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|Entrevista

«A preocupação do Governo deve ser com o rendimento das pessoas»

O economista e professor universitário Ricardo Paes Mamede diz que o Governo tem a obsessão pelo rácio da dívida e não toma as medidas necessárias para proteger a economia e os rendimentos de quem trabalha.

O economista considera que as orientações de política económica do governo não defendem a economia e quem trabalha. 
O economista considera que as orientações de política económica do governo não defendem a economia e quem trabalha. CréditosDR / DR

Considera que são eficientes as medidas tomadas pelo BCE (Banco Central Europeu) para tentar controlar a inflação? Pergunto isto, porque há um estudo recente do mesmo banco que afirma que uma das causas da subida da inflação deve-se ao aumento do preço da energia e ao alargamento das margens de lucro das empresas. E o aumento das taxas de juro pode não actuar em primeiro lugar sobre estas questões?

O aumento das taxas de juro actua directa e indirectamente sobre várias questões. Assumindo que há uma tendência de contínuo aumento das taxas de juro, mais tarde ou mais cedo o seu nível vai implicar que há uma retracção da procura agregada. Uma retracção do consumo e do investimento que não têm só impactos sobre o volume de despesas mas também sobre as margens de lucro, porque as empresas vão estar a produzir abaixo das suas capacidades. Em última análise, pode-se até dizer, se matarmos a economia, a inflação também baixa.

Se se sangrar completamente um doente ele morre e deixa de ter febre.

Exactamente, mas isso não significa que estejamos a ser capazes de controlar os factores que estão a determinar o aumento generalizado dos preços.

E há medidas alternativas para isso?

Se a pergunta é se é possível fazer coisas diferentes daquilo que está a ser feito, a resposta é sim. Se a pergunta é se é possível controlar o aumento generalizado dos preços, que está a ser sobretudo provocado pelo problema da crise energética, sem resolver o problema da crise energética, a resposta é não. Mesmo os factores que têm que ver com os aumentos das margens de lucro são, eles próprios, decorrentes da crise energética: há preços que são fixados em mercados internacionais que não dependem necessariamente dos mercados específicos, onde as empresas operam. As margens de lucro de uma empresa de energia em Portugal tendem a aumentar independentemente da procura, porque os preços que praticam são determinados pelos mercados internacionais. Podem, em alternativa, vender fora do mercado nacional.

Não há uma tendência neste figurino de medidas para não ter nenhumas destinadas às camadas mais desfavorecidas da população, para quem trabalha, e fazer pagar um custo completamente desigual a essas pessoas?   

(Risos) Isso é uma pergunta retórica, está a querer que eu responda nos termos da pergunta. O que eu estou a dizer é que não há solução: os factores determinantes estão fora do controlo do Governo e é muito difícil esperar que haja capacidade para controlar o aumento generalizado dos preços. Não tenho nenhum problema de princípio com o controlo de preços, mas para controlar a inflação desta forma era necessário um controlo de preços completamente generalizado e eu não acho que isto seja viável. Acho que deve-se fazer o que for possível para controlar a inflação, mas acima de tudo

a preocupação dos governos não deve ser controlar a inflação, mas proteger o poder de compra das pessoas, em particular daquelas que dependem mais dos rendimentos do trabalho e das pensões, pessoas que têm rendimentos fixos, para quem esses aumentos de preços têm um enorme impacto. E isso passa, do meu ponto de vista, mais por políticas de rendimentos do que, propriamente, por políticas de preços. Não quer dizer que não deva haver também políticas de preços, faz sentido, por exemplo, mexer na forma como os mercados energéticos estão regulados. O princípio do mecanismo ibérico, em que o controlo dos preços da electricidade está mais desligado dos preços de produção do gás, é um bom princípio. O problema fundamental é saber como é que é pago. Mas isso é uma medida de controlo de preços que me parece positiva. Mas não acho que haja muitas medidas de controlo de preços relevantes. Tem de se actuar, fundamentalmente, é nas políticas de rendimento. E, em alguns casos, em medidas relevantes no domínio da fiscalidade.       

Um dos aspectos do estudo do BCE é fazer notar que, ao contrário da época do choque petrolífero dos anos 70, os salários não subiram. Como é possível aumentar os rendimentos neste contexto de falta de força de quem trabalha? Nesta altura, segundo o estudo, o aumento das margens de lucro contribui com 52% para a pressão inflacionista e os salários com menos de 8%.

Isto não é uma alteração que se decrete. Sobre os lucros, não acredito que o Governo vá conseguir resistir à pressão no sentido de criar a taxa de imposto sobre lucros extraordinários. Se não o fizer, acho que é um erro tremendo do Governo tanto do ponto de vista da justiça social, como do ponto de vista do sinal político que está a transmitir à população. Vamos ver como isso vai evoluir. Quando diz que, no caso dos EUA, o aumento dos preços tem a ver com o aumento das margens de lucro, temos de perceber de onde isso vem. Isso varia de mercado para mercado, mas em muitos casos tem a ver com estrangulamentos que existem do lado da oferta e que vêm do tempo da Covid-19, que fazem com que haja muita procura para uma oferta relativamente pequena. E a tendência natural é para que aqueles poucos que oferecem e têm poder negocial, aumentem os seus preços. A forma de resolver isso não é, nesses casos, estar a fazer micro-gestão de preços de todos os mercados, porque não temos neste momento uma estrutura de planeamento económico, não vivemos em economias de planificação central, não existem os instrumentos que permitam esse trabalho.

«O facto de o Governo português não estar a tomar medidas muito ambiciosas, nem do ponto de vista da taxação dos lucros excessivos, nem do ponto de vista do aumento dos trabalhadores, reformados e até a nível dos apoios sociais, é algo que tem muito pouco a ver com o espaço disponível para as políticas públicas. O Governo poderia fazê-lo. Não o está a fazer por uma opção (...)»

O que se deve fazer, do meu ponto de vista, é procurar minimizar as situações de abuso de mercado e ter uma situação de taxação dos lucros excessivos e isso parece-me que é uma das coisas básicas que deve ser feita.

O facto de o Governo português não estar a tomar medidas muito ambiciosas, nem do ponto de vista da taxação dos lucros excessivos, nem do ponto de vista do aumento dos trabalhadores, reformados e até a nível dos apoios sociais, é algo que tem muito pouco a ver com o espaço disponível para as políticas públicas. O Governo poderia fazê-lo. Não o está a fazer por uma opção que, do meu ponto de vista, não tem muito a ver com as preocupações com a inflação, tem a ver com a centralidade que o Governo estabeleceu em acelerar a redução do rácio da dívida. Isto tem muitas implicações, quer ao nível da despesa do Estado, para apoiar o poder de compra das populações, quer ao nível dos salários da função pública, quer ao nível das pensões, sendo que se traduz também na capacidade negocial dos trabalhadores do sector privado. A forma de resolver isto politicamente passaria por coisas que neste momento podemos mais desejar do que esperar propriamente que aconteçam. Temos, de facto, um enfraquecimento enorme do poder dos sindicatos com a caducidade das contratações colectivas. Este estrangulamento da contratação colectiva é um dos factores que retira força ao poder dos trabalhadores. Sem a termos, vai ser difícil recuperar o poder negocial.

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