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O Chega quis fazer chicana com os CTT e saiu escaldado

Saíram escaldados, a falar sozinhos, e a fingir nada ter ouvido do muito que lhes foi dito. No fundo, mostraram que ficam satisfeitos em dizer umas atoardas para serem depois passadas nas redes sociais.

Bruno Dias, deputado do PCP, a intervir na AR durante o debate sobre os CTT, a 10 de Janeiro de 2024 
Créditos / pcp.pt

A estridente construção de casos e casinhos onde assenta a forma de fazer política do Chega levou à realização, esta quarta-feira, de um debate na Assembleia da República sobre «Empresas públicas intervencionadas, em especial nos CTT». O mote era dado pela compra de 0,24% das acções dos CTT pelo Governo PS em 2021, e a tese, a de que o Governo PS, fruto de negociações secretas com o PCP e o BE, cometera uma ilegalidade nas costas do povo português.

O PCP reafirmou saber dessa intenção do Governo, que tinha desvalorizado a mesma e alertado publicamente os trabalhadores que a compra de uma posição minoritária na empresa não resolvia os problemas provocados pela gestão privada. Não resolvia os 13% que o PS chegou a dizer – também publicamente – que admitia comprar, muito menos resolveria os 1,95% que João Leão mandou comprar e menos ainda resolveria os ridículos 0,24% que de facto o Governo comprou. Por outro lado, defendeu a sua posição de renacionalizar os CTT.

O BE afirmou basicamente o mesmo, com a única diferença de não ter sido informado da intenção do Governo de comprar acções dos CTT.

O Chega fingiu não ouvir, e continuou, até ao final do debate, a falar em negócios secretos, em preços a pagar pelo voto no Orçamento, e na teoria da conspiração que ergueu em torno desta matéria.

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A propósito da compra de 0,24% das acções dos CTT pelo Governo

O que se impõe discutir é muito simples: a liberalização e privatização dos CTT foram um desastre para o Estado, para os utentes e para os trabalhadores. É preciso renacionalizar os CTT.

Os CTT foram totalmente privatizados em 2014, pelo governo do PSD e do CDS-PP
CréditosManuel Almeida / Agência Lusa

Ontem, um dos factos escolhidos para criar a espuma dos dias foi a compra, em 2021, pelo governo PS, de 0,24% das acções dos CTT.

O facto serviu para alimentar as habituais campanhas, misturado com as convenientes doses de mentira, provocação e falta de vergonha. Que servem para alimentar linhas ideológicas em curso – desde a que apresenta Pedro Nuno dos Santos como um decidido homem de esquerda até à que apresenta como crime punível e perseguível toda a participação pública numa empresa.

O que ficou ao lado da polémica, no tempo que durou e nos efeitos que arrastará durante uns tempos, é só o fundamental: mas o povo português está satisfeito com a privatização, decidida por PS, PSD e CDS? E, não estando (e só pode não estar, os correios estão uma desgraça universalmente reconhecida), está disposto a renacionalizar a empresa? E em quem deve votar para que essa renacionalização possa acontecer?

Mas regressemos à polémica, tentando separar trigo do joio.

«E esta é outra nota importante: o PCP disse publicamente o que pensava sobre isto, a Comunicação Social ignorou e silenciou o PCP, e agora há quem fale em «negociações secretas»?»

A coisa começou por ser apresentada assim: o governo PS, enquanto negociava com o PCP e o BE a aprovação do Orçamento do Estado para 2021, decidiu da compra de acções da Empresa para conseguir chegar a acordo sobre o Orçamento. O veneno é tanto que é preciso muita paciência e atenção. Venenosa a ideia de dois chantagistas (PCP e BE) a fazer exigências à pobre vítima inocente (o PS), para aprovarem o Orçamento do Estado, como se não fosse normal a negociação entre duas partes sobre a criação – ou não – de consensos para uma determinada votação parlamentar. No fundo, quem assim pensa acha que as leis devem ser negociadas na câmara corporativa, com a CAP e a CIP, e implementadas de imediato. Venenosa igualmente a ideia de que o PS estava disposto a ir de encontro às posições de PCP e BE sobre os CTT. Aliás, este é o melhor veneno nos dias que correm, o que alimenta posições divergentes, cujo conflito público alimentará ambas as partes (cada um com um eleitorado potencial diferente) deixando as questões centrais todas de lado.

Quer o PCP quer o BE já disseram ser falsa a ideia de essa compra ter sido negociada com eles. O BE disse que nem soube de nada. O PCP informou ter sido informado pelo Governo dessa intenção, mas que, como o PCP tem explicado publicamente desde 2019, o PCP era e é contra uma aquisição pelo Governo de uma posição minoritária no capital dos CTT. E esta é outra nota importante: o PCP disse publicamente o que pensava sobre isto, a Comunicação Social ignorou e silenciou o PCP, e agora há quem fale em «negociações secretas»? O que vale é que o PCP edita propaganda própria, e existe propaganda do PCP onde esta questão é tratada, por exemplo neste Comunicado da Célula dos CTT de Dezembro de 2019: «Com o contrato de concessão a chegar ao fim, o Governo admite voltar a entrar no capital dos CTT. Sendo o PS um dos responsáveis pela maldita privatização, tenta agora remediar o mal com que pactuou, mas tal medida é deveras insuficiente. Tapar os buracos financeiros aos accionistas e encaixar alguns boys ainda sem colocação e sedentos de poder, não é a solução. Para o PCP, só a recuperação total pelo Estado da propriedade dos CTT é a solução, tendo o Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República apresentado o Projecto de Lei n.º 70/XIV/1.ª nesse sentido, Projecto de Lei que vai ser discutido no próximo dia 19 de Dezembro.»

«Nessa altura, o Governo fingia estar disponível a comprar 13% do capital dos CTT. E o PCP disse-lhe claramente que isso não era solução. Desde logo porque o controlo continuaria a estar no capital privado»

Nessa altura, o Governo fingia estar disponível a comprar 13% do capital dos CTT. E o PCP disse-lhe claramente que isso não era solução. Desde logo porque o controlo continuaria a estar no capital privado, implicando que um serviço público continuaria a ser degradado para gerar lucros a esse capital.

Mas o que o Governo fez – diz a Parpública hoje – foi comprar 0,24% do capital dos CTT, um valor tão baixo que nem exige informação «ao mercado». Um valor ridículo, que só serve para ajudar à capitalização bolsista da empresa, que só serve para ajudar os accionistas.

Agora, quer o Chega, quer a IL anunciaram iniciativas parlamentares para discutir a ridícula compra de 0,24% das acções dos CTT pelo Governo. Onde falam, simulando-se escandalizados, de negros e secretos acordos de bastidores.

Como é evidente, quer o CH, quer a IL, quer o PSD sabem perfeitamente que comprar 0,24% do capital dos CTT não serve para nada. Eles também sabem que a verdade é que o Governo do PS (e de Pedro Nuno dos Santos), ao mesmo tempo que – face ao fim da concessão e às desastrosas consequências da privatização – fingia estar disponível a fazer alguma coisa de esquerda, na realidade o que fazia, e o que fez, foi uma negociação com o grupo Champalimaud, onde lhe prolongou a concessão por ajuste directo, e ainda alterou a Lei Postal – por Decreto-Lei – sem sequer levar a nova Lei à discussão na Assembleia da República.

«É preciso renacionalizar os CTT. E só uma força política o defende coerentemente: a que pretendem silenciar!»

E o Chega, e o PSD, que tinham deputados suficientes para chamar esse Decreto-Lei à Apreciação Parlamentar, não o fizeram. Nem denunciaram a negociação secreta, a imposição por decreto, o facto de ninguém conhecer o novo contrato de concessão. Porquê? Porque o Governo a negociar com os capitalistas nas costas do povo português é do que eles mais gostam.

E é assim que os próximos dias serão marcados pela discussão entre os partidos financiados pelo Grupo Champalimaud (nomeadamente o CH) e o partido que negociou com o grupo Champalimaud o prolongamento da concessão e a alteração da lei postal (o PS). Um e outro procurando ganhar votos «no seu mercado». Todos ao serviço dos grupos capitalistas.

Enquanto aquilo que se impõe discutir é muito simples: a liberalização e privatização dos CTT foram um desastre para o Estado, para os utentes e para os trabalhadores. É preciso renacionalizar os CTT. E só uma força política o defende coerentemente: a que pretendem silenciar!

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Entretanto, o PCP questionou directamente o Chega por nada ter feito perante o acordo – esse, sim, secreto – que o Governo fez com o grupo Champalimaud, e por que nada denunciou, nem na altura, nem agora. Por outro lado, perguntou se a razão desse silêncio não seria o facto de esse acordo secreto ser com o grupo Champalimaud, que, como se sabe, inclui vários financiadores do Chega. É que o Governo PS, em 2021, já depois do Orçamento de Estado ter sido rejeitado, avançou para a negociação do prolongamento da concessão – por ajuste directo! – com o grupo Champalimaud (principal accionista dos CTT), negociação em que ainda se comprometeu a alterar a lei Postal (cuja alteração, favorável ao concessionário, aprovou antes das eleições e só a tornou pública depois), a diminuir as exigências de qualidade e a aumentar as contrapartidas públicas. E o Chega nem a Apreciação Parlamentar do referido decreto-lei pediu.

Numa intervenção clarificadora, o PCP recordou que o Chega tão-pouco denunciou, ou se indignou, com a delapidação do património dos CTT: «A última operação imobiliária dos CTT (e será a última porque nada mais resta) são 398 activos imobiliários, com 239 mil metros quadrados, vendidos por 137,7 milhões de euros, 32,5 milhões pagos já em 2023. Estes "activos" são a estrutura central da rede postal, e todo o património que resta e, sem eles, não há serviço público postal.»

O PCP destacou ainda que o Chega tão-pouco se indignou ou denunciou os problemas criados aos trabalhadores dos CTT: «Os trabalhadores dos CTT são mal pagos, têm vindo a ser sistematicamente prejudicados nos salários e direitos, com a perda de poder de compra, têm agora o seu patrão a tentar roubar-lhes 36 milhões de euros através das alterações à IOS, há uma falta gritante de trabalhadores no serviço postal – mas o Chega quer lá saber! Quanto menos gastar com os trabalhadores, mais tem a família Champalimaud para financiar o Chega!» Por fim, Bruno Dias ironiza e sublinha que, perante tudo isto, o Chega diz, como dizia o «outro»: «está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira.»

«(...) há uma falta gritante de trabalhadores no serviço postal – mas o Chega quer lá saber! Quanto menos gastar com os trabalhadores, mais tem a família Champalimaud para financiar o Chega!»

Bruno Dias, deputado do PCP

Neste debate, ficaram expostas as contradições do PS, e, como lhe foi recordado pelo PCP, não só se recusou a renacionalizar os CTT, como, quando questionado sobre as tropelias da administração e, por exemplo, perante a denúncia da alienação do património imobiliário necessário à prestação do serviço público postal – CDP, sedes e estações –, o então ministro das Infraestruturas respondeu que «não cabe ao Estado interferir na sua gestão».

Coube à Iniciativa Liberal o papel de porta-voz da gestão privada, recauchutando uns números para tentar defender o indefensável. Destacou o facto de a empresa ter hoje mais 1000 trabalhadores que no momento da privatização, o que é uma pura falsificação. Como os Relatórios e Contas de 2013 e 2022 do Grupo CTT podem facilmente demonstrar, a 31 de Dezembro o número de trabalhadores do Grupo era de 12 383, em 2013, e de 12 608, em 2022, sendo que o número de trabalhadores se reduziu no serviço postal (em mais de mil trabalhadores) e cresceu pela criação do Banco CTT e pela compra de outras pequenas empresas (e incorporação desses trabalhadores). Sem esquecer que, de acordo com esses mesmos relatórios, o número de trabalhadores do grupo em Portugal reduziu-se de 11 830 para 11 788 entre 2013 e 2022. Mais desonesto foi o facto de ter colocado como um problema da gestão pública o despedimento de 800 trabalhadores em 2012, no quadro do processo de privatização. Ou seja, o Governo PSD/CDS manda fazer um despedimento em 2012 para privatizar a empresa e a culpa é da gestão pública.

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