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Crise na indústria automóvel tem origem política

A crise dos semicondutores, que ameaça a indústria automóvel europeia, é causada pela guerra económica dos EUA contra a China e pela subserviência da UE a Trump. Os trabalhadores pagam a factura.

Sede da Nexperia em Nijmegen, Países Baixos, a 13 de Outubro de 2025. A empresa, especializada em semicondutores, grande parte dos quais destinados à indústria automóvel, é detida pela chinesa Wingtech Technologies 
Sede da Nexperia em Nijmegen, Países Baixos. A empresa chinesa, especializada em semicondutores, grande parte dos quais destinados à indústria automóvel, está no epicentro da guerra comercial dos EUA contra a China CréditosMARCEL KRIJGSMAN / EPA

A ameaça que paira sobre o sector automóvel não tem origem em causas especificamente económicas mas sim em decisões políticas ligadas à guerra de sanções desencadeada pelos EUA contra a China, com o objectivo de controlar as cadeias mundiais de semicondutores, e sua aceitação subserviente pelos aliados do império na União Europeia (UE).

A firma Nexperia, localizada nos Países Baixos, foi adquirida em 2019 pela chinesa Wingtech Technologies e tem beneficiado, desde então, da produção de elementos para semicondutores provenientes da casa-mãe para se tornar um dos mais importantes fornecedores da indústria automóvel europeia, em particular do seu segmento eléctrico.

Ora, em Dezembro de 2024, a administração Trump, através do Gabinete de Indústria e Segurança (BIS, de Bureau of Industry and Security), colocou a Wingtech Technologies numa lista de entidades estrangeiras sujeitas a restrições por fabricarem produtos de uso dual (civil e militar) – uma situação corrente nas empresas de semicondutores.

Em princípio, tais sanções não abrangeriam a Nexperia europeia, cuja produção obedece às normas e legislação da UE, aliada de Washington, mas, em Abril deste ano, o BIS anunciou que as sanções se aplicariam não só às empresas-mãe como às filiais em que estas possuam 50% ou mais do capital e, em 29 de Setembro, a empresa sedeada nos Países Baixos foi também adicionada à lista norte-americana de restrições.

No dia seguinte, o governo holandês, num gesto que a CNN viu como uma cedência à pressão que os EUA vinham a fazer sobre o executivo de Haia, invocou uma «obscura lei da Guerra Fria, conhecida como “Lei da Disponibilidade de Produtos”» e tomou o controlo da empresa, a pretexto de «sinais recentes» que «ameaçavam a continuidade e salvaguarda, em solo holandês e europeu, de conhecimentos e capacidades tecnológicas cruciais».

Se o governo dos Países Baixos pensava estar a tratar a China como há 125 anos atrás, quando, durante a guerra dos Boxers, uma intervenção militar combinada de potências ocidentais e do Japão impôs tratados comerciais unilaterais ao antigo Império do Meio, depressa se desenganou.

A 4 de Outubro, Pequim anunciou a proibição, à unidade chinesa da Nexperia e seus subcontratados, de exportar componentes acabados e subconjuntos fabricados na China. Cerca de quinze dias depois, a administração casa-mãe, segundo a plataforma Z2Data, especializada em riscos de gestão de cadeias logísticas, escreveu aos trabalhadores instruindo-os para «ignorarem encomendas da sede em Nijmegen, nos Países Baixos», lembrando que a Nexperia é «uma companhia chinesa com operações assentes na China» e que, antes do mais, deve priorizar o cumprimento das leis e regulamentos chineses e «ignorar interferências externas», no que a Z2Date considerou uma «clara referência às tentativas do governo holandês para tomar o controlo da Nexperia».

Aterrada, Haia procedeu a diligências para tentar reverter a proibição do governo chinês mas este, a 22 de Outubro, por intermédio do ministro do Comércio, Wang Wentao, acusou o governo holandês de, com as suas medidas, «afectar a estabilidade das cadeias globais de abastecimento industrial», e intimou-o a manter a segurança e estabilidade das mesmas.

Para bom entendedor, meia palavra bastaria, mas a Wingtech Technologies fez questão de ser explícita: «Só restaurando o controlo total e os direitos de propriedade aos accionistas e à administração legítimos da empresa, e cessando a interferência política na governança corporativa, o governo holandês poderá começar a reparar os danos à sua reputação, diminuir a tensão internacional e salvaguardar a sua própria segurança económica e a da Europa», afirmou um seu porta-voz por meio de um comunicado enviado por e-mail.

Os fabricantes de automóveis não têm dúvidas: a crise tem origem política e deve ser resolvida «no espaço político, principalmente entre os Estados Unidos e a China, neste caso, com a Europa presa no meio», afirmou nesta quarta-feira a CEO da Mercedes-Benz, Ola Källenius, citada pela CNBC.

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Conflito na Nexperia ameaça a indústria automóvel

Segundo a Z2Data, a Nexperia, com receitas de 2 mil milhões de dólares em 2024, detém uma quota de 40% no mercado de semicondutores básicos, como transístores ou díodos, e 60% dos seus produtos são vendidos a construtores automóveis como a Volkswagen, a BMW, a Mercedes-Benz e a Toyota.

Como a maioria dos semicondutores da Nexperia é fabricada na China, as restrições à exportação decididas por este país, em resposta às acções do governo holandês, «representam uma importante ameaça às cadeias de abastecimento globais», com vários construtores a alertar para «uma iminente escassez de semicondutores e consequentes paralisações na produção».

A Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA), «crescentemente preocupada com a iminente disrupção» da cadeia produtiva na Europa, alertou para o facto de os semicondutores fornecidos pela Nexperia serem «essenciais para as unidades de controlo electrónico das viaturas eléctricas» e de que, sem aqueles, faltarão os componentes necessários à indústria.

De acordo com um inquérito realizado esta semana aos seus associados, paragens iminentes nas linhas de montagem já são esperadas «a apenas alguns dias de distância». A directora-geral da ACEA, Siegfried de Vries, exorta «todas as partes envolvidas a redobrarem os seus esforços para encontrar uma saída diplomática para esta situação crítica».

O movimento sindical dos trabalhadores faz ouvir a sua voz em vários países europeus onde a indústria automóvel tem significado. Na Alemanha a IG Metall, na Itália a FIM-CISL e a FIOM. O impacto da guerra económica imperialista também chega a Portugal, onde o SITE-Norte e a Fiequimetal, ambos da CGTP-IN, alertam para os riscos e ameaças aos direitos dos trabalhadores na Bosch e na AutoEuropa.

O imperialismo norte-americano e seus aliados europeus, em busca de uma hegemonia mundial que lhes escapa, desencadeiam crises económicas artificiais cujos efeitos se repercutem negativamente na indústria automóvel e nos milhões de trabalhadores que lhe dão vida.

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