Queremos antes de mais agradecer o convite para participarmos neste seminário sobre o 25 de Novembro de 1975.
Diz a nota de divulgação deste seminário que o 25 de Novembro de 1975 continua a ser objecto de intensos debates historiográficos, políticos e memoriais.
É um facto!
Mas se uns estão nesses debates buscando conhecer e revelar a verdade, outros há que têm como objectivo fazer dos acontecimentos do 25 de Novembro uma insidiosa arma de arremesso contra Abril, contra o processo que iniciou de democratização da sociedade portuguesa, contra as suas conquistas e valores, contra firmes defensores do seu projecto libertador, utilizando despudoradamente a mentira, para servir interesses próprios, partidários ou de classe.
É, particularmente, a direita de vários matizes que nunca se conformou com o projecto libertador e emancipador de Abril, e seus herdeiros, que tem tomado em mãos essa tarefa que se traduz numa abusiva revisão da história e de adulteração da memória da Revolução.
De facto, há muito que nos confrontamos com leituras dos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 que são puras mistificações e falsidades.
São várias as narrativas, incluindo as vindas de sectores e personalidades que não se enquadram na mesma lógica da direita revanchista, a maior parte das quais não passam de afirmações assentes em meros processos de intenção sem qualquer fundamento ou prova.
Mas a questão de fundo é a recorrente tentativa de transformar um golpe militar, inserido no processo contra-revolucionário, numa resposta a um inventado golpe do PCP.
Acusação que tem, agora, nestes tempos de comemoração de Abril, um novo ímpeto, um súbito empolamento, por um dos protagonistas do golpe de Novembro: «O PCP, talvez acossado pela extrema-esquerda, preparava-se, efectivamente, para estabelecer em Portugal um regime totalitário».
É para dar corpo e eco a versões como esta e à manipulação do processo de construção da democracia de Abril que o actual governo do PSD/CDS decidiu constituir uma comissão autónoma e um programa próprio.
Não se trata de uma afirmação gratuita sobre as intenções do governo.
A sua vontade de manipular o processo de democratização de Abril é tal que conseguiram omitir, na Resolução do Conselho de Ministros, que as primeiras eleições livres se realizaram em Abril de 1975 e não, como afirmam, em 1976, ou seja, sete meses antes do 25 de Novembro. O seu objectivo é identificar o processo revolucionário como ditatorial. Não, a democracia não nasceu em Novembro. É fruto de Abril!
Hoje, está cada vez mais claro e de forma alargada da parte de quem estuda e se debruça sobre esse período da vida nacional, onde se incluem insuspeitos historiadores, que as acusações dirigidas ao PCP são infundadas e o golpe do 25 de Novembro que nós objectivamente caracterizámos como um golpe contra-revolucionário tem, de facto, a iniciativa de outros protagonistas.
Na verdade, a conspiração e acção contra-revolucionária começa cedo. Foram várias as tentativas de golpe e os golpes desferidos pela contra-revolução.
Não é possível compreender o 25 de Novembro sem percorrer a fita do tempo dos acontecimentos dos meses que o precederam, particularmente a partir dessa data marcante do falhado golpe do 11 de Março. Esse golpe, que não foi um acto isolado, preparado apenas no campo militar.
Ele era inseparável de uma ofensiva política e diplomática contra-revolucionária que se vinha desenvolvendo meses antes, onde pontuavam, em conluio com as forças reaccionárias e do antigo regime, partidos que se afirmavam da democracia e que vão, em breve, dar corpo a uma nova e mais violenta ofensiva anti-comunista, buscando a hegemonia política nos órgãos do poder, particularmente, após as eleições para a Constituinte.
«A sua vontade de manipular o processo de democratização de Abril é tal que conseguiram omitir, na Resolução do Conselho de Ministros, que as primeiras eleições livres se realizaram em Abril de 1975 e não, como afirmam, em 1976, ou seja, sete meses antes do 25 de Novembro.»
Mas marcante esse golpe também, porque a sua derrota criou uma situação nova, dando um decisivo impulso ao processo revolucionário, nomeadamente com a institucionalização do MFA, a criação do Conselho da Revolução e a nacionalização da Banca e dos Seguros.
Decisões necessárias para a defesa da Revolução e do processo de democratização da sociedade portuguesa, que mexeram com interesses instalados e até aí intocados, suportes da ditadura. Interesses que não vão ficar de braços cruzados, mas redobrar a sua acção conspirativa contra a Revolução.
No percurso que nos conduz ao 25 de Novembro está, com lugar destacado, a acção do PS, após as eleições de Abril para a Assembleia Constituinte, que passa a assumir claramente a liderança da oposição à evolução do processo de transformações e conquistas populares. Desde logo, exigindo a revogação do Pacto MFA-Partidos que haviam assinado e reivindicado uma legitimidade não outorgada pelo carácter daquelas eleições – a de eleger uma Assembleia Constituinte para elaborar a Constituição da República.
Foram dois meses, desde as eleições, de frenética actividade desestabilizadora, com difusão de mentiras e calúnias contra as forças democráticas mais consequentes e progressistas, até à saída do PS do IV Governo Provisório, em Julho de 1975, arrastando consigo o PSD.
Uma acção deliberada, com fortes e insidiosos apoios externos de governos e forças europeias e americana, com o objectivo de dividir o movimento popular, as forças progressistas, o MFA e criar uma profunda crise político-militar, como a que acabou por se instalar, pondo termo aos governos de coligação e forçar a saída dos comunistas do governo.
A campanha anti-comunista que promoveu e as suas alianças com as forças da reacção, têm sobre si a pesada responsabilidade de terem aberto as portas e estimulado a acção do terrorismo bombista.
No caminho aberto, a contra-revolução, mostrando a sua verdadeira cara, passou ao ataque.
Os assaltos, pilhagens e incêndios de centros de trabalho do PCP e de outros partidos progressistas, assim como de sindicatos, a «caça aos comunistas», as agressões, os atentados terroristas, o saqueio de escritórios e residências pessoais, inseriam-se no objectivo de inverter o processo democrático aberto pela Revolução.
Em Julho, contavam-se já 86 actos terroristas, dos quais 33 assaltos, pilhagens e incêndios de centros de trabalho do PCP e assim continuou, num total de mais de cinco centenas de actos terroristas.
Acusa-se o PCP de querer coarctar as liberdades, mas quem ficou limitado das suas e da sua acção política, em larga parte do País e por muito tempo, foi quem acusavam.
Não por acaso que, após o 25 de Novembro, a acção terrorista e bombista prosseguiu com tanta ou mais violência.
Valeu tudo, incluindo a criação e aproveitamento de casos alheios a qualquer intervenção do PCP visando responsabilizar os comunistas e acentuar as divisões. O caso do jornal República é um exemplo, outro, o assalto à Embaixada de Espanha, em Setembro de 1975.
Estávamos em Agosto e a tomada de consciência de que a Revolução atravessava sérios perigos está patente na célebre reunião do Comité Central do PCP, de 10 desse mês.
Considerava-se que a Revolução Portuguesa atravessava a mais complexa e profunda crise verificada desde o 25 de Abril.
«No percurso que nos conduz ao 25 de Novembro está, com lugar destacado, a acção do PS, após as eleições de Abril para a Assembleia Constituinte, que passa a assumir claramente a liderança da oposição à evolução do processo de transformações e conquistas populares.»
Não cabe aqui dar conta dos contornos dessa crise, que era determinadamente uma crise do poder político, designadamente do MFA e do governo, nem tão pouco do comportamento do conjunto de protagonistas em conflito e em confronto. Nem mostrar quanto falsa era essa ideia tão propalada que o PCP estava numa posição de fuga para frente, visando a aceleração progressiva do processo revolucionário.
Apenas realçar que face à degradação da situação se concluiu que, ou havia um esforço sério de unificação de todas as forças interessadas na defesa e consolidação da Revolução e um reforço da cooperação de todas as correntes políticas que estavam com o processo revolucionário de Abril, ou os riscos de caminhar para violentos confrontos armados era uma real possibilidade.
Por isso, o PCP declarou estar pronto a examinar em comum a situação e formas de cooperação com todos os que estavam no processo, sem discriminações.
Não é rasurável o papel desenvolvido pelo PCP na procura de uma solução política para a crise político-militar que se agudizava a cada dia que passava, num esforço continuado, onde estão presentes propostas de encontros bilaterais e multilaterais das principais forças e sectores que podiam encontrar uma solução.
Uma solução que passava pela reaproximação e o entendimento entre os vários sectores do MFA, particularmente entre a Esquerda militar e o Grupo dos Nove, chegando mesmo a propor, em conferência de imprensa (28 de Agosto/75), um encontro de delegações da Presidência da República, do Conselho da Revolução, do V Governo, da Esquerda militar, do Grupo dos Nove, do COPCON, do PS, do PCP e de alguns partidos que integravam a FUR e com estreitas ligações ao COPCON.
Proposta que não foi bem aceite.
Nem por parte de sectores da esquerda militar, que não queriam dialogar com o Grupo dos Nove.
Nem por estes, porque estavam, de facto, empenhados em derrotar a esquerda militar e fazer cair o V Governo, como aconteceu em 8 de Setembro, depois do chamado pronunciamento de Tancos com o afastamento dos cargos e estruturas superiores das Forças Armadas e do MFA de Vasco Gonçalves.
Da parte dos sectores esquerdistas, bastou o facto de o PCP ter proposto negociar para alguns o acusarem de traição.
A sua orientação fechada e sectária, mas também aventureira, teve consequências desastrosas.
É curiosa, pois, a recente ideia de uma suposta traição do PCP a Otelo.
O País vai assistir a uma situação crescentemente marcada por sucessivos conflitos, pela multiplicação de saneamentos de militares à esquerda, por sublevações e por uma grave cisão no MFA que vai conduzir à desagregação e paralisação das suas estruturas superiores de direcção.
É na multiplicação dos saneamentos e na sua resistência que se deve encontrar o elemento motor das sublevações desse período e não em qualquer projecto de golpe ou insurreição para a tomada de poder.
A sublevação dos pára-quedistas, em 25 de Novembro, enquadra-se, como o reconhecem altos responsáveis militares dessa época, neste quadro de contestação, no caso concreto, da chefia do seu Estado-maior e contra a extinção do RCP.
«Não é rasurável o papel desenvolvido pelo PCP na procura de uma solução política para a crise político-militar que se agudizava a cada dia que passava, num esforço continuado, onde estão presentes propostas de encontros bilaterais e multilaterais das principais forças e sectores que podiam encontrar uma solução.»
A ausência de uma plataforma política assumida ou de qualquer projecto de substituição ou modificação de governo, ou de ataque à Presidência da República, revela esse carácter limitado de simples contestação das suas chefias.
Ao contrário, outros havia que há muito tinham decidido e tomado em mãos a elaboração de um plano.
Uns, visando interromper, com a conquista da supremacia militar, o curso da Revolução.
Outros, o regresso ao passado da ditadura.
Uns e outros agiram em conjunto.
Não se sabe ainda tudo, mas não é segredo para ninguém que o Grupo dos Nove, como o revelou o Comandante Gomes Mota, no seu A resistência. Verão Quente de 1975, se havia constituído e organizado militarmente para travar e inverter o processo revolucionário.
São públicos e Gomes Mota deu-os a conhecer, os nomes da direcção política e da direcção militar do «Movimento», como eles próprios se definiam.
De facto, o golpe do 25 de Novembro foi fruto de uma cuidada e longa preparação. Aliás, Melo Antunes confirmou-o quando disse que, muitos meses antes, «tinham uma organização militar em marcha».
Também hoje se sabe que, acto contínuo ao falhado golpe reaccionário do 11 de Março e às medidas tomadas pelo Conselho da Revolução, alguns membros daquela que vai ser a Direcção Militar do Grupo dos Nove, um dos quais com o pseudónimo de Silva, se encontram em reuniões conspirativas visando pôr em marcha uma nova acção contra-revolucionária no plano militar, como o confirma a autora da biografia de Ramalho Eanes O Último General, Isabel Tavares, na entrevista que deu à TSF, por ocasião da sua publicação, em Janeiro deste ano e, até hoje, não contestada.
A sublevação dos pára-quedistas foi, simplesmente, a oportunidade para pôr em marcha os seus planos.
O golpe do 25 de Novembro não foi tão longe como alguns projectaram, nomeadamente a fracção da direita e da extrema-direita, desde logo com a ilegalização do PCP como pretendiam e não o conseguiram. E não só não o conseguiram ilegalizar, como não conseguiram afastar o PCP do Governo que se manteve no VI Provisório, até Junho de 1976.
Mas ele significou um grave retrocesso que só não foi fatal para o próprio regime democrático, como afirmou Álvaro Cunhal, graças à justa posição do PCP na procura de uma solução política para a crise e, igualmente, aos esforços de importantes figuras militares democratas e patriotas que a tempo, tomaram consciência desse perigo.
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