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Na Alemanha, os críticos do governo estão a perder as contas bancárias e mais

A repressão sobre estruturas de esquerda, anti-imperialistas e solidárias com a Palestina na Alemanha visa cada vez mais minar os seus meios de subsistência económica, alerta o jornalista Leon Wystrychowski.

Patrik Köbele, presidente do DKP, entrega uma doação a representantes do Partido Comunista de Cuba (PCC) em Havana Créditos / PCC / Peoples Dispatch

O Partido Comunista Alemão (DKP) anunciou este mês que várias contas bancárias ligadas ao partido (incluindo a da sua direcção) serão encerradas a partir de 31 de Dezembro.

«As razões que motivam o encerramento das contas permanecem obscuras e o acto em si levanta mais questões do que respostas», afirma Wystrychowski no Peoples Dispatch, acrescentando que este caso chamou a atenção para uma tendência que parece estar a ressurgir com mais frequência na Alemanha: a dos ataques a recursos materiais de agentes que criticam o executivo alemão, especialmente as suas políticas de guerra.

Solidariedade com Cuba como justificação para encerrar contas?

De acordo com o DKP, o encerramento das contas bancárias foi precedido por uma investigação do GLS Bank sobre doações do partido a Cuba. O cancelamento subsequente é um ataque à solidariedade a Cuba, defende o DKP, cujo presidente, Patrik Köbele, respondeu de forma desafiadora, afirmando que o partido iria reforçar ainda mais a sua «solidariedade internacional com a Cuba socialista, que – no meio das sanções [dos EUA] que violam o direito internacional – está a ser transformada numa acusação contra nós».

Organizações de solidariedade com Cuba que também têm contas no GLS mostraram-se preocupadas quanto à possibilidade de serem elas as próximas.

Em simultâneo, frisa o jornalista, esta repressão drástica relacionada com Cuba não se coaduna com a tendência política das últimas décadas na Alemanha, onde a Ilha, apontada como uma «ditadura» pela direita, goza de uma imagem relativamente positiva, mesmo entre os círculos liberais de esquerda, de país oprimido que supostamente demonstra que o socialismo é «uma bela ideia que falha na prática».

A Alemanha não impõe sanções a Cuba, as agências de viagens vendem bilhetes de avião para a Ilha, e o rum, os charutos e outros produtos cubano estão disponíveis não só em lojas de comércio justo, mas também em supermercados e tabacarias alemãs. Por isso – refere o autor –, alguns suspeitam que as medidas contra o DKP estão mais intimamente ligadas à sua posição sobre a guerra na Ucrânia.

Eventual pressão da administração de Trump

«Se Cuba for de facto o problema, pode-se assumir que a pressão tenha vindo dos EUA», afirma Wystrychowski, recordando que, no último Verão, o bloqueio e as sanções que Washington impõe ilegalmente à Ilha há décadas foram mais uma vez reforçados pela administração liderada por Donald Trump, visando sobretudo as transacções financeiras.

Esta suspeita é reforçada por outro caso. Segundo o autor apurou, a organização de assistência jurídica de esquerda Rote Hilfe (Ajuda Vermelha), que também tem conta no GLS, foi questionada de forma semelhante. No seu caso, o foco terá sido o chamado «Antifa Leste», para cujos processos judiciais a Rote Hilfe recolhe doações. A designação refere-se a vários activistas antifascistas acusados ​​de terem actuado de forma militante contra estruturas neonazis no Leste da Alemanha ao longo de muitos anos.

A 13 de Novembro último, a Casa Branca incluiu esta estrutura – cuja existência como organização coerente é altamente questionável – na sua lista de «organizações terroristas estrangeiras», com efeitos a partir de 20 de Novembro.

Além disso, o chamado «Rewards for Justice Program», gerido por FBI, CIA, Agência de Segurança Nacional e Departamento da Defesa, anunciou recentemente uma recompensa de dez milhões de dólares por informações sobre várias estruturas antifascistas europeias, incluindo a «Antifa Leste».

Quando questionado se o encerramento das contas poderia ser resultado de pressão directa ou indirecta dos EUA, o banco respondeu referindo-se genericamente a «obrigações regulatórias», que também constam no seu portal.

No topo dessa lista está o dever de «prevenir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo». No entanto, lembra Wystrychowski, a acusação de «terrorismo» em relação ao DKP e a Cuba, ou à Rote Hilfe e à «Antifa Leste», é feita exclusivamente pelos Estados Unidos.

Uma prática cada vez mais comum

Independentemente de estes encerramentos resultarem de pressões directas dos EUA, das autoridades alemãs ou de cumprimento preventivo por parte da GLS, tais ataques tornaram-se mais frequentes na Alemanha nos últimos anos – tendo também visado, nalguns casos, actores de direita ou «críticos da Covid».

«Acima de tudo, e cada vez mais, visam organizações e indivíduos que se opõem ao discurso de guerra anti-Rússia ou expressam posições pró-Palestina», afirma o jornalista no Peoples Dispatch, aludindo ao facto de, desde 2016, vários partidos, organizações e editoras de esquerda e de solidariedade com a Palestina terem perdido as suas contas bancárias, incluindo a Jewish Voice for a Just Peace (Voz Judaica por uma Paz Justa).

Um caso «particularmente extremo» é o de Hüseyin Doğru, que foi fundador da Red Media, «um pequeno mas influente órgão de comunicação de esquerda, publicado principalmente em inglês, baseado na Alemanha e conhecido pelas reportagens regulares sobre a repressão anti-Palestina na Alemanha».

A Alemanha colocou a Red Media e Doğru na lista de sanções da União Europeia (UE), recorda o jornalista, sublinhando que, desde então, «Doğru está proibido de trabalhar ou de receber verbas. Qualquer pessoa – incluindo a sua mulher – que disponibilize dinheiro ou apoio material a este pai de vários filhos sujeita-se a um processo judicial».

Os influenciadores alemães «pró-russos» foram sujeitos a sanções semelhantes, que na prática equivalem à «desnaturalização» – algo que é tecnicamente ilegal na Alemanha desde a libertação do fascismo.

«Mesmo que estas medidas representem as formas – até ao momento – mais extremas deste tipo de repressão, partilham a mesma lógica central do encerramento de contas: os afectados devem ser privados dos seus meios de subsistência», sublinha.

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