A denúncia é feita pela CGTP-IN, segundo a qual os apoios estatais não podem servir para premiar baixos salários e a precariedade. A central sindical afirma num comunicado que, seja no plano dos benefícios fiscais em sede de IRC, seja nas subvenções atribuídas, são as grandes empresas que absorvem a maior fatia das verbas.
O mesmo voltou a suceder no ano passado com a chamada compensação às empresas que alegadamente não conseguiam suportar o aumento do salário mínimo. Segundo lista divulgada pela Inspecção-Geral de Finanças, consultada pela Inter, a Randstad, grande empresa da área do trabalho temporário que em 2021 teve um resultado líquido consolidado de 768 milhões de euros, lidera a lista das empresas que mais recorreram a este apoio, onde se encontra também a Adecco, com 1,5 mil milhões de lucro, e, entre outras, a Sonae, que alcançou os 75,2 milhões de lucro em 2020 e no ano passado distribuiu 97,2 milhões de euros em dividendos.
Se houvesse coerência, não poderia haver objecções à fixação do Salário Mínimo Nacional nos 1137 euros em 2020, valor que resulta da aplicação da evolução dos preços e da produtividade ao ano de 1974. O tempo de trabalho e o valor criado durante esse período são alvo de uma disputa secular entre assalariados e detentores dos meios de produção. Neste confronto, é o antagonismo dos interesses e a relação de classes que emergem com toda a crueza, numa época em que alguns tentam vender a conciliação como meio de substituir a luta dos trabalhadores para elevarem as suas condições, num mundo do trabalho que apresentam como essencialmente despojado de contradições e, claro, sem que haja uns poucos a explorar a grande maioria. O processo que o Governo encetou na Concertação Social (CPCS), a sua rápida degeneração para um pacote que tenta limitar a evolução salarial e contempla um conjunto de contrapartidas para as empresas, é um exemplo lapidar da exigência da luta, da necessidade de mobilizar, unir e esclarecer os trabalhadores. Sendo certo que não será à mesa da CPCS, nem pela força dos melhores argumentos, que o patronato vai abdicar da sua parcela no produto. «Perante a ameaça do capital de que a economia não aguenta um tão robusto aumento dos salários, lembramos que o incremento no rendimento disponível das famílias se constitui como uma alavanca para o aumento do PIB. Foi a recuperação de rendimentos, ainda que limitada, e de direitos que impulsionou a economia, e vai continuar a ser esta uma componente determinante para a evolução futura» Com a clara intenção de desmobilizar os trabalhadores, de colocar no campo do impossível a justa reivindicação de aumento geral dos salários em 90 euros por mês, o grande capital, as organizações que corporizam os seus interesses e os difusores da sua opinião, reagem a esta, como a todas as outras exigências de valorização do trabalho. Dizem que primeiro é preciso produzir mais riqueza para depois a distribuir melhor. Num país onde imperam as desigualdades, este argumento não poderia ser mais falacioso. O que não dizem é que a maior desigualdade existente em Portugal tem como principal origem a relação que opõe o capital ao trabalho, e que é fruto desta contradição – em que o capital procura aumentar a exploração para degradar ainda mais as condições de trabalho – da qual emana a mais visível e gritante expressão da desigualdade: a repartição do rendimento entre o capital e o trabalho. Analisando aquilo que é produzido e volta aos bolsos – sob a forma de ordenados e salários – de quem produz a riqueza e aquilo que é alienado por quem explora a força de trabalho, verificamos que 41,8% vai directamente para o capital e apenas 34,6% vai para os assalariados. Por isso, afirmamos que é possível hoje aumentar os salários em 90 euros por mês, sem termos de esperar por mais produção. Basta assumir o combate às desigualdades em todas as suas dimensões, sem hipocrisias e demagogias, e atacar a sua principal causa, o que exige uma subida geral dos salários. Outra linha de ataque passa pela afirmação de que as empresas não aguentam. Especialmente usada quando se trata do salário mínimo nacional (SMN), mas não só, este argumento cai por terra quando verificamos que os custos com pessoal apenas representam, em média, 14% dos custos totais das empresas no nosso país. Na verdade, em grupos como a Jerónimo Martins, SONAE, GALP, EDP e ALTRI, só para referir uns poucos dos mais conhecidos, aquilo que um aumento geral dos salários pode representar é uma redução dos dividendos distribuídos. «O valor a que chegaram, para um agregado familiar composto por dois adultos e dois dependentes, ou seja, aquele que garante a reposição demográfica no nosso país, foi o de um salário bruto de 1430 euros por mês, em 2019. […]Todos os inquéritos à fecundidade apontam a segurança no emprego e os salários como os aspectos a melhorar para que os jovens concretizem o seu desejo a constituir família» No Pingo Doce, por exemplo, um aumento de 200 euros em 2018, teria como único efeito a redução de 188 para 79 milhões de euros de lucro da família Soares dos Santos, ainda assim, uma «pipa de massa». Para os trabalhadores do calçado, um aumento de 90 euros no seu vencimento equivale à venda de quatro pares de sapatos (tendo por base o preço médio da unidade exportada anunciado pelo sector); no têxtil e vestuário, só no último ano, o aumento das exportações permitia um aumento de 128 euros por mês por trabalhador. Em todos os sectores, em cada empresa, sobram mais exemplos que se somam a estes. Com a desfaçatez de quem muito explora, avançam ainda que os salários, e em particular o SMN, devem evoluir segundo critérios em que se incluem a produtividade e a inflação… Pois bem, se houvesse coerência, não poderia haver objecções à fixação do SMN nos 1137 euros em 2020, valor que resulta da aplicação da evolução dos preços e da produtividade ao SMN conquistado com a revolução de Abril de 1974. Mas não há coerência porque tais critérios são manipulados ou ignorados para beneficiar os interesses do capital. Só nas duas últimas décadas, a diferença entre a tal produtividade e a evolução dos salários é a que se segue, conforme mostram as contas nacionais. Por mais voltas que dêem, é possível o aumento geral dos salários em 90 euros mensais. Trata-se, acima de tudo, de uma questão de opção política, do modelo de sociedade que se preconiza, de definir ao serviço de quem está a economia e para quem devem recair os resultados obtidos. Aumentar os salários e o SMN para pôr um ponto final na situação em que um em cada dez trabalhadores empobrece a trabalhar. Aumentar os salários e o SMN, para que os trabalhadores e as suas famílias atinjam um rendimento que lhes permita ter uma vida digna. Isso mesmo (quanto é necessário para se ter uma vida digna) foi o que um grupo de académicos procurou aferir. O valor a que chegaram, para um agregado familiar composto por dois adultos e dois dependentes, ou seja, aquele que garante a reposição demográfica no nosso país, foi o de um salário bruto de 1430 euros por mês, em 2019. Fica claro que no caso da demografia, como noutros, mais do que constatar problemas, urge identificar as suas causas e implementar medidas que as combatam. Todos os inquéritos à fecundidade apontam a segurança no emprego e os salários como os aspectos a melhorar para que os jovens concretizem o seu desejo a constituir família. O aumento geral dos salários em 90 euros por mês, não só é possível, como é necessário para garantir um nível de vida digno e inverter a tendência para o défice demográfico a que a política de direita conduziu o nosso país. Perante a ameaça do capital de que a economia não aguenta um tão robusto aumento dos salários, lembramos que o incremento no rendimento disponível das famílias se constitui como uma alavanca para o aumento do PIB. Foi a recuperação de rendimentos, ainda que limitada, e de direitos que impulsionou a economia, e vai continuar a ser esta uma componente determinante para a evolução futura e da qual dependem os micro e pequenos empresários que têm no mercado nacional e na procura solvente dos que cá habitam e trabalham a única fonte para a realização do seu negócio. Em Espanha, o SMN subiu 22,3% no último ano, para os 900 euros, e o crescimento naquele país terá sido superior ao de Portugal. Se é errado atribuir a um único factor a evolução da economia, mais errado é dizer que o aumento geral dos salários contribuiu para o desequilíbrio, que é o princípio da catástrofe… Mas a valorização do trabalho e dos trabalhadores não se faz com o nivelamento por baixo de todas as profissões, daí que a emergência se coloque não só nos rendimentos mais baixos, mas nos rendimentos em geral. A contratação colectiva assume, também, aqui, um papel determinante. Outro dos efeitos que o aumento geral dos salários terá, é nas contas públicas e da Segurança Social. Estimámos o impacto por cada incremento de 90 euros por mês, em média, para cada assalariado. Ao nível do IRS e dos impostos ao consumo, a receita fiscal anual poderá aumentar mais de mil milhões de euros ao ano. Do lado da Segurança Social, o potencial para a melhoria das prestações sociais é enorme e poderá ser fomentado com a diversificação das fontes de financiamento. Ainda assim, partindo exclusivamente das receitas oriundas dos descontos sobre os rendimentos do trabalho, o saldo da Segurança Social poderá ser incrementado 1,7 mil milhões de euros ao ano. Sim, é possível, é necessário e tem impactos positivos na dinamização da economia e nas contas públicas. O aumento geral dos salários em 90 euros por mês é uma emergência nacional, pelo trabalho e a valorização dos trabalhadores, pelo futuro do país. O aumento geral dos salários como objectivo da política, mas também como elemento estruturante do desenvolvimento. Sem prejuízo da importância de avaliar as variáveis económicas que influenciam a variação dos rendimentos de quem trabalha, a questão fundamental com que estamos confrontados, na reivindicação do aumento em 90 euros por mês, é a da luta de classes… Transportar esta reivindicação para o seio de cada empresa e sector, convergir na luta, são as tarefas que se nos colocam. Mobilizar os trabalhadores e dar exemplos concretos que demonstram que sim, é possível, necessário e urgente avançar no aumento dos salários. É um caminho que temos de continuar a trilhar. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Salários: uma questão central do desenvolvimento
Receita Fiscal Contribuições Sociais ∆ IRS ∆ Impostos sobre o consumo ∆ Segurança Social Por cada 90€ 11,835 6,75 30,6 Impacto mensal 48 008 678 27 365 576 124 128 900 Impacto anual 672 121 485 383 118 063 1 737 804 600 Total anual 1 055 239 548 Contribui para uma boa ideia
De acordo com a análise da CGTP-IN, foram as grandes empresas da área do trabalho temporário, da grande distribuição e as que operaram na restauração (Gertal e Eurest) as mais beneficiadas pela medida. «As dez empresas que mais receberam, acumularam perto de 25% do total dos apoios divulgados pela Inspecção-Geral de Finanças», refere a central sindical.
Neste sentido, reitera que não deve haver compensações pela subida do salário mínimo nacional e apela ao fim da medida. Além do dinheiro público «continuar a ser utilizado para fomentar a precariedade laboral do trabalho com recurso a empresas de trabalho temporário, verifica-se que este tipo de medidas serve para promover uma transferência directa e indirecta de rendimentos para o grande capital», constata.
A Intersindical insiste que os apoios devem ser destinados «a quem deles carece», salientando que, apoiar quem deveria ser chamado a contribuir de forma mais robusta, «é o resultado da opção política de sucessivos governos que dá aos grandes grupos económicos e financeiros aquilo que nega aos trabalhadores e à generalidade da população».
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