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Amnistia: Ucrânia instala bases militares em hospitais e escolas

«Tácticas militares ucranianas põem em risco civis». Relatório da Amnistia Internacional identifica dezenas de situações em que tropas se instalaram, intencionalmente, em zonas residenciais, hospitais e escolas.

Soldado ucraniano em Bucha. Abril de 2022
Soldado ucraniano, Abril de 2022Créditos / REUTERS

Estabelecer bases militares e operar sistemas de armamento pesado em zonas civis, sem as evacuar previamente, constitui uma grave «violação do direito internacional», pondo desnecessariamente em risco a população civil ucraniana, conclui o relatório publicado ontem pela Amnistia Internacional.

Estas tácticas transformam as população em autênticos «alvos militares», provocando a morte de cidadãos que não estariam, de outra forma, envolvidos nos combates. Os subsequentes ataques russos, direccionados contra as infraestruturas ocupadas pela Ucrânia, não deixarão de causar vítimas inocentes, injustificadamente.

«Documentámos este padrão nas forças ucranianas, que põe em risco a população e viola as leis da guerra sempre que operam em zonas de densidade populacional», afirma Agnès Callamard, secretário-geral da Amnistia.

«Encontrar-se numa posição defensiva não isenta o exército ucraniano de assegurar» o cumprimento da lei e os seus deveres humanitários.

De entre as dezenas de casos identificados, os soldados ucranianos encontravam-se a vários quilómetros da frente de combate, «com várias alternativas viáveis, sem nunca pôr em risco vidas civis, à sua disposição». A Amnistia Internacional não está a par, em nenhuma das situações, de qualquer iniciativa, tomada pelo exército ucraniano, para evacuar os edifícios em redor destas bases.

A Amnistia acusa a Ucrânia de demonstrar a sua «incapacidade de tomar todas as precauções viáveis para proteger os civis» nas situações verificadas. 

As instituições ucranianas não tardaram em responder às denúncias ontem tornadas públicas. O conselheiro presidencial Mykhailo Podoliak acusou a Amnistia, que frequentemente alinha com as posições condicentes com as dos interesses ocidentais, de «participar na campanha de desinformação e propaganda» russa, descrevendo o relatório como uma acção de descrédito de Moscovo. Nas suas redes sociais, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano considerou o relatório da ONG: «injusto».

As reacções do Governo ucraniano surgiram após a divulgação pública do relatório. O seu conteúdo, mais detalhado, foi entregue às instituições desse país a 29 de Julho, não tendo suscitado, até à data da publicação, qualquer tipo de reacção.

Exército ucraniano ocupa escolas e hospitais, provocando baixas civis desnecessárias

Investigadores da Amnistia Internacional identificaram cinco ocasiões em que forças ucranianas transformaram hospitais (em funcionamento) em bases militares activas; a mesma situação foi testemunhada em 22 escolas destas regiões (entre as 29 visitadas pela ONG).

«A utilização de hospitais e escolas para fins militares é uma violação flagrante do direito internacional».

Em duas cidades, dezenas de soldados ocupavam o interior de hospitais, descansando e comendo as suas refeições dentro das instalações. Noutro caso, soldados disparavam nos arredores de uma unidade hospitalar. Num ataque aéreo russo a 28 de Abril, dois trabalhadores de um laboratório de um hospital ocupado pelo exército ucraniano, perto de Kharkiv, ficaram feridos.

Embora as escolas estejam temporariamente encerradas, sem a presença de alunos, a maior parte dos edifícios encontra-se rodeado por bairros muito populados. Nas 22 escolas identificadas com ocupação militar ucraniana (75% das escolas visitadas estavam ocupadas) encontraram-se fardas militares, munições usadas, rações do exército e veículos militares estacionados.

«As forças russas têm bombardeado muitas destas localizações utilizadas pelo exército da Ucrânia». Em pelo menos três casos, após o bombardeamento, os soldados ucranianos limitaram-se a ocupar outra escola nas redondezas, «pondo outras populações em risco de ataques semelhantes». Vários civis terão morrido na sequência destes ataques.

Casos relatados no Donbass, em Kharkiv e Mykolaiv

«Entre Abril e Julho, investigadores da Amnistia Internacional assistiram e documentaram bombardeamentos russos no Donbass e nas regiões de Kharkiv e Mykolaiv. A ONG inspeccionou os locais, entrevistou sobrevivented e familiares das vítimas, tendo ainda recorrido à análise do armamento».

Foi através destas investigações que a Amnistia Internacional encontrou provas de disparos de armamento pesado ucraniano efectuados no seio de zonas densamente populadas, assim como o estabelecimento de bases militares em edifícios cívis em 19 cidades e vilas destas regiões. A análise de imagens de satélite «corroborou alguns destes incidentes».

Vários sobreviventes e testemunhas de ataques russos nessas regiões denunciaram a presença de forças militares ucranianas em acção perto das suas habitações, «expondo essas zonas à retaliação das forças russas». A Amnistia testemunhou, presencialmente, inúmeras situações deste tipo.

«A lei internacional exige que ambas as partes de um conflito evitem, na medida do possível, estabelecer objectivos militares perto, ou dentro, de áreas de grande densidade populacional. São igualmente responsáveis pela protecção dos civis, removendo-os, sempre que possível, das proximidades e alertando activamente para os ataques que os possam afectar».

«O facto de o exército ucranino situar bases militares em zonas de alta densidade populacional não juntifica ataques indiscriminados russos», realça o relatório da Amnistia. Porém, «ambas as partes devem saber distinguir entre objectivos militares e a população civil, tomando todas as precauções possíveis (incluíndo a escolha do armamento utilizado) para minimizar baixas».

 «Todos os ataques indiscriminados que matam e ferem civis, ou danificam objectos civis, constituem crime de guerra», adverte a Amnistia Internacional.

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