Um dos motivos que me levaram a estudar e investigar a História contemporânea de Portugal, é resultante de uma compreensão que o 25 de Abril 1974 (25A) foi um dos momentos mais relevantes e também encetou um ciclo e processo de democratização política e social ímpar na longa história lusitana. Explico-me.
Quando na Rádio Renascença colocam a tocar «Grândola, Vila Morena» naquela esperançosa madrugada, era o sinal que se encerraria, de forma concomitante, o mais duradouro Império Colonial europeu, os 48 anos de ditadura e os 13 anos de uma violenta guerra colonial, respetivamente, fenómenos de longa, média e curta duração histórica. Uma das consequências do golpe militar dos «capitães» no alvorecer do dia 25A, além de encetar o fim dos supracitados fenómenos históricos, abria-se um dos momentos mais democráticos da história desse país. A Revolução dos Cravos permitiu que o povo trabalhador português pudesse experienciar a democracia no seu sentido amplo e forte do termo: democratizar as relações de propriedade, democratização da política de forma transversal (das organizações de moradores até as forças armadas), da Cultura e afins. Foram 580 dias de uma experiência histórica de libertação e arrojo que foi interrompida por um golpe contrarrevolucionário previamente preparado e armadilhado.
O 25 de novembro de 1975 (25n) representa uma rutura com os fundamentos do processo social e político iniciado na manhã do 25 de Abril, quando o povo trabalhador decide desobedecer ao Movimento das Forças Armadas (MFA), ao sair às ruas para celebrar a derrubada do regime fascista, verem em direto a rendição de Marcelo Caetano no Largo do Carmo e caçar os algozes da polícia política (os pides) pelas «cuecas». Um acto materialmente concreto de liberdade coletiva. Todavia, aquela força e desejo dos trabalhadores, pobres e subalternos de transformação e Revolução tinha que ser interrompido. Os ditos setores moderados dentro do MFA, a classe dominante, as altas hierarquias da Igreja Católica proferiam: «já estão a ir demasiado longe». O 25n procurou arrancar a essência e a potência daquelas raízes que o 25 de Abril buscava fixar por todo o país – mesmo que gritem «não passou de Rio Maior» ou «comuna de Lisboa» – o MFA-Povo tinha o horizonte de criar as bases para que a consciência política agenciasse os despossuídos a assumir a construção de um futuro emancipado pelas suas próprias mãos.
Portanto, a hegemonização da memória histórica com a ideia de que o 25n foi a derrota de um golpe da esquerda militar, do PCP e da extrema-esquerda, que nesta data temos a «normalização democrática», é quando se «coloca o carro do caminho "certo" novamente» e toda a cantilena dos antirrevolucionários. Ou seja, procuram ideologicamente construir uma ideia política e retórica de continuidade com o 25 de Abril, a fim de ocultarem a substância do Processo Revolucionário em Curso (PREC), que busca construir um projeto alternativo ao capitalismo em Portugal. Todos que reivindicam o 25n como momento de normalização (liberal) ou data fundadora da «democracia portuguesa», do Partido «Socialista» (PS) para a sua direita, velam e desfiguram que Abril abriu a última tentativa de socialismo no ocidente (ideológico).
«Os ditos setores moderados dentro do MFA, a classe dominante, as altas hierarquias da Igreja Católica proferiam: "já estão a ir demasiado longe".»
Qual é o significado do 25 de novembro 1975 na formação social portuguesa, na sua dimensão económica, política e cultural? É uma das questões que me acompanha permanentemente no estudo historiográfico do Portugal contemporâneo. Algumas pistas já sinalizei acima, entretanto, gostava de ser enfático, pois entendo que termos uma compreensão fiel e rigorosa dos acontecimentos históricos nos permite elaborar uma análise correta e a partir dela ter ações efetivas e criativas, especialmente, na espera da política, com a capacidade de fomentar e construir um imaginário coletivo de que é possível existir outras formas de vida para além do que a imediatez do presente nos parece impor como imutável ou que «sempre foi assim» – os sonhos de Abril não cabem dentro dos slogans abstratos como «liberdade» e «democracia», ou, é a liberdade para que os assalariados em Portugal continuem a empobrecer? Ou, que a «democracia liberal representativa» permaneça a representa de modo sobejado os detentores do poder económico?
O 25 de novembro representa o início da vitória contrarrevolucionária, que tem no PS o seu agente catalisador e dinamizador (comício da Fonte Luminosa), mas o triunfo daqueles (PS, PPD/PSD, CDS-PP, a direita militar, os fascistas e afins) que derrotaram o Abril revolucionário, foi com o fim do Conselho da Revolução e a primeira revisão constitucional em 1982. O que temos daquele momento histórico é a consolidação do capitalismo como modo de relação social e produção hegemónico e o regime político é liberal-representativo – ambos se encontran numa crise estrutural e de legitimidade social.
A grande maioria dessa gente preferiria que o fim do salazarismo fascista tivesse sido um pacto das «elites» hegemonizado pela «ala liberal» e não com o povo trabalhador a ocupar terras, empresas, casas e a mobilizar massivamente nas ruas pelas nacionalizações (setores estratégicos) e pela desapropriação dos «sete magníficos». Eles não perdoam a ousadia dos subalternos quererem tomar o destino nas suas próprias mãos e construírem uma democracia do poder popular; que o 25 de Abril tem o seu ADN na luta de libertação nas antigas colónias (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique). São esses que procuram equipar o 25n com o 25 de Abril, a fim de reescrever a história enquanto vencedores dessa quadra histórica.
Enquanto filósofo-historiador e também sujeito político, levo a sério quando Walter Benjamin escreve que «nem os mortos estarão seguros se o inimigo vencer». Os inimigos de Abril estão cada vez mais berrantes e afoitos, seja na sua vertente «moderada» ou neofascista.
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