Tomando o exemplo recente, em que o Governo de António Costa compensou as empresas pelo aumento do salário mínimo para 705 euros, no valor de 100 milhões, o PS apresenta no seu programa às legislativas de 30 de Janeiro a criação de um quadro fiscal para que as empresas assegurem, «a par da criação de emprego líquido, políticas salariais consistentes em termos de valorização dos rendimentos e de redução das disparidades salariais, centrado na valorização dos salários médios».
Tal como o AbrilAbril tem vindo a denunciar, a compensação das empresas por um direito dos trabalhadores, além de onerar as contas públicas e comprometer o financiamento das funções sociais do Estado, é um contributo para a campanha de que a subida dos baixos salários trava a competitividade do País.
O PS, que recusou ir além dos 705 euros de salário mínimo nacional (SMN) para 2022, meta que os patrões não queriam ultrapassar, volta a invocar a concertação social para o que chama de «acordo de médio prazo». O objectivo é atingir «pelo menos os 900 euros em 2026», mas fazendo depender a trajetória plurianual de actualização do SMN da «dinâmica do emprego e do crescimento económico».
Depois de ter rejeitado, na Assembleia da República, uma proposta com vista a regular a sucessão das convenções colectivas, eliminando a caducidade e repondo o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, o PS apela no seu programa à valorização da negociação colectiva, «através da sua promoção na fixação dos salários, na actualização das principais convenções colectivas de trabalho», e com «o objectivo de implementar sistemas de progressões e promoções, e garantindo, simultaneamente, a necessária amplitude salarial».
O mesmo PS, que optou por voltar a suspender a caducidade da contratação colectiva, em vez de lhe pôr fim, defende agora a importância de priorizar a negociação colectiva, reconhecendo que ela «permite alinhar os salários com a produtividade das organizações, promovendo a melhoria da qualidade do emprego e dos salários».
Outras promessas eleitorais apresentadas na esfera laboral prendem-se com as chamadas «novas formas de equilíbrio dos tempos de trabalho» e as «alterações legislativas para a Agenda do Trabalho Digno», com destaque para a possibilidade de reduzir o horário de trabalho «em diferentes sectores» através da introdução das «semanas de quatro dias».
Mas também aqui encontramos incongruências, uma vez que o PS tem vindo a chumbar sucessivamente propostas como a redução geral do horário de trabalho para as 35 horas semanais, sem perda de direitos, o combate à desregulação de horários ou a consagração de 25 dias úteis de férias para todos os trabalhadores.
«Mais justiça social»
No campo da fiscalidade, o partido de António Costa clama pelo que é de facto uma emergência nacional, mas deixa cair uma das ferramentas para lá chegar, que é o englobamento obrigatório de rendimentos (de capital, prediais e de trabalho), uma das matérias negociadas no âmbito do Orçamento do Estado (OE) para 2022, e que o PS tinha inscrito no programa eleitoral de 2019.
Recorde-se, no entanto, que a proposta que o Governo apresentou na proposta de OE 2022 tinha uma abrangência simbólica, já que apenas era obrigatório o englobamento da compra e venda de acções para os contribuintes situados no último escalão do IRS, ficando todo o restante rendimento, incluindo o especulativo, livre da obrigatoriedade de ser englobado.
O PS prevê «dar continuidade ao desenvolvimento de mecanismos que acentuem a progressividade do IRS» e concluir a revisão de escalões, matéria em que também não foi tão longe quanto necessário, tendo em conta que o desdobramento dos escalões proposto no Orçamento (3.º e 6.º) deixava de fora os rendimentos até 1000 euros brutos, ou seja, não aliviava os contribuintes de mais baixos rendimentos.
Voltando à participação do Estado na valorização dos salários pagos pelo sector privado, o PS volta a puxar pela medida do IRS Jovem, «abrangendo mais jovens, durante mais anos», prevendo-se, à semelhança do que foi a sua proposta no Orçamento, que a intenção seja eliminar o limite máximo de rendimentos para aplicação da isenção.
A promessa da regionalização
O PS, que vem adoptando truques para adiar a regionalização, como a eleição das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) ou a desconcentração de competências para as autarquias, acena agora com um referendo (ver caixa) à regionalização para 2024.
Entretanto, compromete-se a «identificar novas competências» a descentralizar para as comunidades intermunicipais (CIM), para os municípios e para as freguesias, «aprofundando» áreas já descentralizadas e «identificando novos domínios».
O PS fala na necessidade de «assegurar serviços de proximidade», quando ainda estão em falta milhares de eleitos autárquicos devido à «reforma administrativa» do PSD e do CDS-PP, que riscou do mapa nacional mais de 1000 freguesias, rurais e urbanas, afastando os eleitos das populações. Uma das promessas do PS na campanha eleitoral de 2015 era revertê-la, mas tudo tem feito para a manter na gaveta.
Curioso é também que a regionalização e a coesão territorial surjam em capítulos distintos do programa eleitoral do PS, o que talvez ajude a explicar a falta de visão que ainda persiste nesta matéria.
Capitalizar propostas alheias
Ao longo do programa eleitoral do Partido Socialista é possível observar a capitalização de propostas de outras forças políticas, que foram negociadas ao longo dos últimos seis anos, designadamente do PCP. É o caso da redução dos preços dos passes em todo o território, da manutenção dos manuais escolares gratuitos (medida que o PS tem feito depender da devolução no final de cada ano lectivo, a partir do 1.º Ciclo) e da «progressiva gratuitidade da frequência de creche».
Mas também a redução dos impostos sobre as pequenas e médias empresas, «acabando definitivamente com o Pagamento Especial por Conta», e o aumento extraordinário das pensões, com retroactivos a 1 de Janeiro.
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