|Entrevista

«O 25 de Novembro? Um momento de festim para os derrotados no 25 de Abril»

Com o seu nome associado ao documento do oficial miliciano Luís Pessoa, o ex-secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, acedeu a falar com o AbrilAbril e, publicamente, clarificar algumas especulações e manipulações.

Créditos / AbrilAbril

Como viu estas comemorações do 25 de Novembro ?

Como um não acontecimento. Um deserto popular, com uma parada militar e uma ridícula e despeitada sessão na Assembleia da Republica a cheirar a mofo.

Um momento de festim para os derrotados no 25 de Abril, no golpe Palma Carlos, no 28 de Setembro e no 11 de Março. Foi uma comemoração de um golpe militar inserido num processo contra-revolucionário.

Foi também uma comemoração aproveitada para novas publicações de reescrita da história, por «historiadores» de facção, uns que não viveram os acontecimentos, outros que foram protagonistas e que procuram agora compor a sua imagem para a posteridade.

Uns e outros, com mais propriedade, poder-se-iam chamar «produtores de conteúdos de ficção histórica», com um traço de união, o anti-PCP, o anti-comunismo. Todos a procurarem, também, diminuir ou apagar as responsabilidades do esquerdismo, civil e militar, e do PS.

Mas há quem afirme que o PCP foi um dos vencedores do 25 de Novembro?

- No sentido de que não foi ilegalizado como queria a direita e a extrema-direita, no sentido de que ainda conseguiu que fosse aprovada uma Constituição com as conquistas e valores de Abril…

Mas é uma evidência que o PCP não conseguiu evitar a fractura entre a esquerda militar e o «grupo dos nove», apesar dos insistentes apelos e esforços da sua direcção e de Álvaro Cunhal. Não conseguiu evitar o golpe que levou o processo contra-revolucionário a ganhar um novo e decisivo impulso.

Nas comemorações do 25 de Novembro de 2024 e deste ano, o nome de Carlos Carvalhas apareceu ligado ao chamado «memorando Luís Pessoa», que tem sido citado, ultimamente, para dar credibilidade à tese de que o «PCP entrou e depois recuou». Porquê esta associação?

Sim. O meu nome aparece referido no Expresso, salvo erro de Novembro do ano passado, num artigo do Vítor Matos e que até tinha o título de um policial: «O PCP mandou recuar sem deixar rasto». Nesse artigo afirmava-se que o Expresso tinha visto o relatório secreto escrito pelo militar do PCP que teria desencadeado as movimentações do 25 de Novembro.

Trata-se do relatório ou memorando do Luís Pessoa, onde afirmou que alguém do PCP o convenceu a ir entregar-se a Belém para ser preso, acrescentando à mão o meu nome, alegando que eu lhe teria telefonado a convencê-lo a entregar-se.

Blindados protegem o Estado Maior da Força Aérea em Monsanto, Lisboa, a 25 de Novembro de 1975 CréditosManuel Moura / Agência Lusa

Refutei esta afirmação e tentei publicá-la no Expresso, ao abrigo do direito de resposta, o que me foi negado. Enviei nas semanas seguintes vários correios electrónicos ao director e, mais tarde, recorri para a Alta Autoridade para a Comunicação Social. Não tive provimento porque a reclamação tinha ultrapassado o prazo. Dei a conhecer esta documentação aos militares de Abril, Pezarat Correia e Vasco Lourenço.

Mais recentemente, tomei conhecimento, através do livro da Raquel Varela, Do 25 de Novembro aos Nossos Dias, que, afinal, não fui eu que lhe telefonei.

Na verdade, fiquei a saber que Luís Pessoa também entregou o seu relatório à Raquel Varela e que lhe deu uma entrevista em 28 de Maio de 2018, em que afirma que «mandaram o Carlos Carvalhas falar comigo a casa».

O que é que diz a isto ?

Só tenho a dizer que isto é completamente falso.

A trotsquista Raquel Varela, no seu afã de combater o PCP, nem se deu ao cuidado de comparar o que Luís Pessoa lhe afirmou, com o que o Expresso escreveu na base do referido relatório. Foi-lhe útil, para sustentar as suas teses mirabolantes, não pôr em causa as contradições e confusões daqueles relatos.

A mentira tem de facto a perna curta… Segundo o Expresso, Luís Pessoa diz no relatório que eu lhe telefonei, na entrevista a Raquel Varela diz que fui a casa dele!

Na altura já era membro do Comité Central?

Não. Não tinha qualquer responsabilidade partidária. Estava no Ministério do Trabalho. Era secretário de Estado.

Então, porque é que o seu nome aparece citado?

Não sei. Eu tive contactos políticos com o Luís Pessoa antes do 25 de Abril, no MDP/CDE. Depois do 25 de Abril não me lembro de alguma vez termos contactado. Aliás, não tinha nenhuma ligação partidária com ele.

Só posso deduzir que me tenha citado pelas responsabilidades que tive no Partido. Talvez para dar maior credibilidade e notoriedade ao seu relatório.

Que razões vê no interesse de Luís Pessoa para a divulgação do relatório?

Creio que a principal razão se encontra no livro de Raquel Varela e Adriano Zilhão, na p. 116, em que Luís Pessoa diz que saiu do PCP em 1985, que esteve até Abril de 1976 na prisão, e que teve uma discussão com o Jaime Serra, questionando-o pelo facto de, segundo ele, terem colocado o Varela Gomes, o Costa Martins e o Duran Clemente lá fora, em Angola e Moçambique, e a ele não.

Ressentimento, protagonismo ?

Não vejo que tanto empenho de Luís Pessoa tenha sido ditado por amor à verdade, por amor à verdade histórica. Tanto activismo tem significado, quer de Luís Pessoa, quer de Vasco Lourenço.

O Expresso, no artigo que já referi, diz também ter constatado que Pessoa colaborou activamente com Vasco Lourenço para este divulgar a história.

Pezarat Correia também refuta várias alegações de Vasco Lourenço.

Este, no seu recente livro Memórias de um capitão de Abril, além de confirmar o grande empenho de Luís Pessoa na publicação do seu texto, tem aproveitado o «memorando« para ir construindo a sua versão dos acontecimentos, não se coibindo, lamento dizê-lo, de escrever, de forma ligeira, falsa e acintosa, que, afinal, não foi Otelo que abandonou os para-quedistas, mas sim que Otelo foi traído pelo PCP.

Como avalia a veracidade do relatório Luís Pessoa e o que a partir dele se tem escrito?

As diversas narrativas e contradições falam por si. O facto de ter sido escrito por alguém que saiu do Partido em conflito também. Depois, esta de porem os mortos a falar pela voz dos vivos …

Ainda para a avaliação da credibilidade do dito memorando, que dá muito jeito para limpar a imagem de uns e sustentar as teses anti-PCP de outros, vale a pena também conhecer a opinião de Duran Clemente nas Crónicas de um Insubmisso.

E por aqui me fico. Deixo-vos estes elementos e opiniões, pela primeira vez publicados, e creio que também deverão ser tomados em conta para quem, com seriedade, queira continuar a debruçar-se sobre os acontecimentos do 25 de Novembro, razões pela quais acabei por aceder a dar esta entrevista.
 

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