|NATO

Quando a história chega a ser escabrosa

Muitas provas demonstram que somos governados por gente que transformou a política numa teia de mentiras, viciou a democracia, joga com as vidas das pessoas como se nada valessem e não hesita em cultivar guerras criminosas.

George Bush, Helmut Kohl e Mikhail Gorbatchev
Créditos / Axel Springer

        “A NATO não se moverá uma polegada para Leste

(Promessa dos dirigentes ocidentais a Gorbatchev em troca da liquidação da União Soviética)

A promessa é mais do que conhecida. Foi declarada e repetida, em diversas circunstâncias, no início dos anos noventa do século passado, ao então presidente soviético, Mikhail Gorbatchev, pelos dirigentes dos mais importantes países da Aliança Atlântica: o secretário de Estado norte-americano, James Baker; o chanceler alemão, Helmut Kohl; o presidente francês, François Mitterrand; o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Hans Dietrich Genscher; o primeiro ministro britânico, John Major; o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Douglas Hurd. Eventualmente, outros mais.

Está abundantemente comprovado, hoje em dia, que dessa promessa feita por  honrados políticos, modelos da democracia liberal e do “nosso civilizado modo de vida”, sem falar dos direitos humanos e da inquestionável superioridade moral, nada resta. Foi feita em pó, espezinhada, abatida a tiro e depositada sobre centenas de milhares ou mesmo milhões de cadáveres humanos, resultantes de uma nova ordem mundial à margem do direito internacional, fundada nesses tempos sobre os escombros da guerra fria e do muro de Berlim. Uma situação trágica, revoltante, tornada possível porque essas palavras não valeram nada, transformadas num vazio equivalente à honra e ao respeito à palavra dada dos dirigentes de Washington e de uma “nova Europa” colonizada pelos Estados Unidos da América, ontem como hoje. Há coisas que não mudam, porque foram estruturadas para serem assim com base na força militar, nos poderes oligárquicos, na chantagem, no desprezo pelas pessoas, na sucessão de chefes políticos formados na submissão às oligarquias económicas e financeiras e no exercício do controlo autoritário sobre os mais fracos – os seus povos, em especial as camadas mais desfavorecidas. Para isso tornaram-se praticantes convictos da mentira, da manipulação, da falsificação da democracia, tecendo classes políticas humanamente deformadas e nas quais abundam os traços de sociopatia.

Uma casta doente

Diz-se que a promessa não ficou escrita, pelo menos procuram convencer-nos dessa suposta insuficiência diplomática. Demonstraremos a seguir que não é bem assim.

Para os opinantes que se multiplicam como cogumelos, sobretudo desde que a Academia se transformou num eco e numa servidora da corrente de opinião uniformizada, com perseguição do contraditório como estipula a doutrina única do neoliberalismo-neoconservadorismo, essa omissão parece ser um problema inultrapassável. Se não está escrito, não existe. Apertos de mão, acordos de cavalheiros, seriedade da palavra dada são comportamentos anacrónicos, não é apenas no futebol que uma verdade de hoje pode deixar de sê-lo amanhã.

«Há coisas que não mudam, porque foram estruturadas para serem assim com base na força militar, nos poderes oligárquicos, na chantagem, no desprezo pelas pessoas, na sucessão de chefes políticos formados na submissão às oligarquias económicas e financeiras e no exercício do controlo autoritário sobre os mais fracos – os seus povos, em especial as camadas mais desfavorecidas.»

Mark Kremer, director de Estudos da Guerra Fria da Universidade norte-americana de Harvard, escreveu na revista Washington Quaterly de Abril de 2009 que “não foi feita qualquer promessa sobre um alargamento da NATO porque não havia nenhum documento escrito assinado entre os dois lados, incorporando-a”. Mais diz Kremer: “o materiais desclassificados mostram inequivocamente que tal promessa não foi feita. Podem ser apresentados argumentos válidos contra o alargamento da NATO, mas este argumento específico é espúrio”.

Para apurarmos a seriedade do “estudo” basta ler que, segundo o mesmo Mark Kremer, “em 7 de Fevereiro de 1990, o secretário de Estado dos EUA, James Baker, reuniu-se em Moscovo com o ministro dos Negócios Estrangeiros soviético, Eduard Chevardnaze, usando a formulação do [ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Ocidental, Hans Dietrich] Genscher, de que se a Alemanha (unificada) fosse incluída na NATO os Estados Unidos e seus aliados garantiriam ‘que a jurisdição ou as forças da NATO não se moveriam para o leste"’.

Ou seja, segundo este “historiador” da Ivi League, a promessa existiu e, ao mesmo tempo, não existiu. O problema, segundo ele, é que Mikhail Gorbatchev foi “ingénuo” e “optimista”, dispondo-se a fazer o que os chefes da NATO  exigiram para ter em troca a garantia de que a NATO ficaria no mesmo sítio (anexando apenas a República Democrática Alemã) sem que o negócio ficasse escrito. Ao que consta, o próprio Chevardnaze aconselhou Gorbatchev a não se contentar com as promessas verbais, provavelmente por não confiar tanto nos interlocutores e tendo ainda em conta a envergadura histórica, social e geoestratégica das exigências impostas ao dirigente soviético.

De acordo com os documentos sobre o assunto que têm vindo a ser desclassificados, e que expõem mais uma vez a falta de carácter de uma classe política doente tanto na NATO como em Moscovo, seja nos anos noventa ou na actualidade, a tarefa imposta a Gorbatchev para garantir a imobilidade da Aliança Atlântica foi de monta: extinção da União Soviética, erradicação do socialismo, a instauração de uma “democracia ocidental”, a unificação da Alemanha e respectiva integração no clube atlantista, o desmantelamento do Tratado de Varsóvia.

A realidade em que vivemos demonstra que o último presidente soviético, ao mesmo tempo chefe da comissão liquidatária do seu país, cumpriu zelosamente a tarefa, enquanto os seus interlocutores procederam como se nada tivessem dito ou prometido. O que não surpreende quando o que estava em construção era a “ordem internacional baseada em regras”, a principal das quais é a de que vale tudo, incluindo a chacina de seres humanos por atacado, desde que estejam em causa, seja em que lugar do mundo for, os “interesses” coloniais e imperiais dos Estados Unidos, da NATO e, por arrastamento, da União Europeia. Novos ventos fazem hoje oscilar essa estrutura, apesar de sustentada por profundas raízes que vêm até da Idade Média, mas são ainda tortuosos, e assustadores, os caminhos para uma nova realidade capaz de restaurar o primado do direito internacional.

“Ingenuidade” ou “optimismo” de Gorbatchev? A procura de uma resposta levar-nos-ia noutra direcção que não a deste texto. Registemos apenas o facto de não ser segredo que o dirigente soviético revelou uma invulgar admiração, e até um deslumbrado orgulho provinciano, por conviver com a nata do Ocidente; isto é, personalidades tão recomendáveis como os presidentes norte-americanos Ronald Reagan e George Bush (pai), os primeiros-ministros britânicos Margaret Thatcher e John Major, os chefes da NATO e da União Europeia e até o Papa João Paulo II, que conspirou sem disfarçar pela mudança de regime no seu país natal, a Polónia, e pelo fim do socialismo enquanto visitava o sanguinário Pinochet e se alinhava com a poderosa vaga neoliberal. Cujas consequências hoje conhecemos muito bem.

Também é significativo, para tentar aprofundar-se o verdadeiro papel histórico de Gorbatchev, que o presidente soviético não tenha, em momento algum, tentado negociar a lógica dissolução simultânea dos dois blocos militares: NATO e Tratado de Varsóvia. Seria o caminho natural para encerrar a guerra fria uma vez que, como se repetia, deixara de haver antagonismos ideológicos e militares dos dois lados da, supostamente demolida, cortina de ferro.

Nas andanças de cimeira em cimeira com tão empáticos interlocutores, Mikhail Gorbatchev repetia, como um chavão, uma frase através da qual pretendia fazer crer que se guiava pelos interesses do seu país e dos seus povos: “confia mas verifica”.

«Também é significativo, para tentar aprofundar-se o verdadeiro papel histórico de Gorbatchev, que o presidente soviético não tenha, em momento algum, tentado negociar a lógica dissolução simultânea dos dois blocos militares: NATO e Tratado de Varsóvia.»

O certo é que confiou, mas esqueceu-se de verificar. E, num ápice, os países membros do Tratado de Varsóvia transferiram-se para a NATO, juntando-se-lhes, pouco depois, os restos do sangrento esfacelamento dos Balcãs montado à moda atlantista. A Aliança Atlântica cavalgou assim para as fronteiras da Rússia anexando países emergentes dos escombros da União Soviética. Até à tragédia da Ucrânia, cozinhada em Washington com os temperos inconfundíveis da NATO, que nos coloca à beira de uma hecatombe inimaginável.

Inequívoco padrão mafioso

E, no entanto, a promessa de que a NATO não se moveria “uma polegada para leste” existiu mesmo. Se dúvidas houvesse, documentos recentemente desclassificados e outros na altura deixados ao alcance de várias instituições políticas confirmam as garantias dadas pelos nobres representantes do Ocidente ao “crédulo” Gorbatchev. Trata-se de testemunhos escritos por várias personalidades que acompanharam o processo dito do “fim da guerra fria” e tomaram conhecimento directo das promessas feitas a Moscovo, fazendo assim cair pela base as teorias de que a palavra dada só é válida quando inscrita no silêncio do papel ou de qualquer suporte informático.

Na Câmara dos Lordes britânica está depositado desde Fevereiro de 2015 – significativamente em pleno desenvolvimento da crise da Ucrânia gerada pelo golpe neoliberal-nazi – um documento de Rodric Braithwaite, antigo embaixador na União Soviética e na Rússia, no qual confirma “as garantias (a Moscovo) que foram dadas em 1990 pelos Estados Unidos (James Baker, secretário de Estado) e pela Alemanha (Helmut Kohl, chanceler alemão), e em 1991, em nome do Reino Unido (pelo então primeiro-ministro, John Major, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Douglas Hurd) e da França (pelo presidente François Mitterrand)”. Ainda de acordo com o texto de Braithwaite, “este registo factual não foi contestado com êxito no Ocidente”.

|

A NATO e sete décadas de mentiras, guerra e sangue

A NATO não nasceu para responder a qualquer acção contrária, uma vez que o Tratado de Varsóvia só foi fundado quatro anos depois, nem para defender a democracia, porque integrou, à nascença, uma ditadura fascista – a portuguesa.

NATOCréditos / nato.int

Para assinalar o significado do 70º aniversário da NATO talvez fosse suficiente passar os olhos pela guerra que há 18 anos destroça o Afeganistão, ou pelo caos em que a Líbia continua mergulhada ou pelas violações do direito internacional patrocinadas pela organização nos Balcãs, designadamente o aterrador desmembramento da Jugoslávia.

Talvez fosse suficiente… Mas estaríamos longe de fazer justiça à amplitude e longevidade de uma acção cada vez mais global e próxima de comportamentos gangsteristas como a que caracteriza a aliança. Sendo que a enxurrada de considerações épicas em torno dos mitos que a sustentam é de tal modo ameaçadora nestes dias que todas as oportunidades serão poucas para aprofundar o contraditório.

Não surpreende que a NATO seja o que é. O que poderá causar alguma perplexidade, sobretudo entre quem anda um pouco mais a par da realidade internacional e quem vai além da informação mainstream, é a desfaçatez com que dirigentes altamente posicionados em nações e no mundo tentam interligar os seus belos discursos sobre a aliança com as práticas sangrentas desta. Ou acreditam nas suas próprias mentiras ou confiam demasiado na propaganda e na consequente alienação do cidadão comum.

A NATO nasceu no meio de mentiras e de mitos propagandistas tão em vigor hoje como há 70 anos, apesar de serem facilmente desmontáveis. Mas os servidores da organização têm fé no efeito de repetição e num universo mediático reverente.

A NATO não nasceu para responder a qualquer acção contrária, uma vez que o Tratado de Varsóvia só foi fundado quatro anos depois. E também não veio para defender a democracia, porque fez questão de integrar, à nascença, uma ditadura fascista – a portuguesa – adoptando outras com o correr do tempo, como foi o caso da grega e da turca.

A «aliança defensiva»

Porém, o mito fundador que mais foi refinando com o tempo e a prática é o da «aliança defensiva», uma espécie de culto de Calimero a uma escala bastante viril.

A NATO nunca ataca; defende-se sempre de um qualquer inimigo, que trata de inventar quando não existe. Quando instala armamentos, cada vez mais exterminadores, é para defender-se; quando avança os seus meios militares pela Europa afora até às fronteiras russas, ou em África, ou agora na América Latina é em legítima defesa.

A melhor defesa é o ataque, argumenta-se em termos de táctica futebolística. A NATO adoptou-a ou vice-versa, é uma dúvida semelhante à do ovo e da galinha. O que interessa é saber-se que a NATO nunca ataca, defende-se.

Assim foi durante a Guerra Fria, por exemplo recorrendo a organizações terroristas clandestinas, como a Gládio, espalhando o sangue, o horror e o medo através de atentados sucessivos em Itália para impedir o acesso dos comunistas à esfera do poder, mesmo quando o povo assim o desejou em eleições legítimas e livres.

Ou não hesitando em conspirar para promover golpes de Estado e mudanças de regime, dentro e fora da guerra fria, como aconteceu em Portugal, na Grécia, na Turquia e mais recentemente na Ucrânia – não interessando, também neste caso, que o resultado seja um regime nazi-fascista. Sempre em nome da democracia e do mercado, a entidade que mexe os cordelinhos democráticos e sabe o que é melhor para os cidadãos, mesmo que estes desejem o contrário.

A NATO e o respeito pela própria palavra

A NATO tem uma relação complicada com a própria palavra. É o que acontece a quem vive da propaganda e não tem a coragem de assumir perante os povos as reais motivações da sua missão.

A NATO esboça a sua realidade virtual nos mapas e nas mensagens que transmite aos cidadãos; e depois procede em conformidade mas de uma maneira real, agressiva, muitas vezes sanguinária, espezinhando os direitos humanos.

A mentira que esteve na génese da organização – a necessidade de responder a uma entidade de sinal contrário que viria a nascer apenas quatro anos depois – vigorou até ao colapso da União Soviética e do Tratado de Varsóvia, no início da década de noventa do ano passado.

Agora é altura de a NATO se dissolver, deixaram de existir razões para continuar, argumentaram então os ingénuos e os que ainda acreditam na boa-fé dos discursos político-militares e das instâncias que os produzem.

Não é bem assim… respondeu o atlantismo. Reparem nos inimigos que ameaçam o «nosso civilizado modo de vida», o Irão, Saddam Hussein, Khaddafi, a Coreia do Norte, Cuba, Assad, Chávez, al-Qaida, Bin Laden, os Talibã, eixos do mal cruzando-se, entrecruzando-se, exigindo a presença vigilante, dissuasora, sempre defensiva da NATO, ainda que alguns tenham sido amigos ou mesmo criados para bem do mercado e preservação da democracia.

Portanto, nesta guerra «entre a civilização e a barbárie», a NATO não pode dissolver-se; mas podem estar certos de que não vai crescer uma polegada, em território e número de membros. Quem assim falou foi James Baker, secretário de Estado norte-americano de George Bush pai.

E se bem o disse melhor o fez; ele, os sucessores, o chefe e herdeiros, no fundo toda a fina flor Atlântica.

Num ápice a NATO estava em «tempestades no deserto» invadindo o Iraque, destruindo a Jugoslávia numa das mais selváticas guerras modernas, invadindo o Afeganistão dando o pontapé de saída na «guerra contra o terrorismo», no âmbito da qual foi dizimar a Líbia em aliança com os terroristas islâmicos que dizia estar a combater.

E foi assim que o «nem uma polegada» se transformou em muitos mais biliões de polegadas; que a “guerra contra o terrorismo” descambou no recurso a informais braços terroristas como o Estado Islâmico e a al-Qaida, por exemplo na participação clandestina do atlantismo na agressão à Síria e, mais recentemente, na interminável invasão do Afeganistão – onde o inimigo a derrotar – os Talibã – já controla dois terços do país.

E onde se ouviu James Baker dizer nem mais um membro deve ler-se duplicação da família dos aliados, porque em meia dúzia de anos a NATO engoliu a maior parte dos países do antigo Tratado de Varsóvia mais os Estados nascidos da ex-Jugoslávia, sem esquecer os que lhe eram adjacentes nos Balcãs, como a Albânia.

A família defensiva já vai em 30 membros e não fica por aqui, porque ao Atlântico Norte juntam-se agora o Mediterrâneo, os mares Adriático, Báltico e Negro e também o Atlântico Sul. Graças a imaginativas normas de integração temos a caminho da NATO não só o narco-Estado terrorista da Colômbia mas também o Brasil, uma vez reconvertido ao fascismo. Porque a NATO sente urgência em defender-se da sempre ameaçadora Cuba e, sobretudo, da temível Venezuela de Maduro.

Pelo que abundam razões para acreditarmos piamente no que a NATO e os seus porta-vozes dizem e prometem. Claro como água.

O mito da defesa solidária

Outro dos mitos fundadores e base de propaganda da NATO é o da defesa solidária. Ou seja, qualquer Estado membro pode contar com os restantes no caso de ser agredido por um Estado terceiro ou organização inimiga. Todos acorrerão a defendê-lo…

Desde que…

O Estado em questão, como qualquer outro dos membros, tenha abdicado previamente de parte da sua independência; os seus governos se tenham submetido à autoridade económico-militar do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos da América – e a NATO, por inerência; e estejam dispostos a que o seu território seja utilizado para que a NATO, isto é, os Estados Unidos da América, se defendam atacando.

Em boa verdade, os Estados membros da NATO são protectorados da estrutura imperial norte-americana, que tem a aliança como seu braço armado: são obrigados a abdicar de uma política de defesa independente, a colocar vultosos fundos orçamentais à disposição do Ministério da Defesa dos Estados Unidos, a envolver-se em guerras por razões que lhes são alheias, ou mesmo contrárias, a manter relações hostis com Estados porque assim o exigem os interesses norte-americanos e não os interesses nacionais.

Numerosos estudos demonstram que os Estados Unidos da América têm entre 800 a mil bases militares em territórios ocupados no estrangeiro. Nessas áreas, em bom rigor, os Estados hospedeiros abdicam da sua soberania, cedem-na a Washington.

Ora estes estudos pecam por defeito, porque não consideram muitas das instalações militares dos Estados membros da NATO.

Estas instalações, em última análise, estão ao serviço dos Estados Unidos, mesmo que tecnicamente não sejam consideradas bases norte-americanas. As suas actividades não são independentes ou autónomas da estratégia militar da NATO, logo dos Estados Unidos. Os Estados membros da aliança não possuem instalações militares verdadeiramente próprias porque não têm uma política de defesa por eles definida tendo em conta os verdadeiros interesses dos seus povos.

Eis porque o Pentágono administra um império de instalações militares mundiais muito mais amplo que as cerca de mil unidades recenseadas.

Conflito constitucional

Na União Europeia entra-se mas não se sai ou, pelo menos, não se sai a bem, como estamos a perceber quotidianamente pelo caso do Reino Unido.

Acontece o mesmo com a NATO?

O assunto é académico, porque em relação à Aliança Atlântica apenas temos assistido a entradas, não a saídas ou tentativas de saída.

Na União Europeia ainda se realizam alguns referendos esporádicos para decidir o relacionamento entre as instituições centrais e Estados membros. Referendos, é certo, que têm sido repetidos quando não dão os resultados que deveriam dar – segundo a perspectiva da União – ou então sabotados.

Nada disso acontece na Aliança Atlântica. A NATO representa, em absoluto, a vontade dos povos, razão que torna qualquer consulta supérflua. Dir-se-ia um comportamento ditatorial, não soubéssemos nós que a NATO é a essência da democracia.

Portugal foi fundador da NATO com a ditadura de Salazar, continuou depois do 25 de Abril – que foi gravemente ferido no 25 de Novembro com a colaboração prestimosa da aliança – e continua a não questionar a presença, apesar da letra e do espírito da Constituição da República.

Em Portugal, a propósito da NATO, há um conflito constitucional latente, do qual todos os governos têm fugido como o diabo da cruz. Salazar dizia que “a pátria não se discute”; os governos de hoje assumem que a NATO não se discute ou, pelo menos, não se questiona.

Porque era isso que deveria fazer-se à luz da Constituição, que determina o envolvimento de Portugal nos esforços de paz e de dissolução dos blocos militares, isto é, da NATO.

Nada disso. O que fazem caças portugueses violando espaço aéreo da Finlândia, por exemplo? Nada contra este país, apenas uma sequela de uma presença agressiva, no âmbito da NATO, contra uma nação – a Rússia - com a qual Portugal poderia e deveria ter relações absolutamente naturais e normais, como acontece como tantas outras.

Essa presença em territórios bálticos, em si mesma, é uma agressão à Constituição da República.

Em termos de democracia, porém, a NATO sobrepõe-se à lei fundamental do país. A posição dos dirigentes nacionais de hoje em relação à aliança não é muito diferente da que há 70 anos era tão grata a Salazar: estão muito agradecidos pelo favor que a NATO faz em permitir que o país faça parte de tão grande e defensiva família.

Esqueçam a Constituição.

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Em Agosto de 2009, o antigo senador por New Jersey Bill Bradley, que foi candidato pelos democratas à corrida presidencial de 2000, escreveu na revista Foreign Policy que,  “quando falei com Baker, ele concordou que disse a Gorbatchev que se a União Soviética permitisse a reunificação da Alemanha e a sua adesão à NATO, o Ocidente não expandiria a aliança ‘um centímetro para o Leste’”.

A palavra agora para Lawrence Wilkerson, coronel na reserva, político republicano, ex-chefe de gabinete do secretário de Estado Collin Powell. Numa entrevista ao Real News Network em 3 de Outubro de 2014 – igualmente quando se sentiam os primeiros efeitos do golpe ucraniano –afirmou: “Eu estava lá quando dissemos aos russos que íamos torná-los membros (da NATO); primeiro seriam observadores e depois membros”.

Na realidade, em plena época de encantamento manifestado durante os contactos com os principais dirigentes ocidentais, Mikhail Gorbatchev solicitara a adesão da URSS à Aliança Atlântica, uma vez que, como se dizia e repetia à boca cheia, os conflitos ideológicos e militares tinham sido ultrapassados. Foi o secretário de Estado James Baker, significativamente dedicado agora à “ecologia”, quem deitou água na fervura declarando que “a segurança pan-europeia é um sonho”.

Mary Elise Sarotte, historiadora, membro do influente Conselho de Relações Externas e titular de posições destacadas nas Universidades Johns Hopkins e Harvard, onde preside ao Gabinete de Estudos Europeus, testemunhou que, no início de 1990, “Kohl (o chanceler alemão) garantiu a Gorbatchev que ‘naturalmente a NATO não poderia expandir o seu território para o território da Alemanha Oriental’”. Acrescentou que, “em conversações paralelas, Genscher (ministro alemão dos Negócios Estrangeiros) transmitiu a mesma mensagem ao seu homólogo soviético, Eduard Chevardnaze, dizendo: ‘para nós, mantém-se firme: a NATO não se expandirá para Leste’”. Duas publicações de Mary Elise Sarotte foram consideradas “livros do ano” por The Economist e Wall Street Journal.

“P’ró diabo com a promessa!...”

Os testemunhos aqui deixados são conclusivos: os principais dirigentes ocidentais prometeram aos últimos dirigentes soviéticos que a NATO continuaria a existir mas sem expandir o seu território, pelo menos “para Leste”.

Mais de trinta anos passados, vivendo a situação aterradora de hoje e rememorando a maneira como aqui chegámos, percebe-se quanto vale a palavra dada pelos dirigentes ocidentais.

Há dois documentos, porém, que são absolutamente explícitos e ilustram como podem ser escabrosas as metodologias do regime ocidental dominante nas suas versões de duas ou mais caras, em privado ou em público, verbalmente ou por escrito, oficialmente ou em segredo. Torna-se inequívoco o padrão mafioso desses comportamentos.

Os documentos são as transcrições oficiais norte-americana e alemã, citadas também pela historiadora Mary Elise Sarotte, do encontro entre o presidente norte-americano George H.W. Bush e o chanceler alemão Helmut Kohl, na noite de 24 de Fevereiro de 1990, em Camp David.

Quando o dirigente alemão abordou o assunto do compromisso sobre a NATO assumido com Moscovo, a reacção de Bush (pai) foi histórica no pior sentido que o adjectivo possa ter: “P’ró diabo com isso! Fomos nós que vencemos, não foram eles!”.

«Há dois documentos, porém, que são absolutamente explícitos e ilustram como podem ser escabrosas as metodologias do regime ocidental dominante nas suas versões de duas ou mais caras, em privado ou em público, verbalmente ou por escrito, oficialmente ou em segredo.»

A partir de então nunca mais se ouviu falar oficialmente da promessa sobre o congelamento territorial da NATO. A mensagem inequívoca do presidente dos Estados Unidos, o verdadeiro comandante-em-chefe da aliança, foi certamente transmitida por Kohl a todos os aliados, na verdade súbditos.

Precavendo a possibilidade de haver alguma dissonância entre Berlim e Paris, uma vez que Mitterrand tinha um peso que torna irrelevantes figuras como Macrons, Scholzs e Hollandes, Bush enviou um telegrama confidencial para o Eliseu informando que a NATO continuaria a ser a organização da segurança europeia e não qualquer outra entidade pan-europeia do género Comunidade Económica Europeia, União Europeia, Exército Europeu.

O império definira o futuro imediato – e a prazo indeterminado – do mundo e, sobretudo, do continente europeu, ditado pela fusão fascizante entre a ortodoxia económica neoliberal e a teoria política e social neoconservadora que assumira o poder no complexo militar, industrial e tecnológico dos Estados Unidos durante os consulados de Reagan (anos oitenta) – dissolvendo as já ténues fronteiras que ainda poderiam separar democratas e republicanos. Institucionalizando, em suma, o partido único.

|

Tempos e comportamentos degradantes. I - Bruxelas erra nas contas

O cenário dos sofrimentos impostos aos povos que vivem dos dois lados das barricadas não é estático; está a suscitar mudanças e não na direcção dos maníacos das sanções agarrados como causa de vida ou morte à ordem imperial unipolar.

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante um debate no Parlamento Europeu sobre as consequências económicas e sociais da guerra na Ucrânia. Estrasburgo, França, 4 de Maio de 2022
CréditosJean-François Badias / AP

O desespero não costuma ser bom conselheiro. E quando se desenvolve num mar de mentiras, inversão de princípios, anacronismos e patéticas manias das grandezas o mais certo é resultar em naufrágio.

A União Europeia segue por essa rota e parece não ter a bordo alguém com o necessário rasgo de lucidez para evitar a catástrofe. Que atingirá não os responsáveis pelas decisões nefastas, porque os oligarcas patrões dos mandantes políticos raramente se afogam, mas sim os povos dos 27 Estados membros e de outros cujos governos lêem pela mesma cartilha. Dias negros estão no horizonte do chamado Velho Continente e, simbolicamente, Portugal ilustrou a degradação de valores que alimenta a catástrofe ao hipotecar o aniversário da Revolução de 25 de Abril a interesses não democráticos, prejudiciais para os portugueses, autoritários e, como se não fosse suficiente, amantes da guerra, da fabricação e manutenção de conflitos como instrumento para gerir a sociedade.

Os Estados Unidos, geridos por um bando de falcões neoconservadores irresponsáveis para tentar dar cobertura ao cada vez mais perceptível estado de demência do presidente, parecem seguir o mesmo caminho da União Europeia, mas a situação tem ainda o seu quê de ilusório enquanto Washington puder recorrer aos povos da Ucrânia e de toda a Europa como carne para canhão na atormentada defesa do império e do caminho para o totalitarismo globalista. A tal ordem internacional «baseada em regras» ditadas em Washington que faz gato sapato do direito internacional.

Afinal é disto que se trata, em última análise, ao assistirmos à guerra na Ucrânia: assegurar que o império sobreviva como senhor do planeta em regime unipolar perante o assédio natural, e com o tempo a seu favor, de grandes e médias potências emergentes que deixaram de estar dispostas a submeter-se a uma velha ordem imposta por aristocratas da «civilização» que há muitos séculos receberam o «sopro divino» como donos absolutos das coisas terrenas. Nada mais do que Deus no Céu e os oligarcas na Terra.

O mundo, porém, está a deixar de funcionar assim. E, através de um efeito perverso que não é mais do que fruto do desespero pelo qual o chamado Ocidente está tomado, as transformações aceleraram-se devido ao modo errático e autoflagelador como os Estados Unidos e, sobretudo, os seus satélites da NATO e da União Europeia, responderam à invasão russa da Ucrânia. As sanções estão a virar o feitiço contra o feiticeiro, isolam os que as impõem e dinamizam o alargamento de horizontes e a confirmação de novos caminhos e experiências dos que as sofrem. O povo da Rússia – e não a oligarquia que gere o país – é a verdadeira vítima das sanções mas também o são os povos europeus, arrastados para uma guerra que não é sua porque só em termos de propaganda terrorista pode considerar-se que se trava em defesa de valores democráticos e humanistas. A estes, para os fazer vingar não são necessárias guerras, muito pelo contrário.

Porém, o cenário dos sofrimentos impostos aos povos que vivem dos dois lados das barricadas não é estático; está a suscitar mudanças e não na direcção dos maníacos das sanções agarrados como causa de vida ou morte à ordem imperial unipolar.

Reforçando nas últimas semanas as tendências transformadoras, a Rússia e China – este país sem deixar a sua proverbial discrição e o respeito pelo princípio da não ingerência – incrementaram estratégias regionais e transnacionais envolvendo os países que não seguiram o diktat norte-americano de sanções à Rússia e começaram a aplicar medidas concretas com repercussões em áreas económicas, financeiras e comerciais. Estas acções reforçam os processos de integração regional e de cooperação transnacional estabelecendo relações muito mais sustentáveis e igualitárias, independentemente das políticas governamentais. O que está a passar-se, como se percebe ignorando a propaganda, nada tem a ver com a prática e a defesa da democracia.

Bruxelas erra nas contas: os povos é que pagam

Biden, Von der Layen e os seus agentes amestrados, sem esquecer Olaf Scholz e Emmanuel Macron, prometeram que as sanções iriam enfraquecer a Rússia e deixar o rublo de rastos. Mês e meio depois da entrada das tropas russas na Ucrânia, e apesar do roubo das reservas cambiais de Moscovo na Europa, o rublo está mais forte do que antes da guerra, o dólar continua a perder terreno como divisa internacional, substituído por combinações de moedas nacionais em negócios envolvendo as matérias-primas mais estratégicas, principalmente os combustíveis fósseis; e estão a ser dados os últimos passos para o lançamento de uma divisa comercial garantida por uma cesta de moedas e um conjunto das principais matérias-primas capaz de alimentar o comércio na maior parte do mundo, certamente entre a grande maioria da população mundial.

Perante estas tendências de imensa abrangência quais são os horizontes da União Europeia? As suas antigas colónias, muitas delas tentadas pelos novos ventos, recusando-se até a impor sanções à Rússia? A América Latina, onde não se registou um único caso significativo de ruptura com a Rússia, sem esquecer a disponibilidade para manter e desenvolver a cooperação com Moscovo e Pequim? É um facto que nas últimas semanas, coincidindo com os sucessivos pacotes de sanções contra a Rússia, se registaram sinais de maior consistência do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) – representando cerca de metade da população mundial. Certamente não é coincidência.

Deverá então a União Europeia virar-se ainda mais para os Estados Unidos? Um país que manda impor sanções contra a Rússia e que no último mês de Março aumentou em 21% as importações de petróleo russo enquanto obrigava a Europa a cortar totalmente o fluxo dessa matéria-prima?

É uma estratégia que, lamentavelmente, também parece ser a única que resta aos 27. Dos Estados Unidos a Europa receberá comida transgénica; filmes idiotas ou de discurso de ódio; exemplos de xenofobia e racismo, com muito boa aceitação do lado de cá; gás natural que arruína vastas zonas continentais a um preço que poderá triplicar o que era pago pelo gás russo, mesmo que fosse em contas abertas em bancos moscovitas; receberá também petróleo, certamente parte daquele que Washington compra a Moscovo em tempo de sanções – com uma inapelável margem de lucro para o intermediário. E receberá armas, muitas armas, para substituir as armas, muitas armas que estão a ser enviadas para a Ucrânia, destinadas a ser transformadas sumariamente em sucata numa guerra que os «aliados» pretendem alimentar pelo menos até ao último dos ucranianos. A hipocrisia do Ocidente fingindo condoer-se com a sorte dos ucranianos parece muito pouco «civilizada» e ainda menos «cristã», para já não invocar em vão o santo nome da «democracia liberal» – que vai morrendo de excelente saúde. Que venham então armas da generosa e protectora América para os portugueses pagarem com dinheiro que não há para a saúde, as escolas, os salários e os reformados; não foi o venerando chefe de Estado português quem sentenciou, por sinal durante a evocação do movimento pacificador de 25 de Abril, que ser «patriota» é contribuir com mais armamento para as Forças Armadas? Parafraseando o saudoso José Mário Branco, «houve aqui alguém que se enganou».

Uma descoberta fantástica

No meio da lixeira mediática cacofónica acumulada por analistas, especialistas, comentadores, directores, professores, académicos e ofícios correlativos às vezes escapa-se uma surpresa. Não pelo conteúdo, é claro, porque esse não afronta nem pode afrontar a opinião totalitária sobre a guerra na Ucrânia, mas pela conclusão extraída, uma descoberta assombrosa que nos chegou pela pena de Azeredo – felizmente não desaparecida em Tancos – e que foi, imagine-se, ministro da Defesa.

A conclusão reflecte uma certa síndrome de Calimero, mas nem por isso deve ser desvalorizada. Queixa-se Azeredo: «Não nos ligam nada!».

O «nos» são os cerca de 40 países que impõem sanções à Rússia – os da NATO (menos a Turquia), da União Europeia (excepto a Hungria) mais o Reino Unido e seus vassalos da Oceania e ainda uns apêndices orbitando o sol imperial.

Nas suas trabalhosas e desconsoladoras diligências Azeredo descobriu que há mundo para lá da cortina de ferro de propaganda totalitária defendida pelos impiedosos guardiões da verdade instalados em cada recanto da sociedade de cá, até nas outrora pacatas tertúlias familiares ou de café. Um mundo, admira-se ele depois de ter consultado dezenas de jornais de todo o planeta, onde se concentra a esmagadora maioria da população, habitando as mais vastas áreas territoriais. Um mundo onde não há espaço para sanções à Rússia e onde até, vejam lá, os meios de comunicação reservam esconsos lugares de primeira página ou mesmo o anonimato das páginas interiores para as notícias da guerra na Ucrânia.

Um mundo – isso não o disse Azeredo – que representa cerca de 85% do planeta e que agora, para desconsolo do analista-ex-ministro, «não nos liga nada». Afinal, submetidos a um recanto de 15%, andaremos a pregar no deserto esta tão requintada obra de mentira e de indução esquizofrénica baseada no culto da guerra ou então, sordidamente, a envenenar-nos a nós próprios?

«Não nos ligam nada», queixa-se Azeredo. Certamente tais multidões agora insensíveis perante o esforço civilizatório ocidental são todas adeptas ou até compinchas de Putin, esse maléfico que ousa combater o cancro criado pela verdade oficial do lado de cá com banhos de sangue fresco jorrando de cornos de veado serrados, como nos explica o omnisciente New York Times.

«Não nos ligam nada». A nós, a fina flor da civilização, os donos da democracia, os senhores dos exércitos, os benfeitores que sempre usaram guerra para espalhar o bem, a fé e a civilização pelo mundo, os justiceiros, os proprietários naturais dos bens e das riquezas do planeta, aqueles que tanto nos incomodamos com os ucranianos da parte ocidental do país mas nunca tínhamos ouvido falar do terrorismo que martiriza os ucranianos do Centro e Leste do país. Em suma, a ingratidão sem fim.


(continua amanhã)

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

William Clinton e Hillary Clinton iriam chegar a seguir para o demonstrar. Recordemos, apenas de passagem, as carnificinas na ex-Jugoslávia, na Líbia e na Síria e os papéis nelas representados por cada um dos membros do casal.

A NATO desestabilizou primeiro e avançou depois para os Balcãs – os resultados estão à vista – e, um após outro, e alguns simultaneamente, a esmagadora maioria dos países do Tratado de Varsóvia, juntamente com os ex-territórios soviéticos do Báltico, entraram de rompante na Aliança Atlântica. Em vez de uma polegada ou um centímetro, a NATO cavalgou sem freios mais de milhar e meio de quilómetros, para as fronteiras da Rússia. Onde Boris Ieltsin, o ex-secretário da organização de Moscovo do Partido Comunista da União Soviética, se tornara presidente da recém-declarada Federação Russa franqueando as portas para o saque neoliberal e sem limites das riquezas naturais e do aparelho produtivo e científico soviético, ao mesmo tempo que hipnotizava os cidadãos com as maravilhas da sociedade de consumo e dos mágicos poderes do mercado.

O que George H.W. Bush dissera a Kohl, naquela noite de 24 de Fevereiro de 1990, é que o império pretende, então como hoje, ter o poder sobre toda a Europa até à Rússia e conquistar este país, desmantelando-o, garantindo o acesso irrestrito às suas imensas riquezas. Isto é, retomar a saga sangrenta de Hitler e alcançar o que este não conseguiu, objectivo para o qual a guerra fria foi insuficiente.

Mais de 50 dias depois de o presidente norte-americano ter deixado claro ao chanceler alemão que as garantias dadas a Moscovo eram falsas, o engodo lançado a Gorbatchev ainda continuava presente no discurso oficial. Manfred Woerner, o alemão que então exercia o cargo de secretário-geral da NATO, como sempre um simples funcionário da Casa Branca, do Departamento de Estado e do Pentágono, pronunciou em Bruxelas, em 19 de Maio de 1990, um discurso que sabia ser fraudulento: “o simples facto de estarmos dispostos a não enviar tropas da NATO para além do território da República Federal (da Alemanha) dá à União Soviética garantias firmes de segurança.” Na mesma alocução, Woerner recorreu ao mantra absurdo segundo o qual “a nossa estratégia e a nossa Aliança são exclusivamente defensivas”. Sabemos muito bem o que isso quer dizer.

São assim sucessivos os casos comprovativos de que o discurso e os comportamentos dos dirigentes do chamado “Ocidente alargado” se revelam, por regra, contraditórios e traduzem uma estratégia contumaz de mentira. Enfim, gente não respeitável para quem as pessoas são meros instrumentos a manter sob controlo férreo, se possível, mas não necessariamente, sob aparência benigna dita democrática.

Gente falsa, desprezível e perigosa

Definido o sentido da nova ordem na frase ditatorial de George H.W. Bush na noite de 24 de Fevereiro de 1990, as estruturas começaram a ser desenvolvidas, funcionando como o enquadramento das “regras” que iriam suprimir, como suprimiram, o direito internacional do cenário geoestratégico de decisão. Publicamente, Bush não assumiu na totalidade o objectivo traçado na reunião que teve com Kohl: limitou-se a proclamar no seu discurso de 1992 sobre o Estado da União que “pela graça de Deus, a América venceu a guerra fria”.

Ainda em 1992, o secretário de Estado adjunto para os Assuntos Políticos dos Estados Unidos, Paul Wolfowitz, publicou o Guia de Planeamento da Defesa para os anos de 1994-1999, que deveria ter ficado secreto mas foi divulgado pouco depois pelo New York Times. Conhecido como “doutrina Wolfowitz”, o documento estipula que “o nosso primeiro objectivo é evitar o ressurgimento de um novo rival quer no território da antiga União Soviética, quer noutro local”. Devemos, acrescenta, “dissuadir ou derrotar os ataques de qualquer origem”; “temos de manter os mecanismos para dissuadir os potenciais concorrentes de aspirarem mesmo a um papel regional ou global mais vasto”.

|

Na antecâmara da guerra mundial

Nas mentes de seres alienados por pulsões sociopatas entranhou-se já a ideia de que o uso de bombas nucleares é admissível e terá consequências limitadas e controláveis. O princípio do fim.

Oito mísseis de cruzeiro ar-terra, com ogivas nucleares, são carregados num bombardeiro B-52, durante o exercício Prairie Vigilance 22, levado a cabo Comando Estratégico dos EUA e que terminou no Dakota do Norte a 23 de Setembro de 2022
Créditos / US Air Force

A União Europeia, sem qualquer surpresa, deu passos inconscientes e decisivos: a partir de agora não são necessárias previsões nem especulações, a guerra iniciada em 2014 pelo regime nazi da Ucrânia contra as populações da região do Donbass atingiu envergadura mundial. No terreno não se opõem já a NATO e a Rússia – a Ucrânia é somente o campo de batalha original – porque a União Europeia, enquanto tal, decidiu envolver-se directamente e também provocar o Irão, estendendo o conflito para o Médio Oriente. O movimento cria um cenário propício a novos ajustamentos e perspectivas por parte de alianças político-militares assumidas ou não assumidas através de toda a Eurásia. Agravam-se antagonismos até agora sublimados e que não pouparão continentes.

Os membros dos actuais governos europeus, quando a história lhes fizer justiça, ficarão anotados como seres transtornados perigosos e sem coluna vertebral que aceitaram jogar com a vida de dezenas de milhões de pessoas, incluindo os seus próprios cidadãos. E o executivo da República Portuguesa fez até questão de não ser discreto nas provocações dirigidas contra inimigos criados artificialmente numa guerra com a qual os portugueses nada têm a ver.

«A unidade europeia manifesta-se apenas quando se trata de atacar salários, de impôr uma austeridade cada vez mais institucionalizada e de amputar direitos sociais, políticos e humanos elementares. A guerra, como agora se demonstra, é a plataforma onde é mais fácil congregar as vontades e interesses dos dirigentes europeus – na verdade, dos seus mandantes – transformando-os numa ameaça potencialmente letal para os cidadãos»

Os governos europeus, na sua ânsia de cumprirem as ordens de serviço que lhes são enviadas de Washington e de tentarem igualmente salvar o decadente Biden de uma hecatombe eleitoral em 8 de Novembro, decidiram impor sanções ao Irão por vender drones à Rússia; e também investir mais umas centenas de milhões de euros para treinar, em solo da União Europeia, pelo menos 15 mil soldados ucranianos. Esta medida, como respondeu de pronto a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, transforma a UE em «parte do conflito», tendo de assumir, por isso, as correspondentes consequências.

As portas escancararam-se à generalização continental da guerra. E como é absolutamente notória e dramática a falta de bom senso nos dois lados do conflito, os cidadãos europeus deverão consciencializar-se de que o mundo mudou, não há caminho de regresso às situações existentes no período pré-covid e são ínfimas as possibilidades de passarmos pelo que aí vem de uma maneira benigna.

A guerra como factor de unidade

A União Europeia só é «união» no nome. Sabemos que a famosa «unidade» proclamada por Bruxelas é um mito quando estão em causa as vidas dos mais de 500 milhões de cidadãos dos 27. Não houve unidade quando se tratou de combater a covid, o desconcerto é total para enfrentar o caos energético que as sanções com efeito de boomerang impostas à Rússia estão a gerar – e ainda a procissão vai no adro – a convergência entre os Estados membros quando se trata de frustrar seriamente os ataques ao ambiente e combater as alterações climáticas é uma ridícula história da carochinha.

A unidade europeia manifesta-se apenas quando se trata de atacar salários, de impôr uma austeridade cada vez mais institucionalizada e de amputar direitos sociais, políticos e humanos elementares. A guerra, como agora se demonstra, é a plataforma onde é mais fácil congregar as vontades e interesses dos dirigentes europeus – na verdade, dos seus mandantes – transformando-os numa ameaça potencialmente letal para os cidadãos.

A criação e desenvolvimento de um esterco infecto, o tendencialmente totalitário aparelho de propaganda substituindo o espaço da informação e entretenimento, é o complemento de uma estratégia belicista que necessita de uma lavagem cerebral colectiva e da robotização das pessoas para fazer funcionar um sistema perverso contra a natureza humana.

Os espantosos lucros que têm vindo a ser registados por grandes empresas e grupos económicos actuando a montante e jusante da indústria e do exercício da guerra, receitas criminosas essas que sugam os cidadãos e famílias das suas capacidades de sobrevivência decente, explicam muitas das razões motivadoras da generalização do conflito armado, mas não abrangem o panorama completo.

Confronto existencial

Como se tem dito, há um confronto existencial entre duas formas opostas de encarar a ordem internacional – unipolar, a existente, e multipolar, a nascente – que chegou a uma fase de guerra da qual nenhuma das partes admite recuar.

A União Europeia, ao imiscuir-se directamente no conflito onde tem participado sob o chapéu da NATO, assumiu sem disfarces a sua vertente colonial/imperial da unipolaridade e tornou-se um alvo declarado, pondo em risco a vida de centenas de milhões de pessoas para que uma ínfima minoria delas possa continuar a beneficiar da extorsão criminosa do resto do mundo. Em nome da «civilização ocidental», superior a todas as outras por desígnio de um nunca desentranhado espírito de cruzada para universalizar os «valores cristãos».

«A União Europeia, ao imiscuir-se directamente no conflito onde tem participado sob o chapéu da NATO, assumiu sem disfarces a sua vertente colonial/imperial da unipolaridade e tornou-se um alvo declarado, pondo em risco a vida de centenas de milhões de pessoas para que uma ínfima minoria delas possa continuar a beneficiar da extorsão criminosa do resto do mundo»

O inimitável Josep Borrell, «ministro dos negócios estrangeiros» da UE servido por uma alma de criminoso de guerra, expôs em Bruges aos futuros eurocratas, numa simples e inspirada frase, a maneira como as cliques europeias encaram o planeta: a União Europeia «é um jardim, o resto do mundo é uma selva» e existe o risco de «a selva poder invadir o jardim».

Tudo fica explicado. Daí que o tornarem-se parte activa de uma guerra para salvar o «jardim» e conter a «selva», generalizando as provocações apesar do risco de ampliar a envergadura do confronto, seja um passo natural que os governos da UE e toda a camada desumanizada da eurocracia acabam de dar.

A mobilidade dos submarinos transforma-os em armas decisivas nas estratégias de «primeiro golpe». Na foto o submarino USS Wyoming (EUA), equipado com armas nucleares Créditos

Do Cabo da Roca ao Extremo Oriente

De que maneira as decisões mais recentes dos governos da União Europeia contribuem para alargar substancialmente a área potencial de conflito?

A disponibilidade para treinar, em solo de Estados da União, pelo menos 15 mil efectivos das forças militares ucranianas transformou a União Europeia «num alvo», declarou a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros. Quer isso dizer que o recurso directo ou indirecto da Ucrânia a armas e condições operacionais proporcionadas por países da NATO e/ou União Europeia significam a entrada destes em confronto militar com a Rússia. Sobretudo se o regime nazi de Kiev insistir, como tem vindo a fazer, com frequência crescente, em atacar territórios russos.

A área real do conflito estende-se assim dos cabos atlânticos da Península Ibérica aos confins orientais de Vladivostoque, com o Japão à vista, e o comportamento da União Europeia fica sujeito, para já, a eventuais atitudes russas que agravem ainda mais as consequências económicas e energéticas de que o Ocidente sofre presentemente. A realidade tem demonstrando que a Europa necessita mais da Rússia do que a Rússia do resto da Europa e a situação está longe de atingir os limites mais dramáticos – a Alemanha já começou a perceber do que se trata.

«A decisão governamental de oferecer à Ucrânia, com objectivos militares, os helicópteros Kamov que Moscovo cedera com fins civis e humanitários, os combates aos incêndios, extravasa a perversão ética assumida por Costa e sua equipa (nada de estranhar) e cai na violação dos acordos contratuais com a parte russa»

A hipotética decisão da Rússia de transformar a «operação militar especial» em declaração de guerra à Ucrânia tornará inevitável que todos os países envolvidos no conflito ao lado dos nazis de Kiev – para além dos mercenários de muitas nacionalidades da NATO e UE que já combatem integrados nas forças ucranianas – sejam parte da mesma guerra. Sem esquecer que as principais ofensivas conduzidas pelas forças militares ucranianas são comandadas por operacionais da NATO e guiadas por sistemas tecnológicos de última geração facultados pela aliança e seus ramos privados, como a empresa espacial de Elon Musk.

A situação é válida, infelizmente até por algumas atitudes específicas, para o caso de Portugal. O governo português teve pressa em confirmar que está disponível para integrar a operação de treino dos soldados ucranianos. Mas não é apenas por isso que se destaca na postura inamistosa em relação à Rússia, que de maneira nenhuma atacou interesses do país e os cidadãos nacionais. Os 250 milhões de dinheiro dos portugueses oferecidos abusivamente – abuso de confiança – por António Costa ao filonazi Zelensky e os 14 tanques enviados para as suas tropas são passos que marcam um comportamento governamental indigno, que ofende e renega a Constituição da República, a democracia portuguesa e a sua génese em 25 de Abril de 1974.

A decisão governamental de oferecer à Ucrânia, com objectivos militares, os helicópteros Kamov que Moscovo cedera com fins civis e humanitários, os combates aos incêndios, extravasa a perversão ética assumida por Costa e sua equipa (nada de estranhar) e cai na violação dos acordos contratuais com a parte russa.

Lisboa, desafiando heroicamente o urso russo, insiste na decisão. Tem lógica: Portugal não é o país onde o governo viola a Constituição para se envolver em guerras enquanto as entidades de fiscalização da constitucionalidade estão mudas e quedas? O povo sofre, e possivelmente sofrerá ainda muito mais as consequências deste ultraje; mas que os centros nacionais de decisão não querem saber das pessoas para nada, além de as usar e deitar fora, já nós sabemos há muito.

«Diz ele [Borrell] que, ao contrário do que alega o senso comum, existem realmente dois pesos e duas medidas na arena internacional: os nossos interesses são para respeitar, os dos outros não. Nada mais do que a diferença entre o “jardim” colonial e imperial e a “selva” onde o colonialismo e o imperialismo se saciam. Pelo que a União Europeia pode abastecer impunemente Kiev para continuar a guerra, mas o Irão não pode vender armas à Rússia»

Depois há a decisão da União Europeia de impor ainda mais sanções contra o Irão por ter vendido à Rússia drones para fins militares. Há uma enorme efabulação propagandística em torno desta matéria, mas o mais significativo da situação é o facto de a entidade que pune Teerão por vender armas a Moscovo ser a mesma cujos países oferecem, alugam e vendem armas a Kiev.

É oportuno citar novamente o socialista Borrell, inesgotável fonte de esclarecimentos sobre o verdadeiro «espírito europeu». Diz ele que, ao contrário do que alega o senso comum, existem realmente dois pesos e duas medidas na arena internacional: os nossos interesses são para respeitar, os dos outros não. Nada mais do que a diferença entre o «jardim» colonial e imperial e a «selva» onde o colonialismo e o imperialismo se saciam. Pelo que a União Europeia pode abastecer impunemente Kiev para continuar a guerra, mas o Irão não pode vender armas à Rússia. É, como sempre, a «ordem internacional baseada em regras». A imposição de sanções só pode processar-se no âmbito de decisões da ONU e por aqui se vê como a União Europeia viola ostensivamente, com todo o despudor, o direito internacional. Ou os «nossos valores partilhados» em acção de maneira exemplar.

A decisão dos governos da União integra de facto o Irão na guerra e vai acicatar Israel não só a fornecer ainda mais armamento letal à Ucrânia mas também a aguçar as garras do regime de apartheid de Telavive no sentido do tão desejado ataque atlantista-sionista contra Teerão. A desestabilização «colorida» em território iraniano é permanente; Síria, Líbano, Iraque, Líbia e todas as guerras por resolver no Médio Oriente poderão ter novos e imprevisíveis desenvolvimentos, regurgitando também a miríade de grupos terroristas «islâmicos» subordinados à NATO, aliás muito bem relacionados com as organizações nazis que governam Kiev.

A Eurásia em fogo

O Irão é parte do principal núcleo da multipolaridade soberana em construção, a par da Rússia e da China. É improvável que cada um de nós faça ideia das consequências que podem resultar de uma conjuntura tão sensível que envolve agora o Médio Oriente e toda a Eurásia, a «ilha do mundo», onde se cruzam espaços de influência, alianças, organizações transnacionais em actividade ou em construção e zonas de conspiração e interesses geoestratégicos e económicos alimentados pelas principais potências mundiais.

«Enquanto isso, parece cada vez mais desbravada de obstáculos a via para o recurso às armas nucleares. Quando em Washington e Moscovo se considera anacrónico e ultrapassado o conceito segundo o qual o uso de tais armas de extermínio provocaria a “destruição mutuamente assegurada” cruzou-se uma fatídica linha vermelha»

A situação chegou a um ponto em que cada acção de uma das partes, neste contexto ainda mais generalizado, terá resposta da outra, na Ucrânia e não só, como vamos percebendo, designadamente pelo comportamento insano da União Europeia – que se sujeita a fazer a parte mais suja da missão terrorista dos Estados Unidos. Temos como certo, até agora, que nenhum dos lados está disposto a ceder ou mesmo a estabelecer contactos para reduzir a tensão com o objectivo de travar o caminho para o abismo - a que chamarão «vitória». Enquanto isso, parece cada vez mais desbravada de obstáculos a via para o recurso às armas nucleares. Quando em Washington e Moscovo se considera anacrónico e ultrapassado o conceito segundo o qual o uso de tais armas de extermínio provocaria a «destruição mutuamente assegurada» cruzou-se uma fatídica linha vermelha. Nas mentes destes seres alienados por pulsões sociopatas entranhou-se já a ideia de que o uso de bombas nucleares é admissível e terá consequências limitadas e controláveis. O princípio do fim.

Não sabemos o que aí vem, quando e como vem. Entretanto uns continuam alegremente consumindo intrujices da propaganda e pílulas de estupidificação; outros nem querem saber, ainda que tenham umas luzes da gravidade da situação. Mas quem não desiste de lutar pela paz e pela sobrevivência da humanidade, que lute.

Mesmo sendo governados por pervertidos que escancaram as portas de mais uma guerra com envergadura mundial. Potencialmente definitiva.


José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Em suma, ditou Wolfowitz, “a ordem mundial é, em última análise, apoiada pelos Estados Unidos e será um importante factor de estabilidade”, porque “não podemos permitir que os nossos interesses críticos dependam exclusivamente de mecanismos internacionais que podem ser bloqueados por países cujos interesses possam ser muito diferentes dos nossos”. A actualidade desta resenha da “ordem internacional baseada em regras” é flagrante e, funcionando na altura também como um recado firme à União Europeia, ajuda a perceber o papel secundário e de submissão reservado a esta entidade e que hoje se concretiza de maneira humilhante.

No cenário programático surgira entretanto o “Projecto para o Novo Século Americano”, elaborado pela dupla democrática e republicana formada por William Kristol e Robert Kagan para promover “a liderança mundial dos Estados Unidos”. Dessa base teórica nasceram os conceitos segundo os quais os Estados Unidos são “a única nação indispensável” e “a nação excepcional” (o “excepcionalismo”). Trata-se, segundo os autores, de prosseguir “a política reaganiana de poderio militar e de transparência moral” – o domínio “de espectro total” da associação fascizante entre a selvajaria neoliberal e as políticas sociais retrógradas, o neoconservadorismo. O princípio deste catecismo é o de que “a liderança americana é, ao mesmo tempo, boa para a América e para o mundo”. A caminho do globalismo, como estipula o império principalmente através do Fórum Económico Mundial (Davos).

Robert Kagan, um dos principais expoentes neoconservadores, é esposo de Victoria Nuland, a secretária de Estado adjunta de Obama e Biden e a golpista operacional da ascensão do nazi-banderismo ao poder em Kiev, em 2014, através da chamada “revolução de Maidan”. Esta mudança de regime definida em Washington foi apresentada como um projecto de “democratização do país” e esteve na origem da guerra e do martírio do povo ucraniano, que hoje continua.

A influência da família Kagan-Nuland não se fica por aqui porque Kimberly Kagan, cunhada de Victoria Nuland, fundou e dirigiu, a partir de 2007, o Instituto dos Estudos de Guerra, agora um dos think-tank mais influentes na propaganda da guerra na Ucrânia, sobretudo através da manipulada comunicação social corporativa. Ainda em 2007, a própria imprensa norte-americana baptizou o casal Kagan como os “warmongers” (fanáticos da guerra, em tradução livre) pela sua insistência no “reforço” da presença militar dos Estados Unidos e outros países da NATO no Iraque.

O peso dos neoconservadores nas administrações norte-americanas desde os anos oitenta, principalmente nas democratas porque foi menos evidente com Donald Trump, pode avaliar-se pela questão ucraniana e a aposta total na guerra, apesar de os resultados no terreno continuarem a ser desfavoráveis ao regime terrorista vigente na Ucrânia Ocidental. E já lá vão dois exércitos arrasados, enquanto o terceiro começa a estar em risco.

A Ucrânia foi identificada, desde a extinção da URSS, como o pilar essencial da ordem internacional baseada em regras e consequente cerco intimidatório da Rússia – tornado estratégico à luz da doutrina Wolfowitz. Zbigniew Brzezinski, conselheiro de vários presidentes norte-americanos e autor do Grande Jogo de Xadrez, obra de referência considerada indispensável para conhecer o lado imperial da geoestratégia das últimas décadas, estipulou que “quem dominar a Ucrânia domina a Eurásia”. E quem domina a Eurásia domina o mundo, pode deduzir-se.

|

Quem tramou os ucranianos

Naturalmente, o tema é a Ucrânia, a guerra que dizem ter começado há um ano, mas já faz correr sangue inocente há nove – e não, não se iniciou com a «invasão russa» da Crimeia.

Pelo menos 16 pessoas morreram em bombardeamentos na cidade de Donetsk, capital da auto-proclamada República Popular de Donetsk. O ataque contra a população civil, perpetrado pelas forças armadas ucranianas, incidiu sobre o bairro de Kuibyshevsky. Duas das vítimas eram crianças. 19 de Setembro de 2022 
CréditosBruno Carvalho

Nesta cacofonia turbulenta em que continuamos mergulhados, na qual os comentários esmagam a informação, a especulação trucida os factos e a mentira se transformou em verdade absoluta e única, é sempre aconselhável parar um pouco, sacudir a poeira dos delírios mediáticos e cuidar da memória futura.

Naturalmente, o tema é a Ucrânia, a guerra que dizem ter começado há um ano, mas já faz correr sangue inocente há nove – e não, não se iniciou com a «invasão russa» da Crimeia; é essencial, acima de tudo, apurar quem tramou os ucranianos, todos eles, de Leste a Oeste, de Norte a Sul, falem ucraniano, russo, húngaro, romeno, polaco ou outra língua pátria, vivam em Lvov, Kiev, Donetsk, Lugansk ou Odessa. É fulcral apurar quem transformou os ucranianos num povo mártir como os da Jugoslávia, do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, da Síria, da Palestina, do Saara Ocidental, da Somália e fiquemos por aqui para não transformar estas linhas num planisfério.

O começo dos começos

Não é difícil deduzir, mas para as vítimas da intoxicação mediática isso será um absurdo, que os rios de sangue na Ucrânia têm as nascentes na implosão ou auto-destruição gorbatchoviana da União Soviética, antecedida pelo desmoronamento do muro de Berlim. Um episódio decisivo para a construção da uma nova ordem mundial, de cariz imperial e unipolar, conhecida agora como «ordem internacional baseada em regras». Sendo esta tão arbitrária e volátil como seria um jogo de futebol em que as normas seguidas pelos árbitros fossem alteradas de cinco em cinco minutos.

A Ucrânia chegou assim à independência, herdando o território da anterior República Socialista Soviética da Ucrânia e com as características de uma sociedade multinacional reflectindo a miscigenação própria da multiplicidade de povos convivendo durante sete décadas sob uma bandeira comum.

Este riquíssimo panorama multicultural esbarrou desde o primeiro momento numa clique dirigente do novo Estado dominada pelos sectores chamados «dissidentes» em relação à União Soviética que foram sustentados durante dezenas de anos pelos Estados e serviços secretos de países europeus ocidentais e da América do Norte como instrumentos da guerra fria.

Sectores estes inspirados pelo vetusto, mas enraizado, nacionalismo integral ucraniano e a respectiva modulação nazi nascida da combinação oportunista entre a perspectiva independentista anti-soviética e a invasão da URSS pelas tropas hitlerianas – e que, de facto, gerou em 1941 um efémero Estado nazi na Ucrânia sob a protecção ainda mais efémera do Reich.

«É essencial, acima de tudo, apurar quem tramou os ucranianos, todos eles, de Leste a Oeste, de Norte a Sul, falem ucraniano, russo, húngaro, romeno, polaco ou outra língua pátria, vivam em Lvov, Kiev, Donetsk, Lugansk ou Odessa. É fulcral apurar quem transformou os ucranianos num povo mártir como os da Jugoslávia, do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, da Síria, da Palestina, do Saara Ocidental, da Somália e fiquemos por aqui para não transformar estas linhas num planisfério.»

Posteriormente, nas suas estratégias de guerra fria, os Estados Unidos e seus satélites apostaram sempre prioritariamente nas correntes conspirativas ucranianas vinculadas ao nacionalismo integral e ao culto dos dirigentes históricos que serviram  Hitler. Os quais moldaram e monopolizaram o independentismo ucraniano e a sua expressão como «dissidência» anti-soviética ao longo do período do pós-guerra, sobretudo a partir de Munique e do Canadá, sem serem perturbados pela «desnazificação» alemã, antes pelo contrário; e muito menos pelos seus protectores ocidentais que usurparam os preceitos democráticos como monopólio próprio, até mesmo para atestar, quando isso serve os seus «interesses», a democraticidade da herança e das práticas nazi-fascistas, como acontece na actualidade.

Em consequência deste processo patrocinado pelos poderes ocidentais, a classe política ucraniana que se instalou com a independência, ostentando a fachada de democracia liberal, surgiu contaminada por conceitos como xenofobia e «raça pura ucraniana» servindo de cimento da nação, a par de um desbragado neoliberalismo económico que, a partir das riquezas naturais do território e do saque do aparelho produtivo tornado disponível pelo fim da URSS – que afinal não era tão «obsoleto» como apregoavam – arrasaram em pouco tempo o tecido produtivo e social do país. 

O Estado nasceu desde logo marcado pela corrupção, pela instalação de poderosas oligarquias, pelo empobrecimento e subjugação da maioria da população – à qual foram retirados e negados, em termos reais, os direitos mais elementares a uma vida decente e segura. Uma situação em tudo idêntica à que brotou na Rússia sob a presidência de Boris Ieltsin, que transitou sob inebriantes vapores de álcool de presidente do Partido Comunista da União Soviética em Moscovo para mordomo ao serviço de Washington e da voracidade cleptómana dos poderes ocidentais.

A Ucrânia e a Rússia percorreram céleres o caminho para se transformar em novas colónias, um desfecho que só foi travado, no caso russo, pelo aparecimento da figura de Vladimir Putin, aliás receitada a Washington pelo próprio Ieltsin, uma das mais interessantes ironias da História recente.

Putin travou a selvajaria reinante no sistema económico e a ganância externa, ajustou contas com alguns – apenas alguns – dos oligarcas internos com vocação transnacional, e começou aí, de facto, a desorientação das oligarquias ocidentais, cujo desespero crescente ameaça a Europa e todo o mundo. A árvore das patacas secou e o maná dos bens de produção, combustíveis fósseis e outras matérias-primas da Rússia desvaneceu-se.

As contradições ucranianas

A instalação plena em Kiev da elite nacionalista integral, desde o primeiro momento a escolhida pela plêiade político-mercantilista-autocrática ocidental, não foi alcançada de um momento para o outro.

A esmagadora maioria da população ucraniana, vivendo numa sociedade consolidada no convívio multicultural, insensível às diferenças de origens nacionais, linguísticas e regionais, não se identificou com as ideias segregacionistas de alguns poderosos sectores da estrutura dirigente, oriunda principalmente da zona ocidental do país.

Daí que a configuração geral dos órgãos de poder que foram sendo eleitos, apesar da maior capacidade de afirmação das correntes nacionalistas ortodoxas, reflectisse durante alguns anos a imagem plural da sociedade através de uma partilha de cargos nos mecanismos de decisão traduzindo, em boa parte, a sua composição multifacetada.

Lentamente, em consequência de uma estratégia montada pelos nacionalistas radicais e os seus protectores liberais (neoliberais) externos, este quadro foi-se alterando no sentido da transformação artificial da estrutura político-social muito diversificada numa rivalidade bipolar entre as tendências designadas «democráticas», «liberais», «pró-UE» e «pró-NATO» de um lado e os sectores ditos «pró-russos» e «pró-Putin» do outro, uma terminologia que se transformou em jargão no totalitarismo mediático corporativo transnacional, mas falsificava a realidade até então existente.

|

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

A estratégia passou pela primeira vez à prática com a «revolução colorida» em tons laranja organizada em 2004 pelos suspeitos do costume, as fundações do magnata George Soros e as agências conspirativas norte-americanas desempenhando os papéis da CIA que à CIA (e à Casa Branca) não convém interpretar directamente. Tal como acontece agora na Geórgia, como já todos perceberam: uma ingerência externa, sucedendo a várias outras, para pôr fora de cena os dirigentes que, embora com pouca convicção, não cumprem as directivas de submissão à NATO tal como a NATO exige.

O triunfo na intentona laranja dos conspiradores «pró-UE» de Kiev consumou-se mas foi efémero. Dirigentes russófonos, ditos «pró-russos», foram democraticamente eleitos para a presidência pouco tempo depois, enquanto a Rada (parlamento) funcionava com pluralidade de correntes e opiniões políticas. Uma situação que os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia toleravam cada vez menos à medida que iam crescendo os seus apetites pelo domínio absoluto do poder em Kiev e a consequente transformação do país num mero instrumento geoestratégico, económico e, sobretudo militar, do cerco à Rússia e de pressão sobre o regime de Moscovo. A voracidade do Ocidente global em relação à Ucrânia manifestou-se cada vez mais à medida que este país decisivo para a asfixia da Rússia se mantinha teimosamente independente, ainda que no fio da navalha. A NATO já conquistara e anexara os três Estados bálticos que anteriormente integraram a União Soviética, transformando-os em bases militares nominalmente administradas por regimes filo-fascistas. Mas a gigantesca Ucrânia era indispensável para concretizar os objectivos ocidentais de «cancelamento» da Rússia.

Este processo enquadrou-se e enquadra-se na ânsia dos Estados Unidos, arrastando os respectivos satélites, para conservar a todo o custo, sem excluir a ameaça nuclear, a estrutura internacional unipolar, as ambições globalistas do neoliberalismo como estratégia económica da «civilização ocidental», enfim, da ordem colonial/imperial, a tal que é «baseada em regras» alheias ao direito internacional.

O auge do confronto ucraniano entre os blocos artificiais «pró-UE» e «pró-Rússia» foi atingido durante a presidência, constituída democraticamente em 2010 através de eleições livres, universais e justas, de Viktor Yanukovych, aliás anterior primeiro-ministro do presidente nacionalista integral Leonid Kuchma, o primeiro eleito para o cargo depois da independência, em 1991.

Para desestabilizar e derrubar a estrutura governativa montada pelo presidente em funções, que derrotara eleitoralmente a simpatizante nazi/banderista Yulia Tymochenko, foi lançada mais uma «revolução colorida» depois de Yanukovych ter optado por uma Ucrânia independente, equidistante da União Europeia e da Rússia, ao decidir pôr de lado o desigual acordo «de associação» com a União Europeia, altamente lesivo para os interesses reais dos ucranianos. A Ucrânia era já um dos mais pobres países da Europa, razão acrescida para que a submissão à União Europeia ameaçasse a soberania, a sua própria sobrevivência e, sobretudo, os interesses da esmagadora maioria da população, que não se revia na oligocracia montada em Kiev.

Os movimentos de protesto manipulados do exterior perderam momentaneamente ímpeto quando o presidente e a oposição assinaram um acordo de convivência sob mediação  europeia, com destaque para a França, a Alemanha e a Polónia, neste caso representada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Radoslaw Sikorski. Sublinha-se este nome porque muito recentemente defendeu a entrega de armas nucleares à Ucrânia para serem usadas contra a Rússia.

O acordo de nada valeu. Foi o primeiro caso conhecido, no processo ucraniano, de assinatura de um entendimento pacificador e de estabilização da democracia assinado por dirigentes da União Europeia para ser violado logo a seguir. Ficou aberto um precedente na demonstração de que os dirigentes da Europa monopolizadora da «democracia» não honram os acordos que assinam no âmbito internacional: em linguagem comum poderá dizer-se, sem receio de atentar contra a realidade, que agem como trapaceiros.

«Para desestabilizar e derrubar a estrutura governativa montada pelo presidente em funções, que derrotara eleitoralmente a simpatizante nazi/banderista Yulia Tymochenko, foi lançada mais uma "revolução colorida" depois de Yanukovych ter optado por uma Ucrânia independente, equidistante da União Europeia e da Rússia, ao decidir pôr de lado o desigual acordo "de associação" com a União Europeia, altamente lesivo para os interesses reais dos ucranianos.»

Para Washington, o acordo nunca existiu e a «revolução da Praça Maidan» ou «Euromaidan», também denominada «revolução da dignidade» ou «continuação da revolução laranja», intensificou-se a partir de Fevereiro de 2014, nessa altura conduzida já por forças de assalto interpretando as correntes nazis que ficaram fundidas no nacionalismo integral desde os tempos do colaboracionismo com Hitler. 

Grupos esses que não esconderam a idolatria pelos dirigentes nacionalistas que actuaram ao lado das tropas do III Reich invasoras da URSS, participando em chacinas de dezenas de milhares de pessoas. Stepan Bandera, Andriy Melnik, Roman Shukhevych, Yaroslav Stetsko foram alguns desses criminosos de guerra, transformados em «heróis da Ucrânia» depois da independência.

Como pretexto para o golpe, o presidente Yanukovych foi declarado «corrupto», por sinal uma característica endémica na elite política ucraniana; mas, sobretudo, pagou o preço pelo facto de desobedecer aos putativos proprietários estrangeiros do país e de ter revogado – ainda que de maneira transitória – o título de «herói da Ucrânia» outorgado ao terrorista nazi Bandera. O presidente legítimo acabou deposto na sequência da conspiração internacional «Euromaidan», que nada teve de democrática; foi antes, de facto, um golpe de Estado contra a democracia, contra a vontade sentida e expressa pelo povo ucraniano, no qual o papel operacional decisivo foi desempenhado por grupos que não escondem a cultura e a prática nazis. «Se não fossemos nós, a revolução teria sido uma parada gay», explicou Yehven Karas, aliás «Vortex», chefe do agrupamento terrorista nazi C14, agora designado Fundação para o Futuro.

|

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado.

Manifestantes neonazis do Svoboda (Liberdade) e Pravyi Sector (Sector de Direita) protestam em Kiev
Créditos / REUTERS

2. A «democracia liberal» guiada pela «raça pura»

«Os meus homens alimentam-me com os ossos de crianças que falam russo»
(Dmytro Kotsyubaylo, comandante do grupo nazi Sector de Direita, condecorado como «herói nacional» pelo presidente Zelensky)

«Não há nazismo nem banderismo na Ucrânia», proclamam analistas, comentadores, especialistas, jornalistas, historiadores e outros bruxos da modernidade que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. É verdade que nem sempre a realidade e os factos se ajustam à sua eminente sabedoria, estratificadora da opinião oficial e única, mas a ignorância, a cegueira e má-fé são sempre dos outros, que se atrevem a ter posições diferentes, mesmo que sejam sustentadas por sólida investigação. Mas que culpa têm eles que assim seja? A realidade e os factos é que estão errados.

|

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Uma atitude como esta não é sequer uma minimização da realidade nazi ucraniana, admitindo-a como um fenómeno marginal, uma espécie de folclore inconsequente e bizarro. É antes uma negação, uma perigosa negação que vai muito além de qualquer desejado efeito de propaganda; indicia que é possível conviver com um regime nazi – e apoiá-lo – sem que uma tal promiscuidade traga consequências. Mais do que isso, no caso presente recorre-se ao nazismo como instrumento para atingir objectivos próprios, os chamados «nossos interesses», contra qualquer coisa «maléfica» que pretende destruir a civilização «perfeita e superior» que construímos.

Os resultados da complacência perante o nazismo alemão e até a esperança de que liquidasse o grande inimigo ocidental de então – a União Soviética – originou a tragédia da Segunda Guerra Mundial. Além de irresponsáveis perante tão retintas manifestações de nazismo a que assistimos, os dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia são profundamente ignorantes em História, arrastando-nos para a tragédia latente que decorre dessa inconsciência.

Batalhão SS 201 Schutzmannschaft, constituído por nazis ucranianos e alemães. Roman Shukhevych é o segundo à esquerda, na primeira fila. A unidade distinguiu-se pela repressão de judeus e partisans bielorussos  Créditos

Continuando o desfile de «heróis nacionais» ucranianos com um passado «patriótico» e exterminador, esbirros que estiveram ao serviço de Hitler e desejaram uma Ucrânia independente totalitária e etnicamente «pura», Roman Shukhevych é outro dos venerados pelos terroristas de Kiev. Na Ucrânia de hoje tem estátuas, um museu memorial, moedas cunhadas em sua honra, o nome de importantes ruas em várias cidades e até em dois estádios1 – Lviv e Ternopil2.

A última pessoa a ser o seu contacto operacional, já durante a acção clandestina contra a União Soviética guiada pelos serviços secretos ocidentais, e na sequência da qual Shukhevych viria a morrer em 1950, foi Daria Gusyak, falecida o ano passado. Gusyak fez parte da direcção do Congresso dos Ucranianos Nacionalistas, partido neonazi fundado em 1993 por Slava Stetsko3 e, a pedido desta, fundou uma organização do actual regime seguidora do nacionalismo integral, designada Liga das Mulheres Ucranianas, que dirigiu até ao fim da vida.

Shukhevych comandou operacionalmente a OUN (B) (Organização dos Nacionalistas Ucranianos, facção Bandera) e a UPA (Exército Insurgente Ucraniano) na segunda metade da invasão alemã da União Soviética, período durante o qual a limpeza étnica do território ucraniano e de áreas da Bielorrússia4 teve alguns dos seus episódios mais sangrentos. Por exemplo a chacina de Huta Pieniacka, em 28 de Fevereiro de 1944, na qual as hostes de Shukhevych e a 14.ª Divisão das SS ucranianas mataram mais de mil pessoas. Vinte e cinco mil a trinta mil polacos foram assassinados durante essa fase na região da Galícia Oriental.

Enquanto ordenava, através do comando da UPA, que «combatam os polacos impiedosamente, ninguém deve ser poupado, nem mesmo os casamentos mistos», Shukhevych declarava em 25 de Fevereiro de 1944: «Devido ao êxito das forças soviéticas é preciso acelerar a liquidação dos polacos, eles devem ser totalmente exterminados, as suas aldeias queimadas».

Antes de ascender ao comando da UPA, em certa medida porque Bandera foi preso e enviado para a Alemanha (embora em condições principescas), porque nem sempre o Estado ucraniano foi considerado «útil» e «oportuno» pelos chefes militares do Reich, Shukhevych esteve integrado no exército alemão, a Wehrmacht;  contribuiu então para a formação de dois batalhões ucranianos, Nachtigall5 e Roland, que entraram em território soviético com as tropas nazis.

O historiador sueco-americano Anders Rudling, da Universidade de Lund, deixou uma pergunta que mereceria reflexão, até dos donos da verdade, sobre o desenvolvimento do nacionalismo integral ucraniano e a sua relação com os acontecimentos dos dias que vivemos6: «Será possível fazer de Shukhevych um herói nacional sem legitimar a ideologia da organização que dirigiu?». Uma resposta consciente faria estilhaçar mitos cultivados irresponsavelmente e que deixam a humanidade à beira da maior das fatalidades.

Dois soldados SS colaboracionistas ao serviço dos alemães, diante de judeus assassinados, no ghetto de Varsóvia. Nacionalistas ucranianos participaram na liquidação do ghetto de Varsóvia, em 1943. Créditos

Branquear o que não tem branqueamento

Os historiadores oficiais ucranianos tentam actualmente branquear a biografia de Shukhevych e de outros terroristas colaboracionistas, alegando que converteu o programa da OUN ao pluralismo político, constituiu uma plataforma de unidade com outros movimentos ucranianos e abandonou o extermínio de judeus. Faltam, porém, dados e documentos convincentes que comprovem essas versões7

Em 2006, na sequência da «revolução laranja» promovida pelos Estados Unidos, o presidente Yushenko, qualificado como «pró-europeu», designou o alegado historiador Volodymyr Viatrovych como chefe dos arquivos centrais dos Serviços ucranianos de Segurança8. A sua missão foi a de adaptar as biografias dos «heróis nacionais» venerados pelo regime actual, tornando-as mais compatíveis com um tipo de discurso tolerável pelos aliados e protectores de Kiev9. Situações e ocorrências como o anti-semitismo da OUN e os massacres de polacos, designadamente, quase desapareceram das biografias oficiais de Shukhevych, Bandera e outras figuras. Nelas figuram praticamente em exclusivo os papéis desempenhados por conta de serviços secretos ocidentais contra a União Soviética10.

|

Parlamento ucraniano aprova a proibição dos partidos da oposição

Sem a presença dos deputados da oposição, suspensos por Zelensky, o resultado da votação era um dado adquirido. Partidos acusados de tendências «pró-russas» serão proibidos em definitivo, para lá da lei marcial.

Volodymyr Zelensky 
Créditos / Serviços de imprensa ucranianos

A vida do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acaba de ficar relativamente mais fácil. Seguindo o método dialético de Manuela Ferreira Leite (numa teoria formulada aquando da sua liderança do PSD), de vez em quando, o melhor mesmo é suspender a democracia durante seis meses, «mete-se tudo na ordem e depois, então, venha a democracia».

|

Zelensky suspende a actividade de 11 partidos políticos na Ucrânia

A pretexto da lei marcial, Zelensky proibiu hoje 11 partidos políticos, do centro à esquerda, na Ucrânia, incluindo o maior da oposição. A extrema-direita, por seu lado, não vê qualquer restrição à sua actividade.

Volodymyr Zelensky, presidente da república da Ucrânia, reúne com os homólogos da República Checa, Polónia e Eslováquia. Kiev, Ucrânia, 15 de Março de 2022 
CréditosGoverno da Ucrânia / EPA/Agência Lusa

«Primeiro vieram buscar os comunistas (...)», lembrava Bertolt Brecht, e agora, por fim, levam o que restava do centro/centro-esquerda ucraniano. O processo de «descomunização», em marcha desde 2015, que resultou na ilegalização e perseguição do Partido Comunista da Ucrânia, aproveita o contexto da guerra para afastar os restantes rostos da oposição anti-NATO/anti-corrupção ao governo de Zelensky.

Sob pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», uma narrativa rapidamente adoptada pelos meios de comunicação ocidentais, 11 partidos, com ou sem assento parlamentar, foram impedidos de exercer a sua função principal numa democracia: exercer a representação política dos seus eleitores e militantes.

O Ministério da Justiça terá agora de «tomar imediatamente medidas abrangentes para proibir as actividades desses partidos políticos».

No princípio de Fevereiro o partido ucraniano "Socialistas" ainda celebrava a maioria absoluta de António Costa nas últimas eleições legislativas. O partido, que há muito denunciava os atentados do regime de Kiev contra a liberdade de imprensa e liberdades políticas, foi agora proibido sob a acusação de "pró-russo" - um chapéu usado nos últimos anos para extinguir as vozes da oposição democrática e meios de imprensa adversos no país. Kiev, 20 de Março de 2022 Créditos

A explicação dada pelo presidente ucraniano, numa declaração proferida hoje, 20 de Março, na qual anuncia o prolongamento da lei marcial por um novo período de 30 dias, falha na prova dos factos. Muitos destes partidos, acusados de pró-russos, participam activamente na defesa da Ucrânia. Há pouca margem para interpretar esta acção que não seja a de afastar o que resta da oposição ao seu mandato, e aos interesses que ele serve.

A Plataforma de Oposição - Pela Vida, que nas eleições parlamentares de 2019 ficou em segundo lugar, com 13,05% dos votos e 43 assentos no parlamento, não só denunciou publicamente a invasão da Rússia, chegando mesmo a expulsar um deputado por não o fazer e remover um vice-presidente com ligações a Vladimir Putin, como incitou à participação nas milícias de defesa do país. Nada impediu a suspensão.

No caso do Socialistas, trata-se de um pequeno partido político pró-União Europeia [ver foto em caixa] que defende a reintegração da Crimeia na Ucrânia, ao mesmo tempo que defende a nacionalização de vários importantes sectores da economia ucraniana e o combate à corrupção nas instituições governamentais.

O verdadeiro crime destas formações políticas, algumas com quase 30 anos de actividade, foi, em alguns casos, continuarem a defender posições anti-NATO ou representarem as populações russófilas do país,  enquanto outros, apoiantes do projecto europeu, se limitam a defender uma solução pacífica para o conflito no Donbass e se opõem aos ímpetos privatizadores do governo de Zelensky.

O projecto iniciado em Maidan, em 2014/15, concluiu finalmente uma das suas principais ambições políticas: afastar todos os grupos partidários que contestem a hegemonia dos interesses económicos norte-americanos na Ucrânia.

Para além da Plataforma de Oposição - Pela Vida, também os partidos Sharia, Nosso, Bloco de Oposição, Oposição de Esquerda, União das Forças de Esquerda, Estado, Partido Socialista Progressista da Ucrânia, Partido Socialista, Socialistas e Bloco de Volodymyr Saldo, foram suspensos.

A necessidade de uma «política de informação unificada» levou Zelensky a assinar um decreto que funde todos os canais de informação, públicos e privados, num único órgão informativo, sob gestão da presidência da república da Ucrânia.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Zelensky, no entanto, decidiu ir mais longe. Depois da experiência do último mês, com a suspensão de todos os partidos políticos da oposição de centro e centro-esquerda (sem nunca tocar nos sacrossantos direitos dos partidos da extrema-direita), o parlamento ucraniano deliberou proibir, em definitivo, a oposição.

Nas suas redes sociais, Olena Shuliak, presidente e deputada do partido Servo do Povo (pelo qual Zelensky se fez eleger) manifestou a sua satisfação pela aprovação da proposta: «Finalmente vamos parar de tolerar o 'mundo russo' dentro dos nossos círculos políticos, que só trazem destruição à Ucrânia».

Quando dá jeito, qualquer opositor é «pró-russo». Por seu lado, a extrema-direita prossegue, intocável

A pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», o novo projecto de lei (n.º 7172-1) permite a ilegalização de partidos, a cessação dos mandatos de representação, sejam ao nível local ou nacional, e o confisco de toda a propriedade registada pelos partidos visados.

|

Combate à glorificação do nazismo volta a não contar com o apoio de EUA e aliados

A Assembleia Geral da ONU adoptou, de forma esmagadora, a resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do nazismo», que voltou a não contar com o apoio dos países da NATO.

Créditos / peacekeeping.un.org

Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quinta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 49 abstenções.

Entre as abstenções, inclui-se a de Portugal, a dos estados-membros da União Europeia e dos países que integram a NATO.

Quadro com a votação da resolução de combate à glorificação do nazismo, esta quinta-feira, na Assembleia Geral da ONU / @RussiaUN

A resolução proposta pela Rússia apela aos estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para que «eliminem todas as formas de discriminação racial por todos os meios adequados», incluindo a via legislativa, e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS».

De acordo com uma nota publicada no portal na ONU, o texto refere-se, também, à «construção de monumentos e memoriais», e à «celebração de manifestações em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo» – algo que ocorreu nos últimos anos em países como a Ucrânia, a Letónia, a Estónia, a Lituânia e a Polónia.

Grigory Lukiantsev, director-adjunto do Departamento de Cooperação Humanitária e Direitos Humanos do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, disse que a adopção da resolução será um contributo real para a erradicação do racismo e da xenofobia, refere a TASS.

|

Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga

Cerca de mil pessoas participaram no desfile do Dia do Legionário em homenagem aos mais de 140 mil letões que integraram unidades nazis. A diplomacia russa classificou a marcha como uma «vergonha».

Marcha do Dia do Legionário, em Riga, capital da Letónia (16 de Março de 2019)
Créditos / Sputnik

O Dia do Legionário, a 16 de Março, é assinalado na Letónia desde os anos 90, para homenagear e evocar aqueles que fizeram parte da Legião da Letónia na Waffen Schutzstaffel (Tropa de Protecção Armada, mais conhecida como Waffen-SS).

A marcha deste ano, em Riga, contou com a participação de alguns veteranos legionários, que integraram a 15.ª e a 19ª divisões de Granadeiros da Waffen-SS, bem como de apoiantes e neonazis. O evento anual, que tem sido criticado a nível internacional como uma forma de «glorificação do nazismo», também mereceu oposição interna, com alguns manifestantes a exibirem cartazes em que classificavam a Legião como uma «organização criminosa» e a lembrar que «lutaram ao lado de Hitler», segundo refere o periódico Haaretz.

A Embaixada da Rússia no país do Báltico condenou a marcha de homenagem aos legionários da Waffen-SS, que classificou como «uma vergonha». Na sua conta oficial de Twitter, a Embaixada afirmou, no sábado: «Que vergonha! Veteranos da Waffen-SS e apoiantes estão novamente a marchar com honra no centro de uma capital europeia. E isto acontece na véspera do aniversário dos 75 anos da libertação de Riga dos invasores nazis!»

Também a Embaixada da Rússia no Canadá se manifestou no Twitter contra o desfile realizado em Riga: «Veteranos da Waffen-SS nazis e apoiantes marcham desafiantes e livremente no dia 16 de Março em Riga, Letónia, recohecidos pelas autoridades como heróis nacionais. Uma realidade ignorada por muitos no Ocidente que não pode ser descartada como "propaganda do Kremlin".»

A Waffen-SS, que foi criada como um ala armada do Partido Nazi alemão, foi considerada uma organização criminosa nos julgamentos de Nuremberga, após a Segunda Guerra Mundial, pela sua ligação ao Partido Nazi e envolvimento em inúmeros crimes de guerra e contra a Humanidade.

Glorificação do nazismo e reescrita da história

A Legião da Waffen-SS da Letónia foi fundada em 1943. Muitos dos seus membros viriam a integrar depois, juntamente com combatentes da Lituânia e da Estónia, os chamados Irmãos da Floresta, que até 1953 lutaram contra as tropas soviéticas nos países bálticos.

Em Julho de 2017, a NATO publicou um vídeo que apresenta, com visível dose de heroísmo, essa guerrilha anti-soviética, sem mostrar grande preocupação pelo facto de, nessas forças, estarem integrados muitos legionários das SS nazis ou os que, nos países bálticos, haviam colaborado com as forças invasoras nazi-fascistas.

Repúdio da Rússia

Então, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pediu que «se veja com respeito as páginas trágicas da história e se repudie tão repugnante acção da Aliança Atlântica». Disse ainda esperar que «não seja necessário recordar os assassinatos massivos perpetrados por muitos dos membros dos Irmãos da Floresta».

Por seu lado, a representação da Rússia junto da NATO considerou que o material fílmico constitui uma nova tentativa de reescrever a história, para a colocar de acordo com os processos políticos nas ex-repúblicas socialistas do Báltico, onde prolifera o neofascismo e o nacionalismo.

Moscovo tem reafirmado a sua preocupação sobre o surgimento de grupos neonazis e acerca de políticas que glorificam colaboradores com o nazismo na Ucrânia, na Polónia e nos Estados Bálticos – países onde, refere a agência Sputnik – são frequentes as marchas em louvor de destacadas figuras fascistas.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Acrescentou que o texto sublinha a inadmissibilidade de «glorificar os envolvidos nos crimes do nazismo, incluindo o branqueamento de ex-membros da organização SS e das unidades Waffen-SS, reconhecidas como criminosas pelo Tribunal de Nuremberga».

A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas tem votado sempre contra a resolução apresentada pela Rússia, alegando que se trata de um documento que legitima as «narrativas de desinformação russa» e «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo».

No contexto da votação realizada há um ano, o embaixador norte-americano afirmou ainda que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

A decisão foi aprovada com o voto favorável de 330 deputados. Apenas 17 votaram contra. O parlamento da Ucrânia (ou Rada) continua a funcionar, desde finais de Março, com um número reduzido de deputados (num total de 450), já que várias dezenas estão impedidos de cumprir o mandato para o qual foram eleitos por milhões de ucranianos, no mesmo sufrágio que legitima Zelensky.

Qualquer partido que adopte posições, como parte da sua linha programática, que justifiquem, considerem legal e neguem o ataque da Rússia à Ucrânia, ou aceitem a conduta de militantes «pró-russos» nas «zonas temporariamente ocupadas» (em que se incluem as populações separatistas do Donbass e Crimeia), será imediatamente proibido.

Uma democracia não-representativa

A capote desta lei, fica permanentemente proibida a defesa partidária do direito à autodeterminação dos povos do Donbass e da Crimeia, zonas com grandes populações russófonas e que votaram maioritariamente, em 2019, num dos partidos que será agora proibido: a Plataforma de Oposição - Pela Vida.

|

(Neo)fascismo, antifascismo e transição autoritária

Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.

Manifestação antifascista e antirracista em Lisboa, a 6 de junho de 2020 (foto de arquivo)
CréditosManuel de Almeida / LUSA

O fascismo nasceu como um novo produto ideológico das direitas do século XX, com uma origem e uma génese específicas na Itália do pós-I Guerra Mundial. Conquistou, contudo, o seu lugar na História justamente porque ganhou dimensão internacional, fascizando o corpus doutrinal de outras direitas em muitos contextos nacionais diferentes.1 Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário2 no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista).

«Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista)»

Nos estudos do fascismo desenvolveram-se, entre muitos, dois debates clássicos que permanecem muito úteis para discutimos a extrema-direita que dele é herdeira. Em primeiro lugar, a distinção entre fascismo-movimento e fascismo-regime, isto é, entre os períodos e os contextos em que ele (ainda) não se constituiu como regime e ideologia de Estado e os que, sobretudo depois da nazificação da Alemanha a partir de 1933, tal acontece um pouco por toda a Europa; nos nossos dias, isto significa estudar a diferença entre as direitas radicais na oposição e no poder. Em segundo lugar, a aplicabilidade do conceito a uma grande variedade de casos nacionais – fascista foi apenas o partido e o regime de Mussolini?, ou devem também ser considerados como tal o nazismo, o franquismo, o salazarismo, o regime ustasha na Croácia, entre muitos outros? –, e contextos históricos – o fascismo teve a sua época, como lhe chamou Thomas Mann, e esta terminou definitivamente com a derrota militar nazi de 1945?, ou, sob muito variadas formas, foram e são neofascistas ou pós-fascistas movimentos, partidos e formas de governo que se desenvolveram/impuseram uma vez passada a época do fascismo, desde as extremas-direitas europeias mais clássicas (francesa, italiana, alemã), às formas ideológicas e orgânicas presentes em ditaduras reacionárias dos últimos 75 anos (sobretudo as latinoamericanas e as duas ibéricas nas suas versões adaptadas a um mundo de que havia desaparecido já qualquer esperança de uma Nova Ordem fascista), até às direitas radicais (demasiado) frequentemente descritas como populistas do século XXI?

Continuidades ou diferença?

Diferenças de contexto, comunidade ideológica e perceção de continuidades são questões essenciais tanto para analisar as experiências políticas da época do fascismo (1922-45), como para discutir as direitas extremas dos nossos dias. A posição maioritária, e que vem ganhando contornos hegemónicos, é a de sublinhar a diferença entre as novas extremas-direitas, que julgamos conhecer melhor porque com elas vivemos, e aquelas que há cem anos cunharam o nome de fascismo. Antes de mais, esta parece-me a atitude intelectual mais fácil de assumir: em contextos inegavelmente diferentes, os objetos que neles encontramos parecem-nos também eles diferentes, pelo que a perspetiva com que, à partida, os abordamos é a da verificação da diferença face a outros objetos que já conhecemos, antes de mais por não termos sido contemporâneos dos objetos do passado, que nos são inevitavelmente mais estrangeiros (como lhes chama David Lowenthal) que os do presente. Dizia Eric Hobsbawm que «a maioria dos seres humanos opera como os historiadores: só retrospetivamente conseguem reconhecer a natureza da sua experiência.»3 É evidentemente difícil conseguir dar um nome adequado ao que vivemos enquanto o vivemos. Por outro lado, muita da discussão que hoje fazemos sobre a natureza da extrema-direita é a mesma que se vem fazendo há décadas sobre a natureza dos regimes autoritários da época do fascismo, e resulta, afinal, de saber-se que grau de flexibilidade é admissível no uso das categorias políticas. Por norma, aqueles que negam que ditaduras de direita do período de entre guerras, como a salazarista, tenham sido versões nacionais de um fascismo como fenómeno internacional, não se perguntam se são hoje igualmente democráticos regimes tão diferentes como o indiano ou o francês, e se já o era o sistema político norteamericano em 1776 ou em 1865. A pergunta nada tem de retórico uma vez que a Ciência Política mainstream tende a dar-lhe uma resposta positiva em todos os casos, ao mesmo tempo que entende que eram tão comunistas e totalitários (para usar um vocabulário hegemónico que não é o meu) o regime soviético em qualquer dos seus ciclos históricos, o dos Khmeres Vermelhos ou a Revolução Cubana, entre muitos outros exemplos. Porque se aplica, então, um grau tão amplo de flexibilidade para falar de democracia ou de comunismo e uma perspetiva tão restritiva para falar de fascismo? A resposta é simples: porque se aceita quase sempre trabalhar com conceitos genéricos de democracia e de comunismo e, pelo contrário, se recusa fazer o mesmo com o fascismo.

«se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo?»

Para o que aqui nos ocupa, a questão é saber se, e quais, direitas extremas dos nossos dias são neofascistas, isto é, se são a versão do fascismo adaptada às condições específicas (mas muito diferentes entre si) de sociedades do século XXI marcadas pelo agravamento generalizado da desigualdade social e da perda de representatividade dos sistemas políticos. Nesta nova fase da globalização capitalista que coincide com o triunfo do neoliberalismo desde os anos 1980, são a retórica ocidentalista e o racismo culturalista dos nossos dias, empapados do Choque de Civilizações de Huntington, herdeiros do discurso da decadência do Ocidente de Spengler4 dos anos 20 que enformou a mundivisão fascista? A normalização do discurso xenófobo e racista, agravada com a chamada crise dos refugiados da última década (especialmente dos anos 2015-16), partilha a mesma mundivisão do fascismo na sua época? Há ou não continuidade entre o racismo politicamente organizado da primeira metade do século passado e o dos nossos dias, que alimenta movimentos políticos que, nos países mais ricos do Ocidente, se estruturam especificamente em torno do discurso xenófobo (contra o imigrante ou o refugiado, contra as minorias muçulmanas e ciganas), disfarçado de culturalismo determinista (hoje a «inassimilabilidade» do muçulmano ou do cigano, antes a do judeu)?

Para que serve dar um nome ao que vivemos?

Não pretendo fazer aqui uma discussão detalhada em torno da terminologia mais adequada para categorizar a extrema-direita que vem avançando por todo o Ocidente, não desde o Brexit ou a eleição de Trump, em 2016, mas desde pelo menos há 25 anos, desde que a direita radical começou o assalto ao poder nos países pós-comunistas, na Europa ocidental, a começar pela Itália, com a chegada de Berlusconi ao poder (1994) aliado (como por toda a parte acontece com a direita clássica) com a extrema-direita, ou nos EUA, quando a radicalização à direita do Partido Republicano levou ao poder George W. Bush (2000). Limito-me a contestar a validade do uso (em geral, puramente confrontacional) da categoria de populismo, mesmo que adjetivado como sendo de extrema-direita, expressão que, mimetizando o uso vulgar do totalitarismo, presume que existem tantos populismos quantos discursos antissistémicos se fizerem à esquerda e à direita; bem como a aplicabilidade do conceito de pós-fascismo para sob a sua capa se reunirem movimentos que «já não são fascistas [porque] surgiram depois da consumação da sequência histórica dos fascismos clássicos», dos quais «se emanciparam, ainda que na maioria dos casos o conservem como matriz». Impressiona-me que um historiador como Enzo Traverso, apesar de reconhecer que «Mussolini e Hitler chegaram ao poder por via legal», aceite que «a vontade [deles] de derrubar o Estado de Direito e apagar a democracia estava fora de discussão» permite marcar uma diferença essencial com a atitude da extrema-direita dos nossos dias, que, segundo Traverso, «quer transformar o sistema a partir de dentro, enquanto o fascismo clássico queria mudar tudo»5. Neste âmbito, se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo? Mesmo não afirmando querer pôr em causa a natureza liberaldemocrática dos regimes, a extrema-direita no poder (e fora dele) ataca liberdades e direitos individuais e coletivos, coloniza o poder judicial, as forças de segurança e militares, propõe a ilegalização de forças políticas, a perseguição de organizações/movimentos associados a minorias étnicas, e assume práticas ultrassecuritárias contra inimigos internos (as minorias, os migrantes) e externos. Chamar, como está em voga, iliberal (como Fareed Zakaria) a este processo político parece-me muito menos adequado que nele reconhecer o liberalismo autoritário típico dos estados em transição para o autoritarismo. Um regime em transição muda inevitavelmente de natureza ao fim de algumas etapas; uma democracia em transição autoritária deixará sempre de ser democrática a menos que o processo seja revertido. Não creio ser razoável definir o ritmo da transição como indicador da natureza diferente do horizonte final da transição; a democratização social, como processo transicional que também é, produziu resultados muito diferentes e muito incompletos em países aos quais, em geral, vejo pouca gente recusar chamar democracias. Da mesma forma, a tese que deduz que as diferenças estruturais dos contextos históricos do fascismo na sua época (1922-45) e aquele em que hoje se expande a extrema-direita são obstáculo suficiente para não a podermos considerar neofascista, deveria para ser aceitável obrigar quem a sustenta a recusar falar hoje de democracia em contextos tão radicalmente diferentes do da Atenas do século V a.C.; ou, por comparação com o contexto bolchevique de 1917-18, chamar comunista aos partidos que, em estados liberaldemocráticos, disputam eleições e chegam a partilhar o poder sem propriamente subverter «por dentro»...

Antifascismo sem (neo)fascismo?

E chegamos ao antifascismo. Sem se assumir haver uma continuidade entre as direitas extremas de há cem anos (fascistas) e as de hoje (neofascistas), não será viável estratégia alguma de reativação do antifascismo como cultura política e frente social de resistência ao ataque às três grandes conquistas de 1945: a construção da democracia social e a gradual (ainda que, uma vez mais, sempre incompleta) emancipação das classes trabalhadoras; a fundação da democracia sobre a rejeição radical das mundivisões racistas que conduziram a Auschwitz, da dominação colonial e da opressão de todas as minorias étnicas; a emancipação das mulheres de todas as culturas e de todos os continentes, de metade da Humanidade, motor das batalhas por outras emancipações, bem mais tardias, das subjetividades oprimidas definidas em torno da identidade sexual. Sem constituir em si mesmo um movimento político e social próprio, o antifascismo foi uma plataforma de resistência à expansão do fascismo e à subsequente dominação por ele imposta. O que, contudo, marcou a sua identidade na história foi a tomada de consciência de que, quer na Guerra de Espanha (1936-39), quer quando se começou a percecionar coletivamente a possibilidade efetiva de derrotar a Nova Ordem fascista, a luta antifascista era irreversivelmente uma luta pela reconstrução da democracia muito para lá dos estritos objetivos de liberais imperialistas como Churchill, De Gaulle ou Roosevelt, que lutaram contra o expansionismo de Hitler, Mussolini e Tojo mas que não pretendiam nem descolonizar, nem democratizar mais do que a reposição reformada dos termos estruturais do liberalismo oligárquico de 1939.6

«Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história.»

Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história. Como aliança historicamente contingente entre as duas grande famílias ideológicas que, por motivos diferentes, se reviam na Revolução Francesa (o liberalismo e o socialismo), e de uma terceira que o fazia relativamente à Revolução Russa (o comunismo), a aliança antifascista das Nações Unidas (a designação que os aliados de 1941 se deram a si próprios) dividiu-se mal a ameaça fascista foi militarmente eliminada, em 1945, e em torno das mesmas questões que tinha dividido as suas componentes no passado (a dominação burguesa, a natureza intrínseca da desigualdade capitalista, a resistência liberal à democratização social, o imperialismo). É ainda nesse ciclo que nos encontramos: forças políticas muito diferentes podem partilhar (ou melhor, ter partilhado) uma mesma cultura antifascista, mas legitimamente não partilham os mesmos modelos de sociedade.

Instrumento central para a defesa de um conjunto articulado de pressupostos democráticos sem os quais se vive automaticamente em ditadura socialmente reacionária, o antifascismo-movimento só se reativará quando os democratas percecionarem coletivamente o perigo, a ameaça (neo)fascista. Se continuarem convencidos que Le Pen, Salvini, Abascal e Ventura, como antes Trump ou Bolsonaro, não passam de figuras efémeras de um ressentimento punitivo e irracional com os quais se pode coexistir porque não querem, ou não conseguem, destruir os regimes liberaldemocráticos dentro dos quais operam, a luta política continuará a ser feita sem recurso ao frentismo antifascista – o mesmo que demorou a mobilizar, uma quinzena de anos passados sobre a ascensão de Mussolini ao poder. O novo ciclo histórico em que entrámos, de neuropolítica7, ansiedade coletiva, recessão económica sem precedentes e securitização global que a gestão política da pandemia tem vindo a acentuar, parece, aliás, ter tudo para facilitar transições autoritárias e dificultar a mobilização antifascista. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

  • 1. Manuel Loff, "O nosso século é fascista!" O mundo visto por Salazar e Franco (1936-1945), Porto: Campo das Letras, 2008.
  • 2. Daniel Woodley, Fascism and Political Theory. Critical Perspectives on Fascist Ideology, Londres/NY: Routledge, 2010.
  • 3. Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos. História breve do século XX, 1914-1991, Lisboa: Presença, 1996.
  • 4. Der Untergang des Abendlandes: Umrisse einer Morphologie der Weltgeschichte, 2 vols., Viena: Braumüller, 1918, e Munique: C. H. Beck, 1922. Edição em português: A decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
  • 5. Enzo Traverso, Las nuevas caras de la derecha, trad. esp., Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2018, pp. 12, 18 [a edição original, contudo, intitula-se Les nouveux visages du fascisme, Paris: Textuel, 2017].
  • 6. O conceito de «antifascismo contrarrevolucionário» que Michael Seidman aplica àquelas três personagens e ao conjunto dos setores sociais que, nos EUA e nos Impérios britânico e francês, se empenharam na derrota dos nazis mas que, ao modo de Fukuyama, só teriam «[obtido] uma vitória completa quando o comunismo soviético se derrubou em 1989»(Antifascismos, 1936-1945. La lucha contra el fascismo a ambos lados del Atlántico, trad. esp., Madrid: Alianza, 2017, p. 27), parece-me essencialmente ahistórico por omitir a natureza de disputa imperial presente na guerra de Hitler contra as potências ocidentais.
  • 7. Engin F. Isin (2004), «The neurotic citizen», Citizenship Studies, 8:3, pp. 217-235.
Tipo de Artigo: 
Opinião
Lead de destaque: 
Com a republicação deste artigo de Manuel Loff assinalamos, neste dia 9 de Maio, os 79 anos da derrota do nazi-fascismo, na qual o Exército Vermelho e a União Soviética tiveram um papel determinante.
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Na mesma sessão, anunciaram os deputados Yaroslav Zhelezniak e Olha Sovhyria (o primeiro do partido Holos, da direita liberal, e a segunda do partido de Zelensky), foi aprovado um projecto de lei que proíbe a tomada de posições entendidas como sendo «pró-russas» na aplicação de mensagens instantâneas Telegram.

Este é o segundo momento, no período que se seguiu ao golpe de estado de 2014, em que partidos políticos são proibidos na Ucrânia, depois da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia em 2015 (à altura com 32 deputados, eleitos por 2 687 246 eleitores).

Zelensky dá continuidade ao seu trabalho na área da representação, interpretando, à letra, o poema de Bertold Brecht: «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)». Apenas resta saber, após a nova vaga, qual será o próximo grupo político a ser perseguido no país. Por enquanto, a extrema-direita não vê ser entreposto qualquer entrave à sua acção política e paramilitar.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Porém, as instituições de memória nacional da Polónia, pouco respeitadas pelo regime da NATO em vigor em Varsóvia, registam que a OUN (B), também sob o comando de Shukhevych, decidiu em Fevereiro de 1943 expulsar todos os polacos da região da Volínia para obter um «território etnicamente puro», incitando a «matar polacos e judeus-moscovitas».
E se, por hipótese remota, Shukhevych se converteu ao «pluralismo», devemos então deduzir que os seus herdeiros de hoje, comandados nominalmente pelo herói ocidental Zelensky, regrediram nesse aspecto. O regime, como se sabe, proibiu todos os partidos de oposição11 – o último foi o Partido Socialista – supostamente por terem apoiado os acordos de paz de Minsk, assinados pelo governo de Kiev. Recorda-se que a glorificação da violência foi um dos princípios fundadores do Estado ucraniano em Junho de 1941, em Lviv, sob o alto patrocínio de Stepan Bandera e dos ocupantes alemães.

O único «pluralismo» tolerado hoje por Kiev é o da nuvem de grupos nazis que controlam as rédeas do Estado.
Roman Shukhevych, entretanto, continua a ser alvo de homenagens e festivais de vários dias em sua honra. Às celebrações de 2017, por exemplo, seguiu-se um ataque a uma sinagoga12. Apesar de o anti-semitismo estar oficialmente extinto na Ucrânia e o chefe de Estado ser «um judeu».

Dois dos 18 trabalhos do artista Roman Bonchuk, «Judeu com um porco» (na foto) e outro quadro representando um monstro a fatiar uma Torah como shawarma foram retirados após um protesto da comunidade judaica local. Ivano-Frankivsk, Fevereiro de 2022 Créditos / Twitter

Nazismo à solta

No dia 30 de Março deste ano, mais de um mês depois do início da invasão militar russa da Ucrânia, a insuspeita CNN admitiu que o Batalhão Azov, cujos membros são olhados no Ocidente como «mártires» e «resistentes», tem um «histórico de tendências nazis que não foram totalmente extintas com a sua integração na Guarda Nacional» – corpo das Forças Armadas ucranianas13.
Meios de comunicação como The Economist, The Guardian e mesmo a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, um organismo de propaganda subordinado à CIA, admitiram mais de uma vez que grupos nacionalistas e «patrióticos» têm comportamentos ao nível das práticas, da simbologia usada e do culto da «pureza da raça» que remetem para a inspiração hitleriana. 
Josh Cohen, ex-membro da USAID – instituição golpista conspirativa ao serviço do Departamento de Estado norte-americano – escreveu na revista Atlantic Council, subordinada oficiosamente à NATO, que «A Ucrânia tem um problema real com a violência de extrema-direita e não, não foi a RT (Russia Today, censurada no Ocidente) que fez esta manchete». Revelou que «o grupo neonazi C-14» é financiado pelo governo de Kiev para desenvolver «projectos de educação patriótica»14, que outras organizações nazis têm elementos desempenhando altos cargos, principalmente no Ministério do Interior, na polícia e nas Forças Armadas; e deduziu que «a impunidade da extrema-direita também representa uma ameaça perigosa ao Estado da Ucrânia». Ainda segundo Cohen, «não são as perspectivas eleitorais dos extremistas que devem preocupar os amigos da Ucrânia, mas sim a falta de vontade ou a incapacidade do Estado para confrontar os grupos violentos e acabar com a sua impunidade».

Militantes do movimento neo-nazi C-14 desfilam para assinalar o 76.º aniversário da fundação da UPA, em Kyiv, a 14 de Outubro de 2018  CréditosOleg Petrasiuk / Kyiv Post

A realidade da situação ucraniana não escapou até ao FBI, como se deduz num relatório elaborado a propósito dos supremacistas brancos norte-americanos formados nas hostes do Azov. No documento pode ler-se que este grupo «é conhecido pela sua associação com a ideologia nazi e acredita-se que tenha participado no treino e radicalização de organizações de supremacia branca nos Estados Unidos»15.

O próprio New York Times costumava qualificar os terroristas ucranianos como «abertamente neonazis», definição que adoçou muito recentemente para «organizações ultranacionalistas» quando uma delegação do Azov, chefiada por um «sobrevivente de Azovstal», em Mariupol, visitou os Estados Unidos, onde participou em sessões públicas de homenagem «e se avistou com mais de cinquenta congressistas», de acordo com um dos membros da missão. O Azov, organização treinada por militares na reserva norte-americanos, correspondendo aos interesses manifestados pela NATO, ainda é considerado oficialmente em Washington como «um grupo nacionalista de ódio».

A negação, no Ocidente, da existência de nazis e banderistas na Ucrânia é uma patética tentativa de esconder da opinião pública o gigantesco apoio a um regime que cultiva a herança de Hitler e de colaboradores ucranianos do III Reich no extermínio de centenas de milhares de pessoas, em nome de um «Estado homogéneo e puro», entre os quais se destaca o «herói nacional» Stepan Bandera.

«Eu também sou um banderista», proclamou no Facebook o chefe da Polícia Nacional, Serhiy Kryazev; «trabalho no Ministério do Interior, sou banderista e estou orgulhoso disso», declarou Zoryan Shkyriak, conselheiro do Ministério do Interior; Anton Shevchenko, porta-voz do Ministério do Interior e da Polícia Nacional, fez a mesma profissão de fé.

O vice-ministro do Interior, Vadim Troyan, veterano do Azov e do grupo Patriota da Ucrânia, declarou-se igualmente banderista, soltou um «Slava Ukraina» e pediu oficialmente «desculpas», em nome do Ministério, quando um oficial da polícia dispersou um ajuntamento de nazis e chamou «banderista» a um deles.

As informações foram divulgadas por Christopher Miller, jornalista da Rádio Europa Livre e do site Bellingcat, um dos órgãos oficiosos da NATO16. Michael Colborne, também um profissional deste site, definiu o Azov como «um perigoso movimento extremista nazi» com «ambições globais».

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país. Créditos

A verdade da ditadura

A acumulação na Ucrânia de elementos comprometedores para a «democracia liberal», conceito que domina a propaganda atlantista, é tão evidente que forçou a Rádio Europa Livre a reconhecer que a «polícia ucraniana declara admiração por colaboradores nazis». Parafraseando o atrás citado Josh Cohen, «não, não foi a RT que disse isto».

Multiplicam-se os exemplos de que o Estado ucraniano, com Volodymir Zelensky – tal como aconteceu com o seu antecessor Petro Porochenko –, está minado por organizações nazis de inspiração banderista/nacionalista integral, que actuam através da presença de membros nas estruturas de influência dos órgãos de decisão, reforçada, quando é caso disso, por acções de intimidação e chantagem que não poupam o próprio presidente. Essas nomeações não seriam possíveis sem o aval dos chefes dos departamentos mais determinantes na hierarquia do Estado17.

Azov, Aidar, Dniepr 1 e Dniepr 2, Tridente, Batalhão Donbass, Sector de Direita, C-14 e mais alguns são grupos que, em última análise, exprimem através da acção o que algumas vezes tentam desmentir no discurso oficial, isto é que são inspirados pelos «heróis» do Estado nacionalista integral fundado em 1941 sob a cobertura das tropas alemãs invasoras da Ucrânia Soviética. Uma parceria que as instituições oficiais de «memória» tentam agora esfumar através da censura de livros e do argumento segundo o qual os colaboracionistas também foram vítimas dos alemães. Desconhecem-se, porém, as provas de que alguma vez as organizações banderistas como a OUN ou a UPA tenham atacado forças militares hitlerianas.

Pelo contrário, a História real revela que Yevgeny Konovalets, fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica.

«Yevgeny Konovalets , fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica»

Primeiro presidente da OUN, Konovalets dirigira antes, a partir de 1920, a Organização Militar Ucraniana (UVO), dedicada à acção armada contra o poder soviético e também contra a Polónia, depois do fracasso da chamada «República Popular da Ucrânia» (1917-1920). Foi também precursor da aliança entre a Alemanha e os nacionalistas integrais ucranianos, mas não chegou a integrar operacionalmente os grupos colaboracionistas porque em 1938 foi vítima mortal de um atentado na Holanda, atribuído aos serviços secretos soviéticos18.

Os restos mortais de Konovalets estão hoje ao lado dos de Bandera, Melniuk e outros «heróis nacionais» da OUN/UPA numa secção especial do cemitério de Lychakivskiy, em Kiev, dedicada à «luta pela independência nacional da Ucrânia».

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado desde a independência, em 1991. Apesar de a participação nos centros de decisão ser hoje mais discreta, conduzida sobretudo nos bastidores e não tanto em cargos executivos directos, o seu poder determina as linhas de rumo do aparelho estatal no sentido nazi/banderista – o que aliás não é difícil de perceber através da institucionalização, de facto, de um sistema ditatorial: adopção de um apartheid oficial (lei dos povos indígenas), apoiado em teorias de «purificação da raça»; a supressão dos partidos de oposição; a destruição de milhões de livros ao estilo hitleriano; a violência terrorista contra os direitos de opinião, de expressão e manifestação; a homofobia e a perseguição das minorias em geral; as operações de limpeza étnica na região do Donbass; as restrições sindicais e laborais; a proibição de línguas minoritárias – e não apenas o russo; o encerramento de jornais e de cadeias de rádio e televisão, acompanhado pela imposição de uma programação única às restantes sob as ordens dos serviços de segurança; uma polícia política (SBU) sem freios; e a circulação de uma lista inquisitorial contendo os dados pessoais dos «inimigos do Estado» a neutralizar, se necessário eliminar – como tem acontecido frequentemente.

Os nazis ucranianos não inventaram a roda; os seus protectores ocidentais é que, arrastados pela necessidade de não perderem o domínio mundial, assumem o totalitarismo e a ditadura como expressões da «democracia liberal», talvez porque, como proclama o inconfundível Borrell, existem efectivamente dois pesos e duas medidas no cenário internacional. Ou, como disse o veterano criminoso de guerra Henry Kissinger, os Estados Unidos apoiam este ou aquele ditador «porque são os nossos ditadores».

Os «nossos» homens em Kiev

Andriy Biletsky, Dmytro Yarosh, Andriy Parubi, Oleh Tyahnybok e Yehvan Karas são alguns nomes da estrutura nazi que envolve e influencia os órgãos de poder ucranianos.

Quase todos eles são oriundos do Partido Nacional-Social (a designação não deixa dúvidas sobre as suas fontes ideológicas) e a partir dessa organização, depois denominada Svoboda (Liberdade), acabaram por fundar os diversos grupos que actuam no terreno, principalmente na sequência do golpe da Praça Maidan. Partilham o conceito de supremacia étnica ucraniana, a ideia de «Estado puro e homogéneo» (espelhando a herança de Dmytro Dontsov), o culto da violência e de Stepan Bandera, o nacionalismo integral, simbologias e práticas de inspiração nazi.

A maioria dos grupos nazis que se foram formando receberam grande parte dos apoios financeiros do corruptíssimo oligarca Ihor Kolomoysky, um judeu com dupla nacionalidade ucraniana e israelita proprietário da estação de televisão onde o humorista Volodymir Zelensky ganhou fama desempenhando, numa série de ficção, o papel que exerce agora na chefia do Estado. A sua campanha política foi financiada efectivamente por Kolomoysky – e agora partilham a fama devida a quem pertence à elite das grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais, como demonstra, sem espaço para equívocos, a investigação jornalística Panama Papers.

«A missão histórica da nossa nação, neste momento crítico, é liderar as raças brancas do Mundo numa cruzada pela sua sobrevivência. A cruzada contra os sub-humanos conduzidos por semitas»

Andriy Biletsky

Andriy Biletsky é conhecido como «o führer branco» e tem um elucidativo cartão de apresentação: a missão da nação ucraniana é «liderar as raças brancas na cruzada final contra os sub-humanos conduzidos pelos semitas», escreveu no livro que se tornou a bíblia dos acampamentos juvenis onde crianças e adolescentes recebem formação doutrinária nacionalista e treino militar. É um dos fundadores do Partido Nacional-Social e, posteriormente, dos seus derivados Svoboda e Patriota da Ucrânia. Mais tarde, na vertigem nacionalista integral do golpe de Maidan, Biletsky fundou o Azov e as respectivas milícias paramilitares que se incorporaram em órgãos de vigilância municipais, verdadeiros grupos de assalto e, por fim, na Guarda Nacional.


Biletsky tornou-se um dos assessores principais do primeiro-ministro Arsen Avakov, designado na sequência do golpe de Maidan pelos norte-americanos Victoria Nuland, do Departamento de Estado, e Geoffrey Pyatt, embaixador em Kiev, sob a batuta do então vice-presidente Joseph Biden, beneficiário de lucrativos negócios nos combustíveis fósseis ucranianos através do filho Hunter Biden.

A estrutura do primeiro governo depois da mudança de regime incluiu dez membros de partidos e grupos nazis. A operação golpista custou cinco mil milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos, segundo informações divulgadas pela própria senhora Nuland.

Como assessor do chefe do governo, Biletsky atribuiu ao então recém-fundado Batalhão Azov a missão de «Polícia de Patrulha de Tarefas Especiais». A organização criou para isso uma unidade nacional de vigilância territorial designada Druzhina, uma réplica das SA hitlerianas que prestou juramento perante o próprio fundador do Partido Nacional-Social.

Hoje a actuação de Biletsky processa-se mais na sombra, mas nem por isso é menos eficaz. Muito recentemente foi o organizador da marcha nacionalista sobre Kiev para «dissuadir» Zelensky de chegar a qualquer acordo com a Rússia. A iniciativa integrou-se no conjunto de acções para intimidar o presidente no caso de este se desviar da agenda nazi que, por exemplo, impediu a aplicação dos Acordos de Minsk, neste caso com as conivências dos governos da Alemanha e da França. A ex-chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês François Hollande confessaram recentemente que os Acordos de Minsk, entretanto transformados em resolução das Nações Unidas, não eram para cumprir e não passaram de meros instrumentos para a Ucrânia ganhar tempo e adquirir poder militar que lhe permitisse travar uma guerra contra a Rússia.

Dmytro Yarosh foi um dos cofundadores do Partido Nacional-Social e depois encabeçou uma das suas derivações, o Sector de Direita. Os destacamentos deste grupo de orientação nazi têm-se distinguido na retaguarda das tropas ucranianas envolvidas na guerra, «desencorajando», e mesmo fuzilando, os militares que em situação crítica perante a superioridade operacional russa tentam salvar a vida desertando.

Yarosh foi o organizador do massacre na Casa dos Sindicatos, em Odessa, em 2 de Maio de 2014. O Sector de Direita incendiou o edifício onde se tinham refugiado dezenas de manifestantes contra o golpe de Maidan e pelo menos 48 pessoas perderam a vida. Segundo o chefe dos terroristas, tratou-se de um acto «para defender toda a Ucrânia dos ocupantes internos» e «realizar a revolução nacional». Yarosh chegou a ser colocado na lista dos procurados pela Interpol inserida no site desta organização; num golpe de magia, porém, o seu nome desapareceu rapidamente do rol.

Integrando a estrutura que supervisiona na sombra o comportamento do presidente, do governo e do aparelho de Estado, Yarosh, tal como Biletsky, tem Zelensky sob mira. Foi marcante a sua declaração segundo a qual «Zelensky disse no discurso inaugural que estava pronto a perder audiência, popularidade, força (no caso de fazer acordo com a Rússia). Não», acrescentou, «ele perderia a vida, seria pendurado numa árvore qualquer em Khreschatyk no caso de trair a Ucrânia e as pessoas que morrem na revolução e na guerra. É muito importante que ele entenda isso».

Também nas palavras de Yarosh, «sinto que Zelensky é muito perigoso para nós, ucranianos»; ele «não conhece os perigos deste mundo e as suas declarações de paz a qualquer custo são perigosas para nós».

Quanto ao futuro, Yarosh quer dedicar-se à escrita «para ajudar nacionalistas e patriotas ucranianos a ter uma nova visão sobre o país numa base ideológica sólida: o legado» de figuras como Dontsov, Konovalets, Stepan Bandera, entre outros.

Oleh Tyahnybok fazendo a saudação nazi Créditos / Twitter

Para já, a sua tarefa cumpre-se visivelmente no activo. Em 2021, Zelensky nomeou Yarosh como conselheiro do chefe do Estado Maior das Forças Armadas ucranianas, general Valerii Zaluzhny. O presidente achou mais seguro «entender» as mensagens do chefe do Sector de Direita.

Andriy Parubiy é outro dos nacionalistas integrais admiradores de Stepan Bandera que fez o percurso do Partido Nacional-Social até ao Movimento Azov, passando pelo Svoboda e pelo Patriota da Ucrânia.
Em 2016, invocando sempre Stepan Bandera como referência, tornou-se chefe do Conselho de Segurança e de Defesa da Ucrânia. Foi igualmente presidente da Rada (Parlamento) através do partido do presidente Petro Porochenko, também ele ferozmente segregacionista, como se percebe consultando os seus discursos. O facto de Parubiy, oriundo do Azov, ter sido eleito pelos deputados da Rada como presidente da instituição é relevante para se perceber como o regime da Ucrânia, sobretudo pós-Maidan, atribui alguns dos mais altos cargos do Estado a banderistas confessos.

A falta de pudor é extensiva aos governos dos Estados Unidos e de países da União Europeia que receberam oficialmente Parubiy, com muita cordialidade, apesar de este nunca se ter preocupado em esconder as fotos de manifestações onde participou ostentando simbologia nazi.

É certo que, ao tornar-se deputado pelo partido de Porochenko, Andriy Parubiy teve de desligar-se formalmente do Movimento Azov. Porém, numa entrevista concedida em 2016, em pleno exercício do cargo de presidente do Parlamento, assegurou que não abdicou dos seus «valores».

Oleh Tyahnybok19 é outro membro da superestrutura nazi que controla o Estado ucraniano. Chefia o Svoboda desde 2004, enquanto é aliado de Yarosh no Sector de Direita, depois de ter participado na fundação do Partido Nacional-Social em 1991; em 1998 foi integrado no Conselho Supremo da Ucrânia. Esteve nas cogitações de Biden e Nuland para chefiar o governo ucraniano pós-Maidan e tornou-se deputado.

O então vice-presidente Joe Biden cumprimenta Oleh Tyahnybok durante um encontro no parlamento, em Kiev, a 22 de Abril de 2014 CréditosAnastasia Sirotkina / REUTERS

Ao longo da carreira nunca escondeu as suas simpatias pela geração ucraniana colaboradora do regime de Hitler e exibe-se como personagem de destaque das manifestações anuais em honra de Bandera nas quais se grita «fora os judeus», «enforquem-se os russos». Fotos destes acontecimentos captaram-no a fazer a saudação nazi em cima do palanque instalado no final de um dos desfiles. Em Abril 2014, pouco depois do golpe de Maidan, o então vice-presidente Joe Biden mostrava-se sorridente ao encontrar-se em Kiev com o nazi Tyhanybok.

O chefe do Svoboda trabalhou activamente para o reconhecimento da importância do papel da UPA na história da Ucrânia. Ainda muito antes do golpe de Maidan fez um discurso junto às sepulturas de oficiais daquela organização: «Vocês são aqueles que a máfia judaica-moscovita que governa a Ucrânia mais teme; vocês lutaram contra os moscovitas e os judeus». Tyahnybok pediu em 2005 ao presidente Yushenko, entronizado depois de uma «revolução cor-de-rosa» organizada por Washington, a realização de uma investigação sobre «as actividades criminosas do judaísmo organizado na Ucrânia». Jura que não é anti-semita.

José Goulão, exclusivo AbrilAbril

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Começou então o martírio do povo ucraniano, enorme tragédia humanitária avaliada até hoje em centenas de milhares de mortos e feridos e milhões de desalojados e refugiados, às mãos dos dirigentes dos Estados Unidos e dos seus súbditos europeus – e da Rússia, numa clara relação de causa e efeito – incapazes de aceitar uma Ucrânia multiétnica e multicultural, democrática, respeitadora das raízes sociais e, esse é o problema fundamental, soberana dentro do ambiente geoestratégico. 

No fundo, a Ucrânia plural, democrática, multicultural e independente violara «os nossos interesses», os «nossos valores», a «nossa civilização», olhados na perspectiva imperial dos Estados Unidos/NATO/UE. E o seu povo – todo ele, independentemente da região de origem – está a pagar por isso, desprezado, sacrificado, mergulhado na morte e na incerteza, submetido a uma ditadura modelada por admiradores de Hitler e seus cães de fila. Uma hecatombe provocada por dirigentes mundiais que odeiam a paz, só pensam nas pessoas quando lhes assegurem poder e lucros e para quem a guerra é solução única. Entre os quais se contam os dirigentes de todos os países da União Europeia, com destaque patético para o chefe de Estado e o governo de Portugal, espezinhando a Constituição, os interesses e a segurança dos portugueses.

A guerra inevitável

Não existem quaisquer dúvidas de que o golpe «Euromaidan» foi preparado, articulado e financiado pelos Estados Unidos. Victoria Nuland, um dos rostos operacionais da seita filo-fascista dos neoconservadores (neocons) e fundamentalistas neoliberais que governam os Estados Unidos manipulando o partido único (com as suas facetas democrática e republicana) a rogo do chamado Estado profundo, o complexo militar, industrial e tecnológico de vocação globalista, não tardou a confirmar o óbvio. Pouco depois de ter distribuído biscoitos aos manifestantes na própria Praça Maidan, na companhia de empenhados «democratas» de vários países «democráticos», subvertendo a democracia para instaurar a «democracia», Nuland revelou que os Estados Unidos tinham investido cinco mil milhões de dólares na operação golpista, desta feita para não falhar como acontecera com a «revolução laranja» de 2004. 

A então subsecretária de Estado norte-americana, posição que conserva hoje, agindo em estreita colaboração com o vice-presidente Joseph Biden, pouco depois envolvido, através do filho Hunter, em escandalosos e generosos negócios no âmbito dos combustíveis fósseis ucranianos, montou a própria junta golpista de governo, como se percebeu através da gravação tornada pública de uma conversa com o embaixador norte-americano em Kiev, Jeffrey Platt. Nesse diálogo foram escolhidos os possíveis primeiro-ministro e ministros; ficou ainda registada, durante a conversa, a elevada consideração que Washington nutre pelas instituições europeias e seus dirigentes quando, a propósito das decisões sobre a composição da junta de Kiev, Nuland proclamou o famoso grito «fuck the UE», palavras que podem traduzir-se, em versão muito soft, «a União Europeia que se lixe». A elegante e respeitosa expressão continua hoje tão válida como nesse telefonema, o que se confirma pela maneira como os Estados Unidos actuam em relação à Europa e condenam os povos dos seus países à penúria económica, não esquecendo as enormes hipóteses de serem vítimas de uma chacina devastadora. Alguns dos mais interventivos profetas neocons estão acantonados na administração Biden: além de Nuland, o secretário da Defesa Lloyd Austin, o secretário de Estado Anthony Blinken, o chefe do Conselho de Segurança Nacional Jake Sullivan, sem esquecer a chefe da CIA e de outras agências determinantes na estrutura do poder globalista.

A junta nascida do labor de Nuland & Cia integrou, entre executivos e membros estruturas de apoio, 10 representantes de grupos nazis, que a partir dessas posições nunca mais deixaram de ter preponderância no poder de Kiev, sob os holofotes ou então em missões mais sombrias mas não menos eficazes em termos de chantagem política e terrorista, legislação racista e xenófoba, reformulação das estruturas de decisão, designadamente através da eliminação dos partidos políticos de oposição. Além da transformação da polícia política (SUB) de acordo com os cânones hitlerianos dos seus responsáveis.

Várias regiões do país, e não apenas as de maiorias russófonas, não aceitaram o golpe nem a abolição da democracia; nem massacres como o de Odessa, em 2 de Maio de 2014, nos quais grupos nazis chefiados pelo Sector de Direita, com a cumplicidade da polícia, incineraram pelo menos 48 pessoas ao incendiarem a Casa dos Sindicatos.

Manifestações multiplicaram-se em quase todo o território nacional, especialmente no Leste e Sudeste. A resposta militar de Kiev à resistência cívica foi o início da guerra a que continuamos a assistir e que degenerou rapidamente em tentativa de limpeza étnica forçando sucessivamente, pelo menos até Fevereiro de 2022, mais de quatro milhões de pessoas – por certo milhares e milhares de crianças – a refugiar-se na Rússia e deixando pelo caminho cerca de 14 mil mortos, mulheres e crianças em grande número. São as crianças que fugiram a uma morte certa e foram acolhidas como refugiadas na Rússia, tal como dezenas de milhares de outros ucranianos receberam guarida em países da União Europeia, que o Tribunal Penal Internacional (TPI) qualifica como «deportadas por Putin». Mais um prego no caixão da ONU e das instituições que lhe estão agregadas.

As populações do Leste e Sudeste organizaram-se então em milícias armadas, que contiveram e puseram em xeque as forças militares do novo regime, treinadas e armadas durante oito anos por estruturas da NATO e nas quais se integraram grupos de choque nazis, como os batalhões Azov, Aidar, Sector de Direita e outros. Em 2015, o exército de Kiev foi obrigado a interromper a ofensiva, depois de derrotado em importantes batalhas e perceber que, sem um novo e poderoso reforço, não atingiria os seus objectivos.

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (III)

O chefe de Estado oferece a própria insígnia da Liberdade a uma figura à medida dos negros tempos portugueses em que, a exemplo da Ucrânia de hoje, os partidos políticos de oposição eram proibidos, os antifascistas penavam na cadeia ou eram assassinados.

O presidente Volodymyr Zelensky entrega a Dmytro Kotsyubailo, comandante da primeira companhia de assalto do Corpo de Voluntários «Sector Direito», agrupamento nazi, o título de «Herói da Ucrânia». Kiev, 1 de Dezembro de 2021 
Créditos / UNIAN

3. Zelensky, a marioneta perigosa de um Ocidente em desespero 

«Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que não vêem, cegos que, vendo, não vêem»

(José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira)

Os governantes dos Estados Unidos e os seus subordinados, os dirigentes da União Europeia, veneram uma marioneta chamada Volodymyr Zelensky, manipulada pelos senhores da guerra, pelos oligarcas planetários, pela indústria da morte, pelos esbirros do nazifascismo como ideologia de sonho do neoliberalismo globalista.

Foi inventado como presidente da Ucrânia por um oligarca chamado Ihor Kolomoysky, que financiou a sua transição de um papel de ficção televisiva para uma realidade gerida por uma estrutura nazi que nunca renegou de maneira convincente a herança de Hitler e dos seus colaboracionistas genocidas ucranianos. O mesmo oligarca que pagou a criação e sustenta os grupos de assalto e de choque nazis como frente terrorista e de guerra do regime. Zelensky é um irresponsável inchado como o sapo da fábula que leva perigosamente a sério o papel em que é sustentado e manobrado por gente com poder mundial ainda mais irresponsável que ele – e que joga com a existência do planeta e a sobrevivência da humanidade.

Volodymyr Zelensky, a criatura, dá sinais de querer escapar pontualmente aos seus criadores brincando com as toneladas de instrumentos de morte e os milhões de milhões de dólares/euros que estes lhe enfiaram nos bolsos, boa parte em trânsito para negócios imobiliários e contas offshore; agora parece ter tomado o freio nos dentes e arriscar tudo numa fuga suicida para a frente. Ao seu serviço, generosamente pagos com dinheiro nosso, estão mais de centena e meia de fabricantes transnacionais de mentiras, fake news e estratégias de engano designados como «agências de comunicação».

A tournée do desespero

A mais recente visita do ditador de Kiev aos principais areópagos da «democracia europeia» foi uma ópera bufa onde ressoou a cacofonia dos desencontros mútuos na perseguição cada vez mais desesperada de um objectivo que balança perigosamente entre o fracasso e o elevadíssimo risco de um extermínio humano nunca visto no planeta. Entre os uivos de perseguição contra quem ainda resiste à zombificação da opinião única lançados pela autocrata Von der Leyen, o Parlamento Europeu serviu de palco ao puxão de orelhas a toda a União Europeia que Zelensky não se coibiu de dar no papel de «defensor da democracia» e de «toda a Europa». A marioneta dos nazis que governam a Ucrânia fala e esbraceja sem limites, satura as comunicações por Zoom e outras plataformas do género para arengar as falas de um guião escrito por mentirosos profissionais em parlamentos e onde quer que se juntem mais de dois chefes de Estado e de governo de qualquer continente; e, em boa verdade, os sociopatas de Bruxelas e das capitais dos 27 começam a não saber muito bem o que fazer com ele, soterrados, além disso, sob o diktat de Washington.

|

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

A revelação feita pelo veterano jornalista Simon Hersh da maneira metódica e minuciosa como os Estados Unidos fizeram explodir os gasodutos Nord Stream I e II – num ostensivo acto de guerra contra a Alemanha perante a cobardia (a cumplicidade) de Berlim – revela bem até que ponto chegou a postura rastejante dos dirigentes da União Europeia como simples apêndices da oligocracia imperial.

A operação terrorista, preparada, segundo Hersh, pelo conselheiro presidencial de segurança Jake Sullivan, o secretário de Estado Blinken e a golpista-chefe de Maidan, Victoria Nuland, teve como mandante o próprio presidente Biden. E o chanceler alemão, Olaf Scholz, não apenas continua calado e imóvel como aceita enviar dinheiro, tanques e outras armas para uma guerra através da qual o poder imperial norte-americano procura subjugar ainda mais a Europa. São políticos assim, sem qualquer dignidade e sentido humanista, que minam os países europeus como uma peste.

O Ocidente em desespero, na verdade aglutinando apenas 15% da população da Terra, admite assim uma estratégia do caos e de autêntica guerrilha interna para tentar conservar o domínio mundial, o estatuto de poder colonial globalista gerido por uma única potência, depositando nas mãos de um inconsciente e transtornado aprendiz de feiticeiro a vida dos cidadãos do planeta. Fez dele um «herói» do circo de manipulação social corporativa, ignorando ostensivamente que não passa de um refém de um bando de chefes nazis movidos por uma crença mística na criação de um Estado ucraniano de «raça pura e homogénea».

Levando em consideração estes chefes omnipresentes nas movimentações políticas, paramilitares e militares na sociedade ucraniana desde a independência, em 1991, não surpreende que os grupos nazis, fiscalizando e pressionando o funcionamento do Estado de Kiev, actuem de acordo com o seu fundamentalismo nacionalista herdado da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos) e da UPA (Exército Insurgente Ucraniano) e que tem os seus fundamentos nos anos 20 do século passado, solidificados depois em aliança com a Alemanha do III Reich.

Negação criminosa

A responsabilidade ocidental nesta trágica convulsão não é de agora. Desenvolveu-se em paralelo com o nascimento, maturação e sobrevivência da ideologia nacionalista integral de influência directa nazi alemã que é a componente dominante do actual Estado ucraniano dirigido a partir de Kiev. Negá-lo é uma falsificação da História e das circunstâncias em que vivemos, assim transpostos para uma realidade paralela onde a mentira se tornou uma virtude.

Documentos secretos da CIA, divulgados muito recentemente, revelam que os serviços secretos ocidentais canalizaram para os sectores independentistas ucranianos que mantiveram as referências ideológicas nacionalistas integrais da OUN e da UPA o seu apoio à actuação clandestina e propagandística contra a União Soviética. O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia. O Ocidente assegurou assim a sobrevivência do banderismo depois de derrotado juntamente com o nazismo alemão1.

Stepan Bandera, Yaroslav Stetsko, Dmytro Dontsov e outros «heróis nacionais» de hoje transitaram directamente, não o esqueçamos, do colaboracionismo hitleriano para os quadros dos serviços secretos ocidentais, especialmente norte-americanos, alemães e canadianos. Tal como durante o III Reich, Munique foi uma das «capitais» do nacionalismo integral ucraniano desde o fim da Guerra Mundial à dissolução da União Soviética.

«O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia.»

Daí que, com toda a naturalidade, as correntes de inspiração nazi-banderista se tenham imposto desde logo como vectores determinantes da independência da Ucrânia quando se deu a implosão da União Soviética. Leonid Kuchma, o primeiro presidente ucraniano, deslocou-se à capital bávara durante o seu mandato para homenagear postumamente Yaroslav Stetsko, o primeiro primeiro-ministro do efémero Estado ucraniano criado em 1941, em Lviv, sob cobertura hitleriana.

O Partido Nacional-Social, do qual emergiram todos os principais dirigentes banderistas/nazis responsáveis pela formatação do regime de Kiev em vigor, foi uma das entidades mais influentes na estruturação do Estado logo desde o início da independência, em 1991. Não em termos eleitorais, porque a grande maioria dos cidadãos nunca se identificaram com um fundamentalismo passadista que então lhes dizia pouco, mas no sentido da capacidade para determinar o funcionamento dos centros de decisão do regime. No fundo, o Partido Nacional-Social, os seus antecessores da OUN e UPA e os seus subprodutos nazis que marcaram espaço determinante em Kiev eram e são os fundamentos do caminho ditatorial que a Ucrânia tomou e agora se materializou em pleno. Com a conivência indisfarçada do Ocidente colectivo e a sua papagueada e esvaziada «democracia liberal».

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país. Créditos

Terror em acção

O Movimento-Batalhão Azov será talvez o mais conhecido grupo paramilitar – e agora militar – de inspiração nazi, essencialmente pela deificação dos seus membros feita pela comunicação e propaganda ocidentais, sobretudo na altura em que combatiam para manter a cidade de Mariupol em seu poder usando os civis e as suas residências como escudos. O jornal norte-americano The Nation considera-o «um centro da supremacia branca» estendendo os tentáculos no estrangeiro através, designadamente, da movimentação permanente da secretária internacional do «Corpo Nacional» do Azov, Olena Semeniaka2, que não tem qualquer pudor em deixar-se fotografar fazendo a saudação nazi junto a bandeiras com as cruzes suásticas.3

A embaixadora do Azov foi convidada a integrar Portugal nos seus périplos em Maio de 2019, para participar no «Fórum Prisma Actual» – de âmbito ibérico, segundo os promotores – organizado pelo «Escudo Identitário», parte da nebulosa fascista que já abocanhou fatia importante do hemiciclo da Assembleia da República.

O Aidar, transformado em batalhão de assalto, os grupos Dniepr 1 (muito elogiado pelo falecido senador fascista norte-americano John McCain) e Dniepr 2, Trident, Donbass, têm todos as suas origens remotas no Partido Nacional-Social como herdeiro do espólio ideológico nazi-banderista. As suas milícias urbanas e grupos paramilitares, réplicas de esquadrões da morte, actuam como polícias municipais nas principais cidades do país – aterrorizando as populações definidas como «não-ucranianas» –, chantageiam e ameaçam os centros de decisão e, como parte das Forças Armadas, controlam efectivamente e sem qualquer contemplação o comportamento das forças regulares e respectivos corpos de oficiais.

|

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado.

Manifestantes neonazis do Svoboda (Liberdade) e Pravyi Sector (Sector de Direita) protestam em Kiev
Créditos / REUTERS

2. A «democracia liberal» guiada pela «raça pura»

«Os meus homens alimentam-me com os ossos de crianças que falam russo»
(Dmytro Kotsyubaylo, comandante do grupo nazi Sector de Direita, condecorado como «herói nacional» pelo presidente Zelensky)

«Não há nazismo nem banderismo na Ucrânia», proclamam analistas, comentadores, especialistas, jornalistas, historiadores e outros bruxos da modernidade que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. É verdade que nem sempre a realidade e os factos se ajustam à sua eminente sabedoria, estratificadora da opinião oficial e única, mas a ignorância, a cegueira e má-fé são sempre dos outros, que se atrevem a ter posições diferentes, mesmo que sejam sustentadas por sólida investigação. Mas que culpa têm eles que assim seja? A realidade e os factos é que estão errados.

|

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Uma atitude como esta não é sequer uma minimização da realidade nazi ucraniana, admitindo-a como um fenómeno marginal, uma espécie de folclore inconsequente e bizarro. É antes uma negação, uma perigosa negação que vai muito além de qualquer desejado efeito de propaganda; indicia que é possível conviver com um regime nazi – e apoiá-lo – sem que uma tal promiscuidade traga consequências. Mais do que isso, no caso presente recorre-se ao nazismo como instrumento para atingir objectivos próprios, os chamados «nossos interesses», contra qualquer coisa «maléfica» que pretende destruir a civilização «perfeita e superior» que construímos.

Os resultados da complacência perante o nazismo alemão e até a esperança de que liquidasse o grande inimigo ocidental de então – a União Soviética – originou a tragédia da Segunda Guerra Mundial. Além de irresponsáveis perante tão retintas manifestações de nazismo a que assistimos, os dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia são profundamente ignorantes em História, arrastando-nos para a tragédia latente que decorre dessa inconsciência.

Batalhão SS 201 Schutzmannschaft, constituído por nazis ucranianos e alemães. Roman Shukhevych é o segundo à esquerda, na primeira fila. A unidade distinguiu-se pela repressão de judeus e partisans bielorussos  Créditos

Continuando o desfile de «heróis nacionais» ucranianos com um passado «patriótico» e exterminador, esbirros que estiveram ao serviço de Hitler e desejaram uma Ucrânia independente totalitária e etnicamente «pura», Roman Shukhevych é outro dos venerados pelos terroristas de Kiev. Na Ucrânia de hoje tem estátuas, um museu memorial, moedas cunhadas em sua honra, o nome de importantes ruas em várias cidades e até em dois estádios1 – Lviv e Ternopil2.

A última pessoa a ser o seu contacto operacional, já durante a acção clandestina contra a União Soviética guiada pelos serviços secretos ocidentais, e na sequência da qual Shukhevych viria a morrer em 1950, foi Daria Gusyak, falecida o ano passado. Gusyak fez parte da direcção do Congresso dos Ucranianos Nacionalistas, partido neonazi fundado em 1993 por Slava Stetsko3 e, a pedido desta, fundou uma organização do actual regime seguidora do nacionalismo integral, designada Liga das Mulheres Ucranianas, que dirigiu até ao fim da vida.

Shukhevych comandou operacionalmente a OUN (B) (Organização dos Nacionalistas Ucranianos, facção Bandera) e a UPA (Exército Insurgente Ucraniano) na segunda metade da invasão alemã da União Soviética, período durante o qual a limpeza étnica do território ucraniano e de áreas da Bielorrússia4 teve alguns dos seus episódios mais sangrentos. Por exemplo a chacina de Huta Pieniacka, em 28 de Fevereiro de 1944, na qual as hostes de Shukhevych e a 14.ª Divisão das SS ucranianas mataram mais de mil pessoas. Vinte e cinco mil a trinta mil polacos foram assassinados durante essa fase na região da Galícia Oriental.

Enquanto ordenava, através do comando da UPA, que «combatam os polacos impiedosamente, ninguém deve ser poupado, nem mesmo os casamentos mistos», Shukhevych declarava em 25 de Fevereiro de 1944: «Devido ao êxito das forças soviéticas é preciso acelerar a liquidação dos polacos, eles devem ser totalmente exterminados, as suas aldeias queimadas».

Antes de ascender ao comando da UPA, em certa medida porque Bandera foi preso e enviado para a Alemanha (embora em condições principescas), porque nem sempre o Estado ucraniano foi considerado «útil» e «oportuno» pelos chefes militares do Reich, Shukhevych esteve integrado no exército alemão, a Wehrmacht;  contribuiu então para a formação de dois batalhões ucranianos, Nachtigall5 e Roland, que entraram em território soviético com as tropas nazis.

O historiador sueco-americano Anders Rudling, da Universidade de Lund, deixou uma pergunta que mereceria reflexão, até dos donos da verdade, sobre o desenvolvimento do nacionalismo integral ucraniano e a sua relação com os acontecimentos dos dias que vivemos6: «Será possível fazer de Shukhevych um herói nacional sem legitimar a ideologia da organização que dirigiu?». Uma resposta consciente faria estilhaçar mitos cultivados irresponsavelmente e que deixam a humanidade à beira da maior das fatalidades.

Dois soldados SS colaboracionistas ao serviço dos alemães, diante de judeus assassinados, no ghetto de Varsóvia. Nacionalistas ucranianos participaram na liquidação do ghetto de Varsóvia, em 1943. Créditos

Branquear o que não tem branqueamento

Os historiadores oficiais ucranianos tentam actualmente branquear a biografia de Shukhevych e de outros terroristas colaboracionistas, alegando que converteu o programa da OUN ao pluralismo político, constituiu uma plataforma de unidade com outros movimentos ucranianos e abandonou o extermínio de judeus. Faltam, porém, dados e documentos convincentes que comprovem essas versões7

Em 2006, na sequência da «revolução laranja» promovida pelos Estados Unidos, o presidente Yushenko, qualificado como «pró-europeu», designou o alegado historiador Volodymyr Viatrovych como chefe dos arquivos centrais dos Serviços ucranianos de Segurança8. A sua missão foi a de adaptar as biografias dos «heróis nacionais» venerados pelo regime actual, tornando-as mais compatíveis com um tipo de discurso tolerável pelos aliados e protectores de Kiev9. Situações e ocorrências como o anti-semitismo da OUN e os massacres de polacos, designadamente, quase desapareceram das biografias oficiais de Shukhevych, Bandera e outras figuras. Nelas figuram praticamente em exclusivo os papéis desempenhados por conta de serviços secretos ocidentais contra a União Soviética10.

|

Parlamento ucraniano aprova a proibição dos partidos da oposição

Sem a presença dos deputados da oposição, suspensos por Zelensky, o resultado da votação era um dado adquirido. Partidos acusados de tendências «pró-russas» serão proibidos em definitivo, para lá da lei marcial.

Volodymyr Zelensky 
Créditos / Serviços de imprensa ucranianos

A vida do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acaba de ficar relativamente mais fácil. Seguindo o método dialético de Manuela Ferreira Leite (numa teoria formulada aquando da sua liderança do PSD), de vez em quando, o melhor mesmo é suspender a democracia durante seis meses, «mete-se tudo na ordem e depois, então, venha a democracia».

|

Zelensky suspende a actividade de 11 partidos políticos na Ucrânia

A pretexto da lei marcial, Zelensky proibiu hoje 11 partidos políticos, do centro à esquerda, na Ucrânia, incluindo o maior da oposição. A extrema-direita, por seu lado, não vê qualquer restrição à sua actividade.

Volodymyr Zelensky, presidente da república da Ucrânia, reúne com os homólogos da República Checa, Polónia e Eslováquia. Kiev, Ucrânia, 15 de Março de 2022 
CréditosGoverno da Ucrânia / EPA/Agência Lusa

«Primeiro vieram buscar os comunistas (...)», lembrava Bertolt Brecht, e agora, por fim, levam o que restava do centro/centro-esquerda ucraniano. O processo de «descomunização», em marcha desde 2015, que resultou na ilegalização e perseguição do Partido Comunista da Ucrânia, aproveita o contexto da guerra para afastar os restantes rostos da oposição anti-NATO/anti-corrupção ao governo de Zelensky.

Sob pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», uma narrativa rapidamente adoptada pelos meios de comunicação ocidentais, 11 partidos, com ou sem assento parlamentar, foram impedidos de exercer a sua função principal numa democracia: exercer a representação política dos seus eleitores e militantes.

O Ministério da Justiça terá agora de «tomar imediatamente medidas abrangentes para proibir as actividades desses partidos políticos».

No princípio de Fevereiro o partido ucraniano "Socialistas" ainda celebrava a maioria absoluta de António Costa nas últimas eleições legislativas. O partido, que há muito denunciava os atentados do regime de Kiev contra a liberdade de imprensa e liberdades políticas, foi agora proibido sob a acusação de "pró-russo" - um chapéu usado nos últimos anos para extinguir as vozes da oposição democrática e meios de imprensa adversos no país. Kiev, 20 de Março de 2022 Créditos

A explicação dada pelo presidente ucraniano, numa declaração proferida hoje, 20 de Março, na qual anuncia o prolongamento da lei marcial por um novo período de 30 dias, falha na prova dos factos. Muitos destes partidos, acusados de pró-russos, participam activamente na defesa da Ucrânia. Há pouca margem para interpretar esta acção que não seja a de afastar o que resta da oposição ao seu mandato, e aos interesses que ele serve.

A Plataforma de Oposição - Pela Vida, que nas eleições parlamentares de 2019 ficou em segundo lugar, com 13,05% dos votos e 43 assentos no parlamento, não só denunciou publicamente a invasão da Rússia, chegando mesmo a expulsar um deputado por não o fazer e remover um vice-presidente com ligações a Vladimir Putin, como incitou à participação nas milícias de defesa do país. Nada impediu a suspensão.

No caso do Socialistas, trata-se de um pequeno partido político pró-União Europeia [ver foto em caixa] que defende a reintegração da Crimeia na Ucrânia, ao mesmo tempo que defende a nacionalização de vários importantes sectores da economia ucraniana e o combate à corrupção nas instituições governamentais.

O verdadeiro crime destas formações políticas, algumas com quase 30 anos de actividade, foi, em alguns casos, continuarem a defender posições anti-NATO ou representarem as populações russófilas do país,  enquanto outros, apoiantes do projecto europeu, se limitam a defender uma solução pacífica para o conflito no Donbass e se opõem aos ímpetos privatizadores do governo de Zelensky.

O projecto iniciado em Maidan, em 2014/15, concluiu finalmente uma das suas principais ambições políticas: afastar todos os grupos partidários que contestem a hegemonia dos interesses económicos norte-americanos na Ucrânia.

Para além da Plataforma de Oposição - Pela Vida, também os partidos Sharia, Nosso, Bloco de Oposição, Oposição de Esquerda, União das Forças de Esquerda, Estado, Partido Socialista Progressista da Ucrânia, Partido Socialista, Socialistas e Bloco de Volodymyr Saldo, foram suspensos.

A necessidade de uma «política de informação unificada» levou Zelensky a assinar um decreto que funde todos os canais de informação, públicos e privados, num único órgão informativo, sob gestão da presidência da república da Ucrânia.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Zelensky, no entanto, decidiu ir mais longe. Depois da experiência do último mês, com a suspensão de todos os partidos políticos da oposição de centro e centro-esquerda (sem nunca tocar nos sacrossantos direitos dos partidos da extrema-direita), o parlamento ucraniano deliberou proibir, em definitivo, a oposição.

Nas suas redes sociais, Olena Shuliak, presidente e deputada do partido Servo do Povo (pelo qual Zelensky se fez eleger) manifestou a sua satisfação pela aprovação da proposta: «Finalmente vamos parar de tolerar o 'mundo russo' dentro dos nossos círculos políticos, que só trazem destruição à Ucrânia».

Quando dá jeito, qualquer opositor é «pró-russo». Por seu lado, a extrema-direita prossegue, intocável

A pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», o novo projecto de lei (n.º 7172-1) permite a ilegalização de partidos, a cessação dos mandatos de representação, sejam ao nível local ou nacional, e o confisco de toda a propriedade registada pelos partidos visados.

|

Combate à glorificação do nazismo volta a não contar com o apoio de EUA e aliados

A Assembleia Geral da ONU adoptou, de forma esmagadora, a resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do nazismo», que voltou a não contar com o apoio dos países da NATO.

Créditos / peacekeeping.un.org

Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quinta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 49 abstenções.

Entre as abstenções, inclui-se a de Portugal, a dos estados-membros da União Europeia e dos países que integram a NATO.

Quadro com a votação da resolução de combate à glorificação do nazismo, esta quinta-feira, na Assembleia Geral da ONU / @RussiaUN

A resolução proposta pela Rússia apela aos estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para que «eliminem todas as formas de discriminação racial por todos os meios adequados», incluindo a via legislativa, e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS».

De acordo com uma nota publicada no portal na ONU, o texto refere-se, também, à «construção de monumentos e memoriais», e à «celebração de manifestações em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo» – algo que ocorreu nos últimos anos em países como a Ucrânia, a Letónia, a Estónia, a Lituânia e a Polónia.

Grigory Lukiantsev, director-adjunto do Departamento de Cooperação Humanitária e Direitos Humanos do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, disse que a adopção da resolução será um contributo real para a erradicação do racismo e da xenofobia, refere a TASS.

|

Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga

Cerca de mil pessoas participaram no desfile do Dia do Legionário em homenagem aos mais de 140 mil letões que integraram unidades nazis. A diplomacia russa classificou a marcha como uma «vergonha».

Marcha do Dia do Legionário, em Riga, capital da Letónia (16 de Março de 2019)
Créditos / Sputnik

O Dia do Legionário, a 16 de Março, é assinalado na Letónia desde os anos 90, para homenagear e evocar aqueles que fizeram parte da Legião da Letónia na Waffen Schutzstaffel (Tropa de Protecção Armada, mais conhecida como Waffen-SS).

A marcha deste ano, em Riga, contou com a participação de alguns veteranos legionários, que integraram a 15.ª e a 19ª divisões de Granadeiros da Waffen-SS, bem como de apoiantes e neonazis. O evento anual, que tem sido criticado a nível internacional como uma forma de «glorificação do nazismo», também mereceu oposição interna, com alguns manifestantes a exibirem cartazes em que classificavam a Legião como uma «organização criminosa» e a lembrar que «lutaram ao lado de Hitler», segundo refere o periódico Haaretz.

A Embaixada da Rússia no país do Báltico condenou a marcha de homenagem aos legionários da Waffen-SS, que classificou como «uma vergonha». Na sua conta oficial de Twitter, a Embaixada afirmou, no sábado: «Que vergonha! Veteranos da Waffen-SS e apoiantes estão novamente a marchar com honra no centro de uma capital europeia. E isto acontece na véspera do aniversário dos 75 anos da libertação de Riga dos invasores nazis!»

Também a Embaixada da Rússia no Canadá se manifestou no Twitter contra o desfile realizado em Riga: «Veteranos da Waffen-SS nazis e apoiantes marcham desafiantes e livremente no dia 16 de Março em Riga, Letónia, recohecidos pelas autoridades como heróis nacionais. Uma realidade ignorada por muitos no Ocidente que não pode ser descartada como "propaganda do Kremlin".»

A Waffen-SS, que foi criada como um ala armada do Partido Nazi alemão, foi considerada uma organização criminosa nos julgamentos de Nuremberga, após a Segunda Guerra Mundial, pela sua ligação ao Partido Nazi e envolvimento em inúmeros crimes de guerra e contra a Humanidade.

Glorificação do nazismo e reescrita da história

A Legião da Waffen-SS da Letónia foi fundada em 1943. Muitos dos seus membros viriam a integrar depois, juntamente com combatentes da Lituânia e da Estónia, os chamados Irmãos da Floresta, que até 1953 lutaram contra as tropas soviéticas nos países bálticos.

Em Julho de 2017, a NATO publicou um vídeo que apresenta, com visível dose de heroísmo, essa guerrilha anti-soviética, sem mostrar grande preocupação pelo facto de, nessas forças, estarem integrados muitos legionários das SS nazis ou os que, nos países bálticos, haviam colaborado com as forças invasoras nazi-fascistas.

Repúdio da Rússia

Então, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pediu que «se veja com respeito as páginas trágicas da história e se repudie tão repugnante acção da Aliança Atlântica». Disse ainda esperar que «não seja necessário recordar os assassinatos massivos perpetrados por muitos dos membros dos Irmãos da Floresta».

Por seu lado, a representação da Rússia junto da NATO considerou que o material fílmico constitui uma nova tentativa de reescrever a história, para a colocar de acordo com os processos políticos nas ex-repúblicas socialistas do Báltico, onde prolifera o neofascismo e o nacionalismo.

Moscovo tem reafirmado a sua preocupação sobre o surgimento de grupos neonazis e acerca de políticas que glorificam colaboradores com o nazismo na Ucrânia, na Polónia e nos Estados Bálticos – países onde, refere a agência Sputnik – são frequentes as marchas em louvor de destacadas figuras fascistas.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Acrescentou que o texto sublinha a inadmissibilidade de «glorificar os envolvidos nos crimes do nazismo, incluindo o branqueamento de ex-membros da organização SS e das unidades Waffen-SS, reconhecidas como criminosas pelo Tribunal de Nuremberga».

A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas tem votado sempre contra a resolução apresentada pela Rússia, alegando que se trata de um documento que legitima as «narrativas de desinformação russa» e «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo».

No contexto da votação realizada há um ano, o embaixador norte-americano afirmou ainda que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

A decisão foi aprovada com o voto favorável de 330 deputados. Apenas 17 votaram contra. O parlamento da Ucrânia (ou Rada) continua a funcionar, desde finais de Março, com um número reduzido de deputados (num total de 450), já que várias dezenas estão impedidos de cumprir o mandato para o qual foram eleitos por milhões de ucranianos, no mesmo sufrágio que legitima Zelensky.

Qualquer partido que adopte posições, como parte da sua linha programática, que justifiquem, considerem legal e neguem o ataque da Rússia à Ucrânia, ou aceitem a conduta de militantes «pró-russos» nas «zonas temporariamente ocupadas» (em que se incluem as populações separatistas do Donbass e Crimeia), será imediatamente proibido.

Uma democracia não-representativa

A capote desta lei, fica permanentemente proibida a defesa partidária do direito à autodeterminação dos povos do Donbass e da Crimeia, zonas com grandes populações russófonas e que votaram maioritariamente, em 2019, num dos partidos que será agora proibido: a Plataforma de Oposição - Pela Vida.

|

(Neo)fascismo, antifascismo e transição autoritária

Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.

Manifestação antifascista e antirracista em Lisboa, a 6 de junho de 2020 (foto de arquivo)
CréditosManuel de Almeida / LUSA

O fascismo nasceu como um novo produto ideológico das direitas do século XX, com uma origem e uma génese específicas na Itália do pós-I Guerra Mundial. Conquistou, contudo, o seu lugar na História justamente porque ganhou dimensão internacional, fascizando o corpus doutrinal de outras direitas em muitos contextos nacionais diferentes.1 Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário2 no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista).

«Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista)»

Nos estudos do fascismo desenvolveram-se, entre muitos, dois debates clássicos que permanecem muito úteis para discutimos a extrema-direita que dele é herdeira. Em primeiro lugar, a distinção entre fascismo-movimento e fascismo-regime, isto é, entre os períodos e os contextos em que ele (ainda) não se constituiu como regime e ideologia de Estado e os que, sobretudo depois da nazificação da Alemanha a partir de 1933, tal acontece um pouco por toda a Europa; nos nossos dias, isto significa estudar a diferença entre as direitas radicais na oposição e no poder. Em segundo lugar, a aplicabilidade do conceito a uma grande variedade de casos nacionais – fascista foi apenas o partido e o regime de Mussolini?, ou devem também ser considerados como tal o nazismo, o franquismo, o salazarismo, o regime ustasha na Croácia, entre muitos outros? –, e contextos históricos – o fascismo teve a sua época, como lhe chamou Thomas Mann, e esta terminou definitivamente com a derrota militar nazi de 1945?, ou, sob muito variadas formas, foram e são neofascistas ou pós-fascistas movimentos, partidos e formas de governo que se desenvolveram/impuseram uma vez passada a época do fascismo, desde as extremas-direitas europeias mais clássicas (francesa, italiana, alemã), às formas ideológicas e orgânicas presentes em ditaduras reacionárias dos últimos 75 anos (sobretudo as latinoamericanas e as duas ibéricas nas suas versões adaptadas a um mundo de que havia desaparecido já qualquer esperança de uma Nova Ordem fascista), até às direitas radicais (demasiado) frequentemente descritas como populistas do século XXI?

Continuidades ou diferença?

Diferenças de contexto, comunidade ideológica e perceção de continuidades são questões essenciais tanto para analisar as experiências políticas da época do fascismo (1922-45), como para discutir as direitas extremas dos nossos dias. A posição maioritária, e que vem ganhando contornos hegemónicos, é a de sublinhar a diferença entre as novas extremas-direitas, que julgamos conhecer melhor porque com elas vivemos, e aquelas que há cem anos cunharam o nome de fascismo. Antes de mais, esta parece-me a atitude intelectual mais fácil de assumir: em contextos inegavelmente diferentes, os objetos que neles encontramos parecem-nos também eles diferentes, pelo que a perspetiva com que, à partida, os abordamos é a da verificação da diferença face a outros objetos que já conhecemos, antes de mais por não termos sido contemporâneos dos objetos do passado, que nos são inevitavelmente mais estrangeiros (como lhes chama David Lowenthal) que os do presente. Dizia Eric Hobsbawm que «a maioria dos seres humanos opera como os historiadores: só retrospetivamente conseguem reconhecer a natureza da sua experiência.»3 É evidentemente difícil conseguir dar um nome adequado ao que vivemos enquanto o vivemos. Por outro lado, muita da discussão que hoje fazemos sobre a natureza da extrema-direita é a mesma que se vem fazendo há décadas sobre a natureza dos regimes autoritários da época do fascismo, e resulta, afinal, de saber-se que grau de flexibilidade é admissível no uso das categorias políticas. Por norma, aqueles que negam que ditaduras de direita do período de entre guerras, como a salazarista, tenham sido versões nacionais de um fascismo como fenómeno internacional, não se perguntam se são hoje igualmente democráticos regimes tão diferentes como o indiano ou o francês, e se já o era o sistema político norteamericano em 1776 ou em 1865. A pergunta nada tem de retórico uma vez que a Ciência Política mainstream tende a dar-lhe uma resposta positiva em todos os casos, ao mesmo tempo que entende que eram tão comunistas e totalitários (para usar um vocabulário hegemónico que não é o meu) o regime soviético em qualquer dos seus ciclos históricos, o dos Khmeres Vermelhos ou a Revolução Cubana, entre muitos outros exemplos. Porque se aplica, então, um grau tão amplo de flexibilidade para falar de democracia ou de comunismo e uma perspetiva tão restritiva para falar de fascismo? A resposta é simples: porque se aceita quase sempre trabalhar com conceitos genéricos de democracia e de comunismo e, pelo contrário, se recusa fazer o mesmo com o fascismo.

«se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo?»

Para o que aqui nos ocupa, a questão é saber se, e quais, direitas extremas dos nossos dias são neofascistas, isto é, se são a versão do fascismo adaptada às condições específicas (mas muito diferentes entre si) de sociedades do século XXI marcadas pelo agravamento generalizado da desigualdade social e da perda de representatividade dos sistemas políticos. Nesta nova fase da globalização capitalista que coincide com o triunfo do neoliberalismo desde os anos 1980, são a retórica ocidentalista e o racismo culturalista dos nossos dias, empapados do Choque de Civilizações de Huntington, herdeiros do discurso da decadência do Ocidente de Spengler4 dos anos 20 que enformou a mundivisão fascista? A normalização do discurso xenófobo e racista, agravada com a chamada crise dos refugiados da última década (especialmente dos anos 2015-16), partilha a mesma mundivisão do fascismo na sua época? Há ou não continuidade entre o racismo politicamente organizado da primeira metade do século passado e o dos nossos dias, que alimenta movimentos políticos que, nos países mais ricos do Ocidente, se estruturam especificamente em torno do discurso xenófobo (contra o imigrante ou o refugiado, contra as minorias muçulmanas e ciganas), disfarçado de culturalismo determinista (hoje a «inassimilabilidade» do muçulmano ou do cigano, antes a do judeu)?

Para que serve dar um nome ao que vivemos?

Não pretendo fazer aqui uma discussão detalhada em torno da terminologia mais adequada para categorizar a extrema-direita que vem avançando por todo o Ocidente, não desde o Brexit ou a eleição de Trump, em 2016, mas desde pelo menos há 25 anos, desde que a direita radical começou o assalto ao poder nos países pós-comunistas, na Europa ocidental, a começar pela Itália, com a chegada de Berlusconi ao poder (1994) aliado (como por toda a parte acontece com a direita clássica) com a extrema-direita, ou nos EUA, quando a radicalização à direita do Partido Republicano levou ao poder George W. Bush (2000). Limito-me a contestar a validade do uso (em geral, puramente confrontacional) da categoria de populismo, mesmo que adjetivado como sendo de extrema-direita, expressão que, mimetizando o uso vulgar do totalitarismo, presume que existem tantos populismos quantos discursos antissistémicos se fizerem à esquerda e à direita; bem como a aplicabilidade do conceito de pós-fascismo para sob a sua capa se reunirem movimentos que «já não são fascistas [porque] surgiram depois da consumação da sequência histórica dos fascismos clássicos», dos quais «se emanciparam, ainda que na maioria dos casos o conservem como matriz». Impressiona-me que um historiador como Enzo Traverso, apesar de reconhecer que «Mussolini e Hitler chegaram ao poder por via legal», aceite que «a vontade [deles] de derrubar o Estado de Direito e apagar a democracia estava fora de discussão» permite marcar uma diferença essencial com a atitude da extrema-direita dos nossos dias, que, segundo Traverso, «quer transformar o sistema a partir de dentro, enquanto o fascismo clássico queria mudar tudo»5. Neste âmbito, se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo? Mesmo não afirmando querer pôr em causa a natureza liberaldemocrática dos regimes, a extrema-direita no poder (e fora dele) ataca liberdades e direitos individuais e coletivos, coloniza o poder judicial, as forças de segurança e militares, propõe a ilegalização de forças políticas, a perseguição de organizações/movimentos associados a minorias étnicas, e assume práticas ultrassecuritárias contra inimigos internos (as minorias, os migrantes) e externos. Chamar, como está em voga, iliberal (como Fareed Zakaria) a este processo político parece-me muito menos adequado que nele reconhecer o liberalismo autoritário típico dos estados em transição para o autoritarismo. Um regime em transição muda inevitavelmente de natureza ao fim de algumas etapas; uma democracia em transição autoritária deixará sempre de ser democrática a menos que o processo seja revertido. Não creio ser razoável definir o ritmo da transição como indicador da natureza diferente do horizonte final da transição; a democratização social, como processo transicional que também é, produziu resultados muito diferentes e muito incompletos em países aos quais, em geral, vejo pouca gente recusar chamar democracias. Da mesma forma, a tese que deduz que as diferenças estruturais dos contextos históricos do fascismo na sua época (1922-45) e aquele em que hoje se expande a extrema-direita são obstáculo suficiente para não a podermos considerar neofascista, deveria para ser aceitável obrigar quem a sustenta a recusar falar hoje de democracia em contextos tão radicalmente diferentes do da Atenas do século V a.C.; ou, por comparação com o contexto bolchevique de 1917-18, chamar comunista aos partidos que, em estados liberaldemocráticos, disputam eleições e chegam a partilhar o poder sem propriamente subverter «por dentro»...

Antifascismo sem (neo)fascismo?

E chegamos ao antifascismo. Sem se assumir haver uma continuidade entre as direitas extremas de há cem anos (fascistas) e as de hoje (neofascistas), não será viável estratégia alguma de reativação do antifascismo como cultura política e frente social de resistência ao ataque às três grandes conquistas de 1945: a construção da democracia social e a gradual (ainda que, uma vez mais, sempre incompleta) emancipação das classes trabalhadoras; a fundação da democracia sobre a rejeição radical das mundivisões racistas que conduziram a Auschwitz, da dominação colonial e da opressão de todas as minorias étnicas; a emancipação das mulheres de todas as culturas e de todos os continentes, de metade da Humanidade, motor das batalhas por outras emancipações, bem mais tardias, das subjetividades oprimidas definidas em torno da identidade sexual. Sem constituir em si mesmo um movimento político e social próprio, o antifascismo foi uma plataforma de resistência à expansão do fascismo e à subsequente dominação por ele imposta. O que, contudo, marcou a sua identidade na história foi a tomada de consciência de que, quer na Guerra de Espanha (1936-39), quer quando se começou a percecionar coletivamente a possibilidade efetiva de derrotar a Nova Ordem fascista, a luta antifascista era irreversivelmente uma luta pela reconstrução da democracia muito para lá dos estritos objetivos de liberais imperialistas como Churchill, De Gaulle ou Roosevelt, que lutaram contra o expansionismo de Hitler, Mussolini e Tojo mas que não pretendiam nem descolonizar, nem democratizar mais do que a reposição reformada dos termos estruturais do liberalismo oligárquico de 1939.6

«Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história.»

Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história. Como aliança historicamente contingente entre as duas grande famílias ideológicas que, por motivos diferentes, se reviam na Revolução Francesa (o liberalismo e o socialismo), e de uma terceira que o fazia relativamente à Revolução Russa (o comunismo), a aliança antifascista das Nações Unidas (a designação que os aliados de 1941 se deram a si próprios) dividiu-se mal a ameaça fascista foi militarmente eliminada, em 1945, e em torno das mesmas questões que tinha dividido as suas componentes no passado (a dominação burguesa, a natureza intrínseca da desigualdade capitalista, a resistência liberal à democratização social, o imperialismo). É ainda nesse ciclo que nos encontramos: forças políticas muito diferentes podem partilhar (ou melhor, ter partilhado) uma mesma cultura antifascista, mas legitimamente não partilham os mesmos modelos de sociedade.

Instrumento central para a defesa de um conjunto articulado de pressupostos democráticos sem os quais se vive automaticamente em ditadura socialmente reacionária, o antifascismo-movimento só se reativará quando os democratas percecionarem coletivamente o perigo, a ameaça (neo)fascista. Se continuarem convencidos que Le Pen, Salvini, Abascal e Ventura, como antes Trump ou Bolsonaro, não passam de figuras efémeras de um ressentimento punitivo e irracional com os quais se pode coexistir porque não querem, ou não conseguem, destruir os regimes liberaldemocráticos dentro dos quais operam, a luta política continuará a ser feita sem recurso ao frentismo antifascista – o mesmo que demorou a mobilizar, uma quinzena de anos passados sobre a ascensão de Mussolini ao poder. O novo ciclo histórico em que entrámos, de neuropolítica7, ansiedade coletiva, recessão económica sem precedentes e securitização global que a gestão política da pandemia tem vindo a acentuar, parece, aliás, ter tudo para facilitar transições autoritárias e dificultar a mobilização antifascista. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

  • 1. Manuel Loff, "O nosso século é fascista!" O mundo visto por Salazar e Franco (1936-1945), Porto: Campo das Letras, 2008.
  • 2. Daniel Woodley, Fascism and Political Theory. Critical Perspectives on Fascist Ideology, Londres/NY: Routledge, 2010.
  • 3. Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos. História breve do século XX, 1914-1991, Lisboa: Presença, 1996.
  • 4. Der Untergang des Abendlandes: Umrisse einer Morphologie der Weltgeschichte, 2 vols., Viena: Braumüller, 1918, e Munique: C. H. Beck, 1922. Edição em português: A decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
  • 5. Enzo Traverso, Las nuevas caras de la derecha, trad. esp., Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2018, pp. 12, 18 [a edição original, contudo, intitula-se Les nouveux visages du fascisme, Paris: Textuel, 2017].
  • 6. O conceito de «antifascismo contrarrevolucionário» que Michael Seidman aplica àquelas três personagens e ao conjunto dos setores sociais que, nos EUA e nos Impérios britânico e francês, se empenharam na derrota dos nazis mas que, ao modo de Fukuyama, só teriam «[obtido] uma vitória completa quando o comunismo soviético se derrubou em 1989»(Antifascismos, 1936-1945. La lucha contra el fascismo a ambos lados del Atlántico, trad. esp., Madrid: Alianza, 2017, p. 27), parece-me essencialmente ahistórico por omitir a natureza de disputa imperial presente na guerra de Hitler contra as potências ocidentais.
  • 7. Engin F. Isin (2004), «The neurotic citizen», Citizenship Studies, 8:3, pp. 217-235.
Tipo de Artigo: 
Opinião
Lead de destaque: 
Com a republicação deste artigo de Manuel Loff assinalamos, neste dia 9 de Maio, os 79 anos da derrota do nazi-fascismo, na qual o Exército Vermelho e a União Soviética tiveram um papel determinante.
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Na mesma sessão, anunciaram os deputados Yaroslav Zhelezniak e Olha Sovhyria (o primeiro do partido Holos, da direita liberal, e a segunda do partido de Zelensky), foi aprovado um projecto de lei que proíbe a tomada de posições entendidas como sendo «pró-russas» na aplicação de mensagens instantâneas Telegram.

Este é o segundo momento, no período que se seguiu ao golpe de estado de 2014, em que partidos políticos são proibidos na Ucrânia, depois da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia em 2015 (à altura com 32 deputados, eleitos por 2 687 246 eleitores).

Zelensky dá continuidade ao seu trabalho na área da representação, interpretando, à letra, o poema de Bertold Brecht: «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)». Apenas resta saber, após a nova vaga, qual será o próximo grupo político a ser perseguido no país. Por enquanto, a extrema-direita não vê ser entreposto qualquer entrave à sua acção política e paramilitar.

Tipo de Artigo: 
Notícia
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Porém, as instituições de memória nacional da Polónia, pouco respeitadas pelo regime da NATO em vigor em Varsóvia, registam que a OUN (B), também sob o comando de Shukhevych, decidiu em Fevereiro de 1943 expulsar todos os polacos da região da Volínia para obter um «território etnicamente puro», incitando a «matar polacos e judeus-moscovitas».
E se, por hipótese remota, Shukhevych se converteu ao «pluralismo», devemos então deduzir que os seus herdeiros de hoje, comandados nominalmente pelo herói ocidental Zelensky, regrediram nesse aspecto. O regime, como se sabe, proibiu todos os partidos de oposição11 – o último foi o Partido Socialista – supostamente por terem apoiado os acordos de paz de Minsk, assinados pelo governo de Kiev. Recorda-se que a glorificação da violência foi um dos princípios fundadores do Estado ucraniano em Junho de 1941, em Lviv, sob o alto patrocínio de Stepan Bandera e dos ocupantes alemães.

O único «pluralismo» tolerado hoje por Kiev é o da nuvem de grupos nazis que controlam as rédeas do Estado.
Roman Shukhevych, entretanto, continua a ser alvo de homenagens e festivais de vários dias em sua honra. Às celebrações de 2017, por exemplo, seguiu-se um ataque a uma sinagoga12. Apesar de o anti-semitismo estar oficialmente extinto na Ucrânia e o chefe de Estado ser «um judeu».

Dois dos 18 trabalhos do artista Roman Bonchuk, «Judeu com um porco» (na foto) e outro quadro representando um monstro a fatiar uma Torah como shawarma foram retirados após um protesto da comunidade judaica local. Ivano-Frankivsk, Fevereiro de 2022 Créditos / Twitter

Nazismo à solta

No dia 30 de Março deste ano, mais de um mês depois do início da invasão militar russa da Ucrânia, a insuspeita CNN admitiu que o Batalhão Azov, cujos membros são olhados no Ocidente como «mártires» e «resistentes», tem um «histórico de tendências nazis que não foram totalmente extintas com a sua integração na Guarda Nacional» – corpo das Forças Armadas ucranianas13.
Meios de comunicação como The Economist, The Guardian e mesmo a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, um organismo de propaganda subordinado à CIA, admitiram mais de uma vez que grupos nacionalistas e «patrióticos» têm comportamentos ao nível das práticas, da simbologia usada e do culto da «pureza da raça» que remetem para a inspiração hitleriana. 
Josh Cohen, ex-membro da USAID – instituição golpista conspirativa ao serviço do Departamento de Estado norte-americano – escreveu na revista Atlantic Council, subordinada oficiosamente à NATO, que «A Ucrânia tem um problema real com a violência de extrema-direita e não, não foi a RT (Russia Today, censurada no Ocidente) que fez esta manchete». Revelou que «o grupo neonazi C-14» é financiado pelo governo de Kiev para desenvolver «projectos de educação patriótica»14, que outras organizações nazis têm elementos desempenhando altos cargos, principalmente no Ministério do Interior, na polícia e nas Forças Armadas; e deduziu que «a impunidade da extrema-direita também representa uma ameaça perigosa ao Estado da Ucrânia». Ainda segundo Cohen, «não são as perspectivas eleitorais dos extremistas que devem preocupar os amigos da Ucrânia, mas sim a falta de vontade ou a incapacidade do Estado para confrontar os grupos violentos e acabar com a sua impunidade».

Militantes do movimento neo-nazi C-14 desfilam para assinalar o 76.º aniversário da fundação da UPA, em Kyiv, a 14 de Outubro de 2018  CréditosOleg Petrasiuk / Kyiv Post

A realidade da situação ucraniana não escapou até ao FBI, como se deduz num relatório elaborado a propósito dos supremacistas brancos norte-americanos formados nas hostes do Azov. No documento pode ler-se que este grupo «é conhecido pela sua associação com a ideologia nazi e acredita-se que tenha participado no treino e radicalização de organizações de supremacia branca nos Estados Unidos»15.

O próprio New York Times costumava qualificar os terroristas ucranianos como «abertamente neonazis», definição que adoçou muito recentemente para «organizações ultranacionalistas» quando uma delegação do Azov, chefiada por um «sobrevivente de Azovstal», em Mariupol, visitou os Estados Unidos, onde participou em sessões públicas de homenagem «e se avistou com mais de cinquenta congressistas», de acordo com um dos membros da missão. O Azov, organização treinada por militares na reserva norte-americanos, correspondendo aos interesses manifestados pela NATO, ainda é considerado oficialmente em Washington como «um grupo nacionalista de ódio».

A negação, no Ocidente, da existência de nazis e banderistas na Ucrânia é uma patética tentativa de esconder da opinião pública o gigantesco apoio a um regime que cultiva a herança de Hitler e de colaboradores ucranianos do III Reich no extermínio de centenas de milhares de pessoas, em nome de um «Estado homogéneo e puro», entre os quais se destaca o «herói nacional» Stepan Bandera.

«Eu também sou um banderista», proclamou no Facebook o chefe da Polícia Nacional, Serhiy Kryazev; «trabalho no Ministério do Interior, sou banderista e estou orgulhoso disso», declarou Zoryan Shkyriak, conselheiro do Ministério do Interior; Anton Shevchenko, porta-voz do Ministério do Interior e da Polícia Nacional, fez a mesma profissão de fé.

O vice-ministro do Interior, Vadim Troyan, veterano do Azov e do grupo Patriota da Ucrânia, declarou-se igualmente banderista, soltou um «Slava Ukraina» e pediu oficialmente «desculpas», em nome do Ministério, quando um oficial da polícia dispersou um ajuntamento de nazis e chamou «banderista» a um deles.

As informações foram divulgadas por Christopher Miller, jornalista da Rádio Europa Livre e do site Bellingcat, um dos órgãos oficiosos da NATO16. Michael Colborne, também um profissional deste site, definiu o Azov como «um perigoso movimento extremista nazi» com «ambições globais».

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país. Créditos

A verdade da ditadura

A acumulação na Ucrânia de elementos comprometedores para a «democracia liberal», conceito que domina a propaganda atlantista, é tão evidente que forçou a Rádio Europa Livre a reconhecer que a «polícia ucraniana declara admiração por colaboradores nazis». Parafraseando o atrás citado Josh Cohen, «não, não foi a RT que disse isto».

Multiplicam-se os exemplos de que o Estado ucraniano, com Volodymir Zelensky – tal como aconteceu com o seu antecessor Petro Porochenko –, está minado por organizações nazis de inspiração banderista/nacionalista integral, que actuam através da presença de membros nas estruturas de influência dos órgãos de decisão, reforçada, quando é caso disso, por acções de intimidação e chantagem que não poupam o próprio presidente. Essas nomeações não seriam possíveis sem o aval dos chefes dos departamentos mais determinantes na hierarquia do Estado17.

Azov, Aidar, Dniepr 1 e Dniepr 2, Tridente, Batalhão Donbass, Sector de Direita, C-14 e mais alguns são grupos que, em última análise, exprimem através da acção o que algumas vezes tentam desmentir no discurso oficial, isto é que são inspirados pelos «heróis» do Estado nacionalista integral fundado em 1941 sob a cobertura das tropas alemãs invasoras da Ucrânia Soviética. Uma parceria que as instituições oficiais de «memória» tentam agora esfumar através da censura de livros e do argumento segundo o qual os colaboracionistas também foram vítimas dos alemães. Desconhecem-se, porém, as provas de que alguma vez as organizações banderistas como a OUN ou a UPA tenham atacado forças militares hitlerianas.

Pelo contrário, a História real revela que Yevgeny Konovalets, fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica.

«Yevgeny Konovalets , fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica»

Primeiro presidente da OUN, Konovalets dirigira antes, a partir de 1920, a Organização Militar Ucraniana (UVO), dedicada à acção armada contra o poder soviético e também contra a Polónia, depois do fracasso da chamada «República Popular da Ucrânia» (1917-1920). Foi também precursor da aliança entre a Alemanha e os nacionalistas integrais ucranianos, mas não chegou a integrar operacionalmente os grupos colaboracionistas porque em 1938 foi vítima mortal de um atentado na Holanda, atribuído aos serviços secretos soviéticos18.

Os restos mortais de Konovalets estão hoje ao lado dos de Bandera, Melniuk e outros «heróis nacionais» da OUN/UPA numa secção especial do cemitério de Lychakivskiy, em Kiev, dedicada à «luta pela independência nacional da Ucrânia».

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado desde a independência, em 1991. Apesar de a participação nos centros de decisão ser hoje mais discreta, conduzida sobretudo nos bastidores e não tanto em cargos executivos directos, o seu poder determina as linhas de rumo do aparelho estatal no sentido nazi/banderista – o que aliás não é difícil de perceber através da institucionalização, de facto, de um sistema ditatorial: adopção de um apartheid oficial (lei dos povos indígenas), apoiado em teorias de «purificação da raça»; a supressão dos partidos de oposição; a destruição de milhões de livros ao estilo hitleriano; a violência terrorista contra os direitos de opinião, de expressão e manifestação; a homofobia e a perseguição das minorias em geral; as operações de limpeza étnica na região do Donbass; as restrições sindicais e laborais; a proibição de línguas minoritárias – e não apenas o russo; o encerramento de jornais e de cadeias de rádio e televisão, acompanhado pela imposição de uma programação única às restantes sob as ordens dos serviços de segurança; uma polícia política (SBU) sem freios; e a circulação de uma lista inquisitorial contendo os dados pessoais dos «inimigos do Estado» a neutralizar, se necessário eliminar – como tem acontecido frequentemente.

Os nazis ucranianos não inventaram a roda; os seus protectores ocidentais é que, arrastados pela necessidade de não perderem o domínio mundial, assumem o totalitarismo e a ditadura como expressões da «democracia liberal», talvez porque, como proclama o inconfundível Borrell, existem efectivamente dois pesos e duas medidas no cenário internacional. Ou, como disse o veterano criminoso de guerra Henry Kissinger, os Estados Unidos apoiam este ou aquele ditador «porque são os nossos ditadores».

Os «nossos» homens em Kiev

Andriy Biletsky, Dmytro Yarosh, Andriy Parubi, Oleh Tyahnybok e Yehvan Karas são alguns nomes da estrutura nazi que envolve e influencia os órgãos de poder ucranianos.

Quase todos eles são oriundos do Partido Nacional-Social (a designação não deixa dúvidas sobre as suas fontes ideológicas) e a partir dessa organização, depois denominada Svoboda (Liberdade), acabaram por fundar os diversos grupos que actuam no terreno, principalmente na sequência do golpe da Praça Maidan. Partilham o conceito de supremacia étnica ucraniana, a ideia de «Estado puro e homogéneo» (espelhando a herança de Dmytro Dontsov), o culto da violência e de Stepan Bandera, o nacionalismo integral, simbologias e práticas de inspiração nazi.

A maioria dos grupos nazis que se foram formando receberam grande parte dos apoios financeiros do corruptíssimo oligarca Ihor Kolomoysky, um judeu com dupla nacionalidade ucraniana e israelita proprietário da estação de televisão onde o humorista Volodymir Zelensky ganhou fama desempenhando, numa série de ficção, o papel que exerce agora na chefia do Estado. A sua campanha política foi financiada efectivamente por Kolomoysky – e agora partilham a fama devida a quem pertence à elite das grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais, como demonstra, sem espaço para equívocos, a investigação jornalística Panama Papers.

«A missão histórica da nossa nação, neste momento crítico, é liderar as raças brancas do Mundo numa cruzada pela sua sobrevivência. A cruzada contra os sub-humanos conduzidos por semitas»

Andriy Biletsky

Andriy Biletsky é conhecido como «o führer branco» e tem um elucidativo cartão de apresentação: a missão da nação ucraniana é «liderar as raças brancas na cruzada final contra os sub-humanos conduzidos pelos semitas», escreveu no livro que se tornou a bíblia dos acampamentos juvenis onde crianças e adolescentes recebem formação doutrinária nacionalista e treino militar. É um dos fundadores do Partido Nacional-Social e, posteriormente, dos seus derivados Svoboda e Patriota da Ucrânia. Mais tarde, na vertigem nacionalista integral do golpe de Maidan, Biletsky fundou o Azov e as respectivas milícias paramilitares que se incorporaram em órgãos de vigilância municipais, verdadeiros grupos de assalto e, por fim, na Guarda Nacional.


Biletsky tornou-se um dos assessores principais do primeiro-ministro Arsen Avakov, designado na sequência do golpe de Maidan pelos norte-americanos Victoria Nuland, do Departamento de Estado, e Geoffrey Pyatt, embaixador em Kiev, sob a batuta do então vice-presidente Joseph Biden, beneficiário de lucrativos negócios nos combustíveis fósseis ucranianos através do filho Hunter Biden.

A estrutura do primeiro governo depois da mudança de regime incluiu dez membros de partidos e grupos nazis. A operação golpista custou cinco mil milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos, segundo informações divulgadas pela própria senhora Nuland.

Como assessor do chefe do governo, Biletsky atribuiu ao então recém-fundado Batalhão Azov a missão de «Polícia de Patrulha de Tarefas Especiais». A organização criou para isso uma unidade nacional de vigilância territorial designada Druzhina, uma réplica das SA hitlerianas que prestou juramento perante o próprio fundador do Partido Nacional-Social.

Hoje a actuação de Biletsky processa-se mais na sombra, mas nem por isso é menos eficaz. Muito recentemente foi o organizador da marcha nacionalista sobre Kiev para «dissuadir» Zelensky de chegar a qualquer acordo com a Rússia. A iniciativa integrou-se no conjunto de acções para intimidar o presidente no caso de este se desviar da agenda nazi que, por exemplo, impediu a aplicação dos Acordos de Minsk, neste caso com as conivências dos governos da Alemanha e da França. A ex-chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês François Hollande confessaram recentemente que os Acordos de Minsk, entretanto transformados em resolução das Nações Unidas, não eram para cumprir e não passaram de meros instrumentos para a Ucrânia ganhar tempo e adquirir poder militar que lhe permitisse travar uma guerra contra a Rússia.

Dmytro Yarosh foi um dos cofundadores do Partido Nacional-Social e depois encabeçou uma das suas derivações, o Sector de Direita. Os destacamentos deste grupo de orientação nazi têm-se distinguido na retaguarda das tropas ucranianas envolvidas na guerra, «desencorajando», e mesmo fuzilando, os militares que em situação crítica perante a superioridade operacional russa tentam salvar a vida desertando.

Yarosh foi o organizador do massacre na Casa dos Sindicatos, em Odessa, em 2 de Maio de 2014. O Sector de Direita incendiou o edifício onde se tinham refugiado dezenas de manifestantes contra o golpe de Maidan e pelo menos 48 pessoas perderam a vida. Segundo o chefe dos terroristas, tratou-se de um acto «para defender toda a Ucrânia dos ocupantes internos» e «realizar a revolução nacional». Yarosh chegou a ser colocado na lista dos procurados pela Interpol inserida no site desta organização; num golpe de magia, porém, o seu nome desapareceu rapidamente do rol.

Integrando a estrutura que supervisiona na sombra o comportamento do presidente, do governo e do aparelho de Estado, Yarosh, tal como Biletsky, tem Zelensky sob mira. Foi marcante a sua declaração segundo a qual «Zelensky disse no discurso inaugural que estava pronto a perder audiência, popularidade, força (no caso de fazer acordo com a Rússia). Não», acrescentou, «ele perderia a vida, seria pendurado numa árvore qualquer em Khreschatyk no caso de trair a Ucrânia e as pessoas que morrem na revolução e na guerra. É muito importante que ele entenda isso».

Também nas palavras de Yarosh, «sinto que Zelensky é muito perigoso para nós, ucranianos»; ele «não conhece os perigos deste mundo e as suas declarações de paz a qualquer custo são perigosas para nós».

Quanto ao futuro, Yarosh quer dedicar-se à escrita «para ajudar nacionalistas e patriotas ucranianos a ter uma nova visão sobre o país numa base ideológica sólida: o legado» de figuras como Dontsov, Konovalets, Stepan Bandera, entre outros.

Oleh Tyahnybok fazendo a saudação nazi Créditos / Twitter

Para já, a sua tarefa cumpre-se visivelmente no activo. Em 2021, Zelensky nomeou Yarosh como conselheiro do chefe do Estado Maior das Forças Armadas ucranianas, general Valerii Zaluzhny. O presidente achou mais seguro «entender» as mensagens do chefe do Sector de Direita.

Andriy Parubiy é outro dos nacionalistas integrais admiradores de Stepan Bandera que fez o percurso do Partido Nacional-Social até ao Movimento Azov, passando pelo Svoboda e pelo Patriota da Ucrânia.
Em 2016, invocando sempre Stepan Bandera como referência, tornou-se chefe do Conselho de Segurança e de Defesa da Ucrânia. Foi igualmente presidente da Rada (Parlamento) através do partido do presidente Petro Porochenko, também ele ferozmente segregacionista, como se percebe consultando os seus discursos. O facto de Parubiy, oriundo do Azov, ter sido eleito pelos deputados da Rada como presidente da instituição é relevante para se perceber como o regime da Ucrânia, sobretudo pós-Maidan, atribui alguns dos mais altos cargos do Estado a banderistas confessos.

A falta de pudor é extensiva aos governos dos Estados Unidos e de países da União Europeia que receberam oficialmente Parubiy, com muita cordialidade, apesar de este nunca se ter preocupado em esconder as fotos de manifestações onde participou ostentando simbologia nazi.

É certo que, ao tornar-se deputado pelo partido de Porochenko, Andriy Parubiy teve de desligar-se formalmente do Movimento Azov. Porém, numa entrevista concedida em 2016, em pleno exercício do cargo de presidente do Parlamento, assegurou que não abdicou dos seus «valores».

Oleh Tyahnybok19 é outro membro da superestrutura nazi que controla o Estado ucraniano. Chefia o Svoboda desde 2004, enquanto é aliado de Yarosh no Sector de Direita, depois de ter participado na fundação do Partido Nacional-Social em 1991; em 1998 foi integrado no Conselho Supremo da Ucrânia. Esteve nas cogitações de Biden e Nuland para chefiar o governo ucraniano pós-Maidan e tornou-se deputado.

O então vice-presidente Joe Biden cumprimenta Oleh Tyahnybok durante um encontro no parlamento, em Kiev, a 22 de Abril de 2014 CréditosAnastasia Sirotkina / REUTERS

Ao longo da carreira nunca escondeu as suas simpatias pela geração ucraniana colaboradora do regime de Hitler e exibe-se como personagem de destaque das manifestações anuais em honra de Bandera nas quais se grita «fora os judeus», «enforquem-se os russos». Fotos destes acontecimentos captaram-no a fazer a saudação nazi em cima do palanque instalado no final de um dos desfiles. Em Abril 2014, pouco depois do golpe de Maidan, o então vice-presidente Joe Biden mostrava-se sorridente ao encontrar-se em Kiev com o nazi Tyhanybok.

O chefe do Svoboda trabalhou activamente para o reconhecimento da importância do papel da UPA na história da Ucrânia. Ainda muito antes do golpe de Maidan fez um discurso junto às sepulturas de oficiais daquela organização: «Vocês são aqueles que a máfia judaica-moscovita que governa a Ucrânia mais teme; vocês lutaram contra os moscovitas e os judeus». Tyahnybok pediu em 2005 ao presidente Yushenko, entronizado depois de uma «revolução cor-de-rosa» organizada por Washington, a realização de uma investigação sobre «as actividades criminosas do judaísmo organizado na Ucrânia». Jura que não é anti-semita.

José Goulão, exclusivo AbrilAbril

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Um dos grupos menos conhecidos, mas não menos interventivo ao nível das esferas de decisão, é o C-14, agora renomeado Fundação Futuro. Trata-se da organização juvenil do partido Svoboda e tem uma acção intensiva na doutrinação racista dos jovens ucranianos «puros», sobretudo na educação do ódio aos russos, definidos como «sub-humanos». O «14» presente na denominação da organização relaciona-se com as 14 palavras da expressão programática originalmente divulgada pelo neonazi norte-americano David Lane: «Temos de assegurar a existência do nosso povo e o futuro para as crianças brancas».

O C-14 ou Fundação Futuro – o Svoboda também usa, significativamente, a designação Sociedade do Futuro – é chefiado por Yevhen Karas e tem uma actividade diversificada, em grande parte subsidiada pelo governo. É o caso dos projectos de «educação nacional-patriótica» elaborados pelo seu Conselho de Educação e que são financiados pelo Ministério da Juventude e Desportos. Entre as iniciativas incluem-se campos de juventude para doutrinação ideológica e treino militar, competições desportivas apenas para crianças «brancas», a promoção de concertos com bandas nazis e negacionistas do Holocausto, como o grupo Sakyra Peruna. Num dos espectáculos promovidos em 2019 com a actuação desta e outras bandas afins estiveram presentes o então primeiro-ministro Oleksiy Honcharuke, envergando uma camisa negra, e a ministra dos Assuntos dos Veteranos, Oksana Koliada.

Destruição e saque de acampamentos de ciganos (seis em dois meses durante 2018), operações nas quais contam frequentemente com apoio policial; operações de polícia municipal e violentas patrulhas de rua no oblast (província) de Kiev; decoração de edifícios públicos com símbolos e bandeiras nazis, ataques contra manifestações LGBT e de organizações de oposição ao regime são acções em que o C-14 particularmente se distingue. Um dos assaltos a um acampamento de ciganos foi programado para 20 de Abril de 2018, de maneira a coincidir com a data de nascimento de Hitler.

«O Aidar, transformado em batalhão de assalto, os grupos Dniepr 1 (muito elogiado pelo falecido senador fascista norte-americano John McCain) e Dniepr 2, Trident, Donbass, têm todos as suas origens remotas no Partido Nacional-Social como herdeiro do espólio ideológico nazi-banderista.»

Nesse mesmo ano, Serhiy Bondar, um dos chefes do grupo, proferiu uma conferência sobre Segurança da Comunidade na America House de Kiev, uma instituição oficial norte-americana. Segundo fontes de oposição, os serviços secretos SBU recorrem ao C-14 para a execução de «tarefas» à margem das leis em vigor, da mesma maneira que os Estados Unidos «deslocalizam» as práticas de tortura para prisões secretas em países aliados. Um dos resultados prováveis dessa «delegação de poderes» foi o assassínio do jornalista Oles Buzina, liquidado a tiro perto de casa em Abril de 2015.

O C-14 e o Movimento-Batalhão Azov foram integrados no Conselho Público do Ministério dos Assuntos dos Veteranos.

Dmytro Riznychenko, um dissidente do grupo, revelou à «Rádio Svoboda» que «no C14 são todos nazis». O Ocidente «dá-nos armas para nos divertirmos a matar», costuma proclamar o chefe da organização, Yevhen Karas.

«O nacionalismo é exactamente o que a Ucrânia precisa», assegurou Anne Applebaum, destacada jornalista norte-americana de origem judaica galardoada com um prémio Pulitzer e casada com Radoslaw Sikorski, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do regime nacional-fundamentalista da Polónia. Sikorski voltou momentaneamente à ribalta há dias quando defendeu que a Ucrânia devia possuir armas nucleares e usá-las contra a Rússia.

O Congresso Mundial Judaico, o Memorial do Holocausto nos Estados Unidos e 57 congressistas norte-americanos não partilham da opinião de Applebaum e condenam «a glorificação nazi» sob o regime de Kiev.

Zelensky e a moral da história

Zelensky é judeu, portanto não pode ser nazi, ouve-se na União Europeia e nos Estados Unidos da boca de quem parece querer aliviar a consciência (se a tivesse) pelo fornecimento de toneladas de armas e milhares de milhões de euros e dólares a um regime dominado por um aparelho aparentado com o terror hitleriano.

O silogismo é absurdo. A sua invocação pode até criar um problema existencial ao próprio Aristóteles, tentado assim a rever o seu Organon.

O presidente em exercício da Ucrânia costumava brincar com a ascendência judaica, que dizia não ter qualquer influência na sua vida: «O facto de ser judeu não chega a ser a vigésima na minha longa lista de falhas». Isto foi antes de entender que seria útil e oportuno invocar essa circunstância para tentar repelir as acusações de que estava à cabeça de um regime nazi.

Será Volodymyr Zelensky originalmente um nazi convicto como Biletsky ou Yarosh, proeminentes figuras do aparelho que controla o regime? Assumamos a improvável hipótese de não ser, de não passar de uma figura do showbiz bacoco, apesar disso com talento para a comunicação – o que não é difícil quando se é levado ao colo por 160 agências transnacionais da especialidade, com enorme experiência em mentiras, manipulação, estratégias de engano, sound bites para vender desde detergentes a discursos de primeiros-ministros.

Andriy Biletsky (centro), fundador do Batalhão Azov  Créditos

O presidente ucraniano caminha entre a ficção e a realidade, tentando equilibrar-se como um funâmbulo em apuros porque a sua especialidade circense são as piadas obscenas e porno-boçais. Deram-lhe o mundo para brincar, como fazia o outro, incarnado, porém, por um genial actor em O Grande Ditador, e agora está o planeta e estamos todos à beira do mais negro dos abismos. O maior irresponsável, na verdade, não é o próprio, mas os que lhe movem os cordelinhos, lhe oferecem armas «para nos divertirmos a matar», como diz Karas, o chefe do C-14, e vão até ele prestar vassalagem levando milhões de milhões roubados cinicamente aos cidadãos, sabe-se lá com que destino final.

Em abono da verdade deve dizer-se que Zelensky não necessitou de um talento especial para transformar a sua carreira de actor de ficção no papel de chefe da junta golpista de Kiev. Mudou de palco, mas continuou na área do fingimento e do faz de conta, temperados agora com a mentira inerente à actividade dos mentores políticos. A sua campanha eleitoral baseou-se no estabelecimento da «paz» no país, designadamente através da aplicação dos Acordos de Minsk, estratégia que lhe valeu obter no martirizado Donbass a enorme maioria para derrotar amplamente o seu rival, conhecido nesta região como «Porochenko o fascista».

A população da Ucrânia não se revia no clima de guerra criado com o golpe de Maidan, que derrubou um governo democraticamente eleito, seguido do assalto das forças regulares e dos grupos nazis contra a população maioritariamente russa do Leste e Sudeste do país. Foi esse facto, conjugado com as promessas de «reconciliação», que catapultou a eleição de Zelensky.

«O presidente ucraniano caminha entre a ficção e a realidade, tentando equilibrar-se como um funâmbulo em apuros porque a sua especialidade circense são as piadas obscenas e porno-boçais.»

Ora Zelensky, da mesma maneira que os tutores ocidentais, certamente sabia que os acordos de Minsk não eram para aplicar, como já garantia o próprio Porochenko e Merkel e Hollande agora confirmaram; pelo que a campanha do candidato vencedor assentou sempre numa ilusão, uma rábula como quaisquer das suas performances como actor – esta tendo, porém, como consequência bem real e dramática a chacina de centenas de milhares de seres humanos.

Como ficámos a saber muito recentemente, o ditador de Kiev nunca pensou, de facto, em respeitar os acordos de Minsk. Montou a campanha eleitoral com base numa fraude, driblando Porochenko porque conseguiu mentir mais e melhor, ou não se tratasse de um especialista em fazer de conta. Numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, publicada em 9 de Fevereiro último, o chefe do regime de Kiev confessou que «fingiu apoiar os Acordos de Minsk para uma troca de prisioneiros com a Rússia e dar tempo ao país para se preparar para a guerra». Acrescentou que revelou isso mesmo à chanceler Merkel e ao presidente Macron porque «as concessões» contidas nos acordos, mesmo que transformadas em resolução das Nações Unidas, eram «inaceitáveis». «Não podemos implementá-los», assegurou. A França e a Alemanha anuíram, da mesma maneira como posteriormente o Reino Unido e toda a NATO invalidaram as possibilidades de entendimento entre a Ucrânia e a Rússia que chegaram a ser desenhadas em Istambul, em Março de 2022. Como explicou agora o próprio Zelensky perante o Parlamento Europeu.

De facto, torna-se quase impossível negociar e fazer valer acordos com esta gente, sempre de mentira e má-fé em riste.

A realidade da Ucrânia pós-Maidan, e mesmo pós-independência em versão mais benigna, acabou por arrasar todas hipóteses apresentadas como bem-intencionadas, mesmo as mais estrambólicas.

Se Zelensky não era originalmente nazi, as circunstâncias do mito de uma Ucrânia nórdica, branca, pura e homogénea transportado até hoje pelas almas sangrentas de Dontsov, Bandera, Setsko, Shukhevych e outros «heróis nacionais», colocaram-no ao serviço de um sistema nazi. O que, em termos práticos, não faz qualquer diferença.

Comemoração do 114º aniversário de Stepan Bandera, junto ao monumento do líder da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), em Lviv, Ucrânia, 1 de Janeiro de 2023 CréditosMykola Tys / EPA

Sendo Zelensky judeu nada o impede, como está à vista de todos, de encabeçar um regime de inspiração nazi-banderista. Não faltam na História os casos de colaboração de judeus com o Reich e com ideologias nazi-fascistas. O depois primeiro-ministro israelita Menahem Begin não teve pejo em recorrer a formadores hitlerianos para tornar operacional o seu grupo terrorista Irgun, um dos pilares em que assentou posteriormente o actual exército de Israel. Zelensky tem obrigação, apesar do diletantismo mais ou menos alienado de grande parte da sua vida, de conhecer o caso de Zeev Jabotinsky, destacadíssima figura sionista de origem ucraniana, também ele um dos fundadores do Irgun, que se colocou ao lado dos nazis alemães por ocasião da invasão da União Soviética; chegou, apesar disso, a administrador Congresso Mundial Judaico e os seus restos mortais foram acolhidos com todas as honras em Israel, terra de apartheid, tal como a Ucrânia de hoje. O secretário pessoal de Jabotinsky foi o pai de Benjamin Netanyahu, o conhecido e eterno primeiro-ministro de Israel, por sinal o maior amigo de Volodymir Zelensky na clique governante do sionismo.

E como será que os seguidores do mito segundo o qual o presidente ucraniano sendo judeu não pode ser nazi resolverão esta intrigante equação: o facto de Kolomoysky, o patrão mediático e financiador da campanha presidencial de Zelensky, que ajudou a fundar e sustenta com verbas principescas os grupos nazis ucranianos, entre eles o Azov, ser também o presidente da Comunidade Judaica Unida da Ucrânia? A memória da chacina de dezenas de milhares de judeus pelo nacionalismo integral que governa o seu país certamente não o incomoda.

A farsa durou pouco

Entretanto, as virtuais boas intenções «pacifistas» de Zelensky usadas na campanha de mentira dissiparam-se logo que tomou posse. A partir daí a superestrutura nazi-banderista que manda em Kiev decidiu que era tempo de acabar com a rábula e os fingimentos

Bastou a primeira deslocação presidencial para Leste depois das eleições, com destino a Zolote, na chamada zona cinzenta de separação entre os dois lados em conflito, para as dúvidas se dissiparem.

Recebido pelos comandantes do Azov e outros agrupamentos nazis envolvidos na campanha «Não à capitulação» – contra os Acordos de Minsk e outras iniciativas para atenuar as tensões militares -, Zelensky chegou ainda a defender uma redução dos armamentos presentes na linha da frente, de modo a gerar um ambiente de confiança, ainda que ténue, susceptível de prolongar por mais algum tempo o período sem guerra aberta. A resposta dos comandantes nazis foi de extrema dureza contra o presidente e os vídeos da altercação rapidamente correram os meios de comunicação nacionalistas e as redes sociais, gerando uma poderosa vaga de intimidação e chantagem contra o novo titular nominal do poder em Kiev.

Andriy Biletsky prometeu mobilizar novos contingentes de milhares de paramilitares para contrariar as sugestões de Zelensky e depois comandou a marcha sobre Kiev contra hipotéticos esforços de paz; um deputado do partido de Porochenko fez uma intervenção parlamentar ameaçando que uma granada lançada por um membro de um grupo «patriótico» poderia explodir em qualquer lado, até junto do presidente; Dmytro Yarosh afirmou, recorda-se, que as supostas intenções de paz do chefe de Estado «são perigosas para nós» – e também para o próprio, que poderia ser «pendurado numa árvore».

Tudo voltou então aos tempos de Porochenko, segundo o qual o governo da região ocidental da Ucrânia nunca pensou em cumprir os Acordos de Minsk, assinados apenas para «ganhar tempo» e reforçar a guerra contra o Donbass. Entre Porochenko e Zelensky diluíram-se as diferenças, mesmo que improváveis; e em Kiev continuaram a mandar os mesmos de sempre.

Foi isso que aconteceu a partir do momento em que Zelensky ficou refém da teia nazi envolvendo o Estado ou então se converteu definitivamente à «ordem nacional» herdada de Dontsov, Bandera e outros nacionalistas integrais homens de mão do expansionismo do III Reich.

Zelensky emergiu então segundo o modelo que hoje conhecemos. Um verbo de encher atrevido, sem limites, megalómano, irresponsável e insensível perante o valor da vida humana, um nacionalista feroz e ao mesmo tempo um bobo de corte dos poderes internacionais que não têm qualquer pudor em usar o nazismo como tropa de choque ao serviço dos seus interesses maníacos e totalitários, da mesma maneira que o fazem com a al-Qaida e o Isis – a conhecida «ordem internacional baseada em regras». Nacionalismo integral ucraniano e nazismo, uma velha parceria, como sempre útil às tentações hegemónicas, sejam da Alemanha de Hitler ou do império ocidental comandado pelo regime dos Estados Unidos da América. Afinal, o verdadeiro Estado pária e terrorista, como mais uma vez ficou demonstrado ao bombardear os gasodutos Nord Stream.

«Zelensky emergiu então segundo o modelo que hoje conhecemos. Um verbo de encher atrevido, sem limites, megalómano, irresponsável e insensível perante o valor da vida humana, um nacionalista feroz e ao mesmo tempo um bobo de corte dos poderes internacionais que não têm qualquer pudor em usar o nazismo como tropa de choque ao serviço dos seus interesses maníacos e totalitários, da mesma maneira que o fazem com a al-Qaida e o Isis – a conhecida "ordem internacional baseada em regras".»

Zelensky tornou-se inimigo da paz até ao sacrifício do último ucraniano; transforma sistematicamente os colaboracionistas nazis em «heróis nacionais», acha que os ucranianos têm todo o direito a ser banderistas porque isso «é fixe», deixou a sua assinatura na lei racista dos «povos indígenas» ou autóctones, eliminou os partidos de oposição, esvaziou as bibliotecas ao destruir milhões de livros, permitiu que se criasse aquilo que a Rádio Europa Livre – imagine-se! – qualifica como «uma atmosfera arrepiante para os jornalistas».

Para não deixar dúvidas quanto à sua posição, negando totalmente o que prometera na campanha eleitoral, Zelensky convocou em Outubro de 2019 uma reunião de trabalho com o pleno dos grupos terroristas nazis. «Encontrei-me hoje com os veteranos», explicou o presidente. «Estiveram todos presentes, o Corpo Nacional, o Azov, toda a gente». Anote-se a veneração e o respeito que Zelensky expressou em relação aos interlocutores, tratando-os como «veteranos».

Em 1 de Dezembro de 2021, o chefe nominal do regime da Ucrânia condecorou como «herói nacional», em pleno Parlamento, o comandante do Sector de Direita, Dmytro Kotsubaylo. O seu grupo fuzila os soldados ucranianos quando tentam desertar; Kotsubaylo costuma «brincar» com os jornalistas dizendo que «os meus homens alimentam-me com ossos de crianças que falam russo». É-lhe atribuído o lançamento da campanha «Não à capitulação».

Pouco antes desse acto, Zelensky fez-se representar, tal como o seu ministro da Defesa, no funeral de Orest Vaskoul, antigo membro do ramo ucraniano das SS alemãs. A alma do falecido criminoso de guerra foi encomendada ao Senhor pela Igreja Autocéfala da Ucrânia, entidade responsável pelas doutrina e liturgia de uma religião de Estado assente nos mitos nacionalistas integrais, enquanto os esbirros do regime destroem templos e perseguem politicamente os dignitários da Igreja Cristã Ortodoxa, a mais seguida pelos ucranianos religiosos, com o senão de ter sede em Moscovo. A urna do SS Vaskoul foi coberta com a bandeira da Ucrânia.

E chega o Colar da Liberdade para o ditador

É a um sociopata capaz de gestos doentios como estes, cujo conhecimento está bem à disposição de quem tem espírito livre para avaliar todos os ângulos de causas, efeitos e comportamentos, que o venerando chefe de Estado de Portugal, recuando para a obscenidade de atitudes próprias do seu antecessor Thomaz, decidiu entregar a Ordem da Liberdade. Uma consagração da qual não são dignos, segundo os critérios de Belém, tantos dos corajosos militares que fizeram o 25 de Abril.

Não bastava o inqualificável Zelensky ter perorado em S. Bento em pleno período das comemorações do 25 de Abril, aliás para insultar este mesmo movimento libertador comparando-o ao golpe fascista de Maidan. Agora, o chefe de Estado oferece a própria insígnia da Liberdade a uma figura à medida dos negros tempos portugueses em que, a exemplo da Ucrânia de hoje, os partidos políticos de oposição eram proibidos, os antifascistas penavam na cadeia ou eram assassinados, livros eram impublicáveis, retirados de circulação ou destruídos, os meios de comunicação censurados, sujeitos a uma programação única, jornalistas presos; e a PIDE, inspirada e treinadas pela Gestapo nos alvores da sua existência, revive hoje na SBU ucraniana, que tem iguais mestres e metodologias.

|

O 25 de Abril e o convidado neonazi

Que país é este em que 48 anos depois do 25 de Abril qualquer opinião que não coincida com a doutrina oficial e ouse dizer de Zelensky aquilo que realmente é traduz um apoio ao autocrata Putin?

CréditosManuel de Almeida / EPA

Vamos ver se nos entendemos.

Sem meias palavras, sem reticências, sem redundâncias nem floreados.

Exactamente 48 anos depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, que derrotou o fascismo em Portugal, a Assembleia da República, dita «a casa da democracia», decidiu convidar para discursar o chefe nominal de um aparelho de poder nazi.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, não é um democrata. Foi designado em eleições não democráticas uma vez que parte significativa do eleitorado não teve condições para votar devido à guerra imposta pelo regime do mesmo Zelensky em várias regiões do país.

O regime de Kiev é suportado por um aparelho político, policial e militar nazi inspirado no nacionalismo integralista ucraniano nascido na segunda década do século passado e do qual os herdeiros, em pleno auge do expansionismo hitleriano, colaboraram com as tropas e as SS alemãs em chacinas de milhares de polacos, judeus e cidadãos soviéticos – ucranianos e russos. Stepan Bandera, um dos colaboracionistas hitlerianos mais carismáticos dos anos quarenta, é hoje o «herói nacional» da Ucrânia de Zelensky e a figura de referência dos grupos políticos, militares e dos esquadrões da morte que sustentam o regime.

«O regime de Kiev é suportado por um aparelho político, policial e militar nazi inspirado no nacionalismo integralista ucraniano nascido na segunda década do século passado e do qual os herdeiros, em pleno auge do expansionismo hitleriano, colaboraram com as tropas e as SS alemãs»

O regime dirigido por Volodymyr Zelensky proibiu o Partido Comunista da Ucrânia. Já depois disso interditou mais 11 partidos. Aleksander e Mikhail Kononovich, dirigentes da União da Juventude Comunista Leninista (organização proibida) estão presos às ordens da polícia política (SBU) e há notícias de terem sido torturados. Denis Kirev, membro da delegação ucraniana às negociações em curso com a Rússia, foi assassinado numa rua de Kiev pela polícia política depois de ter sido designado como «suspeito de traição». Recentemente foi a vez de Viktor Medvedchuk, um dos dirigentes do partido de oposição Plataforma de Oposição – Pela Vida, com a prisão do qual Zelensky atingiu o grau da ignomínia, propondo entregar à Rússia o seu adversário, um cidadão ucraniano, em troca de compatriotas seus feitos prisioneiros pelos russos.

O actual chefe da contra-espionagem do SBU, Oleksandr Poklad, nomeado por Zelensky em 2021, conhecido por «Estrangulador» devido à sua forma favorita de torturar prisioneiros, é uma personagem comprovadamente ligada ao crime organizado, aos vários grupos nazis que orbitam na presidência, e acusado de execuções extrajudiciais. Foi condecorado por Zelensky com a «Ordem da Coragem». O presidente ucraniano também agraciou recentemente, em pleno Parlamento de Kiev, o comandante do Batalhão nazi Azov, um corpo integrado na Guarda Nacional, que compareceu ao acto envergando farda de combate.

Entre as mais recentes nomeações de Zelensky destaca-se a de Dmitry Yarosh, fundador e dirigente de organizações nazis, designadamente o Sector de Direita, como conselheiro do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valerii Zalushnyi. A 1 de Março passado o presidente ucraniano substituiu o governador regional de Odessa por Maksym Marchenko, um ex-comandante do neonazi Batalhão Aidar que está acusado de crimes de guerra cometidos na região do Donbass.

Sobre a relação do regime de Zelensky com a democracia, a população do país e as opiniões divergentes pode ler-se num Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: «O ACNUDH documentou alegações de desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e incomunicáveis, tortura e maus-tratos perpetrados com impunidade por polícias ucranianos, principalmente por elementos do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).»

Também um relatório publicado pelo Departamento de Estado norte-americano reconhece o seguinte: «A ONU observou deficiências significativas nas investigações sobre abusos de direitos humanos cometidos pelas forças de segurança do governo […] em alegações de tortura, desaparecimentos forçados, detenção arbitrária e outros abusos supostamente perpetrados pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).»

Ou ainda, segundo o mesmo relatório: «Nenhuma justiça, verdade ou reparação foi alcançada para qualquer uma das vítimas de desaparecimento forçado, detenção secreta e tortura de civis pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) e nenhum suspeito foi processado».

Descrições que fazem lembrar singularmente as práticas de Pinochet e de outros regimes afins. Os quais, ainda que com algum pudor, são qualificados como fascistas pela generalidade dos poderes ocidentais.

O nacionalismo ucraniano, de que Volodymyr Zelensky é presentemente o representante nominal máximo, assenta ideologicamente no conceito de «nação pura» defendido pelo integralismo fundador e reproduzido actualmente na obra de Andryi Biletsky, fundador do Batalhão Azov, sobre a necessidade de uma «cruzada branca», no imediato contra os «negros da neve», uma das designações usadas para os ucranianos de origem russa. As suas ideias servem de base doutrinadora nos acampamentos da juventude organizados por entidades governamentais e nos quais se ministra treino militar às crianças.

As marchas com tochas organizadas regularmente em Kiev e Lvov para homenagear a memória do nazi e «herói nacional» Stepan Bandera, com numerosas estátuas e nomes de avenidas em todo o país, fazem-se ao som de gritos de «enforquem os russos», «morte aos russos».

O presidente Volodymyr Zelensky entrega a Dmytro Kotsyubailo, comandante da primeira companhia de assalto do Corpo de Voluntários «Sector Direito», agrupamento nazi, o título de «Herói da Ucrânia». Kiev, 1 de Dezembro de 2021 Créditos

Zelensky e Putin

O domínio nazi sobre o aparelho governamental de Zelensky é minimizado, branqueado ou mesmo ridicularizado pelas castas dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia, que assim se tornam cúmplices das suas acções. O nazismo ucraniano não é branqueável, não deixa de existir por não ser noticiado e não se torna inofensivo por assim ser tratado pela propaganda de guerra. Nem se torna democrático pelo facto de as suas organizações e grupos de extermínio serem treinados por instrutores de países da NATO e armados por governos de países da NATO, incluindo Portugal, situação que já não é possível negar.

Dar foco a esta realidade é uma atitude qualificada em tempos de censura, opinião única e coacção ideológica como um apoio às práticas criminosas do regime russo chefiado por Vladimir Putin.

Trata-se de uma das mais sujas e intelectualmente desonestas manobras de propaganda de guerra e de instrumentalização das populações norte-americana e europeias no interesse do globalismo neoliberal e do seu sector de ponta – a produção e tráfico de material de guerra.

Sejamos mais uma vez claros e sem rodeios. O drama da guerra na Ucrânia iniciou-se em Abril de 2014, quando o regime de suporte nazi instalado pelos Estados Unidos e a União Europeia em Kiev lançou o assalto militar e de limpeza étnica contra o Leste do país, habitado maioritariamente por populações de origem russa. A invasão russa da Ucrânia, iniciada oito anos depois, é uma nova fase da guerra, alegadamente para proteger essas populações na iminência de um novo assalto de Kiev. Moscovo afirma que se trata de uma operação inspirada no conceito R2P, Responsability to Protect (Responsabilidade de Proteger), criado para justificar guerras lançadas pela NATO, designadamente na ex-Jugoslávia e na Líbia.

«Sejamos mais uma vez claros e sem rodeios. O drama da guerra na Ucrânia iniciou-se em Abril de 2014, quando o regime de suporte nazi instalado pelos Estados Unidos e a União Europeia em Kiev lançou o assalto militar e de limpeza étnica contra o Leste do país, habitado maioritariamente por populações de origem russa»

Não, escrever o que ficou escrito não significa «estar do lado» da Rússia.

A invasão russa é criminosa. Viola o Direito Internacional. Torna as populações civis inocentes de toda a Ucrânia – e não desta ou daquela região – reféns de interesses oligárquicos, ocidentais e orientais, que tiram proveito da guerra.

Vladimir Putin chefia uma corte de oligarcas. Não é um democrata, manipula eleições; é um político nacionalista, um autoritário de extrema-direita, anticomunista e antissocialista que tem vindo a ganhar peso reactivando raízes tradicionalistas e ideologicamente reaccionárias da Rússia profunda. Putin e o seu regime estão fechados aos direitos das minorias, às acções e lutas que derrubam velhos tabus sociais, culturais e de género; o Kremlin recria uma mentalidade czarista com suporte numa economia neoliberal instalada por assessores e conselheiros norte-americanos que rodearam o presidente Ieltsin logo a seguir à extinção da União Soviética. Foi a época do saque e da rapina do aparelho soviético – que afinal não parecia ser tão «obsoleto» como diziam – da qual a Rússia ainda está longe de se recuperar e que deixou a esmagadora maioria da população à mercê dos interesses da casta oligárquica estrangeirada que efectivamente criou Putin.

Putin é um senhor da guerra. Biden, Stoltenberg, Von der Leyen serão senhores e senhora da paz? E Borrell, chefe da política externa da União Europeia, para quem a guerra só tem solução militar? Apoia soluções negociadas como boicotou os Acordos de Minsk?

Este quadro não faz de Zelensky um democrata nem iliba o seu regime das responsabilidades pela guerra no Leste do país, da limpeza étnica, da xenofobia contra as populações russófonas, de ser um instrumento de um sistema nazi inerente às raízes nacionalistas ucranianas.

Zelensky é um produto da oligarquia ucraniana que tomou conta da independência do país. Comediante de origem, é um político formado na ficção televisionada, uma criação do oligarca e banqueiro nazi Ihor Kolomoysky, que por sinal tem igualmente nacionalidade israelita o que demonstra como o mundo dá muitas voltas e os interesses pessoais e de casta são maleáveis.

A situação na Rússia também não serve de argumento sustentável para que a NATO, ao longo dos anos, tenha cercado o país com tropas e moderno material de guerra através de sucessivas operações ofensivas apresentadas, como habitualmente, sob chancela «defensiva». A mesma NATO que nos últimos dias da União Soviética prometeu a Gorbatchov que não iria expandir-se para oriente da linha Oder-Neisse e que depois disso engoliu quase todos os países até às fronteiras ocidentais russas. Uma das excepções foi a Ucrânia – o busílis da questão, como sabemos. Outros estão na calha, reforçando as provocações e ameaças atlantistas, a confirmarem-se os próximos pedidos de adesão da Suécia e da Finlândia.

A criação deste cenário não augurava e não augura nada de bom. Para já, as vítimas são os ucranianos, sejam quais foram as suas origens nacionais, com os quais nem as oligarquias russas nem ocidentais se incomodam, a não ser como peças de uma propaganda suja, desumana e orwellianamente manipuladora. Por este andar, se as forças da paz de todo o mundo, mas principalmente da Rússia e da Europa, não travarem uma tão insana vertigem de irresponsabilidade, as próximas vítimas seremos todos nós.

Cravos vermelhos sobre as bancadas vazias do Parlamento durante a sessão solene comemorativa dos 46 anos da Revolução de 25 de Abril na Assembleia da República, em Lisboa, a 25 de abril de 2020. As comemorações do 25 de Abril no Parlamento realizaram-se este ano com número reduzido de presenças devido à pandemia em curso. CréditosTiago Petinga / LUSA

Uma agressão ao 25 de Abril

É neste contexto que a Assembleia da República decide receber o instrumento do nazismo na presidência da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Precisamente 48 anos depois do 25 de Abril a «casa da democracia» assinala a queda do fascismo com um convidado oriundo das sombras do nazismo. Em que país estamos? O que se passa pela cabeça dos deputados? Zelensky traz mensagens de democracia e liberdades enquanto o seu regime autocrata e xenófobo persegue, tortura, assassina e faz desaparecer cidadãos – o que acontece desde que foi implantado e nada tem a ver com a agressão russa?

O regime de Kiev é o que é, uma aberração da democracia, características inerentes e ancestrais que são independentes da invasão russa em curso.

«Acolher num Parlamento eleito o enviado de um nacionalismo nazi é um atentado à democracia em qualquer época. Fazê-lo no período de comemorações de uma revolução libertadora é uma traição ao 25 de Abril e aos militares que o tornaram possível, uma ofensa aos democratas, um insulto a todos quantos se bateram, sofreram e deram a vida pela derrota do fascismo»

Em recente presença no Parlamento grego, o mesmo Volodymyr Zelensky deu voz a dois nazis do Batalhão Azov para elogiarem organizações fascistas e terroristas da História da Grécia. E agora? Teremos outros convidados do presidente ucraniano elogiando a Pide e a Legião Portuguesa na Assembleia da República?

Que país é este em que 48 anos depois do 25 de Abril qualquer opinião que não coincida com a doutrina oficial e ouse dizer de Zelensky aquilo que realmente é traduz um apoio ao autocrata Putin?

As chamadas «democracias liberais» são historicamente complacentes com o fascismo e acabam por sofrer às mãos da besta, como Bertold Brecht bem lembrou. A democracia portuguesa, porém, tem – ou deveria ter – raízes mais profundas uma vez que nasceu de lutas constantes e de um levantamento heróico precisamente contra o fascismo.

Acolher num Parlamento eleito o enviado de um nacionalismo nazi é um atentado à democracia em qualquer época. Fazê-lo no período de comemorações de uma revolução libertadora é uma traição ao 25 de Abril e aos militares que o tornaram possível, uma ofensa aos democratas, um insulto a todos quantos se bateram, sofreram e deram a vida pela derrota do fascismo.

Há uma particularidade da situação tão ou mais abjecta que esta. A chamada «classe política» e a comunicação social corporativa escolhem como alvos privilegiados da sua propaganda ao serviço do regime de Kiev os deputados e o partido, o PCP, que mostram como o rei vai nu, defendem as soluções de paz de maneira consequente e decidiram não prestar vassalagem ao convidado nazi. Parece ser esse, afinal, um pecado contra a democracia – tal é o ponto a que propaganda consegue chegar para inverter a realidade.

Certamente a «classe política» e a mesma comunicação domesticada deve achar natural que a embaixadora de um aparelho nazi reúna alguns capangas, indivíduos estrangeiros acolhidos de boa-fé, para provocar, desrespeitar, insultar e ameaçar nas ruas de Portugal o partido português que mais se tem batido contra o fascismo, ontem como hoje.

Afinal em que país estamos? Em nome da dignidade, do patriotismo, da democracia e do 25 de Abril os portugueses não podem permitir que uma situação como esta se mantenha. É hora de afirmar, sem peias nem hesitações, que há limites para a subserviência, para a mentira, para as ingerências, os abusos de confiança, as manobras que pretendem identificar a verdadeira luta pela paz, a autêntica denúncia da guerra, independentemente de quem a provoca, com o apoio às campanhas criminosas de Putin. Entre a Rússia e a Ucrânia escolhe-se a paz: não há outro caminho.

Já é altura de mobilizar esforços para combater de maneira afirmativa, desassombrada e eficaz a cortina de ferro da propaganda de guerra e da instrumentalização de opiniões. O silêncio, o conformismo e a inacção dos portugueses perante a sucessão de aberrações que estamos a viver são fatais para a democracia.

José Goulão, AbrilAbril

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Com esta decisão anunciada, o Chefe de Estado insulta o 25 de Abril, agride os portugueses, humilha os antifascistas. Sabemos que o homem «dos afectos», com a veia populista entranhada de uma maneira indisfarçável por qualquer manobra de imagem e marketing, não nutre carinho especial pelo movimento libertador de há quase 50 anos. Confirma-se por estes dias aquilo de que fortemente se suspeitava: Marcelo não era um corpo estranho no reino de Marcello; afinal a «democracia orgânica» do padrinho confunde-se, através do afilhado e da classe política novembrista, com a «democracia liberal» em que vegetamos. Será que o processo de hipnotização da sociedade está tão arreigado e capaz de permitir que passe em claro e sem resposta este gesto presidencial autocrático, aberrante e anacrónico?

Já depois de iniciada a acção militar russa na Ucrânia tendo como um dos objectivos proclamados pelo presidente russo, Vladimir Putin, a «desnazificação» deste país, em 22 de Abril de 2022 o caçador de nazis e director do Centro hebraico Simon Wiesenthal para investigação do nazismo, Ephraim Zuraff, declarou: a intenção declarada por Moscovo «não é propaganda russa, longe disso; existem neonazis na Ucrânia (…) é um absurdo ignorá-lo».

Os dirigentes ocidentais, incapazes de viver sem a arrogância elitista, o espírito autoritário de seita globalista e a cleptomania colonial/imperial não poupam armas, dinheiro, mentiras e a sanidade mental dos cidadãos para apoiar e sustentar um indivíduo como Volodymir Zelensky e a teia terrorista neonazi que lhe mexe os cordelinhos. É sina das chamadas democracias liberais abrirem as portas ao nazismo, ontem como hoje, sem medirem as consequências, convictas de que outros podem alcançar o que tanto desejam: aniquilar a União Soviética através dos nazis alemães; destruir a Rússia por via dos nazis ucranianos. É sina dos povos sofrerem as trágicas consequências de tamanho obscurantismo, de tanta inconsciência e irresponsabilidade ao serviço da ganância de minorias que nunca estarão satisfeitas. Ganância confundida, como sintoma da degeneração dos comportamentos ocidentais dominantes, com «uma forma superior de civilização».

Desta feita, porém, essas minorias põem em risco a existência da humanidade e do próprio planeta. E desmantelam qualquer legitimidade «democrática». O que aliás está implícito no comportamento da não eleita e autocrática Comissão Europeia, seguido pelos governos dos Estados membros, de Leste a Oeste.

A clique ocidental apura os veículos censórios ao seu dispor – são muitos e sofisticados – para impedir que as pessoas se apercebam do perigo do nazismo ucraniano. Impôs o dogma de que ele não existe e que, por isso, não vemos aquilo que estamos a ver. É a cegueira induzida como um dos sustentáculos da opinião única e um meio de asfixiar a liberdade de observar, pensar e formar juízo próprio. É o autoritarismo avançando ao ritmo da aposta transnacional no fascismo/nazismo, o mundo ideal e totalitário da plenitude neoliberal. As chamadas crises da inflação e energética são apenas danos colaterais no caminho para uma tragédia que está apenas no início e que os cidadãos ainda podem barrar – se acordarem a tempo ou conseguirem sacudir a cegueira em que, passivamente, aceitaram mergulhar. «Livres são aqueles que pensam, não aqueles que obedecem», ensinou-nos o eterno Eduardo Galeano.

«A clique ocidental apura os veículos censórios ao seu dispor – são muitos e sofisticados – para impedir que as pessoas se apercebam do perigo do nazismo ucraniano. Impôs o dogma de que ele não existe e que, por isso, não vemos aquilo que estamos a ver.»

Afinal, Zelensky é apenas um palhaço rico canastrão que tem como pièce de résistance da sua arte o número de tocar piano com os genitais. Os verdadeiros criminosos são os que fazem dele um herói e atacam os seus próprios povos para o instrumentalizar e manterem uma ordem que lhes permite continuarem a assaltar o mundo. Há sinais de que a garotice birrenta, sempre reivindicativa, insatisfeita e exigente do presidente ucraniano, letal para o seu povo, começa a impacientar e constranger os seus donos, até mesmo em Washington, ao ritmo dos maus resultados militares para a NATO e da crise que revolta cada vez mais as populações. O ambiente de velório em que decorreu a recente cimeira do Fórum Económico Mundial de Davos foi um indício revelador. Mas não existem quaisquer sinais de correcção da rota suicida.

Com as contradições de governantes venais perante Zelensky podem os cidadãos bem; os autocratas que tentam sequestrar a democracia talvez estejam a pressentir, sem o assumirem, o fracasso da estratégia de guerra – a guerra nunca é solução, asseguram, com razão, os defensores da paz, tão vilipendiados mas que teimam, continuarão a teimar e nunca desistem. Importantes, sim, são as reacções dos povos da Europa, que começam a sair do imobilismo autodestrutivo. É um passo importante, cada vez mais determinante, e que pode ser decisivo para derrotar o nazifascismo uma vez mais.

Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Entretanto, reagindo à violência perante a qual estava praticamente indefesa, a população da Crimeia, numa maioria superior a 90%, votou pelo regresso à soberania russa, sob estatuto de autonomia, acontecimento que, no dizer do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, marcou o início da guerra entre Kiev e Moscovo. Tentando assim corrigir a rota depois de completamente desacreditada a versão de que o conflito se iniciou com a invasão russa de 24 de Fevereiro de 2022, o chefe atlantista optou por uma tese enviesada e também sem qualquer crédito histórico. Foram os ataques militares contra a resistência cívica no Donbass, decorrentes do golpe «Euromaidan», que marcaram o início da guerra em curso: a secessão da Crimeia e a posterior declaração de independência das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk são consequências dessa realidade sangrenta.  

A suspensão do conflito em 2015 abriu as portas aos acordos de Minsk, subscritos por Kiev e Donbass sob mediação da Alemanha, França e Rússia. Prevêem uma solução que passa pela integridade territorial da Ucrânia na qual as regiões do Donbass usufruam de autonomia à luz de uma Constituição revista com esse objectivo.

Como hoje se sabe, através de testemunhos da chanceler alemã Merkel, do presidente francês Hollande, confirmados pelos anterior e actual presidentes da Ucrânia, Porochenko e Zelensky, os representantes ocidentais e de Kiev assinaram esses acordos sem intenção de os cumprirem, mas apenas para permitirem à Ucrânia adquirir novas capacidades militares de maneira a quebrar o impasse do cessar-fogo, prosseguir e concluir a limpeza étnica das populações de origem russa. Isto é, assinaram acordos de paz para reabrir as portas à guerra e ao extermínio.

De novo, como no período que antecedeu o golpe de Maidan, os mais destacados dirigentes da União Europeia assinaram acordos para não cumprir e proporcionar assim o recomeço de uma agressão inspirada em conceitos de xenofobia e limpeza étnica. A trapaça continuou.

O reforço militar de Kiev tornou possível que o reinício do genocídio, desta feita em grande escala, estivesse em andamento em meados de Fevereiro de 2022, de acordo com informações que podem consultar-se nos relatórios dos observadores da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). O poderoso movimento ofensivo do renovado poder militar de Kiev contra as populações do Donbass foi travado apenas pela resposta de Moscovo a partir de 24 de Fevereiro, qualificada como uma «operação militar especial».

«Várias regiões do país, e não apenas as de maiorias russófonas, não aceitaram o golpe nem a abolição da democracia; nem massacres como o de Odessa, em 2 de Maio de 2014, nos quais grupos nazis chefiados pelo Sector de Direita, com a cumplicidade da polícia, incineraram pelo menos 48 pessoas ao incendiarem a Casa dos Sindicatos.»

O resto é história mais recente. Em Março de 2022, a Turquia intermediou negociações em Istambul entre Moscovo e Kiev; um princípio de entendimento foi possível, mas uma súbita visita de Boris Johnson à capital ucraniana, cumprindo também ordens de Washington e Bruxelas, inutilizou essa hipótese de solução «desencorajando» Zelensky de lhe dar andamento. Então, tal como hoje, os dirigentes dos Estados Unidos, NATO e da União Europeia, estes em regime de reles submissão, que controlam e continuam a armar o regime de Kiev nem querem ouvir falar em cessar-fogo e negociações de paz. Como diz um congressista norte-americano, a guerra trava-se até «ao último ucraniano». Os Estados Unidos insistem que não aceitarão e impedirão qualquer outra intermediação do conflito.

A matança de ucranianos vai, portanto, continuar por ordem dos que planearam esta guerra há muitos anos: o caso da impossível defesa de Bakhmut, cidade transformada num «picador de carne» para sucessivas, impreparadas e mal armadas vagas de soldados feitos à pressa, entre os quais muitos adolescentes e seniores com mais de 60 anos, é, por ora, o caso mais dramático dessa política de sacrifício e genocídio do povo ucraniano – sem que se ouça uma palavra, um gemido, dos diligentes agentes do TPI. 

Nos nove anos desde 2014 o regime nazificou-se por completo, a ideologia que aflorou na independência consolidou-se ao compasso das revoluções coloridas e tomou o poder, monopolizando-o, quando lhe foi oferecido por quem montou o golpe de Maidan. 

A ditadura ucraniana interpretada por Zelensky, que foi eleito através de uma campanha pela paz para depois fazer a guerra, proíbe os partidos da oposição, instaurou a censura a todas as vozes oposicionistas, destrói milhões de livros, através da «lei dos povos indígenas» institucionalizou o segregacionismo xenófobo concedendo plenos direitos aos «verdadeiros ucranianos» e transformando os restantes em cidadãos de segunda, impedidos de utilizar as línguas pátrias e de publicar ou difundir meios de comunicação nesses idiomas. Criou na internet uma lista de cidadãos nacionais e estrangeiros considerados «inimigos do Estado ucraniano» para serem perseguidos e neutralizados; recentemente, decidiu retirar todos os direitos políticos, incluindo o de ser eleitor, aos cidadãos que de alguma maneira se identifiquem ou tenham identificado com os partidos proibidos.

Que dizem os donos da «verdadeira democracia»? Nada. Foram eles que criaram o monstro e patrocinam uma atmosfera envolvente, através do aparelho mediático de controlo de pensamento e opinião, para que a realidade escabrosa seja negada e silenciada enquanto difama quem expresse alguma ideia, opinião ou facto contrário. Assim cuidam dos «nossos valores» e defendem os «direitos humanos». A orgia de mentira em que se delicia a comunicação corporativa universaliza a falsificação, transforma a realidade numa ficção venenosa tal como a ex-primeira-ministra neozelandesa Jacinda Arden aconselhou um dia: «só devem obter-se informações de fontes fiáveis; a nossa é a única verdade».

Daí que os discursos lamentando a sorte terrível do povo ucraniano ressoem como litanias desumanas e repugnantes de quem finge chorar um povo que condenou à morte, do qual se serve como carne para canhão para, em última instância – já em desespero – defender uma ordem internacional egoísta e moribunda, agonizando sobre pilhas de milhões de cadáveres, tudo em nome da «civilização» e da «democracia» liberal e global - tal como diria qualquer fabricante e comerciante de armamento, vivendo em êxtase enquanto jorra o sangue dos ucranianos.

«Que dizem os donos da «verdadeira democracia»? Nada. Foram eles que criaram o monstro e patrocinam uma atmosfera envolvente, através do aparelho mediático de controlo de pensamento e opinião, para que a realidade escabrosa seja negada e silenciada enquanto difama quem expresse alguma ideia, opinião ou facto contrário.»

A devastadora campanha de propaganda e de mistificação não consegue esconder e soterrar a realidade sobre quem tramou e continua a tramar os ucranianos – todos eles, repete-se, porque não existem os «nossos» e os «outros». São os mesmos que o fizeram com os afegãos, os iraquianos – a segunda vaga do seu sacrifício começou há exactamente 20 anos – os líbios, os iemenitas, os palestinianos, os saarauis, os jugoslavos, os sírios, os somalis e todos os que continuam a ser alvos de «revoluções» mais ou menos «coloridas», operações militares de restauração da «democracia» ou guerras «humanitárias» para exercer o «direito de proteger». Tudo isto em cerca de 30 anos ou, para ser rigoroso, desde o fim da União Soviética e a implantação da ordem mundial neoliberal e unipolar «baseada em regras». Estamos a assistir às manobras mais desesperadas e sangrentas para que esta sobreviva, não siga o destino que lhe está traçado. A irresponsabilidade demente de quem joga tudo na derrota e desmantelamento da Rússia pode conduzir-nos ao tipo de conflito planetário que ninguém ganhará. Quem está aterrorizado, legitimamente, com as alterações climáticas, deverá consciencializar-se urgentemente de que a conquista da paz é o primeiro passo para garantir a vida na Terra.

Falsificando os preceitos em que diz assentar a «nossa civilização superior», o chamado Ocidente global fez desta uma enorme mentira, que a todos nós deveria indignar de forma expressa e activa, envolvida em repelente e insensível hipocrisia. O extermínio de centenas de milhares de seres humanos – à beira de um milhão, segundo cálculos conservadores – não é um acto civilizacional, é um comportamento próprio da barbárie.

E os ucranianos, antes de serem vítimas da Rússia, já o eram, há muitos anos, do Ocidente global expansionista.

A memória futura não deixará de o registar.

  • 1. Uma investigação sobre Olena Semeniaka, conduzida entre 2019 e 2021 pelo FOIA Research, expôs a ideologia e a prática fascista da responsável pelas relações internacionais do Batalhão Azov, incluindo o relacionamento com fascistas portugueses, comprovado pela sua participação , em 2019, numa conferência realizada em Portugal pelo grupo neonazi Escudo Identitário. Entre a audiência pode ver-se o neonazi João Martins, que participou no assassinato de Alcindo Monteiro em 1995 e foi por isso condenado a nove anos e quatro meses de prisão.
Tipo de Artigo: 
Opinião
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

Na Ucrânia reside assim o problema da sobrevivência da ordem internacional baseada em regras na qual assenta actualmente o poder imperial. A doutrina Wolfowitz foi ultrapassada, entretanto, pela ascensão consolidada da Rússia, da China e das organizações internacionais mobilizadas em torno da “aliança estratégica” estabelecida entre estas duas potências; o “novo século americano” está a ser posto seriamente em causa pela nova situação gerada pela convergência de interesses, pontuais ou mais alargados – sobretudo o da soberania nacional - entre países da Ásia, África e América Latina reunindo cerca de 85% da população mundial. Os quais começam a aperceber-se de que podem escapar ao destino fatal da submissão a uma única potência.

Resta ao imperialismo “excepcionalista”, levando a reboque as taras coloniais que persistem nos cérebros distorcidos da maior parte dos dirigentes ocidentais, insistir no caminho trágico e afunilado da guerra da Ucrânia para desmantelar e conquistar a Rússia (ou o que dela restaria), conforme foi sentenciado em 24 de Fevereiro de 1990 como objectivo da continuação de guerra fria, transformada em conflito armado. Daí as interrogações que permanecem enquanto os países ocidentais continuam a despejar milhares de milhões de euros e dólares e milhões de toneladas de armamentos no regime falhado e de inspiração nazi em Kiev: o desespero ocidental levar-nos-á à “Terceira Guerra Mundial”, que seria o princípio do fim da humanidade? Insistem os lunáticos dirigentes ocidentais em alcançar o êxito onde Napoleão e Hitler fracassaram?

Pelo caminho deste conflito ficaram os Acordos de Minsk de 2015 e até o acordo de Istambul, já em Março de 2022, que poderiam ter aberto oportunidades à interrupção da guerra e à negociação da paz. O seu fracasso, provocado pelos dirigentes atlantistas, comprova que, segundo Washington e os seus cobardes vassalos da NATO, apenas a conquista e o desmantelamento da Rússia podem ser os resultados aceitáveis desta guerra.

Como se sabe, através de confissões da ex-chanceler alemã Angela Merkel, do ex-presidente francês François Hollande e dos anterior e actual presidentes nazis-banderistas da Ucrânia, Poroshenko e Zelensky, os Acordos de Minsk foram assinados pelo Ocidente para serem violados, como expediente com o objectivo de ganhar tempo e equipar militarmente a Ucrânia de maneira a poder confrontar-se com a Rússia e ganhar; e o acordo de Istambul foi inutilizado por uma expedição colonial a Kiev do ex-primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, certamente a rogo de Washington.

«Pelo caminho deste conflito ficaram os Acordos de Minsk de 2015 e até o acordo de Istambul, já em Março de 2022, que poderiam ter aberto oportunidades à interrupção da guerra e à negociação da paz.»

Merkel dizia ter em Helmut Kohl a sua referência; Hollande representava a herança política de François Mitterrand, que aliás liquidou; Poroshenko e Zelensky são apenas idiotas úteis para “garantir a liderança mundial dos Estados Unidos”, replicando o papel de súbditos assumido pelos dirigentes dos países da NATO.

Num desenvolvimento seguindo uma lógica irrepreensível, os vergonhosos episódios relacionados com os acordos de Minsk e Istambul são réplicas metronómicas dos argumentos inventados para desencadear as guerras imperiais do Iraque, do Afeganistão, as chacinas na Líbia, na Síria, no Iémen, as intermináveis mentiras a propósito das questões palestiniana e do Sahara Ocidental; em suma, mais do mesmo no seguimento da falsidade das promessas sobre a imobilização territorial da NATO feitas a Gorbatchev em troca, entre outras coisas, do desmantelamento da União Soviética. Sempre o mesmo registo mafioso, só os nomes dos dirigentes se alteram e se sucedem neste processo explorador e mistificador de governo através da burla institucionalizada do qual são vítimas dezenas de milhões de cidadãos ainda convictos de que os seus votos contam para alguma coisa.

São muitas as provas, ao alcance da vista de quem as queira ou saiba avaliar, demonstrando que somos governados por gente desprezível que transformou a política numa teia de mentiras, viciou a democracia, joga com as vidas das pessoas como se nada valessem e, quando os “interesses” exigem, não hesita em cultivar guerras criminosas; portanto, gente que exala polimento mas desumana, sem limites, muito perigosa. Ou, como diria o transtornado “intelectual” Robert Kagan, padrinho ideológico desta seita, trata-se de prosseguir “a política reaganiana de poderio militar e de transparência moral”.

Não se trata de uma avaliação comparativa com outros dirigentes ou situações em outras partes do mundo. Não é isso que está em causa. Ela é o resultado da observação e da leitura de provas proporcionadas, ao longo de décadas, pelos dirigentes do chamado “mundo ocidental”, aqueles que nos governam, que se consideram exemplares, impolutos, civilizados, sempre do lado certo da história. Uma história que, pelos exemplos arrolados, pode chegar a ser escabrosa.

Cabe-nos por termo a esta deriva cada vez mais penalizadora das pessoas, dos seres humanos, recusar submeter-nos aos desvarios sociopáticos dos governantes, deveras assustadores. Ou aceitamos ou rejeitamos, neste caso através da expressão legítima de um inconformismo imparável e mobilizador, ser transformados em idiotas, continuar a ser burlados, zombificados, anulados, tratados como lixo. Esse é o combate pela liberdade e a democracia que ainda temos de travar.

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui