«A quem é que interessa mexer no direito à greve ou, por exemplo, a quem é que interessa limitar a entrada dos sindicatos nas empresas? Quem é que fica a ganhar com o afastamento dos sindicatos dos locais de trabalho, de levar esclarecimento aos trabalhadores? Ou, por exemplo, a quem é que serve generalizar a precariedade no mundo de trabalho, com o alargamento de todos os prazos dos contratos de trabalho a termo certo e a termo incerto?» As questões foram lançadas na manhã desta terça-feira pelo secretário-geral da CGTP-IN, no Fórum da TSF. Na edição dedicada à revisão do Código do Trabalho, Tiago Oliveira defendeu que o anteprojecto «Trabalho XXI» do Governo de Luís Montenegro, que hoje começa a ouvir os parceiros sociais em sede de concertação, empurra os trabalhadores para uma situação de «fragilidade, incerteza e insegurança relativamente ao futuro». Já o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), que recusou ver nas propostas de alteração à legislação laboral um atentado aos trabalhadores, alegou que é preciso «encontrar moralização na forma como alguns direitos são utilizados». De resto, logo na apresentação do anteprojecto os patrões se referiram a ele como «um bom ponto de partida», salientando a vontade de que fosse ainda mais mais longe, «num sentido ainda mais positivo e numa melhor adequação à realidade empresarial e dos trabalhadores».
Alterações em mais de 100 artigos só satisfazem patrões
Para o secretário-geral da CGTP-IN, que esta segunda-feira foi recebido pela Conferência Episcopal Portuguesa e pelo Presidente da República, no âmbito do projecto apresentado pelo Governo, as medidas que este contém em mais de 100 artigos «configuram um assalto aos direitos dos trabalhadores». Em declarações aos jornalistas, após audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, o líder da Intersindical apelou ao Governo que «recue em toda a linha», insistindo na existência de matérias «inconstitucionais», como é o caso dos despedimentos e da liberdade sindical.
A pretexto de «modernizar o quadro legal do trabalho», e assim reforçar a «competitividade da economia através de várias medidas de flexibilização dos regimes laborais», como afirmou esta terça-feira Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, o Governo avança com alterações que na prática aumentam o nível de precariedade no mundo laboral. Entre os exemplos está a alteração relativa à utilização de empresas de trabalho temporário. Segundo a proposta do Executivo, quando o contrato de utilização de trabalho temporário for nulo, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, em vez da empresa utilizadora, como actualmente acontece. Significa isto que as empresas que recorrem ao outsourcing deixam de ser penalizadas, enquanto que os trabalhadores vêem perpetuada a condição de «trabalhador com vínculo precário». Na prática, lê-se numa análise da Intersindical às propostas de alteração, «remove uma salvaguarda que protegia os trabalhadores em casos de nulidade do contrato de trabalho temporário, incentivando o uso indevido deste tipo de vínculo e removendo o efeito dissuador do trabalho temporário que tal prática representava».
Outra das medidas a causar polémica prende-se com a revogação da proibição de recorrer à terceirização (outsourcing) de serviços por 12 meses após um despedimento colectivo ou extinção de posto de trabalho, permitindo às empresas a substituição de trabalhadores por serviços mais baratos, violando o direito ao emprego e ao emprego com direitos que a Constituição consagra.
A oposição dos trabalhadores às propostas do Governo terá expressão no dia 20 deste mês, com manifestações convocadas pelas CGTP-IN nas cidades de Lisboa (15h, Marquês de Pombal) e do Porto (10h30, Praça do Marquês). Entretanto, na passada sexta-feira, também Carvalho da Silva e Torres Couto, ex-líderes da Inter e da UGT, que mais recentemente subscreveu a chamada Agenda do Trabalho Digno, apelaram à unidade na oposição ao Governo.
Num quadro em que milhares de trabalhadores reivindicam a conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar, o Governo responde com o acentuar da exploração, ao propor a reposição integral do banco de horas individual e o alargamento do banco de horas grupal. A medida foi aplaudida em Julho pelo secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), sendo que as alterações propostas pelo Governo mereceram o elogio de várias associações empresariais pela «menor rigidez laboral» – expressão cujo subtexto habitualmente remete para a liberalização do «mercado de trabalho» e consequente desprotecção dos trabalhadores.
Recorde-se que o banco de horas individual, que permitia compensar horas extra com folgas ou redução da jornada de trabalho sem qualquer compensação monetária, e podia ser aplicado apenas com um acordo individual assinado entre a empresa e o trabalhador, está extinto desde Outubro de 2020 com o objectivo de evitar situações de abuso e proteger os trabalhadores. De registar que o Código do Trabalho prevê limites ao trabalho suplementar, que deve ser compensado com um acréscimo salarial, medida que patrões e Governo propõem eliminar.
«Acabar com os abusos»
Apesar disso, os «abusos» com que o patronato quer acabar referem-se a direitos conquistados, como é o caso da dispensa para amamentação e do direito à greve. No caso da amamentação, a proposta do Governo defende que a dispensa das mães seja reduzida até aos dois anos da criança, desde que com atestado médico inicial, renovado de seis em seis meses. Não obstante o défice demográfico e de estarmos no grupo de países da OCDE com maior rácio de dependência dos idosos, o Governo recusa facilitar a tarefa a quem tem de conciliar família e trabalho, ao propor que pais de filhos até aos 12 anos percam o direito de recusa de trabalho ao fim-de-semana.
Neste «ataque sem precedentes» aos direitos de quem trabalha, como o cunhou a CGTP-IN, destaca-se ainda a tentativa de limitar o direito à liberdade sindical em empresas sem trabalhadores sindicalizados, boicotando assim a possibilidade de mais facilmente darem esse passo, mas também o direito à greve. Independentemente da necessidade concreta, o Executivo de Montenegro quer que sejam sempre prestados serviços mínimos em actividades consideradas como «necessidade social impreterível».
No rol de ataques aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores destaca-se ainda a caducidade das convenções colectivas em quatro anos, bem como o alargamento dos contratos a prazo. Negar a aplicação do princípio do tratamento mais favorável e prorrogar a política de baixos salários, com o pagamento dos subsídios de férias e de Natal em duodécimos, são igualmente propostas do Governo que os trabalhadores deverão denunciar nas ruas, no próximo dia 20 de Setembro.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui