ucrânia é uma patética tentativa de esconder da opinião pública o gigantesco apoio a um regime que cultiva a herança de Hitler e de colaboradores ucranianos do III Reich no extermínio de centenas de milhares de pessoas, em nome de um «Estado homogéneo e puro», entre os quais se destaca o «herói nacional» Stepan Bandera. «Eu também sou um banderista», proclamou no Facebook o chefe da Polícia Nacional, Serhiy Kryazev; «trabalho no Ministério do Interior, sou banderista e estou orgulhoso disso», declarou Zoryan Shkyriak, conselheiro do Ministério do Interior; Anton Shevchenko, porta-voz do Ministério do Interior e da Polícia Nacional, fez a mesma profissão de fé. O vice-ministro do Interior, Vadim Troyan, veterano do Azov e do grupo Patriota da Ucrânia, declarou-se igualmente banderista, soltou um «Slava Ukraina» e pediu oficialmente «desculpas», em nome do Ministério, quando um oficial da polícia dispersou um ajuntamento de nazis e chamou «banderista» a um deles. As informações foram divulgadas por Christopher Miller, jornalista da Rádio Europa Livre e do site Bellingcat, um dos órgãos oficiosos da NATO16. Michael Colborne, também um profissional deste site, definiu o Azov como «um perigoso movimento extremista nazi» com «ambições globais». A acumulação na Ucrânia de elementos comprometedores para a «democracia liberal», conceito que domina a propaganda atlantista, é tão evidente que forçou a Rádio Europa Livre a reconhecer que a «polícia ucraniana declara admiração por colaboradores nazis». Parafraseando o atrás citado Josh Cohen, «não, não foi a RT que disse isto». Multiplicam-se os exemplos de que o Estado ucraniano, com Volodymir Zelensky – tal como aconteceu com o seu antecessor Petro Porochenko –, está minado por organizações nazis de inspiração banderista/nacionalista integral, que actuam através da presença de membros nas estruturas de influência dos órgãos de decisão, reforçada, quando é caso disso, por acções de intimidação e chantagem que não poupam o próprio presidente. Essas nomeações não seriam possíveis sem o aval dos chefes dos departamentos mais determinantes na hierarquia do Estado17. Azov, Aidar, Dniepr 1 e Dniepr 2, Tridente, Batalhão Donbass, Sector de Direita, C-14 e mais alguns são grupos que, em última análise, exprimem através da acção o que algumas vezes tentam desmentir no discurso oficial, isto é que são inspirados pelos «heróis» do Estado nacionalista integral fundado em 1941 sob a cobertura das tropas alemãs invasoras da Ucrânia Soviética. Uma parceria que as instituições oficiais de «memória» tentam agora esfumar através da censura de livros e do argumento segundo o qual os colaboracionistas também foram vítimas dos alemães. Desconhecem-se, porém, as provas de que alguma vez as organizações banderistas como a OUN ou a UPA tenham atacado forças militares hitlerianas. Pelo contrário, a História real revela que Yevgeny Konovalets, fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica. «Yevgeny Konovalets , fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica» Primeiro presidente da OUN, Konovalets dirigira antes, a partir de 1920, a Organização Militar Ucraniana (UVO), dedicada à acção armada contra o poder soviético e também contra a Polónia, depois do fracasso da chamada «República Popular da Ucrânia» (1917-1920). Foi também precursor da aliança entre a Alemanha e os nacionalistas integrais ucranianos, mas não chegou a integrar operacionalmente os grupos colaboracionistas porque em 1938 foi vítima mortal de um atentado na Holanda, atribuído aos serviços secretos soviéticos18. Os restos mortais de Konovalets estão hoje ao lado dos de Bandera, Melniuk e outros «heróis nacionais» da OUN/UPA numa secção especial do cemitério de Lychakivskiy, em Kiev, dedicada à «luta pela independência nacional da Ucrânia». Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado desde a independência, em 1991. Apesar de a participação nos centros de decisão ser hoje mais discreta, conduzida sobretudo nos bastidores e não tanto em cargos executivos directos, o seu poder determina as linhas de rumo do aparelho estatal no sentido nazi/banderista – o que aliás não é difícil de perceber através da institucionalização, de facto, de um sistema ditatorial: adopção de um apartheid oficial (lei dos povos indígenas), apoiado em teorias de «purificação da raça»; a supressão dos partidos de oposição; a destruição de milhões de livros ao estilo hitleriano; a violência terrorista contra os direitos de opinião, de expressão e manifestação; a homofobia e a perseguição das minorias em geral; as operações de limpeza étnica na região do Donbass; as restrições sindicais e laborais; a proibição de línguas minoritárias – e não apenas o russo; o encerramento de jornais e de cadeias de rádio e televisão, acompanhado pela imposição de uma programação única às restantes sob as ordens dos serviços de segurança; uma polícia política (SBU) sem freios; e a circulação de uma lista inquisitorial contendo os dados pessoais dos «inimigos do Estado» a neutralizar, se necessário eliminar – como tem acontecido frequentemente. Os nazis ucranianos não inventaram a roda; os seus protectores ocidentais é que, arrastados pela necessidade de não perderem o domínio mundial, assumem o totalitarismo e a ditadura como expressões da «democracia liberal», talvez porque, como proclama o inconfundível Borrell, existem efectivamente dois pesos e duas medidas no cenário internacional. Ou, como disse o veterano criminoso de guerra Henry Kissinger, os Estados Unidos apoiam este ou aquele ditador «porque são os nossos ditadores». Andriy Biletsky, Dmytro Yarosh, Andriy Parubi, Oleh Tyahnybok e Yehvan Karas são alguns nomes da estrutura nazi que envolve e influencia os órgãos de poder ucranianos. Quase todos eles são oriundos do Partido Nacional-Social (a designação não deixa dúvidas sobre as suas fontes ideológicas) e a partir dessa organização, depois denominada Svoboda (Liberdade), acabaram por fundar os diversos grupos que actuam no terreno, principalmente na sequência do golpe da Praça Maidan. Partilham o conceito de supremacia étnica ucraniana, a ideia de «Estado puro e homogéneo» (espelhando a herança de Dmytro Dontsov), o culto da violência e de Stepan Bandera, o nacionalismo integral, simbologias e práticas de inspiração nazi. A maioria dos grupos nazis que se foram formando receberam grande parte dos apoios financeiros do corruptíssimo oligarca Ihor Kolomoysky, um judeu com dupla nacionalidade ucraniana e israelita proprietário da estação de televisão onde o humorista Volodymir Zelensky ganhou fama desempenhando, numa série de ficção, o papel que exerce agora na chefia do Estado. A sua campanha política foi financiada efectivamente por Kolomoysky – e agora partilham a fama devida a quem pertence à elite das grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais, como demonstra, sem espaço para equívocos, a investigação jornalística Panama Papers. «A missão histórica da nossa nação, neste momento crítico, é liderar as raças brancas do Mundo numa cruzada pela sua sobrevivência. A cruzada contra os sub-humanos conduzidos por semitas» Andriy Biletsky Andriy Biletsky é conhecido como «o führer branco» e tem um elucidativo cartão de apresentação: a missão da nação ucraniana é «liderar as raças brancas na cruzada final contra os sub-humanos conduzidos pelos semitas», escreveu no livro que se tornou a bíblia dos acampamentos juvenis onde crianças e adolescentes recebem formação doutrinária nacionalista e treino militar. É um dos fundadores do Partido Nacional-Social e, posteriormente, dos seus derivados Svoboda e Patriota da Ucrânia. Mais tarde, na vertigem nacionalista integral do golpe de Maidan, Biletsky fundou o Azov e as respectivas milícias paramilitares que se incorporaram em órgãos de vigilância municipais, verdadeiros grupos de assalto e, por fim, na Guarda Nacional. Biletsky tornou-se um dos assessores principais do primeiro-ministro Arsen Avakov, designado na sequência do golpe de Maidan pelos norte-americanos Victoria Nuland, do Departamento de Estado, e Geoffrey Pyatt, embaixador em Kiev, sob a batuta do então vice-presidente Joseph Biden, beneficiário de lucrativos negócios nos combustíveis fósseis ucranianos através do filho Hunter Biden. A estrutura do primeiro governo depois da mudança de regime incluiu dez membros de partidos e grupos nazis. A operação golpista custou cinco mil milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos, segundo informações divulgadas pela própria senhora Nuland. Como assessor do chefe do governo, Biletsky atribuiu ao então recém-fundado Batalhão Azov a missão de «Polícia de Patrulha de Tarefas Especiais». A organização criou para isso uma unidade nacional de vigilância territorial designada Druzhina, uma réplica das SA hitlerianas que prestou juramento perante o próprio fundador do Partido Nacional-Social. Hoje a actuação de Biletsky processa-se mais na sombra, mas nem por isso é menos eficaz. Muito recentemente foi o organizador da marcha nacionalista sobre Kiev para «dissuadir» Zelensky de chegar a qualquer acordo com a Rússia. A iniciativa integrou-se no conjunto de acções para intimidar o presidente no caso de este se desviar da agenda nazi que, por exemplo, impediu a aplicação dos Acordos de Minsk, neste caso com as conivências dos governos da Alemanha e da França. A ex-chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês François Hollande confessaram recentemente que os Acordos de Minsk, entretanto transformados em resolução das Nações Unidas, não eram para cumprir e não passaram de meros instrumentos para a Ucrânia ganhar tempo e adquirir poder militar que lhe permitisse travar uma guerra contra a Rússia. Dmytro Yarosh foi um dos cofundadores do Partido Nacional-Social e depois encabeçou uma das suas derivações, o Sector de Direita. Os destacamentos deste grupo de orientação nazi têm-se distinguido na retaguarda das tropas ucranianas envolvidas na guerra, «desencorajando», e mesmo fuzilando, os militares que em situação crítica perante a superioridade operacional russa tentam salvar a vida desertando. Yarosh foi o organizador do massacre na Casa dos Sindicatos, em Odessa, em 2 de Maio de 2014. O Sector de Direita incendiou o edifício onde se tinham refugiado dezenas de manifestantes contra o golpe de Maidan e pelo menos 48 pessoas perderam a vida. Segundo o chefe dos terroristas, tratou-se de um acto «para defender toda a Ucrânia dos ocupantes internos» e «realizar a revolução nacional». Yarosh chegou a ser colocado na lista dos procurados pela Interpol inserida no site desta organização; num golpe de magia, porém, o seu nome desapareceu rapidamente do rol. Integrando a estrutura que supervisiona na sombra o comportamento do presidente, do governo e do aparelho de Estado, Yarosh, tal como Biletsky, tem Zelensky sob mira. Foi marcante a sua declaração segundo a qual «Zelensky disse no discurso inaugural que estava pronto a perder audiência, popularidade, força (no caso de fazer acordo com a Rússia). Não», acrescentou, «ele perderia a vida, seria pendurado numa árvore qualquer em Khreschatyk no caso de trair a Ucrânia e as pessoas que morrem na revolução e na guerra. É muito importante que ele entenda isso». Também nas palavras de Yarosh, «sinto que Zelensky é muito perigoso para nós, ucranianos»; ele «não conhece os perigos deste mundo e as suas declarações de paz a qualquer custo são perigosas para nós». Quanto ao futuro, Yarosh quer dedicar-se à escrita «para ajudar nacionalistas e patriotas ucranianos a ter uma nova visão sobre o país numa base ideológica sólida: o legado» de figuras como Dontsov, Konovalets, Stepan Bandera, entre outros. Para já, a sua tarefa cumpre-se visivelmente no activo. Em 2021, Zelensky nomeou Yarosh como conselheiro do chefe do Estado Maior das Forças Armadas ucranianas, general Valerii Zaluzhny. O presidente achou mais seguro «entender» as mensagens do chefe do Sector de Direita. Andriy Parubiy é outro dos nacionalistas integrais admiradores de Stepan Bandera que fez o percurso do Partido Nacional-Social até ao Movimento Azov, passando pelo Svoboda e pelo Patriota da Ucrânia. A falta de pudor é extensiva aos governos dos Estados Unidos e de países da União Europeia que receberam oficialmente Parubiy, com muita cordialidade, apesar de este nunca se ter preocupado em esconder as fotos de manifestações onde participou ostentando simbologia nazi. É certo que, ao tornar-se deputado pelo partido de Porochenko, Andriy Parubiy teve de desligar-se formalmente do Movimento Azov. Porém, numa entrevista concedida em 2016, em pleno exercício do cargo de presidente do Parlamento, assegurou que não abdicou dos seus «valores». Oleh Tyahnybok19 é outro membro da superestrutura nazi que controla o Estado ucraniano. Chefia o Svoboda desde 2004, enquanto é aliado de Yarosh no Sector de Direita, depois de ter participado na fundação do Partido Nacional-Social em 1991; em 1998 foi integrado no Conselho Supremo da Ucrânia. Esteve nas cogitações de Biden e Nuland para chefiar o governo ucraniano pós-Maidan e tornou-se deputado. Ao longo da carreira nunca escondeu as suas simpatias pela geração ucraniana colaboradora do regime de Hitler e exibe-se como personagem de destaque das manifestações anuais em honra de Bandera nas quais se grita «fora os judeus», «enforquem-se os russos». Fotos destes acontecimentos captaram-no a fazer a saudação nazi em cima do palanque instalado no final de um dos desfiles. Em Abril 2014, pouco depois do golpe de Maidan, o então vice-presidente Joe Biden mostrava-se sorridente ao encontrar-se em Kiev com o nazi Tyhanybok. O chefe do Svoboda trabalhou activamente para o reconhecimento da importância do papel da UPA na história da Ucrânia. Ainda muito antes do golpe de Maidan fez um discurso junto às sepulturas de oficiais daquela organização: «Vocês são aqueles que a máfia judaica-moscovita que governa a Ucrânia mais teme; vocês lutaram contra os moscovitas e os judeus». Tyahnybok pediu em 2005 ao presidente Yushenko, entronizado depois de uma «revolução cor-de-rosa» organizada por Washington, a realização de uma investigação sobre «as actividades criminosas do judaísmo organizado na Ucrânia». Jura que não é anti-semita. José Goulão, exclusivo AbrilAbril Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Começou então o martírio do povo ucraniano, enorme tragédia humanitária avaliada até hoje em centenas de milhares de mortos e feridos e milhões de desalojados e refugiados, às mãos dos dirigentes dos Estados Unidos e dos seus súbditos europeus – e da Rússia, numa clara relação de causa e efeito – incapazes de aceitar uma Ucrânia multiétnica e multicultural, democrática, respeitadora das raízes sociais e, esse é o problema fundamental, soberana dentro do ambiente geoestratégico. No fundo, a Ucrânia plural, democrática, multicultural e independente violara «os nossos interesses», os «nossos valores», a «nossa civilização», olhados na perspectiva imperial dos Estados Unidos/NATO/UE. E o seu povo – todo ele, independentemente da região de origem – está a pagar por isso, desprezado, sacrificado, mergulhado na morte e na incerteza, submetido a uma ditadura modelada por admiradores de Hitler e seus cães de fila. Uma hecatombe provocada por dirigentes mundiais que odeiam a paz, só pensam nas pessoas quando lhes assegurem poder e lucros e para quem a guerra é solução única. Entre os quais se contam os dirigentes de todos os países da União Europeia, com destaque patético para o chefe de Estado e o governo de Portugal, espezinhando a Constituição, os interesses e a segurança dos portugueses. Não existem quaisquer dúvidas de que o golpe «Euromaidan» foi preparado, articulado e financiado pelos Estados Unidos. Victoria Nuland, um dos rostos operacionais da seita filo-fascista dos neoconservadores (neocons) e fundamentalistas neoliberais que governam os Estados Unidos manipulando o partido único (com as suas facetas democrática e republicana) a rogo do chamado Estado profundo, o complexo militar, industrial e tecnológico de vocação globalista, não tardou a confirmar o óbvio. Pouco depois de ter distribuído biscoitos aos manifestantes na própria Praça Maidan, na companhia de empenhados «democratas» de vários países «democráticos», subvertendo a democracia para instaurar a «democracia», Nuland revelou que os Estados Unidos tinham investido cinco mil milhões de dólares na operação golpista, desta feita para não falhar como acontecera com a «revolução laranja» de 2004. A então subsecretária de Estado norte-americana, posição que conserva hoje, agindo em estreita colaboração com o vice-presidente Joseph Biden, pouco depois envolvido, através do filho Hunter, em escandalosos e generosos negócios no âmbito dos combustíveis fósseis ucranianos, montou a própria junta golpista de governo, como se percebeu através da gravação tornada pública de uma conversa com o embaixador norte-americano em Kiev, Jeffrey Platt. Nesse diálogo foram escolhidos os possíveis primeiro-ministro e ministros; ficou ainda registada, durante a conversa, a elevada consideração que Washington nutre pelas instituições europeias e seus dirigentes quando, a propósito das decisões sobre a composição da junta de Kiev, Nuland proclamou o famoso grito «fuck the UE», palavras que podem traduzir-se, em versão muito soft, «a União Europeia que se lixe». A elegante e respeitosa expressão continua hoje tão válida como nesse telefonema, o que se confirma pela maneira como os Estados Unidos actuam em relação à Europa e condenam os povos dos seus países à penúria económica, não esquecendo as enormes hipóteses de serem vítimas de uma chacina devastadora. Alguns dos mais interventivos profetas neocons estão acantonados na administração Biden: além de Nuland, o secretário da Defesa Lloyd Austin, o secretário de Estado Anthony Blinken, o chefe do Conselho de Segurança Nacional Jake Sullivan, sem esquecer a chefe da CIA e de outras agências determinantes na estrutura do poder globalista. A junta nascida do labor de Nuland & Cia integrou, entre executivos e membros estruturas de apoio, 10 representantes de grupos nazis, que a partir dessas posições nunca mais deixaram de ter preponderância no poder de Kiev, sob os holofotes ou então em missões mais sombrias mas não menos eficazes em termos de chantagem política e terrorista, legislação racista e xenófoba, reformulação das estruturas de decisão, designadamente através da eliminação dos partidos políticos de oposição. Além da transformação da polícia política (SUB) de acordo com os cânones hitlerianos dos seus responsáveis. Várias regiões do país, e não apenas as de maiorias russófonas, não aceitaram o golpe nem a abolição da democracia; nem massacres como o de Odessa, em 2 de Maio de 2014, nos quais grupos nazis chefiados pelo Sector de Direita, com a cumplicidade da polícia, incineraram pelo menos 48 pessoas ao incendiarem a Casa dos Sindicatos. Manifestações multiplicaram-se em quase todo o território nacional, especialmente no Leste e Sudeste. A resposta militar de Kiev à resistência cívica foi o início da guerra a que continuamos a assistir e que degenerou rapidamente em tentativa de limpeza étnica forçando sucessivamente, pelo menos até Fevereiro de 2022, mais de quatro milhões de pessoas – por certo milhares e milhares de crianças – a refugiar-se na Rússia e deixando pelo caminho cerca de 14 mil mortos, mulheres e crianças em grande número. São as crianças que fugiram a uma morte certa e foram acolhidas como refugiadas na Rússia, tal como dezenas de milhares de outros ucranianos receberam guarida em países da União Europeia, que o Tribunal Penal Internacional (TPI) qualifica como «deportadas por Putin». Mais um prego no caixão da ONU e das instituições que lhe estão agregadas. As populações do Leste e Sudeste organizaram-se então em milícias armadas, que contiveram e puseram em xeque as forças militares do novo regime, treinadas e armadas durante oito anos por estruturas da NATO e nas quais se integraram grupos de choque nazis, como os batalhões Azov, Aidar, Sector de Direita e outros. Em 2015, o exército de Kiev foi obrigado a interromper a ofensiva, depois de derrotado em importantes batalhas e perceber que, sem um novo e poderoso reforço, não atingiria os seus objectivos. O chefe de Estado oferece a própria insígnia da Liberdade a uma figura à medida dos negros tempos portugueses em que, a exemplo da Ucrânia de hoje, os partidos políticos de oposição eram proibidos, os antifascistas penavam na cadeia ou eram assassinados. «Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que não vêem, cegos que, vendo, não vêem» (José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira) Os governantes dos Estados Unidos e os seus subordinados, os dirigentes da União Europeia, veneram uma marioneta chamada Volodymyr Zelensky, manipulada pelos senhores da guerra, pelos oligarcas planetários, pela indústria da morte, pelos esbirros do nazifascismo como ideologia de sonho do neoliberalismo globalista. Foi inventado como presidente da Ucrânia por um oligarca chamado Ihor Kolomoysky, que financiou a sua transição de um papel de ficção televisiva para uma realidade gerida por uma estrutura nazi que nunca renegou de maneira convincente a herança de Hitler e dos seus colaboracionistas genocidas ucranianos. O mesmo oligarca que pagou a criação e sustenta os grupos de assalto e de choque nazis como frente terrorista e de guerra do regime. Zelensky é um irresponsável inchado como o sapo da fábula que leva perigosamente a sério o papel em que é sustentado e manobrado por gente com poder mundial ainda mais irresponsável que ele – e que joga com a existência do planeta e a sobrevivência da humanidade. Volodymyr Zelensky, a criatura, dá sinais de querer escapar pontualmente aos seus criadores brincando com as toneladas de instrumentos de morte e os milhões de milhões de dólares/euros que estes lhe enfiaram nos bolsos, boa parte em trânsito para negócios imobiliários e contas offshore; agora parece ter tomado o freio nos dentes e arriscar tudo numa fuga suicida para a frente. Ao seu serviço, generosamente pagos com dinheiro nosso, estão mais de centena e meia de fabricantes transnacionais de mentiras, fake news e estratégias de engano designados como «agências de comunicação». A mais recente visita do ditador de Kiev aos principais areópagos da «democracia europeia» foi uma ópera bufa onde ressoou a cacofonia dos desencontros mútuos na perseguição cada vez mais desesperada de um objectivo que balança perigosamente entre o fracasso e o elevadíssimo risco de um extermínio humano nunca visto no planeta. Entre os uivos de perseguição contra quem ainda resiste à zombificação da opinião única lançados pela autocrata Von der Leyen, o Parlamento Europeu serviu de palco ao puxão de orelhas a toda a União Europeia que Zelensky não se coibiu de dar no papel de «defensor da democracia» e de «toda a Europa». A marioneta dos nazis que governam a Ucrânia fala e esbraceja sem limites, satura as comunicações por Zoom e outras plataformas do género para arengar as falas de um guião escrito por mentirosos profissionais em parlamentos e onde quer que se juntem mais de dois chefes de Estado e de governo de qualquer continente; e, em boa verdade, os sociopatas de Bruxelas e das capitais dos 27 começam a não saber muito bem o que fazer com ele, soterrados, além disso, sob o diktat de Washington. É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio. O maior cego é aquele que não quer ver Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos». Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte». No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6. Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos. Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques». Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale. O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7. Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9 Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica. Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis. Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos». Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11 As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos». Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano. Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana. No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque. Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país. Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados. O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro». Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio. A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática». Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual. O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas. A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce. Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens». Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava. O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia. Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos. Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História. De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass. «Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas» Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings. A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos». A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo. Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte. Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus. Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente. De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial. Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN. Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo». Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17. A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis. Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial. Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida. Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky. «Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental» O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera. Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano. É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética. Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns». Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar. Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia». José Goulão, exclusivo AbrilAbril Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A revelação feita pelo veterano jornalista Simon Hersh da maneira metódica e minuciosa como os Estados Unidos fizeram explodir os gasodutos Nord Stream I e II – num ostensivo acto de guerra contra a Alemanha perante a cobardia (a cumplicidade) de Berlim – revela bem até que ponto chegou a postura rastejante dos dirigentes da União Europeia como simples apêndices da oligocracia imperial. A operação terrorista, preparada, segundo Hersh, pelo conselheiro presidencial de segurança Jake Sullivan, o secretário de Estado Blinken e a golpista-chefe de Maidan, Victoria Nuland, teve como mandante o próprio presidente Biden. E o chanceler alemão, Olaf Scholz, não apenas continua calado e imóvel como aceita enviar dinheiro, tanques e outras armas para uma guerra através da qual o poder imperial norte-americano procura subjugar ainda mais a Europa. São políticos assim, sem qualquer dignidade e sentido humanista, que minam os países europeus como uma peste. O Ocidente em desespero, na verdade aglutinando apenas 15% da população da Terra, admite assim uma estratégia do caos e de autêntica guerrilha interna para tentar conservar o domínio mundial, o estatuto de poder colonial globalista gerido por uma única potência, depositando nas mãos de um inconsciente e transtornado aprendiz de feiticeiro a vida dos cidadãos do planeta. Fez dele um «herói» do circo de manipulação social corporativa, ignorando ostensivamente que não passa de um refém de um bando de chefes nazis movidos por uma crença mística na criação de um Estado ucraniano de «raça pura e homogénea». Levando em consideração estes chefes omnipresentes nas movimentações políticas, paramilitares e militares na sociedade ucraniana desde a independência, em 1991, não surpreende que os grupos nazis, fiscalizando e pressionando o funcionamento do Estado de Kiev, actuem de acordo com o seu fundamentalismo nacionalista herdado da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos) e da UPA (Exército Insurgente Ucraniano) e que tem os seus fundamentos nos anos 20 do século passado, solidificados depois em aliança com a Alemanha do III Reich. A responsabilidade ocidental nesta trágica convulsão não é de agora. Desenvolveu-se em paralelo com o nascimento, maturação e sobrevivência da ideologia nacionalista integral de influência directa nazi alemã que é a componente dominante do actual Estado ucraniano dirigido a partir de Kiev. Negá-lo é uma falsificação da História e das circunstâncias em que vivemos, assim transpostos para uma realidade paralela onde a mentira se tornou uma virtude. Documentos secretos da CIA, divulgados muito recentemente, revelam que os serviços secretos ocidentais canalizaram para os sectores independentistas ucranianos que mantiveram as referências ideológicas nacionalistas integrais da OUN e da UPA o seu apoio à actuação clandestina e propagandística contra a União Soviética. O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia. O Ocidente assegurou assim a sobrevivência do banderismo depois de derrotado juntamente com o nazismo alemão1. Stepan Bandera, Yaroslav Stetsko, Dmytro Dontsov e outros «heróis nacionais» de hoje transitaram directamente, não o esqueçamos, do colaboracionismo hitleriano para os quadros dos serviços secretos ocidentais, especialmente norte-americanos, alemães e canadianos. Tal como durante o III Reich, Munique foi uma das «capitais» do nacionalismo integral ucraniano desde o fim da Guerra Mundial à dissolução da União Soviética. «O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia.» Daí que, com toda a naturalidade, as correntes de inspiração nazi-banderista se tenham imposto desde logo como vectores determinantes da independência da Ucrânia quando se deu a implosão da União Soviética. Leonid Kuchma, o primeiro presidente ucraniano, deslocou-se à capital bávara durante o seu mandato para homenagear postumamente Yaroslav Stetsko, o primeiro primeiro-ministro do efémero Estado ucraniano criado em 1941, em Lviv, sob cobertura hitleriana. O Partido Nacional-Social, do qual emergiram todos os principais dirigentes banderistas/nazis responsáveis pela formatação do regime de Kiev em vigor, foi uma das entidades mais influentes na estruturação do Estado logo desde o início da independência, em 1991. Não em termos eleitorais, porque a grande maioria dos cidadãos nunca se identificaram com um fundamentalismo passadista que então lhes dizia pouco, mas no sentido da capacidade para determinar o funcionamento dos centros de decisão do regime. No fundo, o Partido Nacional-Social, os seus antecessores da OUN e UPA e os seus subprodutos nazis que marcaram espaço determinante em Kiev eram e são os fundamentos do caminho ditatorial que a Ucrânia tomou e agora se materializou em pleno. Com a conivência indisfarçada do Ocidente colectivo e a sua papagueada e esvaziada «democracia liberal». O Movimento-Batalhão Azov será talvez o mais conhecido grupo paramilitar – e agora militar – de inspiração nazi, essencialmente pela deificação dos seus membros feita pela comunicação e propaganda ocidentais, sobretudo na altura em que combatiam para manter a cidade de Mariupol em seu poder usando os civis e as suas residências como escudos. O jornal norte-americano The Nation considera-o «um centro da supremacia branca» estendendo os tentáculos no estrangeiro através, designadamente, da movimentação permanente da secretária internacional do «Corpo Nacional» do Azov, Olena Semeniaka2, que não tem qualquer pudor em deixar-se fotografar fazendo a saudação nazi junto a bandeiras com as cruzes suásticas.3 A embaixadora do Azov foi convidada a integrar Portugal nos seus périplos em Maio de 2019, para participar no «Fórum Prisma Actual» – de âmbito ibérico, segundo os promotores – organizado pelo «Escudo Identitário», parte da nebulosa fascista que já abocanhou fatia importante do hemiciclo da Assembleia da República. O Aidar, transformado em batalhão de assalto, os grupos Dniepr 1 (muito elogiado pelo falecido senador fascista norte-americano John McCain) e Dniepr 2, Trident, Donbass, têm todos as suas origens remotas no Partido Nacional-Social como herdeiro do espólio ideológico nazi-banderista. As suas milícias urbanas e grupos paramilitares, réplicas de esquadrões da morte, actuam como polícias municipais nas principais cidades do país – aterrorizando as populações definidas como «não-ucranianas» –, chantageiam e ameaçam os centros de decisão e, como parte das Forças Armadas, controlam efectivamente e sem qualquer contemplação o comportamento das forças regulares e respectivos corpos de oficiais. Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado. «Os meus homens alimentam-me com os ossos de crianças que falam russo» «Não há nazismo nem banderismo na Ucrânia», proclamam analistas, comentadores, especialistas, jornalistas, historiadores e outros bruxos da modernidade que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. É verdade que nem sempre a realidade e os factos se ajustam à sua eminente sabedoria, estratificadora da opinião oficial e única, mas a ignorância, a cegueira e má-fé são sempre dos outros, que se atrevem a ter posições diferentes, mesmo que sejam sustentadas por sólida investigação. Mas que culpa têm eles que assim seja? A realidade e os factos é que estão errados.Opinião|
Quem tramou os ucranianos
O começo dos começos
As contradições ucranianas
Opinião|
O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)
1. O decálogo assassino e a «grande democracia»
(sabedoria popular)Biografia sangrenta de Simchich
O ovo da serpente
A «pureza», segundo Dontsov
O primeiro «governo ucraniano» e o actual
Desfile de «heróis nacionais» nazis
Contribui para uma boa ideia
Opinião|
O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)
2. A «democracia liberal» guiada pela «raça pura»
(Dmytro Kotsyubaylo, comandante do grupo nazi Sector de Direita, condecorado como «herói nacional» pelo presidente Zelensky)Opinião|
O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)
1. O decálogo assassino e a «grande democracia»
(sabedoria popular)Biografia sangrenta de Simchich
O ovo da serpente
A «pureza», segundo Dontsov
O primeiro «governo ucraniano» e o actual
Desfile de «heróis nacionais» nazis
Contribui para uma boa ideia
Branquear o que não tem branqueamento
Internacional|
Parlamento ucraniano aprova a proibição dos partidos da oposição
Internacional|
Zelensky suspende a actividade de 11 partidos políticos na Ucrânia
Contribui para uma boa ideia
Quando dá jeito, qualquer opositor é «pró-russo». Por seu lado, a extrema-direita prossegue, intocável
Internacional|
Combate à glorificação do nazismo volta a não contar com o apoio de EUA e aliados
Internacional|
Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga
Glorificação do nazismo e reescrita da história
Repúdio da Rússia
Contribui para uma boa ideia
Contribui para uma boa ideia
Uma democracia não-representativa
Opinião|
(Neo)fascismo, antifascismo e transição autoritária
Continuidades ou diferença?
Para que serve dar um nome ao que vivemos?
Antifascismo sem (neo)fascismo?
Contribui para uma boa ideia
Contribui para uma boa ideia
E se, por hipótese remota, Shukhevych se converteu ao «pluralismo», devemos então deduzir que os seus herdeiros de hoje, comandados nominalmente pelo herói ocidental Zelensky, regrediram nesse aspecto. O regime, como se sabe, proibiu todos os partidos de oposição11 – o último foi o Partido Socialista – supostamente por terem apoiado os acordos de paz de Minsk, assinados pelo governo de Kiev. Recorda-se que a glorificação da violência foi um dos princípios fundadores do Estado ucraniano em Junho de 1941, em Lviv, sob o alto patrocínio de Stepan Bandera e dos ocupantes alemães.
Roman Shukhevych, entretanto, continua a ser alvo de homenagens e festivais de vários dias em sua honra. Às celebrações de 2017, por exemplo, seguiu-se um ataque a uma sinagoga12. Apesar de o anti-semitismo estar oficialmente extinto na Ucrânia e o chefe de Estado ser «um judeu».Nazismo à solta
Meios de comunicação como The Economist, The Guardian e mesmo a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, um organismo de propaganda subordinado à CIA, admitiram mais de uma vez que grupos nacionalistas e «patrióticos» têm comportamentos ao nível das práticas, da simbologia usada e do culto da «pureza da raça» que remetem para a inspiração hitleriana.
Josh Cohen, ex-membro da USAID – instituição golpista conspirativa ao serviço do Departamento de Estado norte-americano – escreveu na revista Atlantic Council, subordinada oficiosamente à NATO, que «A Ucrânia tem um problema real com a violência de extrema-direita e não, não foi a RT (Russia Today, censurada no Ocidente) que fez esta manchete». Revelou que «o grupo neonazi C-14» é financiado pelo governo de Kiev para desenvolver «projectos de educação patriótica»14, que outras organizações nazis têm elementos desempenhando altos cargos, principalmente no Ministério do Interior, na polícia e nas Forças Armadas; e deduziu que «a impunidade da extrema-direita também representa uma ameaça perigosa ao Estado da Ucrânia». Ainda segundo Cohen, «não são as perspectivas eleitorais dos extremistas que devem preocupar os amigos da Ucrânia, mas sim a falta de vontade ou a incapacidade do Estado para confrontar os grupos violentos e acabar com a sua impunidade».A verdade da ditadura
Os «nossos» homens em Kiev
Em 2016, invocando sempre Stepan Bandera como referência, tornou-se chefe do Conselho de Segurança e de Defesa da Ucrânia. Foi igualmente presidente da Rada (Parlamento) através do partido do presidente Petro Porochenko, também ele ferozmente segregacionista, como se percebe consultando os seus discursos. O facto de Parubiy, oriundo do Azov, ter sido eleito pelos deputados da Rada como presidente da instituição é relevante para se perceber como o regime da Ucrânia, sobretudo pós-Maidan, atribui alguns dos mais altos cargos do Estado a banderistas confessos.Contribui para uma boa ideia
A guerra inevitável
Opinião
O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (III)
3. Zelensky, a marioneta perigosa de um Ocidente em desespero
A tournée do desespero
Opinião|
O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)
1. O decálogo assassino e a «grande democracia»
(sabedoria popular)Biografia sangrenta de Simchich
O ovo da serpente
A «pureza», segundo Dontsov
O primeiro «governo ucraniano» e o actual
Desfile de «heróis nacionais» nazis
Contribui para uma boa ideia
Negação criminosa
Terror em acção
Opinião|
O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)
2. A «democracia liberal» guiada pela «raça pura»
(Dmytro Kotsyubaylo, comandante do grupo nazi Sector de Direita, condecorado como «herói nacional» pelo presidente Zelensky)