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Haiti: «vítima de caos orquestrado que o impede de definir o seu próprio rumo»

Camille Chamers, economista e dirigente político haitiano, não vê com bons olhos a ideia de mais uma intervenção internacional no país caribenho, aprovada recentemente no Conselho de Segurança da ONU.

Milhares de pessoas manifestaram-se este domingo no Haiti contra a permanência de Jovenel Moïse no poder e a ingerência externa no país
Em 2021, o Haiti foi palco de uma vaga de protestos contra o governo, o neocolonianismo e a ingerência externa Créditos / france24.com

O Haiti já foi auto-suficiente em cereais. No início dos anos 70 do século passado, produzia praticamente tudo aquilo de que necessitava. Cinco décadas volvidas, o país caribenho compra aos Estados Unidos 82% do arroz que a população consome. A causa são as políticas de ajuste estrutural impostas ao país, que estimulam a importação e impedem que o Estado financie a economia agrícola. Uma das consequências é o desemprego, que hoje atinge 70% da população.

Quem faz esta avaliação é o haitiano Camille Chalmers, dirigente do partido Rasin Kan Pèp La (reagrupamento socialista por uma nova iniciativa nacional). Em seu entender, o Haiti é vítima de um «caos orquestrado por organizações imperialistas», que querem continuar a defender os seus interesses comerciais. Para tal, precisam de impedir que o povo haitiano conquiste a sua autodeterminação e escolha um rumo de desenvolvimento próprio.

Camille Chalmers, dirigente do partido Rasin Kan Pèp La // Daniel Jatimliansky / Peoples Dispatch

Por isso, Chalmers opõe-se a toda e qualquer intervenção internacional no Haiti, como a que foi aprovada recentemente pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. «Já sofremos várias intervenções. Cada vez que se faz isso, a situação piora», declarou ao Brasil de Fato. «A situação actual é resultado de uma intervenção imperialista», acrescentou, referindo-se à missão de paz liderada pelo Brasil de 2004 a 2017.

O dirigente político, que falou com o Brasil de Fato por videoconferência desde Porto Príncipe, elencou uma lista de actividades económicas nas quais essa lógica se manifesta.

«A partir do início do século XX, o imperialismo investiu para estruturar a indústria açucareira em Cuba e na República Dominicana, e definiu para o Haiti a incumbência de fornecer mão-de-obra barata para essas indústrias. Para manter isso, é importante que as condições de emprego, os níveis sociais sejam péssimos», denunciou. Referiu também que o Haiti é estratégico pela existência de recursos essenciais para empresas transnacionais, como o ouro que se encontraria na região Norte do país.

A existência de metais preciosos no país é «uma zona cinzenta», afirmou o professor gaúcho Ricardo Seitenfus, doutor em Relações Internacionais, ex-representante da OEA no Haiti (2009-2011) e autor de livros sobre o país caribenho. «Muitos dizem que o Haiti é rico em metais preciosos, mas nada disso ficou provado até hoje», disse.

Quanto à queda na produção de arroz, houve de facto um estímulo dos Estados Unidos para que o Haiti reduzisse tarifas e, assim, promovesse a importação de arroz produzido no estado norte-americano do Arkansas. O favorecimento da importação e a diminuição das oportunidades de trabalho no campo provocaram uma migração para as cidades, o que, nas palavras de Seitenfus, acabou por se tornar «uma bomba, com favelas para todo o lado».

Cenário de grave crise

Níveis de desemprego muito elevados, recessão económica, inflação anual altíssima e uma população com um poder de compra muito baixo são dados que ilustram o cenário de grave crise vivida pelo país, cujo elemento mais nítido e mediático é a violência desenfreada e o colapso das instituições, com grande parte da capital sob controlo de gangues.

Outro exemplo, apontado por Camille Chalmers, do modo como a administração norte-americana contribuiu para este cenário é o facto de Washington ter feito «todo o possível para combater» o PetroCaribe, programa de venda de petróleo criado por Hugo Chávez quando era chefe de Estado da Venezuela (1999-2013) e que chegou a fornecer a matéria-prima para 16 países em condições financeiras «excepcionais».

Ricardo Seitenfus confirmou o facto, mas também apontou uma ressalva que atribui uma parte da responsabilidade aos haitianos. «É verdade que os EUA tentaram impedir [a concretização do PetroCaribe]. Há documentos que mostram essa resistência. Mas o problema é que três mil milhões de dólares foram desviados», disse o professor reformado.

Verdadeira solidariedade com o Haiti

Para Camille Chalmers, os EUA querem manter o controlo sobre a política haitiana porque temem uma possível aliança entre Cuba, Venezuela e Haiti, «que produziria uma mudança nas relações de forças nas Caraíbas». Essa aliança poder-se-ia configurar, em seu entender, por via do já referido PetroCaribe, programa que o governo venezuelano mostrou interesse em reactivar o ano passado. Outro caso para o qual Chalmers chama a atenção é o do papel assumido pelos médicos cubanos em zonas remotas do Haiti, que reduziu índices de mortalidade materna e representa um exemplo do que poderia ser «uma verdadeira solidariedade com o Haiti».

Mas isso não vinga porque, além da pressão internacional, existe a cumplicidade de gestores que – defende Chamers – são designados por missões internacionais, sem a participação da sociedade. Entre eles, estaria o actual governo do primeiro-ministro Ariel Henry, que assumiu o cargo após o assassinato de Jovenel Möise, em 2021.

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