Muitos dos trabalhadores migrantes que agora pedem apoios já residiam em Bengaluru – uma das maiores cidades da Índia, com mais de 12,5 milhões de habitantes, no estado de Karnataka – antes da pandemia de Covid-19, vivendo em grandes bairros de lata.
Na sua maioria, migraram dos estados do Norte da Índia e de Bengala Ocidental, e, como centenas de milhões de trabalhadores no país subcontinental, viram os seus rendimentos e fontes de sustento bastante afectados com a crise associada à pandemia.
«Dizem que lhes roubaram oportunidades, salários e dignidade», refere o portal newsclick.in, e, por isso, decidiram mobilizar-se para exigir melhores condições de vida, também em protesto contra a exclusão de que se sentem alvo.
Os protestos recentes, organizados pela Federação dos Trabalhadores Migrantes Inter-Estatais de Karnataka (IMFK), filiada no comunista Centro de Sindicatos Indianos (CITU), contaram com a participação de milhares de trabalhadores de vários sectores – escolha de lixo, condutores de autocarros, trabalhadores domésticos, canalizadores, etc. – residentes nos bairros de lata de Kundalahalli, Bellandur, Whitefield e Brookfield, refere a fonte.
Pandemia, confinamento e miséria
Abdul Jabbar Mondal, que vive no bairro de lata de Kundalahalli, com uma população de cerca de 30 mil habitantes, disse ao newsclick.in que o confinamento ligado à pandemia lhe tirou o emprego, deixando-o vulnerável, à beira da fome e de muita miséria.
Depois de Modi ter imposto o confinamento, a Índia assistiu a um êxodo massivo de trabalhadores das grandes cidades. Contudo, alguns decidiram ficar e continuar a lutar pela sobrevivência onde estavam. Com a entrada em vigor do confinamento (lockdown) a 25 de Março, milhões de trabalhadores, dependentes de rendimentos diários e que se viram sem trabalho, tentaram sair de grandes cidades como Déli, Mumbai, Chennai e Calcutá, entre outras, e regressar às suas terras. A medida decretada pelo primeiro-ministro, Narendra Modi, que os comunistas indianos classificaram como «uma quarentena unilateral, não planeada, à última da hora», levou muitos a fazerem-se à estrada, chegando a percorrer mais de mil quilómetros para chegarem às suas aldeias, na sua maioria localizadas nos estados de Bihar, Jharkhand, Madhya Pradesh, Rajastão, Uttar Pradesh, Bengala Ocidental e Odisha. No entanto, uma pequena parte decidiu ficar nas cidades, onde, mesmo já com as restrições da quarentena e a diminuição a pique na oferta de trabalho, conseguiram ir arranjando empregos precários para ganhar algumas rupias. Manoj Raikwar, de 28 anos, oriundo do distrito de Teekamgarh, no estado de Madhya Pradesh, é um trabalhador da construção civil em Gurugram, uma cidade satélite de Nova Déli, no estado de Haryana. Vive com a sua mulher, Mamta, de 27 anos, num pequeno bairro de lata no Sector 52 de Gurugram, perto da aldeia de Wazirabad. Falou com Xinhua sobre a sua experiência neste período de quarentena. «Quando havia incerteza por todo o lado, depois da noite de 24 de Março, nós também entrámos em pânico. Então, vivíamos aqui com os nosso quatro filhos. A construção parou e ficámos sem trabalho. Incapazes de decidir, esperámos e vimos como a situação evoluía. Ao fim de alguns dias, os camponeses da aldeia vizinha começaram a dar alguma comida a pobres como nós. E rapidamente mais ajuda chegou, incluindo comida cozinhada», disse Manoj à Xinhua. Acrescentou que, uma semana depois do início do confinamento, conseguiu arranjar um emprego a tempo parcial, como segurança numa casa. No entanto, a incerteza era grande e o casal decidiu mandar as quatro crianças para a terra natal, onde, disse, estavam seguras ao cuidado dos avós. Mamta fala à Xinhua enquanto cozinha o jantar na barraca onde vivem, sublinhando que foram tempos duros para toda a gente, como nunca tinham visto. «Conseguimos mandar as crianças para a nossa aldeia e nós decidimos ficar aqui enquanto o meu marido mantivesse o emprego temporário como segurança», disse, acrescentando que tanto os aldeãos como os governo do estado lhes ofereceram muita comida. Mamta diz que foram muito poucos os trabalhadores que optaram por ficar e que muitos não devem ter conseguido transporte para regressar às suas terras, uma vez que os comboios, os autocarros pararam. Entretanto, a actividade da construção foi retomada e ambos recuperam os seus empregos e estão a trabalhar o dia inteiro num estaleiro de obras perto de casa. «Mas temos saudades das crianças», disse Mamta. Subhash Yadav, habitante da aldeia vizinha de Wazirabad, contou à Xinhua que tinha alugado quase 20 barracas a famílias de trabalhadores e que, logo a seguir à imposição da quarentena, a maior parte se foi embora para as suas terras, tendo ficado apenas uma ou duas famílias. «Os que se foram embora ainda não regressaram. Fizemos o nosso melhor para abastecer os que passaram aqui o lockdown com comida seca e até suspendemos a cobranaça de renda por três meses», afirmou, acrescentando: «Também tinha alugado dez lojas a alguns trabalhadores que eram barbeiros, carpinteiros, merceeiros, etc. Mas esses também fecharam as lojas e foram-se embora para as suas aldeias. Ainda não voltaram.» Yadav entende que, embora as actividades económicas tenham sido retomadas com a passagem do país à fase 2 do desconfinamento, a procura ainda não arrancou e pode levar algum tempo. «Com cortes nos empregos e nos salários, os escritórios e as fábricas não estão a trabalhar na máxima capacidade. E, além disso, o governo prolongou o teletrabalho para as empresas de tecnologia até 31 de Dezembro. Então, muitos dos executivos que costumavam trabalhar aqui estão a fazê-lo a partir das suas aldeias, a trabalhar a partir de casa. Com isso, a procura diária de produtos ainda não está no nível anterior à quarentena», sublinha Yadav, para quem não a situação não se «normalizará» antes do fim do ano. O Partido Comunista da Índia (Marxista) – PCI(M) – tem acusado o governo nacionalista hindu liderado pelo Partido Janata Bharatiya (BJP) de ter metido a população mais desfavorecida numa armadilha ao decretar a quarentena sem anunciar medidas que compensassem as perdas dos trabalhadores. Por isso, exigem medidas urgentes face ao agravamento da situação de desemprego e da miséria na Índia. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
A dura luta dos trabalhadores indianos em tempos de pandemia
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Fazer a escolha do lixo, nas ruas, entre as 6h e as 10h da manhã, não chega para encher os bolsos e os estômagos. Até comprar medicamentos ou máscaras é um sonho distante para muitos. E o mesmo com a possibilidade de serem vacinados, uma vez que o governo estatal não lhes deu qualquer ajuda, disse Abdul Jabbar.
Nabanita Roy, sindicalista do IMFK, disse que muitas mulheres trabalhadoras ficaram sem o emprego como domésticas desde o início da pandemia de Covid-19, deixando as suas famílias em má situação.
Por seu lado, milhares de trabalhadores da construção residentes nos bairros de lata de Brookfield e Whitefield afirmam que ficaram excluídos de vários apoios, como distribuição de comida, testes à Covid-19 e vacinação.
Necessidade urgente de ajuda
K. N. Umesh, presidente da IMFK e membro do CITU, afirma que os trabalhadores migrantes nos bairros de lata de Bengaluru necessitam de ajuda urgente do estado de Karnataka, que não existiu na segunda grande vaga da pandemia.
De acordo com a fonte, o governo de Karnataka forneceu pacotes de ajuda a trabalhadores migrantes, mas com a pré-condição de possuírem o cartão de racionamento BPL (abaixo da linha da pobreza), limitando assim a abrangência da medida. Muitos trabalhadores necessitados, provenientes de estados como Bengala Ocidental, Bihar, Jharkhand, Assam, Tripura, não tinham o cartão e não receberam ajuda do governo.
O IMFK exige ainda que o governo transfira directamente 2000 rupias a cada trabalhador e 10 mil rupias por família, com o acréscimo de 10 quilos de comida por cabeça. O documento que recolhe esta e outras exigências foi entregue ao ministro chefe de Karnataka, para que sejam aplicadas de imediato.
Em declarações ao newsclick.in, Surjyo Kant Mishra, membro da Comissão Política do Partido Comunista da Índia (Marxista), sublinhou que é urgente dar resposta às preocupações dos trabalhadores migrantes em Bengaluru e acusou o governo estatal de «apatia» no que respeita a lidar com as dificuldades destes trabalhadores desde o primeiro grande confinamento, em Março de 2020, que deixou milhões sem emprego e na miséria.
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