A Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas concluiu o que há muito se sabe, mas que retóricas alinhadas com o poder sionista procuram escamotear: desde 7 de Outubro de 2023 que as autoridades e forças de ocupação israelitas têm vindo cometer genocídio na Faixa de Gaza. Em Junho último, esta mesma comissão, criada em 2021 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar violações do direito humanitário e internacional nos territórios palestinianos ocupados por Israel, acusou este de extermínio.
Num relatório a que o AbrilAbril teve acesso, e que foi divulgado esta manhã em Genebra (Suíça), a comissão confirma que as forças de ocupação cometeram quatro actos genocidas e adverte para a possibilidade de os Estados-membros enfrentarem consequências legais se não agirem. Defende, ao mesmo tempo, que os líderes políticos e militares israelitas são agentes do Estado de Israel. Logo, «os seus actos são atribuíveis ao Estado de Israel».
Genocídio é a prática de actos intencionais com a finalidade de destruir um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, no todo ou em parte. Esses actos estão identificados na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, adoptada pela Assembleia-Geral da ONU, em 1948. E é à luz do que está consagrado neste tratado internacional que o organismo admite que a actuação de Israel ao longo de quase dois anos visa destruir o povo palestiniano na Faixa de Gaza.
As conclusões da comissão baseiam-se em «provas extensas de assassinatos sistemáticos e sem precedentes, destruição de casas e locais culturais, fome deliberada, negação de cuidados de saúde, violência sexual e baseada no género e ataques directos a crianças». A intenção genocida de Israel «é a única inferência razoável a partir da totalidade das provas» obtidas pela comissão através de entrevistas, nomeadamente a testemunhas e a médicos, de documentos verificados e da análise comparada de imagens de satélite desde o 7 de Outubro.
Quatro actos de genocídio com «intenção específica» de destruir o povo palestiniano
O assassinato de palestinianos através de ataques a locais protegidos, onde se inserem os ataques direccionados a civis e a imposição deliberada de condições de vida que resultam na morte de parte ou da totalidade do grupo, é o primeiro dos quatro actos genocidas identificados. Segundo a análise jurídica da conduta de Israel em Gaza, as forças de ocupação mataram intencionalmente e feriram gravemente um número sem precedentes de palestinianos em Gaza desde 7 de Outubro de 2023, utilizando munições pesadas numa área densamente povoada. Até ao passado dia 15 de Julho, «pelo menos 58 380 mortes foram confirmadas», das quais 17 921 eram crianças e 9497 mulheres.
Do padrão de conduta a ilustrar a intenção genocida fazem também parte os danos físicos ou mentais graves causados pelas forças israelitas. Entre os exemplos estão os ataques directos a civis, a destruição ambiental e a deslocação forçada, e maus-tratos graves a detidos palestinianos, como tortura, violação e agressão sexual. O documento atesta que, desde 7 de Outubro de 2023, as forças israelitas têm vindo a cometer violência sexual e baseada no género contra os palestinianos em Gaza, nomeadamente violação, tortura e outras formas de violência sexual, «não só como punição contra os indivíduos, mas como parte de um padrão de punição colectiva, para fragmentar, humilhar e subjugar a população palestiniana na sua totalidade».«Infligir deliberadamente condições de vida calculadas para provocar a destruição física, total ou parcial, dos palestinianos» é o terceiro acto identificado pela comissão. Em causa está a destruição de estruturas e terras essenciais para os palestinianos, bem como a destruição e negação do acesso a cuidados médicos. Segundo o relatório, «a destruição sistemática de casas, escolas, mesquitas, igrejas e locais culturais demonstra a intenção de apagar a identidade e a cultura palestinianas». A estas formas de violência, Israel junta o bloqueio da ajuda humanitária, a violência reprodutiva e condições específicas que afectam a vida dos mais novos.
As provas recolhidas permitem concluir que, desde o famigerado 7 de Outubro, as crianças foram «deliberada e directamente visadas» pelas forças de ocupação israelitas, inclusive durante evacuações, em abrigos e locais de distribuição de alimentos. «A comissão confirmou que crianças foram baleadas por atiradores especiais e por drones, e algumas foram mortas enquanto transportavam bandeiras brancas», denunciam os investigadores.
A certeza sobre a intenção de destruir o povo palestiano alicerça-se igualmente no facto de o Estado israelita estar ciente do sofrimento infligido ao povo palestiniano e não ter tomado nenhuma medida para o aliviar. «Israel desconsiderou flagrantemente três ordens de medidas provisórias emitidas pelo Tribunal Internacional de Justiça e ignorou vários avisos confiáveis e credíveis de outros actores, alegando de forma ultrajante que tais relatórios estavam errados e baseados em mentiras», constata a comissão. Defende, por outro lado, que as autoridades israelitas «estavam cientes de que os palestinianos estavam presos e não podiam fugir de Gaza, e continuaram a garantir que não pudessem escapar da violência e da eventual destruição».
O quarto acto genocida prende-se com medidas impostas pelo Estado israelita para impedir nascimentos e assim travar o crescimento do povo palestiniano. A comissão admite que o ataque contra uma clínica de fertilidade em Gaza, a maior da região, tenha destruído cerca de quatro mil embriões, mil amostras de esperma e óvulos não fertilizados, com repercussões nas próximas gerações. «As crianças que deveriam nascer destas 5000 amostras reprodutivas nunca nascerão», refere o relatório.
O Estado de Israel é ainda acusado de implementar uma política concertada para destruir o sistema de saúde de Gaza. Os investigadores concluem que as forças de segurança israelitas atacaram instalações e unidades de saúde em Gaza e, «deliberadamente», mataram, feriram, prenderam, detiveram, maltrataram e torturaram pessoal médico desde Outubro de 2023. Os palestinianos, acusa o relatório, são forçados a viver sem acesso a cuidados médicos essenciais, enquanto as autoridades israelitas «continuam a sua repressão sobre os palestinianos em Gaza, bloqueando a entrada de equipamentos médicos, suprimentos e medicamentos em Gaza e, ao mesmo tempo, impedindo os palestinianos que precisam de assistência médica de sair de Gaza».
Certa de que está a ser cometido genocídio contra o povo palestiniano, incitado pelo presidente de Israel, Isaac Herzog, pelo primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e pelo ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, sem que as autoridades israelitas tenham tomado medidas para punir essa incitação, a comissão das Nações Unidas insiste que, ao abrigo do direito internacional, todos os Estados «têm a obrigação» de impedir e punir o crime de genocídio, «empregando todas as medidas à sua disposição».
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