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O radicalismo económico de fachada jornalística

Quem assistiu à gala do 30.º aniversário da TVI pode, por breves instantes, ter acreditado que ali se celebrava o Jornalismo. Havia uma segunda intenção: limpar a imagem de Mário Ferreira, dono da estação e patrão.

Mário Ferreira, dono da Douro Azul, arguido num caso de corrupção e principal accionista da Media Capital (TVI), na gala do 30.º aniversário da estação privada. 
Mário Ferreira, dono da Douro Azul, arguido num caso de corrupção e principal accionista da Media Capital (TVI), na gala do 30.º aniversário da estação privada. Créditos / 7dias

Não foi apenas um momento. Ao longo de várias horas de emissão da gala do 30.º aniversário da TVI, sucederam-se as ocasiões em que administradores, jornalistas, apresentadores e actores se revezaram na exaltação pouco subtil da figura de Mário Ferreira: o novo patrão.

Até aqui nada de novo. A constrangedora submissão à figura patronal já vem sendo praxis no mundo do entretenimento privado. Celebra-se o dinheiro do patrão, ao qual todos estão subjugados. Tornou-se até uma storyline recorrente em séries e novelas: o miúdo rico que se faz rodear por uma trupe de yes-man, dispostos a concordar com tudo (desde que o dinheiro e as vantagens continuem a circular).

Noite adentro, após sucessivos, desinspirados e intermináveis momentos musicais e humorísticos, de maneira a que ao espectador já tudo lhe pareça um sonho mau, vários jornalistas, conhecidos pivots da estação, ergueram-se dos seus lugares na plateia para defender a sua profissão. Segundo estes, sem individualizar, o jornalismo permite «que os outros tenham voz; que os outros possam contar as suas histórias; partilhar, revelar, contar, mudar o mundo».

Trava-se, na TVI, uma «guerra pela verdade». A estação é um espaço de «coragem – ouviram esta palavra – coragem», afirmou o jornalista que, dois dias depois, ilustraria uma notícia com uma montagem de António Costa vestido de Pai Natal: «cada pessoa é uma história e essas histórias merecem que nós, os jornalistas, nunca desistamos. Nós na TVI não desistimos nunca! Escolhemos exercer a coragem!».

Proteger os mais fracos, defender os ofendidos e humilhados, atacar a corrupção e qualquer abuso, desmascarar os poderosos. Quem naquele momento tiver mudado de canal (evitando com sucesso as danças e as cantatas), quase se convenceria que não tínhamos acabado de assistir a um exercício de mais baixa retórica. Felizmente, nem a TVI teve  coragem suficiente para fingir que acreditava genuinamente no que ali se dizia.

Segundos após a intervenção dos jornalistas, dois colegas sobem ao palco e aliviam a tensão: «Ser jornalista é, digamos assim, amar a verdade, ser-lhe fiel todos os dias da nossa vida». 20 segundos depois ribomba a buzina de um barco. «oioioioioi! está a chegar o Mário Ferreira! Está a estacionar a viatura [é dono da Douro Azul, empresa de cruzeiros no Rio Douro]. Não se riam, daqui a uns anos [ele chega] de nave espacial!».

A plateia aplaude, efusiva, os jornalistas abrem grandes sorrisos amarelos e Mário Ferreira, na primeira fila, contempla, satisfeito, a excelente prestação dos seus funcionários, que parece ter adquirido com a compra da estação de televisão privada. Seria de esperar que jornalistas, pelo menos em teoria, cientes do seu papel na sociedade, não vendessem as suas convicções ao primeiro empresário que lhes batesse à porta.

A subserviência do jornalismo ao poder económico tem consequências. Desde que Mário Ferreira se tornou o accionista principal da Media Capital, dona da TVI, em 2020, o corajoso e determinado jornalismo da TVI tem "optado" por não dar relevância às suspeitas de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais que recaem sobre Mário Ferreira, ou os casos que decorrem em tribunal por assédio laboral aos trabalhadores da Douro Azul.

De Mário Ferreira, na TVI, os jornalistas apenas têm a dizer coisas boas, é claro: que o patrão ficou muito satisfeito com os 5 minutos que passou no espaço (gravaram mesmo um documentário sobre a ida ao espaço de Mário Ferreira), com direito a uma entrevista com o Goucha, para falar da sua vida privada, dos seus amores, das dificuldades que enfrentou. No que toca aos muitos casos duvidosos de Mário Ferreira, a coragem jornalística da TVI é frouxa. Evapora-se.

«Isto é como se fosse a sua casa», disse-lhe o apresentador e comentador Cláudio Ramos, na gala. É mesmo. É o seu castelo com vista para a corte de serviçais e – roubando a expressão aos brasileiros - "agradistas".

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