|Manuel Gouveia

As instituições nacionais e a ofensiva da Flixbus

A multinacional montou uma ofensiva sobre o próprio Parlamento português, utilizando como munição pareceres jurídicos de duas firmas de advogados, daquelas com tanta influência política como jurídica.

A Flixbus é uma multinacional. Com origem na Alemanha, mas actuando em dezenas de países de vários continentes e num modelo de negócio que faz lembrar a UBER. A UBER dos autocarros, digamos assim. O seu capital provém essencialmente de fundos como o famoso Blackrock.

A estratégia da multinacional é a mesma de sempre: apresenta-se num mercado, promete muito (redução de preços, melhores condições de trabalho, mais facilidade na compra de bilhetes, etc...), cumpre parcialmente essas promessas até liquidar a concorrência e depois de, neste caso, subordinar completamente os operadores nacionais, então mostrará a sua verdadeira face monopolista. Para entrar, usam as regras neoliberais impostas (em Portugal, pela UE e pelos sucessivos governos) e para monopolizar o mercado usam o poder do imenso capital nelas concentrado, que lhes permite todas as formas de concorrência desleal e de dumping. Depois de monopolizar, exploram, sugam, dominam, e reduzem a oferta à oferta solvente.

«A estratégia da multinacional é a mesma de sempre: apresenta-se num mercado, promete muito (redução de preços, melhores condições de trabalho, mais facilidade na compra de bilhetes, etc...), cumpre parcialmente essas promessas até liquidar a concorrência e depois de, neste caso, subordinar completamente os operadores nacionais, então mostrará a sua verdadeira face monopolista.»

Num país como Portugal, com uma classe dirigente entreguista, a multinacional conta com poderosos aliados na sua luta contra o que é nacional e quer substituir e/ou submeter. Esse aliado são as próprias autoridades nacionais. Vamos dar-vos um exemplo recente: a Flixbus está numa luta contra a Rede de Expressos (RNE) e o grupo Barraqueiro, que controla a Rede de Expressos depois desta ter sido privatizada. A grande reivindicação deste momento é querer entrar nos terminais de passageiros onde a Rede de Expressos opera, principalmente no maior e mais rentável deles todos: Sete Rios.

As leis e os regulamentos estão do lado da multinacional, sublinhe-se. Estão porque assim foi imposto pelo pacote de liberalização do transporte rodoviário, desenhado e implementado a partir de Bruxelas e da Comissão Europeia. A AMT (o regulador do sector, digamos) já veio a terreno dizer-se preocupado com esta exclusão, e já ordenou à Rede de Expressos que deixasse a Flixbus operar em Sete Rios (o que a Barraqueiro recusou, recorrendo da decisão). A mesma AMT que ainda não arranjou tempo para investigar o evidente dumping que está a ser feito pela Flixbus (nomeadamente vendendo bilhetes abaixo do custo de produção) foi lesta a cumprir-lhe os desejos.

Outra entidade que já se colocou ao serviço da multinacional foi o Governo português, que, nas Grandes Opções do Plano para 2026, prometeu satisfazer a gula da multinacional: «Desenvolver novos modelos de negócio e de exploração das interfaces multimodais efetivando a universalidade de acesso e um melhor serviço aos cidadãos.»

A multinacional montou – porque recursos nunca faltam a estas entidades – uma ofensiva sobre o próprio Parlamento português, utilizando como munições contra a RNE e a Barraqueiro pareceres jurídicos de duas firmas de advogados portugueses, daquelas com tanta influência política como jurídica. E foi ouvida na Comissão Parlamentar de Economia a 10 de Dezembro.

«O Chega só detesta estrangeiros quando são pobres e do Bangladesh. Quando são ricos, e então alemães e americanos, parece um Lulu a abanar o pompom na ponta do rabinho.»

Na sequência dessa ofensiva, o partido Chega colocou um conjunto de indignadas perguntas ao Governo, onde questiona concretamente «tendo o Grupo Barraqueiro uma presença dominante no setor rodoviário, pondera o governo rever o modelo de concessões e de gestão de terminais de forma a garantir neutralidade, equidade e acesso não discriminatório»? O CH só detesta estrangeiros quando são pobres e do Bangladesh. Quando são ricos, e então alemães e americanos, parece um Lulu a abanar o pompom na ponta do rabinho.

Toda esta gente usa a mitologia neoliberal para se colocar ao lado da multinacional contra a RNE e a Barraqueiro. Alguns escusam-se nas leis que eles próprios fabricaram para entregar a economia nacional às multinacionais. Outros, até são capazes de acreditar no milagre neoliberal. Muitos, simplesmente gostam de ter dono. Juntos vão avançar, resolutamente, na liberalização total do serviço rodoviário, onde destruirão a RNE e a substituirão por uma multinacional. Depois, a luta será contra os trabalhadores portugueses (para aumentar a exploração), contra as empresas portuguesas (para as submeter numa relação de dependência), contra o Estado português (que vai ter de pagar se quiser manter serviços não solventes, nomeadamente no interior) e contra os utentes (que serão chamados a pagar preços monopolistas). Já vimos este filme vezes sem conta.

E não nos acusem de estar ao serviço da Barraqueiro. Também fomos nós que resistimos à destruição da Empresa Pública Rodoviária Nacional e à sua substituição pelo domínio do grupo Barraqueiro (e da Transdev). Simplesmente recusamo-nos a colaborar com o processo de liberalização em curso. Porque continuamos a defender que esse processo de liberalização no sector rodoviário, em movimento desde os anos 90, vai acabar mal para todos os intervenientes nacionais (utentes, empresas, trabalhadores e Estado). Mesmo para todos. Porque esta Roma paga principescamente aos traidores, mas tal como a outra, deita-os borda fora assim que deixa de precisar deles...

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