Ao aumento de pedidos, nos Estados Unidos, para proibir ou restringir o acesso a livros, junta-se o risco de que os bibliotecários, no estado do Arkansas, possam ser incriminados no caso de fornecerem materiais que alguns consideram «repreensíveis».
Uma lei promulgada em Março deste ano no estado do Arkansas, e que deverá entrar em vigor em Agosto próximo, acaba com a protecção até agora conferida a livreiros e funcionários das bibliotecas, libertando-os de responsabilidades penais por distribuírem textos que possam parecer «censuráveis» a alguém.
De acordo com a Lei 372, firmada pela governadora republicana Sarah Huckabee Sanders, bibliotecários e livreiros do estado sulista podem passar a ser perseguidos judicialmente se praticarem o «crime», punível com pena até um ano de prisão, de distribuir aquilo que entra genericamente na categoria de materiais «nocivos para menores», refere o portal The Hill.
Nesses materiais, encontram-se livros, revistas, panfletos, brochuras, fotografias ou filmes, acrescenta a fonte, explicando que, na passada sexta-feira, um grupo integrado por bibliotecas, livrarias, editoras e leitores apresentou um processo em tribunal contra a nova lei, argumentado que é um ataque à «liberdade intelectual».
Sucedem-se, nos Estados Unidos da América (EUA), casos arcaicos de queima de livros. Centenas de obras estão proibidas nas escolas e os professores são ameaçados com multas e processos. Maus, uma novela gráfica da autoria de Art Spiegelman sobre a experiência dos seus pais no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, exibe «pessoas enforcadas, mostra-os [soldados nazis] a matar crianças. Porque é que o sistema educativo tem de promover este tipo de coisas? Não é nem saudável, nem sensato», afirmou um dos membros da direcção da escola do Tennessee, que baniu o livro do currículo escolar. Os EUA são o país com mais crianças privadas de liberdade por questões ligadas à migração, revelou esta segunda-feira um especialista da ONU, que classificou a estimativa como «conservadora». «O número total [de menores detidos nos EUA] é de 103 mil», afirmou ontem à AFP, em Genebra, Manfred Nowak, perito independente da ONU e principal autor do «Estudo Global das Nações Unidas sobre os Menores Privados de Liberdade». Nowak, que foi nomeado para o cargo em 2016 e apresentou o estudo, com as suas conclusões e recomendações, em Outubro último, caracterizou as estimativas como «conservadoras», explicando, ainda assim, que os números revelados se baseiam em dados oficiais e em fontes complementares «muito fiáveis». O especialista precisou que o número referido – 103 mil menores – abrange crianças que chegaram sozinhas aos Estados Unidos e também as que estão detidas com os seus familiares e as que foram separadas dos seus pais antes da detenção. A nível mundial, o estudo aponta para cerca de 330 mil menores detidos em 80 países por questões ligadas à migração, o que significa que os EUA são responsáveis por quase um terço dos casos registados. O estudo analisou violações da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que determina que a detenção de menores seja «apenas uma medida de último recurso e pelo menor período de tempo», refere a agência Sputnik. Os EUA são o único Estado-membro da Organização das Nações Unidas que não ratificou a convenção, que entrou em vigor em 1990. No entanto, Nowak frisou que esse facto não absolve a administração de Donald Trump de transgressões relativas à detenção de crianças migrantes na fronteira Sul, com o México. «A detenção de crianças relacionada com a migração nunca deve ser considerada […] no interesse da criança. Existem sempre alternativas», disse Nowak aos jornalistas em Genebra. «Separar as crianças, como fez o governo Trump, dos seus pais, mesmo crianças pequenas, na fronteira entre o México e os EUA constitui um tratamento desumano para pais e filhos», denunciou. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. O número de obras literárias impedidas de serem lidas num contexto escolar disparou nos últimos anos, com particular incidência em 2021. Só nos últimos três meses do ano passado, 330 livros foram sinalizados enquanto impróprios para crianças por escolas nos EUA, denuncia a Associação de Bibliotecas Americanas. Mais do dobro do que em todo o ano de 2020 (165 casos). No presente ano lectivo, já foram apresentados 75 pedidos formais no Texas para remover livros de bibliotecas públicas e escolares. Algo que só se tinha verificado uma vez em 2020/21. Matt Krause, um político republicano eleito na Câmara dos Representantes do Texas, entregou uma lista de 850 livros à Agência de Educação do seu estado. Segundo este republicano, estes livros seriam nocivos e impróprios para crianças e jovens. Uma análise feita à lista por uma editora local mostrou que mais de 60% dos livros se centravam em questões LGBT+, enquanto os restantes tratavam de temas como o racismo, educação sexual, aborto e gravidez, expondo-se, assim, o propósito reaccionário e conservador dos proponentes. No total, são já 36 os estados norte-americanos que aprovaram legislação que limita o ensino, e a utilização de material literário, que explore as questões do racismo sistémico. Um dos casos de aplicação destas leis foi a proibição do livro O Olho Mais Azul, da escritora Toni Morrison, galardoada com o Nobel da Literatura. Este processo não está apenas a ser dinamizado por parte de direcções escolares e grupos de pais conservadores. A 16 de Dezembro de 2021, Rob Standridge, senador estadual republicano na Assembleia Legislativa do Oklahoma, apresentou uma proposta de lei contra a «endoutrinação nas escolas» do estado. De acordo com o projecto, qualquer encarregado de educação pode exigir a remoção de um livro num prazo de 30 dias. O não cumprimento daria início a um processo de despedimento dos funcionários escolares e o pagamento de uma coima de dez mil dólares por cada dia em que o livro continuasse à disposição dos alunos. Com eleições tão caras, cerca de metade dos membros do Congresso são milionários. Ao nível nacional, os trabalhadores assalariados constituem apenas 4% dos candidatos de ambos partidos. Na próxima terça-feira, haverá eleições nos EUA. Juntamente com algumas eleições municipais para presidentes de Câmara e outros postos locais; eleições estaduais para governadores, legislaturas estaduais, procuradores gerais e referendos de medidas a nível estadual; estão também em causa, ao nível federal, os lugares para a Casa dos Representantes e um terço dos lugares no Senado. Actualmente, o Partido Republicano (REPs) detém maioria em ambas as casas do Congresso Federal. Dada as taxas de desaprovação de Trump, consistentemente acima dos 50% durante o ano de 2018, o Partido Democrata (DEMs) tem tido alguma esperança de recuperar a Casa ou até mesmo o Senado. O período de campanha foi marcado pelo processo de nomeação do Juiz Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal dos EUA, que, após grande controvérsia em torno de acusações de agressão sexual, foi confirmado pelo Senado por uma margem mínima. Todo o processo contribuiu para polarizar o eleitorado. As intervenções de Trump, retomando temas da sua campanha presidencial — diabolizar os emigrantes, vilipendiar os seus opositores, atacar a imprensa —, têm contribuído para exaltar a sua base. Será surpreendente que um fervoroso apoiante de Trump, Cesar Sayoc, tenha enviado 14 bombas pelo correio a diversas figuras dos DEMs? E que, dias depois, um anti-semita, que na rede social Gab.com — refúgio dos discursos mais extremistas e violentos — acusou os judeus de ajudarem a «invasão» da caravana de migrantes centro-americanos, tenha matado 11 judeus no Templo Árvore da Vida, em Pittsburgh — o evento mais mortal sobre judeus na história dos EUA? Trump reagiu mecanicamente aos casos tentando proferir as palavras esperadas nestas ocasiões. Mas estas soaram a falso, sobretudo quando, horas depois das palavras oficiais, Trump voltou a instigar as chamas em comícios de campanha, recusando-se a aceitar que o seu discurso inflamatório tenha qualquer responsabilidade. Todos estes elementos, porém, distraem de toda uma outra realidade que infecta o sistema político dos EUA: este é dominado pelas elites económicas e grandes empresas, onde a voz mais alta é o dinheiro. País da liberdade, que reconheceu o direito à liberdade de expressão (e logo discurso político e contributo financeiro em campanhas) por parte de empresas (decisão do Supremo Tribunal em 2010 conhecida como Citizens United). País onde os que estão no poder reconfiguram os círculos eleitorais por forma a garantir a maximização do número de eleitos do seu partido (engenharia eleitoral conhecida nos EUA como gerrymandering) ou manipulam os critérios de inclusão nos cadernos eleitorais por forma a alienar eleitores do partido adversário. (Esta estratégia poderá ser crítica nas actuais eleições para governador da Geórgia, onde o candidato REP, Brian Kemp, é o secretário de Estado em funções e purgou cerca de meio milhão de eleitores, dificultando a campanha da candidata DEM, Stacey Abrams, uma activista pelos direitos eleitorais.) País onde as três pessoas mais ricas — Jeff Bezos, Bill Gates, e Warren Buffet — têm uma riqueza maior que a metade mais pobre. País onde os ultra-ricos investem milhões de dólares para eleger os seus candidatos, como os Irmãos Koch, que gastaram 250 milhões de dólares nas eleições de 2016 em apoio a candidatos REPs e, apesar de se oporem a Trump em matérias como o comércio livre, prometeram 400 milhões de dólares nas eleições de 2018. Os DEMs também têm os seus financiadores ultra-ricos, como Michael Bloomberg e George Soros (um dos alvos de Sayoc). Embora algumas campanhas — sobretudo de figuras progressistas, como foi o caso da campanha presidencial de Bernie Sander em 2016 — assentem em contributos modestos de muitas pessoas, cerca de 71% das contribuições são acima de 200 dólares dadas por apenas 0,42% da população. Os contributos financeiros são críticos. A corrida presidencial de 2016 custou 2,4 mil milhões de dólares. Tal não inclui o dinheiro gasto nas corridas para o Senado e a Casa dos Representantes, onde várias campanhas gastam mais de 40 milhões de dólares e 10 milhões de dólares, respectivamente. Em 2016, ao todo, entre campanhas presidenciais e para o Congresso de candidatos de ambos partidos, foram gastos mais de 6,5 mil milhões de dólares. Nas eleições intercalares de 2018, estima-se que o número possa atingir os 5,2 mil milhões de dólares. «Alimentando o medo, atacando e criando inimigos, fingindo-se adversários do poder político estabelecido, candidatos conservadores, de extrema-direita, «populistas», xenófobos, racistas, misóginos, fascistas têm assumido posições de poder» Com eleições tão caras, ser rico pode ser crítico para iniciar uma campanha. Cerca de metade dos membros do Congresso são milionários. Entre 2007 e 2013, enquanto a riqueza média das famílias estado-unidenses diminuiu um terço, a riqueza média de um membro do Senado subiu de 2,3 para 2,8 milhões de dólares. Um trabalhador raramente terá o tempo e o dinheiro necessários para uma campanha. Ao nível nacional, os trabalhadores assalariados constituem apenas 4% dos candidatos de ambos partidos. Não é portanto surpreendente que o cidadão médio tenha um efeito negligenciável nas políticas do país. Um estudo de 2014 estimou que as «elites económicas», correspondendo aos 10% mais ricos e representando interesses comerciais, têm uma influência política 15% superior ao cidadão médio, e concluiu que os resultados apoiam um retrato dos EUA como um sistema Dominado pelas Elites Económicas, uma oligarquia. As forças conservadoras têm conseguido tirar proveito do ambiente criado pela desigualdade e a percepção (fundamentada) de falta de poder político. Alimentando o medo, atacando e criando inimigos, fingindo-se adversários do poder político estabelecido, candidatos conservadores, de extrema-direita, «populistas», xenófobos, racistas, misóginos, fascistas têm assumido posições de poder, fazendo uso da mentira e da propaganda. Cabe às forças de esquerda, progressistas, da paz e da solidariedade unirem-se, resistirem, combaterem e conquistarem o poder. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. «O sistema educativo não é o local para ensinar lições morais às crianças, isso é uma competência dos pais e das famílias. Infelizmente, mais e mais escolas estão a tentar endoutrinar os estudantes, expondo-os a um currículo e cursos sobre género e identidade sexual e racial», diz Standridge, justificando o injustificável. Outra lei apresentada, a semana passada, pelo mesmo senador, permitiria, se aprovada, que os encarregados de educação processassem os professores se aqueles leccionarem visões opostas às crenças religiosas dos pais. Por exemplo, os professores correriam o risco de sofrerem coimas muito elevadas por ensinarem a teoria da evolução ou o big bang. Foi neste contexto que, na quarta-feira, um pastor protestante da cidade de Nashville, no Tennessee, organizou uma enorme queima de livros, na qual participaram dezenas de pessoas, incluíndo crianças. «Temos o direito constitucional, e bíblico, de fazer aquilo que estamos a fazer», afirmou o pastor, que pediu para as pessoas trazerem livros do Harry Potter e outros do género, por promoverem a «feitiçaria». Há quase 80 anos começaram as queimas de livros na Alemanha, dinamizadas pelo partido Nazi. Os livros queimados eram de uma enorme variedade, da literatura de Franz Kafka às obras de Marx e Engels, chegando mesmo ao trabalho de Albert Einstein. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
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Na acção, apresentada pela Democracy Forward, uma organização de defesa jurídica sem fins lucrativos, os queixosos afirmam que a «lei vaga e abrangente» viola os direitos dos habitantes do Arkansas consagrados na Constituição e alertam que «a Lei 372 força livrarias e bibliotecas a autocensurar-se de uma forma que é contrária aos seus propósitos fundamentais».
«Os trabalhadores das bibliotecas do Arkansas estão preocupados, com razão, que […] a Lei 372 os impeça de servir os seus utentes como sempre fizeram, proporcionando uma ampla variedade de materiais para satisfazer as suas necessidades de informação e, talvez o mais importante, materiais que permitam que cada criança se veja a si mesmo nos livros da sua biblioteca», disse Carol Coffey, presidente da Associação de Bibliotecas do Arkansas, um dos queixosos no processo.
Este processo legal é a tentativa mais recente de fazer frente a uma vaga de leis contra os livros que percorre o país norte-americano, refere The Hill.
De acordo com a Associação Norte-americana de Bibliotecas, em 2022 houve mais tentativas que nunca (1269) para retirar livros das bibliotecas. Por seu lado, a PEN America registou 4000 pedidos de eliminação de livros desde Julho de 2021.
Na maioria dos casos, os volumes questionados incluem temas de género ou questões ligadas ao racismo.
No mês passado, a PEN America e uma editora instauraram um processo a um distrito escolar na Florida por ter retirado dez livros das suas bibliotecas sobre questões de «raça e identidade LGBT».
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